Narrativas pandêmicas: percepção e preparação do corpo na cena contemporânea da dança paulistana
Flávia Brassarola Borsani Marques | Alba Pedreira Vieira | Odilon José Roble
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-23, jul. 2024
Optamos por refazer “A Casa” porque como a pandemia estava mais
grave e os números de infecção crescia, decidimos não remontar
“Transe”. Nesta coreografia os bailarinos dançavam em grupo quase o
tempo todo e tinham certa proximidade e não conseguiam manter a
distância necessária, o que prejudicava a execução. “A Casa” era mais
viável porque haviam vários solos, duos, trios, com um distanciamento
muito maior e no único momento em que todos estão em cena eles
realmente estavam distantes e sentados em cadeiras, não havia muita
movimentação cênica. Já a coreografia do Clébio, não. Havia uma
movimentação o tempo todo e eles se misturavam às vezes e havia uma
cena mais ao final que eles quase se tocavam, então decidimos remontar
um trabalho do Jorge Garcia de 2015, que era “Árvore do Esquecimento”.
Basicamente eram solos e duetos, mas os bailarinos não se tocavam, e
o único dueto que tinha algo em que os bailarinos se tocavam ele se
propôs a reorganizar a coreografia. Então ele remontou esse trabalho e
na temporada fizemos oito apresentações no Theatro Municipal, do final
de julho até dia 8 de agosto. Foi um processo muito difícil, tenso, porque
os bailarinos estavam com muito receio de retornar, devido o número de
infecções crescente no país, então tivemos que tomar cuidado redobrado
naquele momento. Um grupo trabalhou na cúpula do Theatro e o outro
ficou trabalhando em duas salas da EDASP. A coreografia do Jorge foi
toda remontada em duas salas das escolas para eles não se
aglomerarem. O espaço da cúpula, eu não sei se você conhece, é bem
amplo, então deu para remontar o trabalho da Marisa mantendo
realmente bastante distanciamento porque as pessoas estavam muito
assustadas nesse momento, havia até uma resistência em querer voltar
ao trabalho por questões de família, conhecidos, parentes que se
infectaram (Costa, 2021).
Esse trecho do relato ilustra a complexidade do retorno ao trabalho
presencial, pelas inúmeras medidas de precaução. No Ballet Stagium, a retomada
aconteceu gradualmente, alterando o horário de trabalho da companhia para que
seus integrantes chegassem ao local de realização das aulas e ensaios com o
menor risco de infecção possível.
A princípio, trouxemos os bailarinos para fazer uma aula, cada um em
seu espaço mantendo o distanciamento. Marcamos um dia para retornar
à companhia, e foi interessante porque não teve nenhum integrante que
tenha dito que não iria ou não queria. Era um momento em que todos
estavam muito preocupados, ficaram muito tempo em casa, mas fomos
flexíveis e em nenhum momento houve uma imposição de ter que ir, foi
democrático. A princípio marcamos as aulas às 10h da manhã e para
alguns era mais difícil ir porque moravam mais distantes, em Suzano, em
Osasco, e pegariam o horário do rush no metrô e no ônibus e resolvemos
que invés da aula ser às 10h seria às 11h30min, que era um horário que
estava mais tranquilo. O nosso horário de ensaio era até às 15h e
passamos a dar somente a aula de 11h30min à 12h30min que era uma
parte que entendemos a princípio ser mais tranquila. Todos concordaram
e assim começamos aos poucos. [...] Então, começamos com a aula,