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Presença e conexão a partir da ‘escuta do olhar’
Entrevista com Ana Elvira Wuo
Concedida a Daiani Cezimbra Severo Rossini Brum
e a Nicoli Maziero Mathias
Para citar este artigo:
WUO, Ana Elvira. Presença e conexão a partir da ‘escuta do
olhar’. [Entrevista concedida a Daiani Cezimbra Severo
Rossini Brum e a Nicoli Maziero Mathias].
Urdimento -
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.3,
n.56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0501
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Presença e conexão a partir da ‘escuta do olhar’
Entrevista concedida a Daiani Cezimbra Severo Rossini Brum e a Nicoli Maziero Mathias
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-23, dez. 2025
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Presença1 e conexão a partir da ‘escuta do olhar2
Entrevista com Ana Elvira Wuo3
Concedida a Daiani Cezimbra Severo Rossini Brum4 e a Nicoli Maziero Mathias5
Resumo
Este trabalho trata-se do registro de uma entrevista concedida pela Profa. Dra. Ana Elvira Wuo, da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Ana Wuo é uma importante autora e palhaça no contexto
brasileiro, destacando-se pelo pioneirismo nas Artes Cênicas a partir da criação do conceito “Clown
Visitador”, cunhado em 1992. Ela é, ainda, pioneira nas pesquisas acadêmicas protagonizadas por
mulheres palhaças, fenômeno que se popularizou, no Brasil, a partir da década de 2010, sendo Ana
Wuo uma das principais referências na área.
Palavras-chave
: Palhaça. Entrevista. Ana Wuo.
Presence and connection based on ‘escuta do olhar’
Abstract
This work is about the record of an interview given by Profa. Dr. Ana Elvira Wuo, from the Federal
University of Uberlândia (UFU). Ana Wuo is an important author and clownesse in the Brazilian context,
standing out for her pioneering role in the Performing Arts from the creation of the concept “Clown
Visitor”, coined in 1992. She is also a pioneer in academic research carried out by women clowns, a
phenomenon which became popular in Brazil only in the 2010s, with Ana Wuo being one of the main
references in the area.
Keywords
: Clown woman. Interview. Ana Wuo.
Presencia y conexión de la ‘escuta do olhar’
Resumen
Este trabajo trata del registro de una entrevista concedida por la Profa. Dra. Ana Elvira Wuo, de la
Universidad Federal de Uberlândia (UFU). Ana Wuo es una importante autora y payasa en el contexto
brasileño, destacándose por su papel pionero en las Artes Escénicas a partir de la creación del concepto
“Clown Visitor”, acuñado en 1992. También es pionera en investigaciones académicas realizadas por
mujeres payasas, un fenómeno que se hizo popular en Brasil recién en la década de 2010, siendo Ana
Wuo una de las principales referencias en el área.
Palabras-Clave
: Payasa. Entrevista. Ana Wuo.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do trabalho realizada por Isabel Scremin da Silva. Doutoranda e mestrado em
Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharelado em Letras Português pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM).
2 A realização da entrevista foi financiada pelo CNPQ, na modalidade de bolsa de Pós-Doutorado Júnior (PDJ), Edital 25/2021.
Já a publicação deste material teve como instituição financiadora a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
por meio da Bolsa de Estágio Pós-Doutoral (PROEPD - Edital 02/2025), com supervisão da Profa. Dra. Maria Brígida de
Miranda
3 Pós-graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutorado em Estudos da
Linguagem pela UNICAMP. Doutorado em Artes da Cena pela UNICAMP. Doutorado e Mestrado em Educação Física pela
UNICAMP. Graduação em Artes Cênicas pela UNICAMP. Professora e coordenadora do Curso de Teatro, do Instituto de
Arte (IARTE), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Líder de Grupo de pesquisa CNPQ: TECO-Grupo Interdisciplinar
de pesquisas em práticas da cena - máscara, jogo, atuação. anawuo@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0861896066422077 https://orcid.org/0000-0002-2584-2170
4 Pós-doutorado em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Pós-doutorado pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutorado em Teatro pela UDESC. Mestrado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM). daianisevero@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6728284014151656 http://orcid.org/0000-0002-8914-6123
5 Mestrado em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharelado e Licenciatura em Teatro pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). nicoli.m.mathias@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3391933622989401 https://orcid.org/0000-0001-8342-210X
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Introdução
Ana Elvira Wuo é atriz, pesquisadora, palhaça, professora e coordenadora do
Curso de Teatro, do Instituto de Artes (IARTE), da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Dentre suas publicações, destacamos:
O Clown Visitador:
comicidade, arte e lazer para crianças hospitalizadas
(EDUFU, 2011),
Disfunções
Líricas na Escola
(Editora Papel Social, 2012),
Aprendiz de clown: abordagem
processológica para iniciação à comicidade
(Paco Editorial, 2019). Juntamente com
Daiani Brum, é organizadora dos livros -
Palhaças na Universidade
, volumes 1 e 2
(EDUFSM, 2022; 2024). Além disso, Ana Wuo é líder do Grupo Interdisciplinar de
pesquisas em práticas da cena máscara, jogo, atuação (TECO, CNPQ). Foi
supervisora de uma das entrevistadoras no Pós-doutorado em Artes Cênicas pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da UFU, financiado pelo
CNPQ na modalidade de bolsa de Pós-Doutorado Júnior (PDJ). Também foi
membra da banca de mestrado da segunda entrevistadora e tece, junto a tantas
outras palhaças e pesquisadoras, os fios de uma rede de colaboração, de diálogo,
de suporte e de desenvolvimento da pesquisa sobre a palhaçaria. Pioneira na área,
em 1992, Ana Wuo criou o conceito de “clown visitador”, sob a orientação
acadêmica e artística de Luís Otávio Burnier (i
n memorian
), do grupo de teatro
Lume (Campinas, SP). Desde então, tem investigado os processos artísticos e
formativos na área da palhaçaria com ênfase em suas relações com a pesquisa
acadêmica.
Em seu segundo Pós-doutorado (2019-2020), supervisionado pelo Prof. Dr.
Marco Bortoleto, junto ao Programa de Pós-graduação/ FEF-Unicamp, Ana Wuo
trabalhou e criou o conceito “escuta do olhar”6, que, em complemento via
mensagem de texto à esta entrevista, ela resumiu da seguinte forma:
6 “A escuta do olhar ou o olhar escuta na formação e na cena clownesca/ palhacesca: entrelaçamento de
saberes das artes cênicas, educação física e educação”. Relatório final do Estágio de Pós-Doutoramento
supervisionado pelo Dr. Marco A C Bortoleto junto ao Programa de Pós-graduação/ FEF-Unicamp. Campinas-
SP, fevereiro de 2020 (em fase de publicação).
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Escuta do olhar é um princípio conceitual fundamental de abordagem para
qualquer profissão que exija relação com público, com outras pessoas, ou consigo
mesma(o). O duplo sentido que o conceito aborda também aponta para o quanto
estamos conectadas(os), tecnologicamente, mas desperdiçando oportunidades de
nos relacionarmos humanamente com as pessoas, perdendo qualidade nas
relações interpessoais presenciais (Wuo, 2023, não publicado).
Nesta entrevista, evidenciam-se, ainda, a partir da narrativa de Ana Wuo sobre
seu percurso, os atravessamentos de gênero e de classe com os quais, tanto a
palhaça quanto a pesquisadora, estiveram em diálogo, o que provoca uma reflexão
sobre a palhaçaria entrelaçada aos acontecimentos da vida e aos marcadores
sociais da pesquisadora. Evidencia-se, ainda, no presente material, um
comprometimento para com a pesquisa sobre a arte palhacesca, presente em
muitos momentos pessoais de Ana Wuo, em sua família, em seus momentos de
infância e em sua presença como docente na vida de tantas palhaças e palhaços
por ela iniciadas(os) ao longo de mais de trinta anos de práticas ininterruptas de
ensino/aprendizagem.
Uma das maiores referências acadêmicas na palhaçaria, Ana Elvira Wuo é um
exemplo de força e de protagonismo da mulher na pesquisa acadêmica sobre
Artes Cênicas e na palhaçaria. Nesta entrevista inédita e transcrita abaixo,
concedida presencialmente no dia dezesseis de maio de 2023, entre às 10 e 12h,
em Uberlândia, Minas Gerais; Ana Elvira Wuo, generosamente, compartilha um
pouco sobre sua inspiradora existência, explicando como a palhaçaria e a pesquisa
acadêmica transformaram sua vida. Com vocês, Ana Elvira Wuo, Dolores Dolarria,
ou a palhaça Caixinha.
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Figura 1- Ana Elvira Wuo como Palhaça. Ilustração (em aquarela): Mirelle Lucas, 2025.
Daiani Brum - Muito obrigada, Ana, por ceder a entrevista. Eu vou
começar, então, perguntando se você poderia contar um pouco sobre a
sua história e sobre os caminhos que a levaram a ser uma das primeiras
palhaças pesquisadoras do Brasil?
Ana Elvira Wuo -
Ah, legal! Bom, minha história tem um envolvimento
artístico, que eu tenho desde criança, na escola. Na escola primária, ensaiava
um envolvimento com a estética, com a arte, com o coral, com o teatro e, desde
pequena, na escola, eu me envolvia com cenas, danças, gostava muito de dançar
e dirigia. Com nove ou dez anos de idade eu já dirigia espetáculo, tipo cabaré, na
escola. E cenas, cenas humorísticas, cenas de humor, gostava muito desse
campo. Eu me lembro da relação com a plateia. Com sete anos de idade, num
show
que a escola fez para final de ano, apresentava os números que foram
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ensaiados. Fizemos um número de dança, carimbó, com a música que a Eliana
Pittman cantava. Então fizemos uma coreografia com a professora que fez a
direção, eram quatro meninas no palco, e eu era a que ficava na frente, puxando
a coreografia na frente. Eu lembro dessa coisa da relação de plateia e trago muito,
hoje, essa presença da plateia e de pensar a palhaçaria, a palhaça, como a arte da
relação. Foi isso que me tocou profundamente, a sensação de estar no palco e de
ter uma plateia muito presente e sentir uma conexão só. O que eu fazia ali, naquele
palco, reverberava na plateia. E aí, fazendo o número, em um certo momento eu
comecei a me destacar. Me destacar e olhar para a plateia, e fazer olhando, e a
plateia aplaudindo o número e aplaudindo, e quanto mais aplaudia mais eu fazia
grande aquilo, coisa do palhaço. era uma palhaça, perfeita. E depois dos
aplausos da plateia para o grupo, nossa dança foi sensacional. Eu me lembro bem
dessa primeira experiência com a plateia. Lembro de ver meus pais, ver familiares.
Era um cinema antigo na cidade. O cinema lotado, essa é uma imagem que me
vem de memória, dessa primeira experiência com a plateia. As pessoas riam, riam,
aplaudiam, sei o que era aquela minha dança cômica, dança cômica do corpo,
e aquilo fazia a plateia levantar e bater palma, então esse é um primeiro momento
que eu posso destacar para você na minha história. E sempre envolvida na escola
com esses temas, com canto, com dança. Eu ganhei um prêmio na escola como
música, como melhor cantora. Eu cantei o “Trem das Onze”, do Adoniran Barbosa,
eu lembro que era em uma quadra, também com plateia vendo e eu cantando. Eu
era muito pequena, uma criança de seis anos, no pré. Cantei a música inteira do
Adoniran Barbosa e ganhei um prêmio de destaque de música. Isso era muito
interessante na escola: a escola, o contexto escolar, propiciava essas experiências
estéticas, com dança, com canto, com coral. Foi na escola, o tempo todo, nesse
campo até, no segundo grau, que eu resolvi estudar maquiagem de palhaça
[risos]. Assim, do nada, estudar maquiagem. Comprava maquiagem e depois me
desafiei a dar um curso de palhaço. tinha quatorze ou quinze anos e montamos
uma trupe de palhaços. Eu maquiei todo mundo, aquelas maquiagens mais
pesadas de
clown
, com pasta d’água branca, e montamos um repertório de circo.
Tivemos um pequeno destaque dentro do festival que tem na escola. Depois eu
começo a fazer teatro com quinze anos, em um grupo amador da cidade. Veio um
diretor para trabalhar no espetáculo, e faltou uma pessoa no dia do ensaio. Foram
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na minha casa me chamar, se eu poderia participar e queria participar do grupo
de teatro da cidade, fui nesse grupo. começamos, todo domingo. Eram no
domingo os ensaios e, para minha família, era assim: acabou domingo. Domingo
era: almoçou e vai embora para o ensaio, ficava até às sete horas da noite.
montamos um espetáculo muito legal que se chamava “Pano de Poesias”, eram
poesias do Carlos Drummond, Manoel Bandeira e Ferreira Gullar. Esse espetáculo
foi para fora, para outras cidades, e a gente já começou a aprender… você começa
a aprender como é que você vai conduzindo o trabalho como ator. Na época era
atriz amadora, grupo de teatro amador, tinha essa diferença. Hoje a gente não vê
tanto esse termo “amador”, a gente que são grupos que não diferenciam
amador de profissional, me parece, mas na época era bem-marcado o “teatro
amador”. Fizemos três espetáculos, um deles foi um monólogo de uma peça
chamada “Se chovesse vocês estragavam todos”, do Clóvis Levy e da Tânia
Pacheco, e eu ganhei indicação de melhor atriz. começam as trajetórias. E da
minha família também, tenho referência de uma tia que era palhaça, na década
de vinte e trinta. Nessa época, meu avô era muito religioso e minha tia fazia o
número de palhaço em cima de um caminhão, eles arrecadavam fundos de
assistência para ajudar as pessoas na cidade. Acho que era do São Vicente de
Paulo, Os Vicentinos, verba para ajudar na construção da Santa Casa. Minha tia
fazia números de palhaço e chegava na cidade chamando para participar. Eles
levavam esquetes cômicas, e eu tenho essa referência da minha tia porque ela
[era] uma palhaça no cotidiano. Levava a vida e era uma palhaça nata. Eu entendia
muito da lógica palhacesca pela influência da minha tia. Tudo ela conseguia
transformar “ao pé da letra”. Uma vez ficou doente, desmaiou, esse é um exemplo
do que minha tia fazia e que hoje para mim, como palhaça, é uma referência boa
do entendimento da lógica primária da palhaça. Ela desmaiou e foi para o hospital,
um médico japonês atendeu ela na Santa Casa, em Salesópolis [SP], e ele
falou assim: “Ô Dona Antunheta, a senhora
dimaiô
?”. Ele, japonês, falou “dimaiô”,
e ela respondeu: “Não doutor, eu não estava de maiô não, eu estava de roupa
mesmo” [risos]. Então, mesmo numa hora difícil, vamos falar num contexto
trágico, ela conseguia fazer a comicidade aparecer ali. E diz que todo mundo deu
risada. Como pode uma pessoa, numa situação dessas, responder isso? Ela era
assim. Sempre que você ia conversar com ela, você não conseguia conversar sério,
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tinha sempre alguma pegada, algum desvio cômico no discurso dela. Enfim, essa
é uma referência de família. Depois, já no colegial, já estava nos meus dezesseis
anos, é outra imagem de memória que vem aqui para te falar na entrevista, é que
eu fui fazer uma oficina com Janô [Antônio Januzelli], que é um professor da USP,
ele estava dando uma oficina de teatro em Mogi das Cruzes [SP]. Eu fui fazer a
oficina dele, ele trabalha com o conceito de “dramaturgização”, ele põe a gente
para jogar e improvisar o tempo todo. E aí, no final da oficina, ele veio falar comigo.
Ele falou: “Olha, você tem que fazer teatro. Você tem aí uma potência natural”. Ele
me falou isso, que [eu tinha] que desenvolver: “Então, tem a USP, tem a faculdade
de Arte Cênicas, tem a EAD (Escola de Artes Dramática), enfim, tem várias
faculdades de Artes Cênicas que você pode prestar e continuar”; “é uma pena se
você não continuar”; “você tem a intuição, precisa desenvolver a técnica. A intuição
cênica você tem”. Eu fiquei com aquilo na minha cabeça, na verdade eu queria
fazer medicina [risos], queria ser médica, queria curar as pessoas. fui tentar
prestar o vestibular. Tentei na USP, também prestei uma prova na EAD, na EAD eu
não passei. Queria mesmo estudar. que eu me casei. Acabei casando com o
diretor do grupo. No início, fazia teatro amador, o diretor eu acabei namorando
com ele e acabei me casando. Eu queria muito estudar, e ele não me deixava
estudar. Ele falava que estudar é coisa para pessoas que não têm talento. Que não
precisava estudar. Ele, por exemplo, nunca estudou e dirigia, não queria que eu
estudasse. Falava que “você tem aquilo”, que “quem faz arte não precisa fazer
faculdade”. E não me deixava estudar de jeito nenhum. Eu, como a gente às vezes
parece que entra numa prisão psicológica, eu era prisioneira psicológica dessa
situação. Eu fui ficando com aquilo, com aquela vontade, com desejo reprimido de
estudar, de fazer as coisas e continuar vendo a possibilidade de fazer faculdade,
que nem sabia que tinha faculdade de Artes Cênicas. Eu fiquei com aquilo, casei,
montei bar, tinha bar. Fazia coisas, cantava no bar, fazia brechas para poder fazer
alguma coisa artística. Foi um período muito infeliz para mim, eu saber que estava
com uma pessoa que não me dava incentivo para estudar e achava que tinha que
ser autodidata, que arte a gente não estuda, a gente faz. Enfim, passaram-se uns
quatro anos, esse meu desejo de estudar foi se tornando maior, porque eu tava
trabalhando em uma outra área, de administração, trabalhava com escritório,
estava em uma obra da Petrobrás, trabalhava com uma terceirizada da Petrobrás,
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estava em Petrópolis, Rio de Janeiro, trabalhando na obra. Eu odiava aquilo.
Um dia parei. Tive vários momentos de lucidez, que parecia que eu saía de mim
pra pensar no que estava vivendo. Houve um momento de lucidez, ouvi uma voz
interior “não, eu não quero mais isso. Quero voltar a estudar”. Eu parei de estudar
no colegial, mas lia teatro, lia Stanislávski, embora distante lia algumas coisas. E
aí, diante disso, acabei me divorciando. Daí um dia resolvi mudar, como fala Rita
Lee, uma referência para mim é a música da Rita Lee, que diz assim [Ana canta]:
“Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer, me libertei daquela
vida fugaz que vivia estando junto a você”. Essa frase era o meu mantra. Um belo
dia me libertei, assim, do nada. Parece que tive um momento muito lúcido, aquilo
abriu a minha consciência. pensei: “não, não quero mais”. Saí na rua olhando o
céu azul, olhando as árvores, as pessoas. Acho que eu não enxergava mais isso.
Olha que interessante isso. É um fenômeno de aprisionamento psicológico. Nesse
dia... não sei se pela minha idade, eu já [tinha passado] da adolescência, me casei
com dezessete anos. Meu pai precisou assinar para mim. Embora minha família
não quisesse o casamento de jeito nenhum, assinaram a autorização para meu
casamento. E aí, nesse dia que decidi ir embora, me separar, saí para a rua, deixei
todas as minhas coisas, fiquei com a minha mala mesmo, minhas coisas, roupa
do corpo e fui embora. Comuniquei ao marido, por telefone, que não dava mais.
Eu sofri violência doméstica no casamento, então saí fora da situação, vendo com
muita clareza o que eu queria fazer. Nesse dia eu saí assim com essa meta: “eu
vou voltar a estudar”. Nesse dia. Sem dinheiro, sem grana, sem nada, tinha o
amparo da minha família. eu liguei [para] minha casa, no mesmo dia, e falei com
meu pai. Eu contei o que aconteceu: “Estou me separando, estou indo embora e
queria ver se vocês poderiam me aceitar de volta em casa, porque não tenho para
onde ir”. E meu pai falou: “Vem para casa, eu estava esperando que esse dia
chegasse. Ainda bem que chegou”. Era isso mesmo, eu tinha que viver a
experiência, que [meu pai] proibir não ia dar certo, que eu tinha que viver. Ele disse:
“Infelizmente é isso, filha. Se você sofreu, é a experiência da vida que você passou,
a gente não tinha como te dizer não”. E eu voltei para casa, fui atrás de cursinho,
para voltar a estudar e tentar prestar vestibular. Fui atrás de bolsa, não tinha
dinheiro para pagar. Como que eu ia fazer um cursinho? Eu estava muito
desatualizada. Saí do segundo grau com dezoito anos e estava com vinte e
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quatro anos. Fiquei muito tempo fora da sala de aula, então me sentia assim, sem
condição de prestar o vestibular. fui atrás de cursinho, fui atrás de desconto, fui
atrás de trabalho para me manter e consegui fazer o cursinho. Eu ia prestar
vestibular [para] Santa Maria, [para] todas as universidades que tinham Artes
Cênicas, acho que [tinha em] Bauru, tinha UNESP, tinha a USP, tinha a Unicamp.
Fui passando nessas [universidades] de São Paulo, na primeira fase, e acabei
prestando em São Paulo, prestando na USP e na Unicamp. Aí a minha opção foi a
Unicamp, porque era uma cidade menor, tinha medo de morar em São Paulo,
fui pra Unicamp e eu comecei a realizar o meu sonho, que era estudar. Eu era
uma aluna que não tinha... por conta da minha defasagem teórica, passei muito
tempo fora da sala de aula, era uma aluna que tinha que se puxar muito, tinha um
déficit
, mas uma coisa eu tinha: disciplina, tinha disciplina e vontade de fazer.
Desejava fazer [teatro], embora tivesse muita dificuldade corporal. foi que eu
conheci, nas disciplinas, o Luís Otávio Burnier e eu conheci o LUME. E ali no teatro,
ali no Barracão, no teatro de Artes Cênicas, era período integral. Quando eu
passei no vestibular, eu quase desisti, porque eu precisava trabalhar e ali o curso
era integral. Então eu me sentei, no dia da matrícula, sentei e comecei a chorar.
Porque eu falei: “Nossa, eu lutei tanto, nadei, nadei, nadei e vou morrer na praia”.
Eu lembro direitinho da frase que eu pensei: “Nossa, nadei, nadei e vou morrer na
praia. O curso é integral, eu preciso trabalhar, minha família não pode ajudar, não
tem ninguém que me ajude, eu vou ter que desistir”, porque eu não podia nem
trancar. E aí eu me sentei em uma arquibancada. Todo mundo comemorando [no]
trote, e eu me sentei e chorei. Eu estava sentada, desconsolada, chorando, e
alguém bateu nas minhas costas. Ela falou: “Olha, o que foi? Você está passando
mal? Por que você está chorando?”. eu falei: “Estou chorando porque eu tenho
que fazer a matrícula aqui e eu não vou poder estudar, eu não tenho condições.
Não tenho recurso para ficar aqui em Campinas, para pagar aluguel, para me
manter, para me alimentar”. Essa moça que falou comigo, ela era uma anã, ela era
uma assistente social. Uma graça, parecia um duende, uma aparição de outra
dimensão. [Ela] foi conversando comigo, foi falando: “Olha, não é assim, a
Universidade tem bolsa, a Universidade tem recurso para os estudantes, tem o
SAE [Serviço de Assistência ao Estudante], então você pode se inscrever, você pega
um atestado que você não tem condição financeira e vai conseguir”. Aí foram seis
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meses em uma luta, até eu conseguir bolsa. Então eu comecei, vendia de tudo,
vendia roupa, vendia produto de limpeza, vendia prata, era uma vendedora assídua,
[uma d] aquelas pessoas que as pessoas veem e falam assim: “Lá vem ela com a
malinha de roupa, com as coisas”. E foram seis meses. Eu consegui morar numa
casa de uma pessoa que era de Salesópolis [SP] e morava em Campinas [SP]. Eu
morava na sala da casa, em um colchãozinho, ficava na sala da casa e minha
família me deu uma ajuda, uma cesta básica, um negócio que eles me levaram,
mas depois eu tive que me virar. E aí fazia de tudo, show em shopping, tudo que
se pode imaginar. Fazia sereia em baile de Havaí,
flintstones
em shopping,
recreação, tudo que se pode imaginar. Comecei a procurar projetos na Prefeitura
de Campinas, fazia férias na escola. Fui me envolvendo, conhecendo pessoas e
consegui uma bolsa, que na época eles chamavam “bolsa trabalho”, que a
minha intenção era fazer arteterapia ou psicodrama, trabalhar com essas
questões. na graduação, que não ia para a medicina, queria trabalhar arte e
cura. Curar através da arte. Aí fiquei sabendo que existia psicodrama e arteterapia.
Voltando ali no Barracão das Artes Cênicas, eu me lembro que ia ensaiar e
encontrava palhaços, os
clowns
, como eles falavam. Eles andavam ali pelos
corredores ou estavam ensaiando em alguma sala de teatro, e eu sempre
espiando. Eu ia na janelinha e ficava vendo o que eles ficavam fazendo. Achava
aquilo uma aparição. Então me lembro do filme do Fellini, que fala que ele
conheceu o circo, que [o circo] apareceu quando ele [ouviu] um bater de estacas.
O som do circo chegando no quintal da casa dele foi como uma aparição e para
mim aquilo foi uma aparição. Falava: “Nossa! O que é isso?”. “Ah não, isso é
clown
,
isso chama
clown
e quem dá isso é o professor Luís Otávio Burnier, do LUME”
– ele, o Ricardo, o Simioni. Então eu falei: “Eu quero fazer isso. Como que eu faço
para fazer isso?”. “Vai lá falar com o professor Luís Otávio Burnier”. Eu fui, procurei
o Burnier, falei: “Olha, eu queria fazer o curso”. Ele disse: “É um retiro, é um retiro
de
clown
. A gente fica uma semana em uma fazenda, um sítio, e vai ter agora em
julho”. Acho que eu falei com ele no começo do ano, em março, era 1992. ele
falou: “Você se escreve e vamos ver se você vai ser selecionada. Só que você tem
que fazer uma carta de intenção, coloca no meu escaninho, me falando o que
você quer”. Eu tinha entendido que eu tinha que colocar uma carta de intenção,
ali para ele, toda semana. Então, a partir de março, toda semana eu ia no escaninho
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dele [risos] e colocava lá: “Reitero a minha intenção [...]”. Fui fazendo as cartas de
intenção: já a palhaça entendeu ao pé da letra que tinha que ser uma carta e que
tinha que toda a semana colocar uma carta de intenção ali para ele lembrar. Enfim,
chegou junho, eu acho, e eu fiquei sabendo que o preço que cobravam era em
dólar, era em dólar que cobravam, tinha que converter para cruzeiro, na época, ou
cruzado, não sei, dava tanto lá. E eu não tinha. Então fui trabalhar. Daí eu falei para
você que eu fiz sereia de festa de Havaí, trabalhei em shopping, fui ganhando grana,
juntando dinheiro de bolsa para poder fazer o trabalho. Aí eu arrecadei o dinheiro
para conseguir ir e para [me] manter nesses dias. Foi um retiro na cidade de
Sabará [MG]. Eu fui selecionada, fomos para e fizemos o retiro. Nesse retiro
nasceu a Dolores Dolária, que é a palhaça do
clown
visitador de hospital. Nesse
retiro... quando nasceu a palhaça, chegando no retorno do retiro, depois de quinze
dias eu acho. Foi numa escola, nós ficamos quinze dias lá numa escola, fazendo o
curso, teve bufão,
clown
e depois iniciação da máscara vermelha. Voltando, a gente
foi convidado... o Luís Otávio tinha muito contato no Hospital Boldrini e
convidaram a gente para fazer uma saída de
clown,
que tinha um grupo, no
Boldrini, [organizado] por uma arteterapeuta. Foi numa segunda-feira, logo depois
do retiro. Fomos, fizemos uma saída de
clown
, passando pelos quartos, foi muito
bonita aquela aparição no hospital. Acho que tinham doze palhaços e palhaças. E
aí, circulando pelo hospital... ele [era] meio que um picadeiro, redondo, dava para
fazer uma passagem pelos espaços, todos os espaços que nós fizemos. a
arteterapeuta no Boldrini, a Raqueli, convidou a gente para fazer um trabalho
voluntário lá. Que na próxima segunda-feira a gente voltasse para iniciar o trabalho,
para ter a orientação [de] como que era o trabalho. Enfim, marcamos o
compromisso e na outra segunda-feira... eu lembro até que eu voltei de uma
viagem no domingo, para segunda-feira cedo estar lá, às 9 horas. Chegando
cedo... cheguei cedo, esperei. O combinado era [às] 8h30 para trocar de roupa:
9h, nada, não chegou ninguém. A Raqueli já estava lá perguntando se iria ter, falei:
“Pelo jeito, veio eu”. troquei de roupa, tudo, e peguei minha bolsinha, um
lencinho, umas coisas e saí sem saber o que fazer. Eu nem sabia o que eu estava
fazendo ali dentro. Saí, minha palhaça fazia um, um ria, outro ria. Chegava,
abordava, fazia umas “trucagem” de entrar na porta da sala de quimioterapia e
levar portada na cara. Fazia as
gags
, mesmo [as] que a gente faz. Minha palhaça
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não falava e aquilo criava um super estranhamento. As pessoas adoravam, me
chamavam. Aí eu criei a
gag
de procurar a veia, na quimioterapia: saía procurando
a veia para todo canto, dentro da bolsa, dentro das gavetas e era uma “risadeira”
dentro daquela sala de quimioterapia. Então, eu fui praticamente testando,
testando coisas, e no final do dia ela falou: “Ah, eu acho que [você] podia voltar e
fazer parte da equipe de arteterapia daqui”. Fui novamente e comecei a trabalhar
como voluntária no hospital. que era interessante, assim que... na
arteterapia... depois tinha as psicólogas, a Elisa Perina, que era uma rogeriana, tinha
uma outra psicóloga, uma psiquiatra... eu me engajei ali no grupo. E surgiu...
quando finalizaram meus seis meses de bolsa-trabalho, no departamento, eu
renovei a bolsa e daí eu fui fazer trabalho no Boldrini. Eu usava a minha bolsa,
montei um projeto com o Ricardo Puccetti e dei o nome “O
clown
visitador”, em
92. Comecei depois, em 93, o trabalho. estava com supervisão da equipe de
psicologia. Eu era supervisionada pela Elisa Perina e eu fazia todos os ambientes.
Eu entrava em tudo que era, meramente, era aleatório, eu entrava em um lugar,
entrava em outro, depois a gente firmou um tempo na quimioterapia, até UTI.
Tudo sozinha, Ana?
Tudo sozinha. Fazia todo o trabalho sozinha. O que começou a acontecer: eu
ia uma vez por semana, daí eu comecei a ir duas, aí eu comecei a ir praticamente
a semana inteira. Era interessante que eu ia passando e ia formando um vínculo,
estabelecendo um vínculo com as pessoas e improvisando com o inesperado,
porque não tinha formação de
gags.
Eu fui fazendo tudo na prática e fui
desenvolvendo uma metodologia. Daí eu falava que era uma iniciação de palhaços,
então eu iniciava os
clowns
no leito. [Passou], no semestre, o Luís [a] me orientar.
Falou: “Então vai iniciar, você vai fazer a iniciação dos palhacinhos e das
palhacinhas no leito”. E eu fazia o convite, fazia um convite para a família. Aquelas
internações de longa duração, para mim, eram bastante interessantes, porque eu
conseguia fazer todo o processo de trabalhar, de marcar, marcava um dia para
fazer a iniciação. Ali, no Boldrini, tem muito material, tem figurino, a gente
arrumava. Eu levava, comprava os narizinhos e fazia o batismo. Passava um dia
antes, falava para a criança que ela tinha que colocar o nariz embaixo do
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travesseiro e sonhar com o palhaço, com o nome, e que no outro dia eu vinha para
fazer a iniciação, batizar o palhaço. Era muito interessante, porque às vezes eu
estava em uma sala de quimioterapia e eu... fazendo a iniciação de palhaços, das
crianças, na quimioterapia, ali junto com todo mundo, então era público. Você via
o palhaço, a palhaça nascendo ali, naquele momento. Quando colocava o nariz era
uma coisa mágica, era uma revelação total de palhaços que, às vezes, estavam ali
doentes e, daqui a pouco, “brancão”. Os brancos que se revelavam ali, mandavam
nas pessoas, falavam coisas. Então era assim: eu ia no dia, fazia aqueles que
queriam se iniciar e outros que eu ia trabalhando, no jogar, no corredor, fazendo
jogos. E um dia o pessoal da psicologia me chamou para fazer uma interação com
outras pessoas, fora, para as crianças que iam tomar uma quimio e ia[m] embora.
Ficavam ali pelo pátio. Ali que eu montei o que eu chamei de circo dos
envergonhados. Então eu passava, fazia o convite, a gente reunia as crianças, junto
com a equipe, a equipe multidisciplinar, que eu já trabalhava junto, e era uma vez
por semana esse circo. Levava papel crepom para fazer roupa, e a proposta era
essa: que cada um mostrasse o que soubesse fazer, um número, uma dança, um
canto ou um número de circo. “Ah, mas a gente tem vergonha” – não, mas aí que
surgiu [o nome]: “Mas esse circo não é para quem não tem vergonha, esse circo é
para quem tem vergonha”. Esse circo é o circo dos envergonhados. Eu fazia,
mostrava a história do circo, tinha um livro que rodava, contava a história e falava
que ia contratar pessoas para o circo e que depois, ao final, a palhaça vinha. Então
ajudava a montar todo o repertório, fazia as apresentações, da seleção pro circo.
No final vinha, a minha palhaça vinha e contratava todo mundo. [A] quem tava
tomando medicamento na veia, a mãe ajudava, participava. Quem não podia ir
dançar com o corpo todo, dançava com o pé. Fazia alguma participação. Então era
legal que uma vez por semana a gente fazia esse circo. o “circo dos
envergonhados”, que era o picadeiro no meio, vários picadeiros. Então eu falo que
eu aprendi a iniciar
clowns
iniciando os
clowns
das crianças no hospital. Foi meu
primeiro curso. Não um curso programado, mas um curso que ia se dando no
cotidiano mesmo. O Hospital Boldrini foi um grande aprendizado. Aprendi
protocolo, fazia o mesmo protocolo do médico, [do] psicólogo, todo o protocolo,
como que eu atendi... eu tinha um horário para anotar, tudo isso foi se fazendo.
Foram três anos, anotados, tinham três mil atendimentos, algo assim. para o
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meu trabalho mesmo, depois que eu acabei entrando para o LUME, no final da
minha graduação, o Luís Otávio Burnier fez uma seleção de estagiários para
trabalhar com ele no LUME, que depois seriam os próximos integrantes do LUME.
Então ele fez uma seleção, acho que umas onze pessoas [selecionadas], e a gente
passou ali um ano treinando. Um treinamento muito difícil, porque às seis horas
da manhã tinha que estar em sala de trabalho e cada um por si. Não tinha nada
de estar junto, não. A gente aprendia o treinamento, depois ia para sala de trabalho,
e depois de um tempo você demonstrava o que você tinha aprendido. Eu
trabalhava com Simi [Carlos Simioni] e com Ric [Ricardo Puccetti], eram
temporadas que você trabalhava com um e com outro, com alguém que vinha de
fora. Depois desse um ano, o Luís selecionou: ficamos eu, a Raquel [Raquel Scotti
Hirson], o Jesser [Jesser de Souza], a Ana Cris [Ana Cristina Colla], o Renato
[Renato Ferracini], os casais, e o Luiz. Então ficamos nós, acho que seis. O Luís ia
umas tardes olhar meu trabalho lá no Boldrini, porque ele gostava de ir lá, contar
história para as crianças, então foi um suporte nessa parte. Sendo selecionada, a
gente ficou no LUME, treinando, desenvolvendo pesquisa, o
clown
, a
mimesis
corpórea. Eu, mais para o lado da cultura caipira, da cultura popular e do
clown
,
clown
no hospital. O que acabou acontecendo no meu trabalho: eu fiz todo o
recolho de material, de dados, de protocolos de atendimento, eu tinha um trabalho
muito grande. Eu queria fazer um mestrado, mostrei esse material para uma
pessoa, da educação física da Unicamp, do Lazer. Ela era Barbara, vice
coordenadora do LUME, ela falou: “Nossa, você tem um trabalho de campo que
está pronto. você fazer as disciplinas e analisar o trabalho”. E fui para o
mestrado, comecei o mestrado com ela. Tudo lá na Unicamp, na Educação Física,
na área de Estudo do Lazer. Defendi o trabalho em 1999. Então eu fiquei esses
anos no LUME, trabalhei muito o
clown
, trabalhei com o Ricardo. O Ricardo fazia
assessoria. E, em 1998, eu fui chamada em Santa Maria [RS]. O Ricardo foi chamado
em Santa Maria para dar um curso de
clown
, para iniciação das disciplinas que
eles queriam, acho que é a Beatriz Pippi que trabalhava, ela me chamou para iniciar
a primeira turma, que era trabalho com
clown
para formação de professores. Era
um trabalho com inclusão, parece, com
Síndrome de Down
, eles iam fazer um
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projeto desses e acho que tinha também o Lar das Vovozinhas7. Enfim, eu fui
para iniciar a turma e iniciei um monte de gente lá. A Rosane [Rosane Cardoso],
que era a pioneira lá, me chamou para iniciar dois anos. Eu fui um ano e fui no ano
seguinte também. Então tem bastante gente formada por mim, iniciada por
mim. Enfim, foi meu primeiro curso de
clown
, sendo atriz do LUME. A primeira leva
de
clowns,
e
foi muito interessante, foram
clowns
potentes. Eu tinha a experiência
dos retiros do LUME e, nessa época, depois mais para frente, acabei saindo do
LUME, mas Santa Maria continuou me levando para dar curso. Depois disso, acabo
saindo do LUME e, [na] minha carreira solo, vou fazer meus trabalhos como atriz,
pesquisadora, o que era uma prerrogativa: depois que você trabalha com pesquisa
você não consegue mais ter esse viés oposto, você sempre vai transitar dentro
desse mar de possibilidades. Nesse momento, depois que eu engravidei... vem
filho, defendi a dissertação, fui embora para o Rio Grande do Sul. No Rio Grande
do Sul, as pessoas... sabendo que eu estava lá, que eu iniciava
clown,
eu trabalhei
um ano inteiro dando assessoria, iniciando, até a Ana Fuchs foi da turma. Eu
iniciava, fiz vários cursos e dava assessoria de elaboração de repertório. Era
chamada [para cursos], fui várias vezes, acho que fui o ano todo, continuava.
Fizeram um projeto, mas era mais particular mesmo, me pagavam um valor
mensal. Os atores se reuniam, me pagavam um valor, equivalente a uma bolsa de
mestrado, alguma coisa assim, e eu ia trabalhar todo o mês dando assessoria, em
vários lugares em Porto Alegre [RS]. Aí, um dia, eu queria continuar estudando,
queria fazer o doutorado, eu tive um sonho com o Luís Otávio Burnier, pensando
que eu queria montar um projeto de doutorado. Eu tive um sonho que ele falava,
e abraçava, e falava que ia me passar uma coisa. E me abraçou e me passou uma
coisa, não sei que coisa ele me passou. Foi interessante, eu falei: “Luís, mas você
não faz mais teatro, onde que você está? Onde você está morando?”. Ele falou:
“Não, agora não faço mais, não, agora eu sou observador de pássaros”. E ele veio,
entrou na mata e foi embora. Ele me deu aquele abraço. E eu fiquei com aquilo.
Foi impressionante, eu me sentei no computador e eu escrevi todo o meu projeto
de doutorado. Como se eu soubesse, sem orientação física, eu montei todo o
projeto de doutorado. Em uma semana, estava com o projeto pronto e comecei a
7 Instituição filantrópica, localizada na cidade de Santa Maria (RS) e destinada ao acolhimento de idosos.
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buscar um edital. que eu precisava fazer com bolsa, e nas Artes Cênicas não
tinha bolsa. Eu fui para a Educação Física [na Unicamp], procurei o Adilson
Nascimento Jesus, que foi depois o meu orientador, e passei lá. Passei na
Pedagogia do Movimento Corporeidade e fui estudar todas as teorias do corpo,
então eu tenho esse referencial mais atual sobre o corpo nas Artes Cênicas,
também interessante. me chamaram para fazer a área da Pediatria. E eu
comecei a dar aulas de
clown
, que era a minha pesquisa, para sistematizar a
metodologia. Já tinha dado muito curso e ali era meu campo de trabalho. Formei
muita gente também na Educação Física, era um curso aberto para o pessoal do
Teatro também. Fiz ali o meu doutorado, quatros anos, escrevi a minha tese e
continuei. Montei um espetáculo, ele se chamava “Risos e lágrimas”, que foi um
espetáculo com a dupla, com meu companheiro Luciano, que eu também iniciei
como palhaço. Foi esse processo, depois eu fui fazer um pós-doc [pós-doutorado],
na Unicamp, no Instituto de Linguagem, no IEL. Eu queria pagar para a sociedade
o que a sociedade me deu. Eram quatro anos de graduação, então eu falei: “Eu
tenho que fazer quatro anos de pós-doc, sem bolsa”. E eu fui, eu fiz. Com o tempo,
a professora foi me passando as disciplinas de atividades, eram atividades
multidisciplinares, pessoas de toda a Unicamp faziam, engenharia, medicina, todo
mundo. Um projeto chamava “Alegria: o
clown
em espaços públicos”. Foi muito
interessante, porque depois os alunos escreviam bons relatórios, isso está tudo
guardado, não foi publicado. A gente tinha um
blog
. Tem, até hoje, o
blog
, depois
dá para você dar uma olhadinha. Os alunos, toda a semana, publicavam um texto,
um artigo. Finalizando esse pós-doc, saiu um resumo, uma síntese, do
clown
, do
corpo do palhaço, da palhaça, como um espaço público. A gente fala tanto que o
palhaço é a arte da relação, isso apareceu em vários discursos, em vários alunos.
Esse foi o primeiro pós-doc. E eu comecei a trabalhar em São Paulo, dar aula.
Fui para a Universidade de São Judas, dava as disciplinas de corpo, disciplinas de
improvisação, disciplinas da área de interpretação. Depois fui para doutorado [em
Artes da Cena, na Unicamp], defendi e estava trabalhando na Universidade de São
Judas Tadeu, em São Paulo. Depois em outras [universidades], dei aulas, mais
de doze anos, na pedagogia, com as disciplinas de arte e trabalhei muito nesse
eixo da arte e da educação. Acho que, em 2012, fiz vários concursos para professor.
Em 2011, eu publiquei o [livro]
O clown visitador
. Vim para a UFU [Universidade
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Federal de Uberlândia] dar uma assessoria de
clown
para um pessoal que
trabalhava em hospital. um professor, o professor Narciso Telles, falou: “Olha,
tem uma editora aí, porque você não publica o seu trabalho?”. coloquei o
trabalho, foi aceito e, em 2011, publicou. Depois eu prestei o concurso para a UFU
[Universidade Federal de Uberlândia], em 2012, fiquei em segundo lugar, mas fui
chamada em 2014. Então, em 2014, eu vim para a Universidade fazer... uma que eu
tinha feito o segundo doutorado, tinha feito dois doutorados, um na Educação
Física e o segundo doutorado desenvolvendo o conceito da desforma. Na
Universidade Federal de Uberlândia, eu comecei a coordenar o projeto “Pediatras
do riso”, que era um projeto antigo da Universidade, depois eu mudei o nome
para “Palhaços visitadores”. Ainda a gente estava usando o gênero masculino.
Começa um despertar do termo palhaço e palhaça. A gente começa a se envolver
com outros movimentos e ver que o gênero está embutido no masculino. Por que
a gente está estudando, pesquisando, só no contexto, no gênero masculino? Isso
não é coerente. Então, eu começo também a mudar a minha perspectiva de
pesquisa para o feminino, na palhaçaria. A gente começa a participar dos eventos,
principalmente das mulheres palhaças, lá com a Karla Concá, e começa a ter uma
visão mais ampla, de que você é subordinada por um sistema hierárquico,
opressor, que vai te colocando nesse campo do patriarcado. Então eu vejo muito
da minha história, do que eu vivi, que eu não podia estudar... como você começa
a despertar, que você tem essa capacidade e essa potência para ser você. O
feminino é o feminino, ele tem uma força que tem que ser vista, que tem que
ser mudada. Na Universidade, [teve] um encontro das mulheres palhaças, e eu já
[estava] próxima a um pós-doutorado, novamente. Em 2019, a UFU me concedeu
um pós-doutorado. Mas, antes disso, em 2018, fui para o encontro das Marias da
Graça, das mulheres palhaças, no Rio de Janeiro8, e eu conheço todas as
palhaças. Acho que começa a incorporar o movimento, também acadêmico, nesse
momento, das pessoas que estavam na universidade. As palhaças que estavam,
as que não estavam e as que depois desse movimento... acho até interessante a
gente pesquisar, quantas pessoas foram depois prestar mestrado, que estavam ali
e que ficaram influenciadas pelo movimento. A partir daí, a gente começa. Neste
8 Festival Internacional de Comicidade Feminina, chamado “Esse Monte de Mulher Palhaça”, que ocorreu em
2018, no Rio de Janeiro (RJ).
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encontro encontrei Daiani Brum, e a gente veio com uma parceria interessante de
organizar esse material, a gente nem pensava que ia sair ali com essa missão tão
importante. Entre as discussões, eu acho que também revelaram muitas palhaças.
Muitas palhaças se revelaram ali, nesse momento, para começar a fazer o trânsito
de pesquisa na universidade. Creio que o livro que depois a gente veio a organizar,
o livro das
Palhaças na Universidade
, trouxe uma influência bastante grande para
as pessoas pensarem como é que isso se dá, essa pluralidade. O meu objetivo é
este, estar trabalhando, dando destaque, ajudando as pessoas que querem
estudar, que querem fazer projetos, fazer com que os feminismos, os gêneros, as
diferenças de tudo o que puder existir possam ser destacados nesse momento.
Então o momento que a gente está agora é [este], é buscar orientar no pós-doc.
A minha primeira orientanda de pós-doc é a Daiani, que trabalha muito, que tem
um comprometimento bacana. Então é isso, na minha visão é isso. É trazer esse
momento para a gente poder juntar mais, mais envolvimento com essas palhaças
que querem estudar e querem divulgar a pesquisa, ter um campo aberto por conta
da comicidade no país. Também me deixa muito [curiosa], na pesquisa mesmo,
este mapeamento: quantas pessoas tem? Quem são essas pessoas? O que elas
fazem? Isso interessa muito. A partir do momento em que eu começo, em 1992,
que não tinha nenhuma referência, que meu trabalho é que vai ser a primeira
referência de trabalho acadêmico no país... ver agora quanto que tem desse
conceito que é “palhaça”, eu acho que é um conceito interessante. Como que a
palhaça faz? Como que é? Como que a gente pensa? Como que a gente pensa os
preconceitos? Como que a gente vai trazendo o rir de si mesma? O riso, o rir com
o outro, o rir de si mesma e a importância disso. Acho que tudo leva ao riso final,
como um grande abraço do palhaço e do espectador, da palhaça e da espectadora.
Acho que é um grande abraço ridente.
Você poderia falar um pouquinho mais sobre a importância desse
trabalho que você faz de incentivar não ao acesso, mas também à
permanência das mulheres palhaças nos espaços acadêmicos e no
protagonismo em produções bibliográficas, no sentido de criação de
metodologia formativa na comicidade e da palhaçaria?
Eu vejo [o estudo] como uma importância para o nosso campo de trabalho,
que é a comicidade. Que cada vez as pessoas se especializam mais, estudam mais,
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pesquisam mais, já que a gente tem como valor, acho que como valor histórico, o
valor histórico das mulheres, de pensar, da conquista desse lugar que as mulheres
chegaram, nesse momento, de ser protagonistas do seu próprio trabalho, que é
ser mulher na palhaçaria. O que é ser mulher na palhaçaria? O que quer é ser
homem na palhaçaria? O que é o gênero na palhaçaria? Como se desenvolve? Eu
acho isso fundamental, [investigar] como você desenvolve o seu gênero, a sua
forma de pensar. Como isso influencia toda uma sociedade de uma forma de
pensar e de ver a arte, a comicidade como um campo filosófico, como um campo
de vida, de sobrevivência, como um campo mesmo. Para mim, acho que a
mulherada precisava [se] reunir e montar uma graduação em teatro, palhaçaria,
estudar fases, máscaras. Por conta de um campo de trabalho muito intenso no
país. Você a quantidade de ONGs que existem e [a palhaçaria] é campo de
trabalho, é profissão, justamente por isso, porque é uma profissão hoje [em] muito
campo artístico. A gente tem hoje [a palhaçaria] em hospital com projeto, com
contrato. Na Argentina, é obrigatório colocar um palhaço, uma palhaça,
trabalhando no hospital, é uma lei. Pela minha própria história, [porque] eu fui
impedida, em um certo momento, de estudar, que eu comecei a ver como é
valioso isso. E por que a palhaça? Por que ficou a palhaça no meu campo de
pesquisa? É uma forma de vida, é como eu vejo a vida e como a palhaça me salvou.
A palhaça me salvou em muitos momentos difíceis, momentos de depressão, de
estar doente, adoecida psicologicamente. Começar a trabalhar o
clown
, trabalhar
a palhaça, nessas instâncias, em todos os sentidos... seja para você me convidar
para uma
live.
O meu cargo, o cargo que a gente exerce na universidade pública, é
político. Então, como que eu consigo ajudar mesmo as palhaças a escalar, sabe?
A fazer a escalada. De um projeto para uma graduação, depois para um mestrado,
o quão é importante o desenvolvimento humano nesse sentido da comicidade.
Como que a gente o mundo. Acho que a palhaça, as palhaças, os palhaços, a
gente conseguem ver um mundo muito mais humanizado. Acho que no final das
contas é isso. O quanto a nossa arte afeta, de uma forma transgressora, mas de
uma forma humana, que você se veja assim mesmo, que você desenvolva seu
próprio Elã Vital ou Elã Vital do outro. É vida. Acho que palhaço e palhaça, e todos
os gêneros que estão por vir ainda... acho que nós estamos só no início de eclodir
umas variações, como é a língua, como é a variação linguística, como é a variação
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de gênero, acho que tem que estar muito aberto para isso. Na palhaçaria isso vai
acontecendo, você vai tendo outras formas de ver, de ver o mundo, e uma coisa
interessante é que você vai vendo como o humor vai modificando. Como é a forma
de fazer humor a partir da sua perspectiva, da perspectiva que você tem e de uma
perspectiva também que entra no campo do respeito. De respeitar a si mesma, de
respeitar o outro, dos seus limites, acho bacana isso. Então, acho que minha
missão, não sei se é uma missão, ou se é uma visão, é que: venham, vamos fazer,
entre, não tenha medo! Eu entrei numa universidade, semianalfabeta, mal sabia
escrever e você vai desenvolvendo as suas capacidades, vai encontrando pessoas
também que sempre incentivam. Então o incentivo é esse. Acho que os livros, eles
vão abrindo possibilidades de conversas com outras dimensões, é isso. O
movimento é este: quem me procurar para orientar, fazer com que a pessoa tenha
um protagonismo no trabalho. assim ela vai desenvolver uma capacidade
criadora, criativa, vai criando o seu próprio estilo palhacesco. Sua forma de dar
curso, sua visão de mundo você vai fazendo, a partir de várias visões, passa por
vários cursos. Uma indicação que eu daria para as pessoas que estão iniciando:
conheçam, façam, aproveitem, tem muita gente boa trabalhando. Faça cursos, leia,
aproveite que o campo é vasto, que tem muito a oferecer nesses tempos aí. Pelo
tempo que eu comecei lá, o meu trabalho foi o único, eu não tinha nenhuma outra
referência para estudar. Hoje é uma vastidão, coisas inumeráveis, que você não dá
conta de ler tudo. A importância dos encontros, das pessoas se encontrarem,
como nosso encontro hoje, nosso encontro aqui em Uberlândia. Acho que você é
uma das pioneiras em mapear esse campo da palhaçaria e eu acho que é isso,
que a gente faça cursos, estude, não pare no tempo, no espaço. Espaço de tempo
é conhecimento, então estudem, sejam responsáveis pela sua formação e pela
formação dos outros, [porque] você, além de se formar nesse campo, você está
formando outras pessoas, então você tem responsabilidade com tudo isso que
você produz. A produção é uma produção responsável. Então é isso, estudem,
vocês podem! Ninguém vai impedir você de fazer isso.
Ana, queria te agradecer muito, não por esse momento da entrevista,
mas por ser uma das principais referências hoje no Brasil, pelo seu
trabalho ininterrupto e muito intenso no desenvolvimento da área da
palhaçaria, pelo seu pioneirismo. Hoje você é uma pessoa que incentiva
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tantas pessoas, e eu sou uma delas. Você me incentivou a produzir o
primeiro livro, me ajudou tanto desde o início, então eu vejo você como
uma referência, não na palhaçaria, mas na vida mesmo. Sou muito
grata pelo nosso encontro, e agradeço muito mesmo pela sua
disponibilidade de ceder essa entrevista. Tenho certeza de que ela será
referência muito importante para muitas pessoas que estão nessa
busca do estudo, da palhaçaria, e gostaria de perguntar se você tem
mais alguma coisa que gostaria de falar, para a gente ir se
encaminhando para a finalização.
Eu tenho a agradecer você pelo seu interesse, pelo pós-doc, que é uma
oportunidade de reunir todo o seu conhecimento, todo o material, de propor
formação. Que esse trabalho revele, destaque, o quão forte, o quão potente são
as nossas palhaçadas brasileiras. Então é isso, ir abrindo portas, para a gente ir
abrindo caminhos para quem vem vindo e [para a] gente conseguir trazer todo
mundo que quiser. Todo mundo que quiser, acho que a experiência, como diz o
Larrosa, é o que nos atravessa, mas é uma experiência que atravessa o outro
também. Que a gente possa atravessar muitos caminhos, muitas palhaças que
queiram estudar com responsabilidade. Que a arte palhacesca, ela é além de
cômica, ela tem uma seriedade profunda com relação à elevação do Elã Vital das
pessoas, então é isso. Muito obrigada.
Muito obrigada, professora Ana.
Referências
WUO, Ana Elvira. Comicidade: do “corpar” clownesco como princípio móvel,
flexível, risível e espontâneo na (des) formação do ator.
ouvirOUver
, Uberlândia, v.
9, n. 1, p. 108–116, 2014. DOI: 10.14393/OUV11-v9n1a2013-9
WUO, Ana Elvira.
O clown visitador
: comicidade, arte e lazer para crianças
hospitalizadas. 1. ed., Uberlândia: EDUFU, 2011.
WUO, Ana Elvira; BRUM, Daiani Cezimbra Severo Rossini (Org.). Palhaças na
Universidade: pesquisas sobre a palhaçaria feita por mulheres e as práticas
feministas em âmbitos acadêmicos, artísticos e sociais. Santa Maria: EDUFSM,
2022.
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Entrevista concedida a Daiani Cezimbra Severo Rossini Brum e a Nicoli Maziero Mathias
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-23, dez. 2025
23
WUO, Ana Elvira; BRUM, Daiani Cezimbra Severo Rossini (Org.).
Palhaças na
Universidade
, Volume 2: experiência de pesquisa sobre a comicidade a partir de
perspectivas feministas. Santa Maria: EDUFSM, 2024
Recebido em: 04/09/2025
Aprovado em: 16/10/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br