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Medeia Negra
(2018):
corpo feminino que canta e grita
José Ramón Castillo
Cleiser Schenatto Langaro
Para citar este artigo:
CASTILLO, José Ramón; LANGARO, Cleiser Schenatto.
Medeia Negra
(2018): corpo feminino que canta e grita.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 50, abr. 2024.
DOI: 10.5965/1414573101502024e0204
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Medeia Negra (2018): corpo feminino que canta e grita
José Ramón Castillo | Cleiser Schenatto Langaro
Florianópolis, v.1, n.50, p.1-24, abr. 2024
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Medeia Negra
(2018): corpo feminino que canta e grita1
José Ramón Castillo2
Cleiser Schenatto Langaro3
Resumo
Medeia Negra (2018) concebida e interpretada por Marcia Lima, em Salvador, Bahia, baseada
na reescritura do mito grego, concede voz ao corpo feminino negro, apagado pela violência
da colonização/escravidão, na invisibilidade do sistema penitenciário. Nesta versão ela cria
uma personagem feita de frases, vivências e depoimento de mulheres privadas de liberdade.
O objetivo deste estudo consiste em revisar os conceitos e dispositivos cênicos usados para
representar esse corpo forçosamente silenciado, que retorna transformado em fragmentos
de histórias, barulhos, gritos, espectros e canções.
Palavra-chave
: Mito. Teatro. Corpo feminino negro.
Medeia Negra
(2018): black female body that sings and screams
Abstract
Medeia Negra (2018), conceived and performed by Marcia Lima, in Salvador, Bahia, based on
the rewriting of the Greek myth, gives voice to the black female body, erased by the violence
of colonization/slavery, in the invisibility of the penitentiary system. In this version she creates
a character made up of phrases, experiences and testimony from women deprived of their
freedom. The objective of this study is to review the concepts and scenic devices used to
represent this forcibly silenced body, which returns transformed into fragments of stories,
noises, screams, specters and songs.
Keyword:
Myth. Theater. Black female body.
Medeia Negra
(2018): cuerpo femenino negro que canta y grita
Resumen
Medeia Negra (2018), concebida e interpretada por Marcia Lima, en Salvador, Bahía, a partir
de la reescritura del mito griego, da voz al cuerpo femenino negro, silenciado por la violencia
de la colonización/esclavitud, en la invisibilidad del sistema penitenciario. En esta versión
crea un personaje compuesto por frases, vivencias y testimonios de mujeres privadas de su
libertad. El objetivo de este estudio es revisar los conceptos y dispositivos escénicos
utilizados para representar este cuerpo forzosamente silenciado, que regresa transformado
en fragmentos de historias, ruidos, gritos, espectros y canciones.
Palabra clave
: Mito. Teatro. Cuerpo femenino negro.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Luciana Vedovato doutora em Letras
Universidade Federal de Rio Grande do Sul, mestre em estudos da Linguagem Universidade Estadual de
Londrina, graduação em Letras Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão-PR.
http://lattes.cnpq.br/8763315059585223
2 Doutorando em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE);
bolsista CNPQ 2021-2023. Mestre em Literatura Comparada da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA) (Brasil). Mestre em Literatura Latino-americana e do Caribe da Universidad de Los Andes
2004 (Venezuela). Especialização em Relações Bilaterais Brasil-Paraguai na UNILA. Diretor de Teatro,
dramaturgo e docente. josecas99@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4700797169398024 https://orcid.org/0000-0001-9298-7073
3 Doutorado em Letras Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
Mestrado em Letras Linguagem e Sociedade pela UNIOESTE. Graduação em Letras pela UNIOESTE.
Professora da UNIOESTE curso de Letras e junto ao Programa de Pós-Graduação Sociedade, Cultura e
Fronteiras. cleiserschenatto@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/2455961417762465 https://orcid.org/0000-0003-4741-6006
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Minha garganta...
Minha garganta está ferida
por meus gritos de lamento.
Lâminas cortam o tecido,
mas se perdem no vácuo dos ouvidos.
Medeia Negra, 2020.
(Versão
online)
Medeia Negra
4 (2018) espetáculo teatral concebido e interpretado por Márcia
Lima, em Salvador, Bahia (Brasil), sob direção de Tania Farias, revela o processo
artístico de apropriação do mito trágico grego, escrito por Eurípides, e constrói a
poética de um corpo feminino negro que se rebela e nasce de uma experiência de
pesquisa artística da intérprete, a qual encontra um fio dramático e o coloca no
centro de uma discussão epistêmica sobre as opressões contra o sujeito dentro
do sistema carcerário. A montagem que vamos analisar foi apresentada em dois
formatos, presencial e digital, as quais usam os dispositivos cênicos da
performance, os rituais orixás e as canções para reconstruir a voz que foi
forçosamente apagada.
Márcia Lima dialoga com o mito clássico a partir de aspectos da cultura afro-
brasileira, problematiza a história de mulheres negras privadas de liberdade e
instaura a crítica articulada às questões de gênero, raça e classe social. O
espetáculo dialoga com as vivências da autora/atriz, principalmente no que se
refere ao trabalho desenvolvido em oficinas de teatro no Conjunto Penal Feminino
de Salvador. Com base na releitura dialógica do mito, entendemos que a voz que
canta e grita também se apropria de diferentes ferramentas discursivas para obter
visibilidade, assim nasce a
Medeia Negra
que se aprofunda nas questões culturais
e históricas e de estrutura dramatúrgica e corporal, em meio à subjetividade
caótica reverberada pelo corpo negro e outras implicações que estão relacionadas
e problematizadas pela peça e estética de Tania Faria e Marcia Lima5.
4
Medeia Negra
(2018) versão e adaptação de Marcia Lima, com direção de Tania Farias (Oi Nóis Aqui
Traveiz/RS), produção do Grupo Vila Vox, e assessoria dramatúrgica de Márcio Marciano (Coletivo de Teatro
Alfenim/PB) e Daniel Arcades (Grupo NATA Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas/BA).
5 Aqui é preciso entender que a pesquisa se movimenta em primeiro lugar desde uma estética da rebelião,
mas, o corpo da atriz desde suas mesmas pulsões age sobre os corpos dos espetadores, a versão para a
que temos acesso é da transmissão de YouTube do ano 2020, no canal do SESC, que tem como contexto a
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Corpos Negros no mito
A Medeia, na mitologia grega, é uma mulher que foi induzida a sair da Colquide
e fugir com Jason a Corinto, onde será humilhada e isolada ante as decisões
políticas. Posteriormente, às tensões dentro do reino cresceram e ela foi isolada e
humilhada para que seu marido conseguisse o poder ao fazer uma aliança com o
rei Creonte e casar-se com sua filha Cleusa. Medeia, como ato de vingança,
assassina seus filhos e foge em direção ao Sol. Para entrar na versão da Medeia
Negra é importante fazermos um percurso a partir da atualização deste mito e o
processo de construção do sujeito nas suas relações dentro do contexto cultural,
pois a versão de Márcia Lima é uma proposta epistemológica do corpo feminino
negro para se posicionar contra o centro do poder.
O mito grego aparece em uma versão afrobrasileira para dar sustento a uma
linha epistemológica que se constrói nas bordas do poder hegemônico, patriarcal,
ocidental, pois coloca como motivo de discussão um corpo negro forçosamente
silenciado pela violência histórica. Embora tenhamos uma longa jornada desde o
ocidente, como indica Ocoró (2021), a polaridade do sujeito é marcada pela retórica
do senhor/escravo proposta por Hegel e, neste caso, nosso intuito aqui é
compreender melhor a questão:
Esta matriz epistémica hegemónica, desplaza, silencia y apaga otros
sistemas de conocimiento y, en muchos casos, los combate con la
pretensión de aniquilarlos para consolidar la dominación cultural de esos
pueblos. La hegemonía de los conocimientos eurocéntricos se impuso
junto al despojo y, en muchos casos, la aniquilación de otros modos de
conocer y de habitar el mundo. El racismo epistémico impone la
superioridad de una cultura sobre otra, al punto de asimilarla, negarla o
suprimirla (Ocoró, 2021, p.27).
Medeia Negra
6 mergulha nesta epistemologia da construção do sujeito, onde
pandemia do covid-19. https://www.youtube.com/watch?v=ZbaAHwYdY2w&t=1822s
6 Esta
Medeia Negra
2020 foi transmitida no canal do
YouTube
do SESC São Paulo, tornando-se uma versão
caseira, pandêmica e intimista de pontos altos selecionados pela própria Márcia Lima e desenvolvidos em
sua própria casa. Segue o
link
da peça transmitida dia 02 set.
2020 https://www.youtube.com/watch?v=ZbaAHwYdY2w
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o mito passa pelo corpo e se desenvolve agressivamente desde a performance.
Para problematizar isso, vamos fazer uma comparativa entre o mito grego e a
leitura que estamos seguindo. Em Eurípides, Creonte, com grande repulsão,
permite que Medeia viva no palácio próximo aos seus filhos sob a condição de ser
prisioneira e de não sair nunca. Para Marcia Lima, ela é representada pela mulher
negra, atualmente encarcerada, sepultada viva em total silêncio, sem direito a
julgamento, o que permite que o mito em diálogo com as questões que envolvem os
corpos de mulheres negras nas prisões, crie novas imagens em novos espaços-tempos.
O trabalho teatral de Márcia Lima é resultado de uma série de ações
desenvolvidas entre 2016 e 2018 com o Coletivo Corpos Indóceis e Mentes
Livres do Conjunto Penal Feminino de Salvador, coordenado pela Dra. Denise
Carrascosa, da Universidade Federal da Bahia. Esta produção cresce com esse
corpo polifônico, resultado do processo criativo da peça, a qual foi baseada em
exercícios poéticos com mulheres negras que expõem sua voz7.
Na saída, perguntei à Márcia Lima uma das atrizes pretas mais potentes
que vi em cena: “Você faz este texto, Irmã?” Ela me respondeu:
“Faço, Deni.” Márcia levou a carta para casa e fez silêncio sobre ela até o
dia da performance. Até aquele dia, os textos poéticos, dramáticos e
narrativos que havíamos lido no curso dispunham nossos corpos neste
liame entre vida e arte de que nos falam na academia. O meu exercício
de professora ali, assim como na universidade, sempre foi aproximar
texto artístico de realidade, literatura de vida; rasgar a cortina manicomial
que separa esses espaços. Tentar desaprender junto com elas o gesto
interpretativo cirúrgico, frio e dispensável, que nunca levou a humanidade
a lugar algum. Atraiu-me sempre a temperatura ensolarada, que pode
fazer brilhar o que de mais vivo existe em nós (Carrascosa, 2018 p.30-31).
Medeia Negra
forma uma episteme que continua reverberando, ao colocar no
centro de interesse esses corpos que falam desde o isolamento forçado em um
contexto que se torna violento historicamente. Como referência, podemos dizer
que, de acordo com Carrascosa, mais de setenta e cinco por cento das mulheres
detidas na prisão de Salvador, Bahia (2020, minuto 05.17 a 09:04) são negras e
muitas continuam na espera da sentença. Essa informação evidencia a condição
social, histórica e cultural envolvendo mulheres negras e seus corpos atravessados
7 Os dados do superencarceramento podem ser revisados nesta palestra "A Mulher Negra e o
Superencarceramento no Brasil Contemporâneo" da Dra. Carrascosa no VIII Seminário Nacional do IBADPP
de 2020. https://www.youtube.com/watch?v=UYQ3AdZrUgo Acesso em: 08 ago. 2023
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por diversas formas de violência e pela questão étnica e condição de classe.
Denise Rocha nos indica que sobre esse tema do superencarceramento feminino
no Brasil as cifras são ainda mais preocupantes, pois:
A população prisional feminina era de 37,8 mil mulheres e 64% das
detentas eram negras. Cerca de 40% eram prisões provisórias e 75,34%
cometeram crimes sem violências. No total, havia 47, 3% de mulheres
jovens (entre 18 e 29 anos), 51,9% teriam o ensino fundamental
incompleto, 60,1% solteiras (Rocha, 2021 p.127).
Diante desse contexto de violência, Márcia Lima trilha um caminho para
movimentar o corpo da Medeia rumo a uma proposta na qual não são os filhos
que passam pelo sacrifício, mas é ela mesma quem se sacrifica. Esse corpo
feminino negro torna-se uma mulher que mergulha nas crenças de sua cultura de
Orixá, expõe sua apropriação cultural e desenvolve um discurso político que
responde na mesma medida em que é atacada. Ressalte-se que o espetáculo que
estamos estudando é de setembro de 2020, transmitido pelo SESC São Paulo, em
meio a uma confusão coletiva (política e sanitária), que coincide com o racismo e
a violência no Brasil, onde os números das agressões domésticas aumentaram
devido à pandemia, além disso, milhares de trabalhadores foram obrigados a se
expor ao vírus sob ameaças de perda do emprego, “Si bien la crisis afecta a toda
la fuerza de trabajo, la situación de los trabajadores informales de ambos sexos, y
especialmente la de las mujeres y las personas jóvenes, indígenas,
afrodescendientes y migrantes, constituye un fuerte núcleo de vulnerabilidad”
(CEPAL, 2020 p.10).
O mito se transforma em uma ferramenta estética que leva a unificação de
símbolos, desde as referências dos personagens próprios, colocados nas imagens
apresentadas na cena. Um corpo que respira e que fala sem parar no meio de uma
grande composição musical, nos leva a pensar que esse imaginário é dinâmico.
Com certeza, a obra, poderá se atualizar e se renovar permitindo que se
movimente em três aspetos que são evidentes: 1) primeiro, apropriação da tragédia
grega no teatro negro, baseado na ancestralidade e na tradição que procura o
passado africano e o posterior sincretismo cultural no continente americano; 2)
responde com as performances e as canções que criam uma conexão do contexto
cultural, especificamente em Salvador, Bahia; e 3) uso dos rituais ancestrais, que
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a Medeia Negra desenvolve desde a primeira cena.
O que vejo nos vastos confins desta terra, entre florestas catingas e
cerrados, os mesmos sem eira, esfolados. Entre os quais as mesmas
mulheres de corpos surrados, batidos, marcados, feitos. Manadas de
feras domadas (Medeia Negra, 2020, minuto 42.03 a 42.45).
Nesta versão afrodescendente do mito a história não implica a inversão
arbitrária dos elementos conceituais, senão que nos coloca no ponto mais forte, a
visão dos personagens. Assim, o corpo como dinamizador simbólico se apropria
dos espaços e das linhas dramáticas para criar um sistema complexo
de
artificação
(Mangieri, 2020) da cena, converte-se em uma nova referência
semiótica desde as percepções da violência. A
Medeia Negra
nasce desde a carta
que as mulheres negras, internas no Centro Penitenciário de Salvador, Bahia,
escrevem como exercício literário, mas essa informação regressa como uma
ferramenta que transforma o corpo original do mito em um corpo urbano dentro
de outro contexto cultural, que agora não precisa demostrar uma orientação fiel
dentro da narrativa grega, senão que se adapta para uma nova configuração trágica
desde os corpos negros.
Resulta importante definir essa
artificação
em um corpo negro, porque cria a
proposta conceitual de reclamação, de vozes que se expandem e que procuram
uma resposta desde outros sistemas culturais que possam nos referenciar.8
O corpo negro conserva um cruzamento evidente do espaço no qual habita,
e a pesquisadora coloca toda sua percepção para tentar organizar os corpos na
escrita e na cena para fornecer uma versão individual. Neste caso, pode ser um
risco ao criar um novo contexto poético que se distancia da testemunha inicial,
mas é um dos riscos da criação artística. Para Denise Carrascosa (2018) a
8 A artificação é uma categoria que fornece Rocco Mangieri (2021), baseado nos contextos do movimento de
protesto social norte-americano, de 2020, “I Cant Breath”, que emergiu com a morte violenta de George
Floyd por uma ação da polícia de Minnesota. No período da pandemia os corpos negros decidem não falar,
e criam uma série de protestos que paralisam o país. Artificação se entende como a ação de colocar um
joelho no chão e cobrir com a mão a boca para evidenciar o descontento e exigir justiça, além disso, teremos
duas percepções da performance. Primeiro a impossibilidade de falar ante a força do estado, que nesse
momento coloca como justificativa a pandemia e impede as manifestações organizadas, mas também a
imagem de obstaculizar a boca representa a asfixia transmitida pela mídia quando George Floyd foi
assassinado em uma rua pelos agentes policiais. Na segunda percepção simbólica, a máscara se adapta
para uma nova forma de reclamação, que agora não será usada como elemento médico de proteção contra
a pandemia, senão que se torna uma ferramenta de protesto e cada grupo que aparece na rua cria sua
própria marca para estabelecer uma apropriação de território e de causa coletiva.
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manipulação desta informação foi de grande importância, pois Marcia Lima, ao
experimentar com os discursos que estavam dentro das cartas, elabora um
segundo discurso onde se gera um panorama de corpos negros, de mulheres
encarceradas que são discriminadas e as adapta para suas vivências como artista,
ressignificando seu próprio corpo.
Medeia não será agora uma Medeia clássica e isolada, senão que fala desde
diversas Medeias que “artificam” seus discursos para fortalecer sua posição e criar
um novo mundo negro onde ela pode existir no centro. De acordo com Adela
Aparecida de Silva Carvalho (2015), esse processo de deslocamento do centro
conceitual de um mito responde a um conjunto de apropriações que resultam de
movimentos ativistas originados desde as mesmas bases do teatro negro
brasileiro, com antecedentes de muitas medeias desde o século passado.
O teatro negro vai se apropriar da herança do teatro tradicional africano
e grego através da relação com a repetição configurada tanto no caráter
ritual quanto no caráter espetacular (já que o teatro guarda esse caráter
de uma arte da repetição), auxiliando o processo de identificação do
indivíduo negro (Carvalho, 2015 p.21).
Aqui podemos nos referir à exposição sobre racismo estrutural que propõe
Roberto Borges (2020, min.16:35 a 19:38), onde reflete sobre a temporalidade da
proposta de uma episteme negra e coloca obras específicas como, por exemplo,
o filme do diretor carioca, Zózimo Bubul,
Alma no Olho
, com data de 19779, e que,
apesar de ser interpretado por um homem negro, o corpo do ator se degrada em
laços, evidenciando o isolamento e a discriminação. Temos que mencionar
também outros artistas que trabalharam na temática, como o Teatro Experimental
do Negro (TEN), fundado por Abdias Nascimento, em 1944, que revê esse
imaginário do sujeito negro, conduzindo toda uma proposta de adaptação de
clássicos ocidentais atravessados pelos Orixás, além das opressões culturais
sofridas pelas comunidades afrodescendentes do norte do Brasil que se espalham
por todo o território nacional.
9 Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PFDBtH7AHWo
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É importante ressaltar que temos como referentes10 que no ano 2021 a
Companhia de Teatro Projeto Gompa, de Porto Alegre, apresenta o espetáculo
A
Última Mulher Negra
, que faz uma revisão dessa epistemologia do sujeito negro a
partir do livro
O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado
(1978), além de somar neste inventário a Companhia O Bonde de São Paulo, com
o espetáculo
Desfazenda Me enterrem fora desse lugar
11, de 2022, com
dramaturgia de Lucas Moura e sob a direção de Roberta Estrela D’Alva, trabalho
baseado no texto
Como criar um corpo negro sem órgãos
, do mesmo autor.
A fundamentação epistêmica deste corpo negro, conforme Anny Ocoró
Loango (2020), aborda sobre a discussão e a necessidade urgente de gerar uma
episteme que coloque em disputa a construção do novo sujeito latino-americano,
para isso é essencial entender o universo polifônico onde nasce o Racismo
Estrutural, abordagem reforçada por Djamila Ribeiro (2019), que indica que os
corpos se rebelam automaticamente e levam, na maioria das vezes, a uma
violência ainda mais desenfreada.
Para chegar a esse ponto é preciso rever a Crítica da Razão Negra (2016), de
Achille Mbembe, a qual nos permite ver uma oposição de centros de poder, onde
o olhar para a África e, portanto, seus descendentes na América, conduz às
margens, esse contexto nos permite reconfigurar o corpo como espaço de diálogo.
Aún hoy, cuando se trata de África y del negro, la palabra no siempre
representa la cosa; lo verdadero y lo falso se vuelven inextricables entre
y la significación del signo no siempre se adecua a la cosa significada.
El signo no solamente reemplaza a la cosa: a menudo, la palabra o la
imagen tienen poco que decir con respecto al mundo objetivo (Mbembe,
2016 p.40).
Com a intensificação do fascismo em alguns países da América Latina,
principalmente nos últimos cinco anos, além das medidas de controle
populacional, o que se justificou com a chegada da Covid-19, houve um aumento
nos casos de discriminação estatal em 2020, atos violentos contra as mulheres
10 As experiências mencionadas aqui são usadas como ilustração e exemplo, não se busca discriminar o
universo de artistas que criaram e seguem criando o movimento do Teatro Negro no Brasil.
11 Espetáculo que assistimos o dia 01 de abril de 2023 no Teatro Sesc da Esquina dentro do Festival de Teatro
de Curitiba 2023.
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foram intensificados e justificados. Durante a pandemia muitas mulheres foram
alvo de agressões constantes, para além da catástrofe sanitária somou-se o
descaso do Estado que deixou milhares de quilombolas sem ajuda e,
principalmente, apoio à população negra - mulheres mães, em sua maioria da
região norte do Brasil12 (Gomes, 2020, min 50.14).
Márcia Lima, em Medeia Negra, usa seu corpo para mostrar esse fenômeno
de violência que aumentou com a pandemia, mas consolidado na mídia oficial
e governamental. Por isso reiteramos que o corpo é a ferramenta que dá suporte
para ela, traz as vozes desse grupo de mulheres isoladas com quem trabalhou por
mais de três anos, onde o silêncio involuntário e a violência física se tornam
evidentes.
E acho que Medeia Negra é a história de muitos encontros da Márcia. Da
Márcia, mulher negra, mulher de teatro, de grupo. Foi encontrando o
feminismo negro, e a Marcia e as suas questões e foi se desconstruindo,
se construindo, se desconstruindo, se construindo (Tania Farias, 2021,
min. 10.50 a 11.13).13
No Brasil contrapõem-se exponencialmente os direitos das comunidades
quilombolas, as quais estão sendo deslocadas, como parte de uma clara política
de discriminação estatal, é que a Medeia Negra entra em conflito com seu corpo
açoitado, prefere não ter mais filhos, pois isso seria procriar mais vítimas para o
Estado. Em um ato de agressão contra si mesma, nega-se e condena-se em uma
frase contundente na primeira parte da montagem “prefiro matar meus filhos
antes de virar policial” (Medeia Negra, 2020). Marcia Lima buscou um espaço para
expor a experiência de mulheres negras em meio a uma prisão em que foram
completamente ofuscadas e, por isso, Medeia Negra é um corpo que respira, vive
e ocupa seu espaço com força.
O mito de Medeia em diálogo com a história e a cultura afrodescendente
permite que esse corpo, originalmente libertado pelo assassinato de seus filhos
como vingança, sofra uma interessante virada simbólica, pois normalmente é
12 Palestra online da Dra. Nilma Gomes da UFMG. 28 de agosto de 2020. Minuto 50:14 e seguintes
https://www.youtube.com/watch?v=pWlATimJ0cQ Acesso em: 30 jul. 2023.
13 Desmontagem Medeia Negra 9 de abr. de 2021 SESC Pompeia
https://www.youtube.com/watch?v=lPj5VtV81jE&t=1620s Acesso em: 10 ago. 2023
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repetitivo em versões recentes, em diferentes contextos culturais14. Para Márcia
Lima, o ato violento reside na negação da própria personagem, como resistência,
então, cresce como uma grande onda polifônica de vozes que são as de seus
protagonistas, ou seja, os depoimentos e a força desses corpos femininos negros
que exasperam e exorbitam a maternidade, a proteção, a defesa e a flagelação.
Trabalhar com Medeia sempre nos leva a analisar as formas de agressão, que
ela nasce em meio a ambientes hostis. Podemos voltar a Nilma Gomes (2020) que
faz um estudo sobre comunidades negras no Brasil e indica que estão sujeitas a
dois grandes blocos que as discriminam: um, o descaso social, onde não direito
à educação ou segurança, e dois: a negação de um sistema de saúde que abranja
a maioria dos habitantes da periferia.
Ao revisarmos esses dois pontos, certamente aparecerão muitos outros,
consideramos necessário enfatizar que na discussão percebe-se o descaso social
e a rejeição imediata por parte da comunidade vitimizada, o que obriga a
transbordar pelas margens e gerar um corpo coletivo constantemente
fragmentado e fraturado. Medeia Negra entra nesse discurso do imaginário do
corpo feminino negro e é sua forma de se rebelar contra o opressor.
Corpos Femininos
A violência e o desespero da Medeia Negra é uma forma de demonstrar que
faltam alternativas para rever e denunciar com os corpos. O que chama a atenção
nessa versão é que o corpo é representado em fragmentos como forma de
narrativa, em três grandes blocos: primeiro, onde se questiona a existência da
mulher, como uma grande provocação; segundo, denuncia a violência contra a
mulher negra, e por último um convite à desconstrução do patriarcado,
representado pelo estado.
14 Em 2015, José Ramón Castillo escreveu e dirigiu “Medea...” para o Comité de las Artes de Chihuahua (México)
com María Sánchez, trabalhando e revisitando o mito para conecta-lo com as mulheres das maquiladoras
na fronteira Estados Unidos-México. O resultado foi uma proposta de mulheres que se anulam para que
seus filhos não ousem seguir os mesmos caminhos, algo que na versão dramatúrgica ela os liberta à força.
Da mesma forma, outras versões sempre tentam renovar Medeia, que se emancipa de seus filhos para não
cair no seu próprio destino. Informação da montagem https://tramoyam.blogspot.com/2016/06/medea-
adaptada-y-dirigida-por-jel.html
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Começamos pelo primeiro dos aspetos, o questionamento da existência da
mulher, sendo a procura da voz do corpo feminino. No meio do apagamento
sistemático ela gera uma série de ações para manter a presença, é uma forma de
criar um mito matriarcal que fortalece sua ação com a palavra. Depois
encontramos a denúncia contra a mulher negra, ancorada nas formas como as
vozes das Medeias15 do presídio vão se evidenciando em um trabalho intertextual
de pesquisa e dramaturgia, o que nos deixa como manifesto que é um personagem
polifônico, não linear.
Está consumado. Encerro aqui, no mangue da ancestral anciã, o ciclo
maldito do amor, três vezes maldito. Inscrevo no tempo o meu nome.
Medeia, com o sangue da minha linhagem. Filicida dirão, assassina da
própria cria. Ato supremo da negação. A sombra do milenar baobá
replanta a semente mal semeada. Enterro aqui a carne de minha carne
face contra face, abraçados no beijo amargo da morte. Salvador, 2 de
setembro de 2020 (Medeia Negra, 2020, min. 3.50 a 4.49).
Esse ponto inicia com a carta que devem escrever para Medeia, as
participantes da oficina de arte, dentro do Conjunto Penal Feminino de Salvador,
o que representa o peso orgânico desse corpo que se estende desde a forma
gramatical, mas o que contém é uma vivência altamente maltratada. Uma
necessidade de escrita, de expor o sentido de convivência, criando uma forma de
interpretação do contexto, será essa função da escrita que o corpo vira em linhas
e letras, palavras que descrevem um universo, descrevendo desde o interior de
cada sujeito as condições pelas quais são silenciadas. Essa mulher negra fala
desde a carta escrita, leva consigo uma carga emocional que se alimenta de
pensamentos, de frustrações, com necessidade de ser ouvida. Essa escrita
evidencia o complexo pensamento de cada uma das participantes.
O conceito de feminismo negro é a estratégia de libertação desses corpos
aprisionados, muitas vozes que estão dentro de cada um dos sujeitos que visam
a destruição do patriarcado, seguindo a sequência mitológica, coloca a morte
simbólica do homem patriarcal. Medeia coloca a mulher como centro de
15 Uma alternativa de enumerar as Medeias pode ser o inventario de Denise Rocha que resulta esclarecedor
para próximas pesquisas: “Além do rio (Medeia) (1957), de Agostinho Olavo; Gota d´àgua (1975), de Chico
Buarque e Paulo Pontes; Medea en promenade (2012), de Clara de Góes; Mata teu pai (2017), de Grace Passô;
Curra Temperos sobre Medeia (2018), de Cleiton Pereira; Medea Mina Jeje (2018), de Rudinei Borges dos
Santos; e Medeia Negra (2018), de Márcio Marciano e Daniel Arcades”. (Rocha, 2021 p.219)
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discussão, como mito matriarcal que termina com um fato de vingança, punindo
o corpo masculino desde o discurso do poder, arrebatando a descendência dos
filhos que seriam sua extensão, deixando sem efeito um corpo que será amputado
desde o emocional e o simbólico.
O que importa? Agora, me entrego à suprema negação. Quando me
julgaram vítima, não quis perdoar os erros por mim cometidos. Quando
me julgaram a voz, não quis desmerecer os meus acertos. Quando me
acusaram de bárbara, não recusei a diferença. Saíram em minha defesa,
mas desdenhei das belas intenções. O que importa é que meu corpo
negro me afirmar e me nega como um palimpsesto. Nele apago minhas
dores para reescrever na pele um novo canto de prazeres (Medeia Negra,
2020, min. 18.59 a 19:49).
No mito da Medeia, além de ser a executora de um assassinato funesto,
também é uma voz que ainda se autoflagela e gera consequências maiores para
aqueles que a encerram. Seguindo a linha dramática de Eurípides encontramos
que a Medeia, ao executar o assassinato dos filhos, logra sair de Corinto em direção
a Tebas16.
Na Medeia de Márcia Lima os dispositivos cênicos se baseiam em rituais
orixás que se deslocam e ressignificam, interpretados desde o início com a frase
“está consumado", gerando um ambiente que o corpo se posiciona em um
significado anacrônico, onde os textos se interpretam como um caos sequencial,
num sentido de unidade. As formas de fratura do texto são um dos principais
pontos a revisar, pois são vozes de alguém, essa mulher negra que estava
encarcerada, que escreveu a carta para Medeia, foi levada para o palco e, como
tal, aparece de maneira aleatória, dramaturgicamente, mas essa espécie de
polifonia cria a composição total do discurso. Para Iris M. Zavala (2011) a
fragmentação dos discursos na arte, representa esse corpo que além de ser
abjeto17, precisa de uma compreensão em conjunto, porque cada fragmento vai se
16 Segundo Robert Graves a Medeia do mito grego, seria levada para Tebas onde seria perdoada pela deusa
Hera. “Medeia fugiu primeiro para Tebas, atrás de Hércules, que lhe havia prometido ampará-la caso Jasão
alguma vez se revelasse infiel; ela o curou da loucura que o fizera matar seus filhos. Não obstante, os
tebanos não lhe permitiram fixar residência entre eles por haver matado Creonte, seu rei. (Graves, 2018
p.1001)
17 Para Julia Kristeva (1989) a categoria do corpo abjeto, é aquele que se evidencia desde os
fragmento, permitindo que os centros do discurso se desloquem para as bordas, que podem ser
encontrados nas propostas estéticas de uma obra, como, por exemplo, deixar páginas em branco, romper
as linhas sem normas ortográficas ou gramaticais, além de mostrar ou descrever imagens de fragmentos
de corpos, fluídos como sangue, sêmen, fezes, suor, saliva, além de ferramentas literárias como vozes que
falam desde a escuridão, ruídos, polifonia onde um personagem faz as vozes de muitos personagens.
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relacionando como espécies de eixos que gravitam de maneira independente, mas
estão conectados uns ao outros.
Uma das formas mais interessantes são as características de uma narrativa
não linear para abrir um fio narrativo em constante movimento, tão dinâmico que
obriga o espectador ou leitor a colocar cada peça dentro de cada significante do
que está sendo proposta, assim a “carta” que foi escrita inicialmente por muitas
vozes é levada para a cena em uma composição coral executada somente por
uma atriz.
Sevícia, violência, estupro e morte
O que vejo no chão das fábricas, nas praças de comércio
Nas filas dos hospitais dos coletivos sempre lotados
O mesmo contingente de miseráveis
Com sua proporção de mulheres
Duas vezes miseráveis
Sevícia, violência, estupro e morte
O que vejo nos becos e sarjetas
Das metrópoles atormentadas
Fantasmas do vício e da fome
Entre tantas mulheres perdidas
Sevícia Violência Estupro
Entre tantas mulheres perdidas
Sevícia... Violência.... Estupro e morte (Mede
ia Negra
, 2020, min. 15.45 a
17.50)
Como centro do discurso essa canção cria um espaço ainda mais complexo
que marca a grande confrontação de Medeia com ela mesma, em uma revisão
dialógica que questiona de novo a reivindicação de um corpo feminino negro e
coloca no primeiro plano as vozes silenciadas, deixando livre o corpo que fala
desde si, e anula o discurso do opressor. Poderíamos dizer que ela está se
posicionando e se coloca como executora de um barulho que desemboca na sua
libertação.
Segundo Iris M. Zavala (2011, p.410) “las posiciones del sujeto están
socialmente orientadas con el propósito de interlegitimar su propia 'narrativa' de
emancipación política, intelectual y social”, onde a necessidade de fragmentar o
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discurso recai na forma como o sujeito está sendo enfrentado pelo contexto e cria
a polifonia que se interpreta em uma contradição de normas de ética e política, as
quais são impostas verticalmente por um conjunto cultural. O corpo, submetido a
essa opressão, se manifesta com os elementos recorrentes no seu trânsito
cotidiano, conseguindo focalizar essas fraturas, além de colocar em diálogo cada
uma das partes para emergir em um novo corpo complexo, que no caso da Medeia
será esse que se liga ao feminismo negro.
Não pretendemos falar sobre o feminismo negro18, mas as vozes colocadas
no corpo da Medeia podem nos ajudar a entender que a faceta epistemológica
deste tema está aberta e que permite a interpretação de elementos específicos
que violentam a cena.
Num único ato, entrego à morte o presente de meus dias. Num único ato,
destruo o passado para enterrar o futuro que me impuseram, mas que
não aceito. Num único ato, entrego à morte a prole que não mais
reconheço, a parte que renego das minhas entranhas. No único ato
destruo o passado para enterrar o futuro que me representa.
É imperioso.... Não sucumbir.... Ao olhar inocente.... De minhas crias....
Como fazê-las compreender o impossível, como deixá-las aprender o
inominável, como excitá-las a alcançar... O inatingível (Medeia Negra,
2020, min. 23:13 a 23:55).
Essa significância do dispositivo cênico do filicídio como protesto à violência
é o que nos indica Denise Rocha (2021), que revela a Medeia Negra dentro do
discurso feminista em duas direções, uma, as mulheres que trabalharam com a
Marcia Lima no Centro Penitenciário são em si mesmas a base conceitual, elas
desenvolvem relatos biográficos e autobiográficos, carregando um discurso onde
o centro se define como uma “desgraça”, que estão encarceradas, o que nos
permite seguir o fio de uma origem visceral destas cartas. Em segundo lugar, a
organização discursiva que se opõe ao patriarcado como único centro de poder e
desloca seu imaginário para os corpos negros que falam, sustentada nas
testemunhas dentro do centro penitenciário, assim a palavra e o corpo ficam em
18 Para abrir a discussão sobre as bases conceituais do feminismo negro sugerimos revisar o trabalho de Leila
Gonzales que além de se posicionar em um marco referencial da referência econômica de trabalho das
mulheres, planteia que existe uma clara perspectiva cultural no Brasil: “O que se opera no Brasil não é
apenas uma discriminação efetiva; em termos de representações sociais mentais que se reforçam e se
reproduzem de diferentes maneiras, o que se observa é um racismo cultural que leva, tanto algozes como
vítimas, a considerarem natural o fato de a mulher em geral e a negra em particular desempenharem papéis
sociais desvalorizados em termos de população economicamente ativa”. (Gonzales, 2020, p.35)
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primeiro plano e conseguem ser escutadas.
Medeia, o corpo que canta e grita
Marcia Lima, com ajuda de Tania Farias, desenvolve uma Medeia que
questiona um espaço violento, onde ela tenta salvar seus filhos de um destino que
será o mesmo frente aos corpos que a oprimem, decidindo matá-los deixando em
evidência que mais que uma ação desesperada é um ato de rebeldia. Assim, os
corpos atuais desterrados da Colquida podem regressar para construir um mundo
matriarcal. Marcia lembra e se aproxima do discurso da negritude de Aimé Césaire,
que abarca a anulação do contexto do opressor branco, por essa razão Medeia
corre para liberar seus filhos com a morte, aparecendo o discurso da polaridade
que reconstrói com uma nova estrutura cultural, colocando a voz dos corpos
negros no centro da atenção19.
Por isso, conclamo, neste último pedido, nesta conjuração de potência,
nesta invocação dos instintos e da paixão, para que razão e natureza se
convertam na mesma vertigem. Que um coro de mulheres, vitimadas
como eu, usem suas vozes como lanças contra os verdadeiros bárbaros
usurpadores, estúpidos e enfrenes, incapazes de amar. Levanta. Ergue-
se a prole. Alimenta com leite do teu peito. Goza quando quiseres. Inunda
o mundo. Faz o teu dilúvio, mulher. Só quem pode renovar o mundo com
dilúvio é você. Usa a lama para criar novos humanos. Usa os ventos para
espalhar tuas histórias. Usem as águas para purificar os novos corpos de
vítimas e algozes.
Usem as folhas para curar as feridas (
Medeia Negra
, 2020, min. 28:38 a
30:26).
Aqui não abordaremos as questões do discurso da Medeia, pois Marcia
confere a dimensão dos corpos presos. Medeia duvida de sua própria existência,
seu corpo feminino deslocado do centro, reagindo em um discurso agressivo, que
deixa em evidência o conteúdo simbólico reescrito em cada uma das frases que
vai desenrolando na obra. Vazios e silêncios das pausas, músicas e barulhos das
cerâmicas e ruídos de metais permitem transparentar as formas como emergem
19 O que Aimé Césaire chama de negritude está conectado com as rebeliões caribenhas, onde os personagens
das obras são tão violentos em uma quanto os motivos que os colocaram nessa situação, deixando eles
fazer um discurso que destrói tudo o contexto para criar uma nova estrutura de convivência cultural, sempre
anulando ao opressor colonialista. Importante revisar os seguintes trabalhos:
Et les chiens se taisaient, ou
Une tempête
.
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os corpos que cantam e gritam dentro do imaginário da artista, como reflexo do
processo vivenciado dentro do centro penitenciário.20
Medeia Negra
se coloca no centro de uma linha cultural, em uma relação
dialética consigo mesma, sendo uma visão particular onde Marcia Lima expõe os
discursos das mulheres negras do presídio e se expande em diferentes sistemas
culturais, não desde a capacidade de criar uma poética desde o palco, senão,
que se apoia na internet para fazer uma série de transmissões e permitir que as
Medeias e suas vozes se coloquem em diferentes circuitos culturais. Aqui
podemos falar das possibilidades do corpo expandido, que usa a internet para
mandar as pulsões de seus significantes e permitir a eles chegarem a outras
dimensões culturais. Por exemplo, a obra que estamos estudando foi transmitida
no dia 02 de setembro de 2020, no canal do SESC, o que nos permite perceber
que o corpo da Medeia Negra transitou entre a presencialidade e a proximidade
teatral com inúmeros usuários que se ligaram para interagir com a proposta cênica
desde diferentes regiões do Brasil21.
A voz e o discurso da Medeia Negra
Grada Kilomba indica que a fala abre uma ferramenta epistemológica que
adentra nos conflitos coletivos, neste caso de Marcia Lima que se liga com os
corpos das mulheres encarceradas, fornece um espaço para debater, permitindo
introduzir e questionar os conceitos de separação e de periferia: “Alguém pode
falar (somente) quando sua voz é ouvida. Nessa dialética, aquelas/es que são
ouvidas/os são também aquelas/es que ‘pertencem’. E aqueles/as que não são
ouvidas/os se tornam aquelas/es que ‘não pertencem” (Kilomba, 2019, p.42-43). Os
discursos não podem ser estudados desde o binário, segundo Kilomba, estariam
castrados desde o pensamento e negam a existência do outro.
20 Desmontagem Medeia Negra 9 de abr. de 2021 SESC Pompeia
https://www.youtube.com/watch?v=lPj5VtV81jE&t=1620s Acesso em: 10 ago. 2023.
21. Para acrescentar sobre a temática sugerimos ler: Gustavo Geirola. Teatro: vida, sentidos y presencialidad:
Conjeturas a propósito de la pandemia.
Argus-a Artes y Humanidades/Arts & Humanities
, vol. XI, no. 42,
2021, pp. 1-31. https://www.argus-a.com/publicacion/1607-teatro-vida-sentidos-y-presencialidad-
conjeturas-a-proposito.
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A voz que permaneceu calada agora posiciona seu discurso como um barulho
que se expande em uma onda violenta que coexiste com o opressor, enquanto
usa a mesma língua para atacar e para visibilizar, deixando aberta essa nova voz
que se refugia nas margens do seu próprio contexto como são os costumes, a
religiosidade, maioritariamente desde os Orixás, as manifestações literárias (hip-
hop, poesias, contos de retorno para África) ou dos sonhos de uma vida baseada
na quilombola e a “favelização” da cultura. Assim, a mulher está aberta para
construir(se) como sujeito que sustenta formas discursivas, e que vai permitir o
nascimento de uma Medeia que não deixa acontecer como normal a
discriminação, então, será desde o uso da língua que consolida seu corpo de
mulher negra.
Mas com vocês, eu me faço coro. Eu me sinto coro. E mesmo rouca, eu
observo a facilidade. E vejo... vejo o medo no rumo das nossas histórias.
Vejo receio de como ficaremos agora. Vejo que o patriarcado sabe quem
somos nós. Sabemos nós? Sabemos nós? Levanta. Levanta, mulher.
Levanta. Levanta, mulher. Levanta. Levanta, mulher. Levanta. Como o
patriarcado é assim. Se conseguir, mulher, converse. Se não der, Mate!
(
Medeia Negra
, 2020, min. 30.53 a 31.49).
A visão polifônica que está dentro da Medeia é a construção da poética que
evidencia pegadas e cicatrizes de um sistema judiciário que não possui respostas
claras ante a superpopulação de presas, ansiedade ante os vazios legais e, como
indica Carrascosa (2020), são mulheres sentenciadas em múltiplos sentidos.
Medeia é uma experiência como artista-pesquisadora, de Marcia Lima, em contato
com os testemunhos das mulheres isoladas que escrevem fatos biográficos. Mas,
esse documento não fica simplesmente em uma recopilação, senão que é
acrescentado pelos dramaturgos Daniel Arcades e Márcio Marciano para dar forma
às ações de Márcia.
Medeia não cresce só com as vozes das favelas e as dos quilombolos, senão
que fala desde a construção de um novo sentido de convivência para evidenciar
uma reclamação frente à discriminação e criminalização dos presídios.
Discursos apagados, bocas fechadas, procedimentos de força coercitivos,
maltrato físico, estupro, sevícia e violência são as linhas que batem sobre a
superfície da fisionomia desta Medeia, tanto desde a proposta corporal de Marcia
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Lima como a organização do texto que foi se alimentado com ideias das mulheres
e dos dramaturgos convidados para o diálogo reflexivo (Daniel Arcades e Márcio
Marciano), os quais estavam em diferentes pontos geográficos do Brasil. Incluímos
um corpo intertextual que fala como um conjunto polifônico de ruídos que
parecem coexistentes sem conexão, mas em uma revisão ampla eles compõem
um corpo complexo de significantes e significados que se espalham nas salas
onde aconteceu a estreia, assim como na internet, para gerar uma reação nos
espectadores. Mas, regressemos ao ponto desses corpos que se abrem e se
expandem.
O fato de uma Medeia que se renova e que cresce em cada instante é o que
nos leva a pensar em diferentes tempos e espaços poéticos, que giram entre a
necessidade de reivindicar a cultura africana e de denunciar os métodos
coercitivos dentro dos presídios. Sobre esse ponto especificamente, existe um
detalhe da montagem que é o figurino alusivo à bananeira para um ritual Orixá, em
mistura com a ideia de ocidentalizá-lo ao estilo cabaré, para finalizar em uma
composição musical que relembra a “Strange fruit” de Abel Meeropol, interpretada
por Billie Holiday, pois a Medeia se comunica com elementos variados e caóticos.
Por isso, a Medeia leva de manifesto as preocupações que Márcia Lima extrai do
contexto que analisou com Tania Farias e a voz que canta como um corpo invisível
também comparece no centro da atenção da montagem.
E começa aí. E tem esse momento do trabalho vocal, que foi um
trabalho construído a partir do corpo, como é que o corpo gera ações
vocais, entendendo que a voz também é corpo, é um corpo invisível, mas
que também pode produzir ações vocais. Então, a gente fez um trabalho
de criação de ações vocais. E tanto para isso, quanto para as canções, a
gente foi construindo com preparador vocal o que nós entendíamos que
era o melhor para o espetáculo. E também trabalhando o aparelho
Márcia, para que ele realizasse esses desejos (Faria, 2021, 09.35 a 10.16)
(Desmontagem teatral online de 2021).
Medeia pandêmica? Medeia polifônica? Medeia...?
Como indicamos anteriormente, para o ano de 2020, no meio da pandemia
da Covid-19, os registros de violência contra corpos de mulheres negras no Brasil
aumentaram exponencialmente. Segundo Nilma Gomes (2020) os direitos violados
foram evidenciados por denúncias e violações recebidas nas instituições de saúde
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e segurança em diferentes regiões do país, principalmente em função de
ocorrências envolvendo comunidades afrodescendentes.
Diante desse panorama, podemos inferir que a versão do mito grego de
Medeia, nesta versão que dialoga com a história e a cultura afrodescendente, não
é apenas alimentado pela vingança por seus filhos, mas é o corpo feminino negro
que se rebela contra instituições e padrões de racismo estrutural, uma vez que
ações do Estado implicam em ações injustas. Também podemos focar em
aspectos importantes da obra como: violência institucional, discriminação baseada
na cor da pele e degradação do sistema cultural.
Medeia também é polifônica, pois aparece no palco em decorrência de um
trabalho de redação coletiva em um centro de detenção. Márcia Lima desenvolveu
uma poética que parte de seu próprio corpo de mulher negra e exacerba o valor
das detentas nessa situação, por isso a versão é Polifônica, Múltipla e Pandêmica,
por ter diferentes linguagens e aciona o ruído do corpo feminino negro que
reivindica seu espaço. Na palestra
Mulheres Negras na Luta contra o
Superencarceramento
, com Angela Davis e Conceição Evaristo (2020),
apresentada pela Dra. Denise Carrascosa sobre o feminismo negro e os exercícios
propostos pelo Coletivo Corpos Indóceis e Mentes Livres22, a precariedade do
discurso do corpo é reiterada de diversas formas. A partir da palavra que se ativa
e atravessa a linguagem e é justamente isso que Medeia Negra enfatiza, pois libera
sentimentos em diferentes direções, tanto para o espectador, quanto para a
plateia e para quem o interpreta.
A
Medeia Negra
faz uma leitura sobre o que envolve esse corpo que está
aprisionado em uma cela simbólica, mas também denuncia o corpo maltratado e
mutilado em todos os sentidos. Nos provoca a traçar uma nova teorização sobre
os Corpos Medeicos23 da seguinte forma: primeiro, os corpos das mulheres negras
geram um caos polifônico a partir de sua representação na arte e na literatura,
pela força com que foram oprimidas, respondem emocionalmente; a segunda, a
22 COLETIVO CORPOS INDÓCEIS E MENTES LIVRES Organização de Mulheres Negras pela Vida de Pessoas
Encarceradas 10 anos - 2010/2020:
https://www.youtube.com/channel/UCoiY751ThiAZ190fUYbW54g/featured
23 Esta é uma categoria que estamos desenvolvendo para mapear as Medeias em diferentes contextos
culturais de América Latina e do Caribe.
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força das emoções que daí emanam, desmoronam a construção de um
pensamento binário, controlador e violento; e como terceiro, é uma proposta que
desafia as disciplinas acadêmicas e artísticas, o que permite mapear esses corpos
negros em símbolos culturais complexos.
A partir daqui, será importante trazer o exemplo de outras manifestações
artísticas que partem do coletivo, conforme menciona Denise Carrascosa na
transmissão referida, duas escritoras que são Dona Lindoneta Ferreira e Larissa
Fulana de Tal24 que se apresentam nesta coletiva como testemunhas das pressões
do corpo na prisão. Dona Lindoneta Ferreira refere-se ao encarceramento das
mulheres negras e as consequências que daí advém, em seu depoimento a luta
contra o imaginário do desperdício, da humilhação; Larissa Fulana de Tal escreve
poesia visual, descreve a prisão como corpos que abrem e fecham sem parar, em
condições sanitárias deploráveis, que tem como constante a proibição de visitas e
a desumanidade. A violência que esses corpos sofrem gera uma resposta
performativa que responde com “intensidade visceral”, esteticamente falando,
Larissa Fulana de Tal coleciona histórias em um silêncio avassalador.
Conceição Evaristo nesta palestra aponta incisivamente que as detentas não
são mulheres presas e sim mulheres custodiadas, pois na maioria das vezes ainda
não estão em processo jurídico claro, indicando que elas “são vozes paralisadas,
que servem de exemplo para as comunidades de onde vêm”. Ou seja, ainda
transitamos pela práxis histórica da discriminação contra as populações
quilombolas e faveladas, onde o Estado se torna opressor. É exatamente aí que o
centro de discussão da arte é acionado e entra em sintonia com o caos
institucional. Da mesma forma Angela Davis propõe que esses corpos sejam
ferramenta por meio da qual as palavras saem da prisão, embora essa proposta
seja mais simbólica, ela retoma a ação sobre os enunciados, que nos permitem
ver um novo sujeito, com a capacidade para se tornar politicamente ativo.25
24 Larissa Fulana de tal, poema visual “Curta Carta irmãs presas”:
https://www.youtube.com/watch?v=G7XYF53J7sI&feature=emb_title
25 O dia 12 de agosto de 2023, foi lançado o livro de poesia
Firminas em Fuga
, organizada pela Dra. Denise
Carrascosa e escrita por poetas encarceradas que pertencem ao Coletivo Corpos Indóceis e Mentes Livres .
https://www.youtube.com/watch?v=bXjgZaT3kk0&t=198s
Medeia Negra (2018): corpo feminino que canta e grita
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Sem final, Medeia...
Medeia Negra é o texto aberto de Márcia Lima, tão polêmico quanto
interessante, pois nos ferramentas para mapear esses corpos femininos negros
retidos, silenciados e reprimidos em diferentes regiões do Brasil. Mas também abre
a possibilidade de discutir esse contexto cultural agressivamente naturalizado e
estruturado atrás dos muros da prisão.
Por outro lado, permite-nos construir um novo sujeito negro que pode ser
mencionado dentro de seu próprio contexto histórico. Nesse sentido, a Medeia
Negra se afasta dos estereótipos de uma mulher que se sacrifica e coloca seu
corpo como uma rebelião, com uma voz que define sua corporeidade violenta e
contundente. Se procuramos uma episteme do sujeito, esta é uma clara
oportunidade onde podemos identificar desde as artes a nova configuração do
corpo feminino negro que também grita e canta.
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Recebido em: 13/09/2023
Aprovado em: 11/04/2024
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Revista de Estudos em Artes Cênicas
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