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Vegetar o pensamento e a
sensibilidade por plantropocenos possíveis
Daniela Cassinelli
Para citar este artigo:
CASSINELLI, Daniela. Vegetar o pensamento e a
sensibilidade por plantropocenos possíveis. Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3,
n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0301
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Vegetar o pensamento e a sensibilidade por plantropocenos possíveis
Daniela Cassinelli
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-13, dez. 2025
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Vegetar o pensamento e a sensibilidade por plantropocenos possíveis1
Daniela Cassinelli2
Resumo
Este artigo partiu das experiências sensíveis e dos conceitos corporificados na
disciplina
Ecologias da atenção: derivas entre costura e cultivo
, ministrada pelas
professoras Virgínia Kastrup (UFRJ) e Mariana Guimarães (CAp-UFRJ) no Instituto de
Psicologia da UFRJ, durante o primeiro semestre de 2025. Instigada pelo trabalho de
Evando Nascimento
, O pensamento vegetal
(2021), mais especificamente pela
semântica do verbo “vegetar”, propôs-se uma reabilitação positiva do termo, de
modo a contrariar seu sentido colonial, como nos inspira Antônio Bispo dos Santos
(2023). Investigou-se como podemos aprender e conspirar com as plantas em busca
de plantropocenos (Myers, 2021) possíveis.
Palavras-chave: Vegetar. Pensamento. Sensibilidade. Plantropoceno.
Vegetating thought and sensitivity for possible planthroposcenes
Abstract
This article drew on the sensitive experiences and concepts embodied in the course
Ecologies of attention: drifts between sewing and cultivation
, taught by professors
Virgínia Kastrup (UFRJ) and Mariana Guimarães (CAp-UFRJ) at the Institute of
Psychology at UFRJ, during the first semester of 2025. Instigated by Evando
Nascimento's work,
O pensamento vegetal
(2021), and more specifically by the
semantics of the verb "to vegetate", the article proposed a positive rehabilitation of
the term, countering its colonial meaning, as inspired by Antônio Bispo dos Santos
(2023). The article explored how we can learn from and conspire with plants in
search of possible planthroposcenes (Myers, 2021).
Keywords: To vegetate. Thought. Sensitivity. Planthroposcene.
Vegetar el pensamiento y la sensibilidad por plantropocenos posibles
Resumen
Este artículo se basó en las experiencias sensíbles y conceptos encarnados en el
curso
Ecologías de la atención: derivas entre la costura y el cultivo
, impartido por las
profesoras Virgínia Kastrup (UFRJ) y Mariana Guimarães (CAp-UFRJ) en el Instituto
de Psicología de la UFRJ, durante el primer semestre de 2025. Instigada por la obra
de Evando Nascimento,
O pensamento vegetal
(2021), y más específicamente por la
semántica del verbo "vegetar", el artículo propuso una rehabilitación positiva del
término, contrarrestando su significado colonial, inspirado por Antônio Bispo dos
Santos (2023). El artículo exploró cómo podemos aprender de las plantas y conspirar
con ellas en búsqueda de plantropocenos (Myers, 2021) posibles.
Palabras clave: Vegetar. Pensamiento. Sensibilidad. Plantropoceno.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada pela autora do artigo dada a sua formação
acadêmica.
2 Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduação em Artes Visuais pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduação em Letras pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio). danielabcassinelli@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2341377231781328 https://orcid.org/0000-0002-0211-4277
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Transformei as nossas mentes em roças e joguei
uma cuia de sementes.
(Antônio Bispo dos Santos)
Germinando palavras
Como uma carta sem remetente específico, o bordado em linhas vermelhas
e azuis sobre o tecido creme deixa uma mensagem delicada e forte aos passantes
que entram e saem do prédio da Escola de Comunicação e Educação da UFRJ -
campus Praia Vermelha. Quem sustenta essa mensagem, imponentemente
enraizada ao lado da escada principal, é uma
Ficus Elastica
, uma espécie de
figueira de enormes proporções. Delicada e forte, ela comunica aos humanos que
por ali passam, num verbo infinitivo: vegetar (é preciso).
Figura 1 Vegetar. Intervenção em bordado. Foto: Daniela Cassinelli
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O bordado integra um circuito que costura os jardins do campus Praia
Vermelha com
fitografias3
escritas que emergem das e com as plantas que
clamam por mudança, por cuidado, por outros regimes de tempo, outros cultivos
da atenção. A proposição, por sua vez, surge dos encontros fecundos da disciplina
Ecologias da atenção: derivas entre costura e cultivo
oferecida pelas professoras
Virgínia Kastrup (UFRJ) e Mariana Guimarães (CAp-UFRJ) no Instituto de Psicologia
da UFRJ.
Ao longo das tardes de segunda-feira, tecemos reflexões que tiveram o fio
como guia, o corpo como base, as plantas como modelo. Em confluência com
diversos pensadores contemporâneos, experimentamos formas outras de fazer
pesquisa acadêmica, mobilizando os pensamentos com as mãos, hábeis em fiar e
desfiar. Através de proposições estéticas e atencionais, semeamos
palavras
germinantes4
.
As palavras, em sua trama de significações, foram tema de debates
instigantes. Uma palavra cooptada por discursos conservadores deve ser
abandonada ou disputada? Quando uma palavra vale o embate dentro de um
campo de conhecimento? E quando vale mais a invenção de outros léxicos?
Para Antônio Bispo dos Santos, os processos de denominação podem ser
colonizadores, por isso ele sugere a arte de denominar como arma para contrariar
o colonialismo, no que ele chamou de
guerra das denominações
: “o jogo de
contrariar as palavras coloniais como modo de enfraquecê-las” (Santos, 2023,
p.13). “Temos que enfeitiçar a língua” (Santos, 2023, p.14), ele diz. Mas e quando
esse feitiço é feito dentro da palavra mesma, a ponto de desestabilizar os sentidos
coloniais que nela se assentaram?
Essa é a proposta que gostaria de fazer aqui, apoiada no trabalho de Evando
Nascimento. Em seu livro
O pensamento vegetal,
ele discorre sobre a semântica
do verbo vegetar, que em sua etimologia, do latim
vegetare,
significava algo como
3 O termo fitografias é usado no livro de Evando Nascimento
O pensamento vegetal
(2021, p.83).
4 A expressão ‘palavras germinantes’ aparece na obra
A terra dá, a terra quer
, de Antônio Bispo dos Santos
(2023, p.15).
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“vivificar, fazer crescer”, mas que atualmente “é sinônimo de um viver sem
consciência, [...] alguém que vegeta, e não em português, é alguém que vive
uma vida inútil e mecânica ou está em coma” (Nascimento, 2021, p.46). Como o
vivificar original de
vegetare
se transformou em seu oposto, equivalente a uma
vida quase sem vida? E como reabilitar a semântica positiva do termo? Essas são
questões centrais nessa investigação.
Aprendendo com as plantas
Para começar a responder a primeira pergunta, recorro novamente a Evando
Nascimento. Em sua análise acerca do termo vegetar, ele aponta como a tradição
filosófica ocidental criou uma hierarquia ontológica entre os seres vivos, em que
os humanos estão no topo e as plantas, na base, seguidas dos animais. Aristóteles,
por exemplo, apesar de considerar o caráter anímico das plantas, afirma que sua
alma é incompleta. Seguindo esta tradição metafísica, Heidegger defende, no
século XX, que somente os humanos existem e constituem mundo, enquanto
animais e plantas apenas vivem, destituídos de linguagem e pobres de mundo.
Logo, um “abismo existencial e ontológico se consolida então entre nós, humanos,
de um lado e os animais e vegetais, de outro” (Nascimento, 2021, p.54).
Esse abismo ontológico está na base da crise ecológica que atravessamos,
na medida em que a construção do pensamento filosófico e científico moderno
“possibilitou desanimar uma seção do mundo, declarada objetiva e inerte, e
superanimar outra, declarada subjetiva, consciente e livre” (Latour, 2020, p.142). Os
efeitos dessa operação que se estende às dicotomias natureza/cultura,
mente/corpo, sujeito/objeto aliados aos avanços da tecnologia e do capitalismo,
têm sido chamado por muitos (o termo se proliferou para além da comunidade
científica) de Antropoceno, isto é, uma nova era geológica marcada pelo inegável
impacto da ação humana no planeta. O termo, portanto, “engloba como os
humanos tornaram-se forças geomorfológicas e ecossistêmicas que entram em
tensão com as condições da biosfera, da litosfera, da hidrosfera e da atmosfera
necessárias para a permanência da vida no planeta” (Souza Júnior, 2024, p.2).
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Todavia, têm-se levantado críticas ao termo generalizante que, mais uma vez,
elege o ‘antropos’, isto é, o humano, como centro da questão, pois essa
“centralidade do ‘antropos’ reforça o ideário da cisão sociedade-natureza,
colocando a primeira como superior à segunda, o que reitera uma das causas da
crise ambiental” (Souza Júnior, 2024, p.3). Ademais, ao tomar o humano e,
portanto, a humanidade como um conjunto homogêneo, argumenta-se que a
“generalidade implícita ao conceito obscurece a multiplicidade de lugares
enunciativos e existenciais daqueles que não contribuíram para o desarranjo
planetário” (Souza Júnior, 2024, p.3), ignorando, assim, povos e vidas que não
não contribuíram com a crise, como resistem a ela há muito tempo.
Tendo em vista essas críticas, alguns têm proposto o termo Capitaloceno,
que coloca a responsabilidade do colapso ambiental não na totalidade da espécie,
desconsiderando a diversidade de “humanidades” em jogo, mas no sistema
econômico do qual deriva a destruição massiva da biodiversidade que
presenciamos hoje. Outros ainda sugerem o termo Plantantionoceno, referindo-se
ao sistema colonial das
plantations
, responsável pela “massificação dessas
espacialidades pautadas na escravização de humanos e não humanos, na
padronização homogeneizadora, na reificação universalizante e no
aprofundamento da cisão cultura-natureza" (Souza Júnior, 2024, p.7). Isto é, na
produção de monoculturas socioambientais e mentais, como sugere Vandana
Shiva (2003).
Qual seja o termo preferido, as consequências do colapso que vivemos é real,
não apenas para humanos, mas para toda a vida na Terra. Por isso, é preciso propor
outros nomes e confabular outras histórias que semeiem mundos dentro deste
mundo, o que pensadores de diversos campos têm arriscado fazer, acreditando,
como Donna Haraway (2016), que importam que conceitos pensam conceitos. Dito
isso, destaco aqui o termo Plantropoceno, proposto por Natasha Myers, que recusa
a centralidade do humano em favor de narrativas onde nos tornemos capazes de
conspirar com as plantas. Para a antropóloga, “Plantropoceno é uma episteme
aspiracional, não uma era limitada pelo tempo, que nos convida a criar novas cenas
e novas formas de ver e semear relações plantas-pessoas no aqui e agora, não
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em um futuro distante”5 (Myers, 2021, p.5).
Pensar um Plantropoceno é considerar que as “plantas são as produtoras de
mundos que precisamos prestar atenção se esperamos cultivar mundos
habitáveis”6 (Myers, 2021, p.5), ideia corroborada por Emanuele Coccia, em seu livro
A vida das plantas
(2018). O filósofo sugere que são as plantas que devemos
interrogar se quisermos compreender o que significa estar-no-mundo. Isso porque
“nenhum outro vivente adere mais do que elas ao mundo circundante” (Coccia,
2018, p.12), o que faz delas a “forma mais intensa, mais radical, mais paradigmática
do estar-no-mundo” (Coccia, 2018, p.13).
Foram os organismos capazes de fotossíntese que tornaram a Terra e a
atmosfera habitável, num processo chamado de grande oxidação ou catástrofe do
oxigênio (Myers, 2016; Coccia, 2018). Segundo Myers (2016, s/p), “vivemos agora na
esteira do que poderíamos chamar de Fitoceno. Esses seres verdes tornaram este
planeta habitável e respirável para animais como nós”7. Foram as plantas que
abriram para a vida o mundo das formas, como defende poeticamente Coccia
(2018, p. 18): “Foi através das plantas superiores que a terra firme se afirmou como
o espaço e o laboratório cósmico de invenção de formas e de modelagem da
matéria". A partir de então, os seres foram modelando o mundo com sua
existência: “estar-no-mundo significa necessariamente fazer mundo: toda
atividade dos seres vivos é um ato de design na carne viva do mundo” (Coccia,
2018, p.43).
Assim, a ideia de que apenas humanos fazem mundo é de uma arrogância
metafísica que desconsidera outros
pontos de vida
8, outras linguagens, outras
formas de estar-no-mundo. A pretensa superioridade humana, basilar no
pensamento moderno-colonial, ignora que “os organismos estão situados dentro
5 The Planthroposcene names an aspirational episteme, not a timebound era, one that invites us to stage new
scenes and new ways to see and seed plant/people relations in the here and now, not some distant future.
(Tradução nossa)
6 Plants are the world-makers we need to heed if we hope to grow liveable worlds. (Tradução nossa)
7 we now live in the wake of what should be called the Phytocene. These green beings have made this planet
livable and breathable for animals like us. (Tradução nossa)
8 Expressão utilizada por Emanuele Coccia, em seu livro
A vida das plantas
: "Todo conhecimento cósmico é
um ponto de vida (e não apenas um ponto de vista)” (2018, p. 25)
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de profundas, e emaranhadas, histórias” (Van Dooren; Kirksey; e Münster, 2016,
p.41). Como aponta Ailton Krenak, “nas narrativas de mundo onde o humano
age, essa centralidade silencia todas as outras presenças” (Krenak, 2022, p.37).
Como, então, tornar a ouvir essas outras presenças, especialmente as plantas?
Como mobilizar o pensamento vegetal, como provoca Evando Nascimento?
“Importam quais estórias produzem mundo, quais mundos produzem
estórias”, diz Donna Haraway (2023, p.27). Ursula Le Guin sabia disso, ao
questionar-se sobre a história do herói, aquele que dispõe de uma lança e vai atrás
de aventuras, como caçar mamutes. Em contraposição à narrativa do herói, com
suas varas e lanças e espadas, Le Guin apresenta a narrativa como bolsa, cabaça,
rede. Ao contrário do que se pensa, o principal alimento dos seres humanos nos
períodos da dita pré-história eram vegetais, não animais. Isto significa que a
primeira tecnologia humana provavelmente foi um recipiente e não uma arma,
algo para que se pudesse armazenar sementes, folhas, nozes.
Se ser humano significa fazer uma arma e matar com ela, então eu não era
humana, declara Le Guin. No entanto, se ser humano significa coletar algo
comestível ou belo e guardá-lo em um saco, bolsa, casca ou rede, então, enfim,
poderia ser humana. “É a história que faz a diferença. É a história que escondeu
minha humanidade de mim, a história que os caçadores de mamutes contaram
sobre atacar, empurrar, estuprar, matar, sobre o Herói” (Le Guin, 2021, p.21). A
história do assassino. A história do colonizador. Não a história da vida.
Enquanto ouvíamos as palavras de Le Guin, costurávamos bolsas em uma
sala modesta do Instituto de Psicologia. Esse exercício de ouvir uma história
enquanto se tece é uma prática ancestral associada ao dom narrativo. Segundo
Walter Benjamin (1985, p.205):
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde
quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque
ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte
se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é
ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as
histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-
las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim
essa rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida,
milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual.
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Com linhas e agulhas na mão, em um processo de escuta e fabulação
coletiva, fomos tecendo outras histórias, urdindo relações entre conceitos e
matérias, para enfim coletar sementes de um outro porvir. “A mão sabe, e une o
trabalho intelectual ao trabalho manual”, diz Silvia Rivera Cusicanqui em conversa
com Mariana Guimarães (2023, p.160). Terminadas nossas bolsas, com seus
tamanhos e formatos diversos, saímos para o campus, em busca deambulatória
de sementes, folhas, galhos e outros espantos que nos chamassem a atenção pelo
caminho e que pudessem contar uma outra história, a história da vida.
Nessa história, humanos não são o ator principal, a única espécie que possui
linguagem e é capaz de fazer mundo. Nessa história, as raízes penetram o solo e
acoplam-se aos micélios, numa rede subterrânea que comunica e produz mundos;
as folhas balançam no vento e seu chacoalhar cocria com os pássaros orquestras
aéreas; as sementes aguardam pacientes os bicos que as transportarão até um
canto de terra que desvele seus segredos guardados milênios adentro. Nessa
história, “os seres humanos são com a Terra e da terra, e as potências bióticas e
abióticas dessa Terra dão forma à narrativa principal” (Haraway, 2023, p. 104).
Todas as vidas são necessárias nessa história não importantes ou úteis,
mas necessárias, como afirma Antônio Bispo (2023). Pois nenhum mundo se
produz sozinho, estamos emaranhados em complexas tramas multiespécies e nos
tornamos uns com os outros, em devir-com –
simpoeieticamente
, como defende
Donna Haraway (2023). Nesse sentido, as plantas nos oferecem um modelo de
reciprocidade, colaboração e generosidade. Sua aparente fixidez supõe uma
entrega ao ambiente, que lhes proporciona o alimento água, luz e solo que
elas então devolvem em forma de energia e abrigo para outras espécies. Seu viver
é mais coletivo que individual, sua inteligência, distribuída e descentralizada, e “se
autossustentam ao mesmo tempo que nutrem a maior parte da vida no planeta”
(Nascimento, 2021, p.68).
Sendo assim, um “pensar vegetal não pode ser um cultivo de si em
detrimento do outro, precisando associar-se para colaborar em proveito de tudo
que vive” (Nascimento, 2021, p.71). O pensamento vegetal, nesse sentido, “é
necessariamente sensível, intelectivo, aberto ao outro enquanto outro”
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(Nascimento, 2021, p.77). Mobilizar o pensamento vegetal, portanto, implica uma
abertura radical ao outro, uma sensibilidade intelectiva, colaborativa, recíproca.
Algo que vai na contramão do pensamento colonial, individualista, dicotômico,
cosmofóbico.
Talvez, mais que mobilizar o pensamento vegetal, inspirado nas plantas e sua
forma radical de estar-no-mundo, seja necessário vegetar o pensamento. Isto é,
vivificar, fazer crescer, confluir formas relacionais de pensar-com a trama da vida.
Tornar impensável o excepcionalismo humano e o individualismo, ou seja,
“indisponíveis para se pensar com” (Haraway, 2023, p.57). Vegetar o pensamento
como movimento contracolonial de nutrir palavras germinantes.
Para além do âmbito do pensamento, é necessário vegetalizar a sensibilidade,
isto é, radicalizar os sentidos, como faz a raiz ao se aprofundar e se espalhar sob
a terra, conectada aos micélios. Como sugere Natasha Myers (2021, p. 8): “depois
de ter posto em prática esforços para descolonizar o seu senso comum, é hora
de vegetalizar seu aparato sensorial para que você também possa aprender com
e junto das plantas9.
É o que fizemos, por exemplo, na performance Umbigo, proposta por Mariana
Guimarães. Primeiro, fomos instigados a brincar com nossas dimensões corporais
através de um fio. Em seguida, com esse mesmo fio enrolado sobre a barriga, na
linha do umbigo, criamos uma tecitura através da técnica do crochê de dedo. Após
cada um tecer seu próprio umbigo, fomos acoplando gradualmente os fios uns
nos outros, até formar um grande corpo coletivo. À medida que caminhávamos
amarrados uns aos outros por essa trama de umbigos, a tensão e o cuidado ao
mover se intensificavam.
9 Once you have set in motion efforts to decolonise your common sense, it is time to vegetalise your
sensorium so that you, too, can learn with and alongside the plants. (Tradução nossa)
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Figura 2 e 3
Performance Umbigo
. Foto: Rafael Luz.
Assim como as plantas, que aparentemente estão imóveis, na medida em
que se comunicam ativamente através da malha subterrânea que transporta
informações e nutrientes, compusemos nessa performance um corpo coletivo.
Sentimos com o corpo todo como a ação de um influencia os demais, num sutil
movimento de corpos que apertam e afrouxam, buscando caminhar sem romper
a coletividade. Experimentamos, então, com todo nosso aparato sensorial, uma
forma coletiva de estar-no-mundo, como nos ensinam as plantas.
Cultivando outras sensibilidades
O que significa aprender com as plantas? Conspirar com elas mundos
habitáveis, não no futuro, mas aqui e agora? Ao cultivar a atenção e a sensibilidade
aberta ao outro, em sua diferença radical, talvez possamos semear
plantropocenos possíveis. Desafiando palavras e pressupostos coloniais, como
aquele que reduz o vegetal a algo sem vida, propusemos, ao contrário, reanimar o
sentido original do termo, que implica vivificar, fortalecer.
Vegetar torna-se, então, um verbo de dimensões ético-estético-políticas,
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conjurado afim de re-vitalizar o pensamento e a sensibilidade, de reconhecer a
coletividade e a colaboração intrínseca aos processos de viver. Trata-se de
reflorestar mentes, tornando-as novamente capazes de tecer narrativas mais-
que-humanas, para além da arrogância metafísica de superioridade do homem
(branco, masculino, colonial). Disponibilizar em nossa bolsa-ficção metáforas e
conceitos que cultivem imaginários férteis, multiplicantes. Nutrir, por fim, as artes
da atentividade, ou seja, práticas que buscam “aprender como se poderia melhor
responder ao outro, como se poderia trabalhar para cultivar mundos de
florescimento mútuo” (Van Dooren; Kirksey; e Münster, 2016, p.52).
Através de práticas como as vivenciadas na disciplina
Ecologias da atenção
,
que, com um punhado de fios e corpos atentos, foi capaz de costurar
pensamentos, cultivar sensibilidades e semear palavras contracoloniais,
experimentamos outras formas de se relacionar com as plantas e com o fazer
pesquisa. Em favor da corporificação de conceitos, confiamos que o que
transborda em nossas pesquisas parte de vivências que nos tocam e nos movem,
polinizando sentimentos, pensamentos, palavras. Fiamos-com a história da vida:
história tramada a muitas mãos, com fios de vidas diversas e vibrantes, todas
necessárias.
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Recebido em: 19/09/2025
Aprovado em: 11/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br