
Os códigos melodramáticos aplicados ao Enamorados do espetáculo
Do Fundo do Baú
Welerson Freitas Filho
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-19, dez. 2025
os enamorados eram sempre elegantes, atraentes e,
ao mesmo tempo, um tanto ridículos [...]. Apesar de suas declarações
apaixonadas serem capazes de derreter um coração de pedra, sempre
parecia haver um lado cômico em tudo o que dizem. Pergunta-se se a
explicação não estaria no fato de que o amor frequentemente rouba do
amante qualquer senso do próprio ridículo, ainda que ele possa ser, em
circunstâncias comuns, o mais racional dos homens. Talvez, nesse caso,
a razão fosse que, no Renascimento, o deus do amor já não era tão
formidável quanto antes, mas havia se degradado em um mero pequeno
brincalhão. Ou, ainda, que em um teatro devotado à comédia era
impossível levar qualquer coisa a sério, exceto a farsa (Duchartre, 1966, p.
286)7.
O figurino dos enamorados caracteriza-se pela extrema elegância,
acompanhando a moda das classes altas e as tendências mais recentes. Essa
escolha não apenas ressalta sua juventude, mas também evidencia o status social
e econômico de suas famílias, já que, em muitas situações, tratam-se de filhos e
filhas dos velhos Pantalone, Dottore ou Tartaglia. Seu linguajar segue o mesmo
padrão refinado, repleto de metáforas barrocas e palavras corteses. Dominam de
cor longos trechos de poemas, dedicando “atenção especial à dicção e a uma
emissão suave e harmoniosa, em nítido contraste com a fala rude e dialetal dos
zanni
. Eram especialistas nas artes da “corte”, da “retórica amorosa”, do “amor feliz
e infeliz” (Giacomo, 1968, p 166)8.
Dentro da Cia. Os Mascaratis, o trabalho com os enamorados e demais tipos
da
commedia dell’arte
, embora se inspire em referências históricas e na prática
de outros intérpretes, não segue uma matriz corporal ou vocal pré-determinada.
Em vez disso, é desenvolvido de forma colaborativa, a partir das propostas e
experimentações dos próprios atores e atrizes da companhia. Essa abordagem
segue os preceitos das práticas da Profa. Dra. Vilma Campos dos Santos Leite9,
7 [...] just a trifle ridiculous. [...] Through their protestations would melt a heart of stone, there always seems
to be a comic side to everything they say. One wonders if the explanation does not lie in the fact that love
often robs the lover of all sense of his own absurdity, even though he may be the most rational of living men
under ordinary circumstances. Perhaps in this case the reason is that in the days of the Renaissance the
god of love was no longer as formidable as he used to be, but had deteriorated into a mere little practical
joker. Or, again, it may have been simply that in a theatre devoted to comedy it was impossible to take
anything seriously save farce (Duchartre, 1966, p. 286). (Tradução nossa)
8 [...] particular heed to diction and a soft harmonious delivery, in striking contrast to the rough dialect speech
of the
zanni.
They were experts in the arts of ‘courtship’, of ‘amorous rhetoric’, of ‘happy and unhappy love’
(Giacomo, 1968, p 116). (Tradução nossa)
9 Docente aposentada do curso de Teatro da UFU, atualmente professora visitante e colaboradora do
Mestrado Profissional e Acadêmico da instituição. Pós-doutorado em Artes da Cena (IA/UNICAMP), doutora