
Solos negros nas escolas: Teatro Negro na formação de professores
José Jackson Silva (Jackson Tea)
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-24, dez. 2025
algum mote para a criação do seu percurso criativo, e assim foi feito, dando início
a uma jornada de pesquisas, encontros e obstáculos, para além do que já estavam
predefinidos no projeto, subscrito na dramaturgia Maria Atravessa o Tempo, de sua
autoria5.
Os processos de criação dos espetáculos foram estruturados e divididos,
metodologicamente, seguindo uma sequência: Escolha do texto Þ Trabalho de
leitura do texto selecionado Þ Projeto de encenação Þ Trabalho corporal Þ
Marcação de cenas Þ Preparação dos elementos visuais Þ Produção Þ
Apresentações nas escolas. Sendo que todas as etapas do projeto deveriam
adequar-se ao período entre abril e novembro, nove meses.
Ao prever tal organização mencionada acima, a coordenação ainda não
compreendia que os estudantes careciam de referenciais históricos e culturais
sobre o Teatro Negro no Brasil, pois confiava que esse assunto já havia sido tratado
nas aulas teóricas do curso; ledo engano. Qual não foi a surpresa ao indagá-los
sobre Abdias Nascimento6 e perceber que jamais haviam ouvido falar dele, nem
tampouco do Teatro Experimental do Negro, sendo que um dos estudantes,
Gabriel Matos, estava no último ano do curso. Como destaca um dos estudantes:
Paralelamente ao trabalho de corpo, Ivana e Jackson nos propuseram um
verdadeiro letramento racial. Estudamos sobre o T.E.N. (Teatro
Experimental do Negro), conversamos sobre nossas experiências, como
nos vemos e nos colocamos no mundo, vimos vídeos de espetáculos
teatrais pretos, entendemos a magnitude da grandeza de Abdias
Nascimento. Conteúdo este, devo tristemente dizer, ignorado nas
cadeiras teóricas do departamento de artes cênicas, até aquele
momento. Esse processo teórico foi importante para entendermos a
grandeza do que estávamos fazendo.7
5 De maio a junho de 2023, as estudantes participaram de um curso de extensão intitulado Inscritas Negras:
Friccionando Nossas Histórias,
Fortalecendo Subjetividades
, ministrado por Tuanny Pereira de Araújo,
mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes cênicas da Universidade de Brasília- PPGCEN,
culminando com a escrita da dramaturgia
Maria Atravessa o Tempo
, autoria de Amanda Reis, peça que é
composta a partir da fricção da obra de três autoras negras: Conceição Evaristo no poema “Maria”; Ana Maria
Gonçalves, no Livro “Um defeito de Cor”; e Lívia Prata, no livro “Maria Felipa - uma heroína baiana: A história
ilustrada da heroína da Independência do Brasil na Bahia”.
6 Abdias Nascimento (1914-2011), poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico e ativista pan-africanista, fundou
o Teatro Experimental do Negro e o projeto Museu de Arte Negra. Suas pinturas, largamente exibidas dentro
e fora do Brasil exploram o legado cultural africano no contexto do combate ao racismo. Professor Emérito
da Universidade do Estado de Nova York, ele foi deputado federal, senador da República e secretário do
governo do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.geledes.org.br/tag/abdias-do-
nascimento/).
7 Depoimento da estudante Kémelot Nascïmento, participante do projeto, em seu relatório final.