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Blusinha branca, salto alto
e o corpo como uma flecha
Entrevista com Tatiana Cobbett
Concedida à Carmen Susana Tornquist
Para citar este artigo:
COBBETT, Tatiana. Blusinha branca, salto alto e o corpo
como uma flecha. [Entrevista concedida a Carmen Susana
Tornquist].
Urdimento -
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v.03 n.56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0504
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Blusinha branca, salto alto e o corpo como uma flecha
Entrevista com Tatiana Cobbett - Concedida a Carmen Susana Tornquist
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-20, dez. 2025
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Blusinha branca, salto alto e o corpo como uma flecha1 - Entrevista com Tatiana
Cobbett
Carmen Susana Tornquist2
Resumo
Nesta entrevista, Tatiana Cobbett compartilha conosco como se forjou sua carreira
artística, marcada pela articulação de diferentes linguagens: dança, música e teatro.
Também explica como surgiu a ideia de criar um espetáculo exclusivamente feminino,
nos inícios dos anos de 1990, e como desenvolveu as diferentes dimensões que
envolvem o trabalho artístico, desde a produção até a performance: um permanente
“crochet”, que implica em sustentabilidade, alianças e colaboração. Também relata sua
participação em lutas e iniciativas para ampliar o acesso a cultura a todos, garantir a
dignidade dos artistas e fomentar a criação de obras originais (autorais), em especial,
pelas mulheres.
Palavras-chave
: Mulheres. Tatiana Cobbett. Autoria.
White top, high heels and the body like an arrow - Interview with Tatiana Cobbett
Abstract
In this conversation, Tatiana Cobbett shares how her artistic career was built, marked by
the interweaving of different artistic languages: dance, music, and theater. She also
explains how the idea of creating a show exclusively with women emerged in the 1980s
and how she developed the various activities that encompass artistic work, from
production to performance "perpetual crochet" that involves sustainability, partnerships,
and collaboration. She also discusses her involvement in struggles and initiatives to
expand access to culture for all, to guarantee dignity for artists, and to encourage original
works, especially those created by women.
Keywords
: Women. Tatiana Cobbett. Authorship.
Tacones altos, top blanco y el cuerpo como una flecha - Entrevista con Tatiana Cobbett
Resumen
En esta conversación, Tatiana Cobbett comparte cómo se forjó su carrera artística,
marcada por la combinación de diferentes lenguajes artísticos: danza, música y teatro.
También explica cómo surgió la idea de crear un espectáculo exclusivamente femenino
en la década de 1980 y cómo desarrolló las diversas actividades que abarcan el trabajo
artístico, desde la producción hasta la performance: un "crochet perpetuo" que implica
sostenibilidad, alianzas y colaboración. También habla de su participación en luchas e
iniciativas para ampliar el acceso a la cultura para todos, garantizar la dignidad de los
artistas y fomentar las obras originales, especialmente las creadas por mujeres.
Palabras clave
: Mujeres. Tatiana Cobbett. Autoría
1 Revisão de texto e traduções realizadas por Themis Scalco. Graduação em Letras pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Transcrição e apoio em informática por Estefany Gualdes. Bibliotecária
formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
2 Pós-doutorado na Ecole des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS) Franca. Doutorado em
Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UDESC). Mestrado em Sociologia Política
pela UFSC. Graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). professora titular da Universidade do Estado de Santa Catarina, onde atua no departamento de
Geografia e no Programa de Pós Graduação em Planejamento territorial e desenvolvimento sócio-ambiental,
colaboradora - INTC Instituto Brasil Plural(SC) e membro do Conselho Consultivo da Cátedra Mariátegui
(Peru). carmentornquist@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2486480802935227 https://orcid.org/0000-0002-7560-8649
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Figura 1 - Tatiana Cobbett. Acervo da artista. JCMarkun
Nesta conversa, Tatiana Cobbet fala de sua movimentada trajetória, iniciada
como dançarina e articulada, permanentemente, com outras linguagens, entre as
quais, o teatro, a música e a literatura. Encharcada pela arte desde o berço um
berço comunista, que seu pai era organicamente vinculado ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB) Tatá (como é também conhecida) destaca, em sua conversa, a
importância da sua formação em dança, primeiramente como aluna do Teatro
Municipal e depois, junto ao Balé Stagium, companhia de dança que marcou a cena
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contemporânea das artes, no Brasil do período da chamada re-democratização. A
artista nos conta como acontecia o processo criativo no Stagium – que lhe serviu
de escola – como o processo criativo-investigativo acontecia nessa companhia e
como se alçou, ainda bastante jovem a construir o espetáculo
Mulheres de
Holanda
, que foi aos palcos no Rio de Janeiro e em São Paulo nos anos de 1990.
Nele, as mulheres eram destaque desde diversas dimensões, não apenas como
tema ou inspiração do compositor, embora a sensibilidade de Chico Buarque para
com o assim chamado universo feminino seja um ponto chave nesta produção, e
que, evidentemente, as representações do universo feminino na obra do autor
ensejem, por si, todo um debate, como sugerem Lhulhier e Fayad (2015). O
espetáculo foi idealizado por ela, durante a gestação de seu segundo filho, no
bairro do Cacupé, em Florianópolis, foi indicado à prêmios em São Paulo e
permaneceu em cartaz por quase dois anos, tendo tido outras remontagens,
posteriormente. Tatá conta, ainda, sua experiência reconstruindo e dirigindo o
Teatro Pirandello, em São Paulo, antes de se mudar, em definitivo, para o sul do
país, com sua família, no início dos anos 2000. Em Santa Catarina, com a habitual
inquietude que lhe faz, de quando em quando, “bater com a cabeça no teto” e
enveredar por novos caminhos, descobre seu talento musical de forma casual, a
partir da escuta do músico Marcoliva, após de um pequeno conflito vivenciado
com ele antes de um
show:
“Fiz a música ali, naquela hora, substituindo, de certa
forma, a briga. Foi uma comoção. Ele olhou para mim e falou: anota essa coisa,
escreve”, nos conta ela, reportando a um costume seu de transformar
desassossegos em canções. A música foi gravada por Badi Assad e outras artistas
sob o nome Básica e faz parte do seu primeiro disco em parceira com Marcoliva
(
Parceiros
), no qual se revela uma talentosa intérprete. Contudo, e para além
dessa “revelação” de certa forma, tardia, destaca-se, a partir daí, sobretudo, a sua
militância em prol da criação feita pelas mulheres como compositoras, como
autoras com coisas para serem escutadas (“nossas dores, histórias e
demandas”). E, ainda que menos influenciada pela intensificação do feminismo
“acadêmico’– de grande impacto no campo das artes nas últimas décadas, como
salienta Stela Fisher (2018), Tatiana está imersa em um ambiente onde “os
feminismos cada vez mais estão na moda”, como diz, também a mesma autora,
que se expressa da ampla adesão de participantes ao festival que ela organiza.
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Ademais, seu posicionamento acerca da arte como trabalho nos mostra o quanto
no início de sua carreira, a construção de “um teto todo seu”, para reportar à
Virgínia Wolff (2019) está absolutamente presente. Sua carreira musical está
marcada pelo uso expressivo do corpo e de outros recursos cenográficos, que
conferem aos seus shows o caráter de eventos efetivamente espetaculares: um
corpo enraizado no chão e conectado ao céu, em interlocução intensa com os
demais público e artistas. Passou a atuar nesta nova condição em diversas
parcerias em projetos, aliada ao seu permanente trabalho como produtora e sua
reconhecida militância, uma agitadora cultural. Nesse processo, acabou liderando
a versão local – e altamente bem-sucedida – chamada
Sonora
, iniciativa que põe
em cena o trabalho das mulheres compositoras, em vários lugares do mundo. A
partir daí, forjou, em novas parcerias, o projeto
Elas por Elas
, que se articula, como
sempre, com a batalha pela valorização profissional dos artistas, pelas políticas
públicas para arte, passando pelas recentes experiências de produções
colaborativas.
Tatiana reside em Portugal desde 2019, e mesmo sem estar sempre em nosso
chão, segue seu trabalho “agitando a colmeia”, como diz, ao contar que gosta
mesmo é do
junteiro
(trabalhar em parceria, fazendo a arte acontecer, circular,
falar dos “nossos”, com projetos que envolvem diversas linguagens artísticas. Fruto
deste novo momento lançou, em 2025, o livro de poemas
Travesseiro
, prefaciado
por Marika Gidalli. Neste livro, Tatiana nos diz, no poema chamado
Não vou descer
do salto alto
, sobre a natureza de sua altivez:
Estou convicta
Pisar firme
E não dar a mínima
Não é desistir
É lida
A peleja é resposta
Poesia
Escudo da alma
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E, pelo ventre exposto
estar pronta
para a transformação
Armada até os dentes
Não vou descer do salto
Estou convicta…
A entrevista é um recorte de uma longa e linda conversa que aconteceu no
pátio da Biblioteca Pública de Alcântara, em Lisboa, em uma tarde de maio de
2025, animada pelo som do “comboio”, que, a cada 10 minutos, emitia seu
impactante assovio sobre uma ponte, acima de nossas cabeças. Para quem é
movida por permanentes ímpetos de crescer e andar mais, para frente, o barulho
do trem “(Olha o trem”, cantarolava ela, a cada apito) nas nossas cabeças tenha
sido, também, um presságio de que algo novo está por vir, logo em frente... Tatiana
pode ser vista como uma Árthemis um corpo vibrante, uma cabeça erguida, uma
flecha apontada para o além, defendendo as mulheres, a arte e direito de sonhar:
Sou alma dita
Maldita
Sou flor
Dita, mulher florida
Sou cor
Parda
Derivada
Atrevida
Amor
Eu rumo
Passo, enlaço
Apavoro
Escoro e lavro
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Não enche a porra do saco
Me deixa sonhar
(Cobbett, 2025.
Me deixe sonhar
)
A Entrevista
Carmen Susana - Então, primeiramente, gostaria que você falasse sobre a
influência propriamente política da sua família uma família de artistas,
como você comenta em entrevistas anteriores.
Tatiana Cobbett
- Eu nasci numa família de artistas ligada ao cinema. Meu pai,
William Cobbett, foi professor do Partido Comunista e, quando retornou à
legalidade, criou a Tabajara Filmes, que trazia produções russas para o Brasil. Mais
tarde, se transformou em produtor e diretor muito atuante no movimento
chamado Cinema Novo. Minha mãe entrou nessa história como revisora e
acabou registrada como a primeira mulher produtora executiva do cinema
brasileiro. E minha tia, Adélia Sampaio, se tornou a primeira mulher negra a dirigir
um longa [metragem] no país.
Cresci nesse ambiente, sempre cercada de cultura e de cinema. E, como cinema
é uma arte coletiva, eu desde pequena ia para os
sets
: fui
boy
de produção,
claquetista, assistente de continuísta, dubladora e fiz algumas
participações/figuração, etc.
Comecei na dança bem cedo, com uns 8 ou 9 anos, e foi que me descobri como
artista. Cresci cercada de arte cinema, música, literatura, mas a dança acabou
sendo o meu caminho. Estudei na Escola de Dança Maria Olenewa, do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, onde a formação era super rigorosa: balé clássico,
jazz, dança moderna, afro-brasileira, flamenco, além de matérias teóricas como
música, história da arte e da dança. Aos 15, 16 anos já estava profissionalizada, e a
partir daí a dança virou praticamente 100% da minha vida.
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Aos 17 fui para Nova Iorque com uma bolsa, o que me abriu outros horizontes além
do erudito. Mas acabei voltando ao Brasil. Comecei a estudar dança ainda criança,
estudei e aos 15 anos já atuava profissionalmente. Conheci o Balé Stagium quase
por acaso: vi uma apresentação no
Projeto Pixinguinha
e fiquei impactada com a
coreografia
Batucada
. Nunca tinha imaginado bailarinos “dando uma canja”
daquele jeito aquilo me virou do avesso. Procurei a companhia, falei com a
Marika Gidalli [diretora da Companhia], que me disse que não havia audição
naquele ano. Meses depois, fui a São Paulo para tentar uma vaga no Teatro
Municipal de lá, mas quando cheguei vi um cartaz anunciando uma audição do
Stagium acontecendo naquele exato momento. Larguei tudo, corri para lá, fiz a
prova e passei. Nunca mais voltei a morar no Rio de Janeiro. Foram 13 anos dentro
do Stagium, que era dirigido pela Marika e pelo Décio Otero, e ali eu realmente me
formei como artista. A companhia pesquisava a cultura popular, levava a dança
para teatros, ginásios, ruas e comunidades, abordava temas como o Holocausto,
o Pantanal, a história do Brasil. Era muito mais do que dançar: a gente participava
de tudo – da pesquisa ao figurino, da luz à trilha – e isso me deu a noção de arte
como espaço de troca e transformação. O Stagium também teve papel político
importante durante a ditadura, porque a dança dizia coisas que não podiam ser
ditas em palavras. Foi um aprendizado imenso, que moldou minha personalidade
artística e me fez entender que sucesso não é glamour, mas a possibilidade de
realizar e transformar.
Em São Paulo, nesses anos de Stagium, eu me casei, tive filho e segui dançando–
o que não era nada usual naquela época. Acabei sendo a primeira bailarina a se
apresentar grávida no Brasil. A Marika dizia: “você está grávida, não doente”, e foi
assim que encarei: continuei viajando, ensaiando, subindo no palco. Meu primeiro
filho praticamente nasceu no palco, porque dancei até dezembro e ele nasceu em
janeiro.
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E teve que ter algum tipo de adaptação para o teu corpo, os movimentos,
alguma coisa?
Não precisei de adaptação especial para dançar grávida, porque aquilo era natural.
Na época eu não vivenciei a gravidez nesse lugar mais íntimo da mulher, foi tudo
muito puxado — viagens, ensaios, palco. Mais tarde, já casada, com filho e muitos
anos de estrada, percebi que estava “batendo a cabeça no teto”: artisticamente
realizada, mas fisicamente cansada e com outras vontades. Então, pedi um ano
sabático, e, com o apoio da Marika e do Décio deixei o Stagium, depois desses anos
intensos. Foi nesse momento que decidi mudar de vida. Já conhecia Florianópolis
das turnês e era apaixonada pela ilha sempre que chegava, fugia para ver o mar.
No fim dos anos 80, fui para lá com meu companheiro, meu filho pequeno, discos
e livros, sem grandes planos. Alugamos uma casinha no Cacupé [bairro de
Florianópolis] e fiquei grávida novamente. Nesse período comecei a dar aulas e
criei a oficina “Corpo Lúdico”, que mantenho até hoje, explorando o movimento de
forma livre, ligada à palavra e à arte. E, mesmo “parada”, creio que a gravidez me
levou a escrever meu primeiro espetáculo porque o artista nunca deixa de
trabalhar, muda a forma de criar. Foi, assim, em Florianópolis, que comecei a
escrever quase sem perceber. Estava grávida, esperando meu segundo filho
nascer, dei vazão a esse processo criativo e nasceu o musical
Mulheres de
Hollanda
, baseado na obra feminina do Chico Buarque. Não coreografei nem dirigi,
chamei parceiros para isso, mas a ideia original, concepção e roteiro foram meus.
E, pela primeira vez, não era só bailarina: eu estava me afirmando também como
escritora, produtora e interprete. A ideia surgiu quando eu estava passando pela
rua Felipe Schmidt, onde havia várias lojas de discos. De repente, ouvi uma
gravação tocando era
Canção Desnaturada
, de Chico Buarque. A música me
chamou muito a atenção, talvez por causa da gravidez, porque ela dizia: “Por que
cresceste, Curuminha / Assim depressa e estabanada / Saíste maquiada...”. Essa
relação imediata com a gestação me atravessou. Segui andando, mas pensei: “não,
vou voltar”. Voltei na loja e comprei o disco. Levei para casa. Era daqueles LPs que
vinham com um encarte, um caderno com todas as letras escritas daqueles
tempos bons em que a gente lia o disco. O espetáculo nasceu literalmente à beira
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d’água, no Cacupé. Foi ali que escrevi meu primeiro espetáculo. E veja só: eu nunca
deixava de trabalhar. O artista nunca para. Não ter um emprego formal é
completamente diferente de não trabalhar. Eu estava ali, esperando os nove
meses para o meu filho nascer, e, ao mesmo tempo, me dedicando a esse
processo criativo sem nenhuma intenção futura, apenas deixando a arte fluir
junto com a vida.
Mulheres de Hollanda
abriu para mim um novo caminho: mostrou que eu podia
costurar diferentes linguagens e dar corpo a uma obra própria, unindo dança,
teatro, texto e música. Foi o ponto de virada em que deixei de ser apenas bailarina
para me tornar também autora do meu trabalho. Marcou minha virada de bailarina
para também autora e produtora, e não por acaso nasceu durante uma gravidez,
quando comecei a olhar mais fundo para o universo feminino. Venho de uma
família de mulheres fortes, mas cresci cercada de homens, o que me colocou
desde cedo entre a preservação e o enfrentamento. Esse contraste me levou a
buscar, na arte, um espaço de fala e de criação para as mulheres – unindo dança,
teatro, música e palavra para transformar em cena as experiências do feminino.
Depois do
Mulheres
e de um período intenso em São Paulo, percebi que não
queria ter uma companhia fixa. O que me movia era juntar pessoas em torno de
um projeto, erguer um espetáculo, buscar recursos e colocar em pé. Assim
nasceram trabalhos como o
Grito das Flores
, pensado para a Eco 92, e tantas
outras criações que ocuparam teatros, casas de
show
e, mais tarde, o Teatro
Pirandello, que assumi em parceria com minha mãe. Ali produzi, escrevi, dirigi e
montei espetáculos que misturavam linguagens - dança, teatro, música – sempre
em diálogo com a comunidade.
A convite de um amigo, fui chamada a dirigir o Teatro Pirandello, na Rua Major
Diogo, no bairro da Bela Vista, em São Paulo — um espaço que estava desativado
havia muitos anos. Assumi, então, a tarefa de revitalizar o teatro, sendo esta a
primeira vez em que me coloquei no lugar de pensar, organizar, dinamizar e
reestruturar um espaço cultural. Minha atuação se deu em três frentes principais:
a primeira foi na programação artística, onde abri espaço para o teatro infantil e
criei, em parceria com a minha mãe, a produtora Eliana Cobbett, o projeto
A Escola
visita o Teatro Pirandello
, que levou estudantes de diferentes bairros da capital ao
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contato direto com a arte e a cena teatral. Além disso, em parceria com o artista,
figurinista, coreógrafo e cenógrafo Carlos Gardin, desenvolvemos um projeto de
ocupação do saguão do teatro, remodelando o espaço de forma criativa e coletiva.
Essa intervenção transformou o saguão em um ambiente vivo de convivência
cultural, integrando a arquitetura do espaço ao espírito de renovação artística do
Pirandello. A segunda frente foi a criação, direção e produção de espetáculos, para
dar continuidade a programação do espaço, todos concebidos com foco na
diversidade cultural que compõe a cidade de São Paulo. E apresentei montagens
como
Partituras da Itália nas Vozes do Rio
, com o tenor do Teatro Municipal do Rio
de Janeiro Mário Paris, celebrando a herança ítalo-brasileira;
Alma Flamenca
, com
a Cia. Mercosul, formada por artistas flamencos paulistanos e argentinos e Esta
Terra Portugal, reunindo artistas do fado residentes em São Paulo e grupos
tradicionais portugueses. Fizemos, ainda, o festival
Três Bandeiras
, uma mostra
dedicada à música argentina, uruguaia e paraguaia, reforçando o diálogo latino-
americano no palco. Nesta ocasião elaborei o Primeiro Concurso de Dança de
Salão modalidade – Tango - em São Paulo em parceria com o icônico Bar Avenida.
A terceira frente foi a criação de projetos especiais de circulação musical, como o
Projeto Laços e Cordas, que promoveu encontros inéditos e intimistas com artistas
de destaque, entre eles Badi Assad, Nana Vasconcelos, Carlinhos Antunes, Tuti Baê,
Alexandre Birket e Zeca Baleiro, entre outros nomes que marcaram a cena musical
brasileira.
Mais do que um trabalho de gestão cultural, a experiência no Pirandello
representou para mim um momento de amadurecimento artístico e consolidou
meus anseios ativistas. Ao lidar com diferentes linguagens, públicos e
comunidades, aprendi a olhar a arte como espaço de encontro, escuta,
sustentabilidade e transformação. Esse processo ampliou minha visão sobre o
papel do artista, consolidando em mim a convicção de que criar, dirigir e produzir
é também conectar pessoas e histórias por meio da música, da palavra e da cena.
A partir daí, eu já não ia mais para o palco. Escrevia, dirigia, concebia, corria atrás,
levantando recursos e coisas assim. Fiquei alguns anos fora do palco. Antes do
Pirandello, trabalhei como programadora numa casa chamada Avenida Clube - que
funcionava como um bar com pista de dança. e ali dinamizei o espaço levando
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espetáculos musicais, como
Os Quatro Carreirinhas
com direção do Wolf Maia
que ganhou o Prêmio Shell naquele ano. Criamos uma gaveta que puxada
ampliava o tamanho do Palco (ocupando a pista de dança) possibilitando
montagens maiores e a estreia do palco foi com o Musical
Emoções Baratas
assinado e dirigido pelo José Possi que ficou em cartaz bastante tempo e teve
enorme sucesso, tanto de crítica quanto de público. Voltando ao Pirandello, nesse
exercício descobri que gosto mesmo é de
junteiro
, gosto de juntar pessoas, então
começou essa coisa, a minha vida era levantar de manhã para matar o leão do dia
seguinte. Mas eu nunca mais queria ter emprego, ou seja, alguém que dissesse que
horas eu tinha que chegar, que horas eu tinha que sair, então por mais difícil que
fosse, isso é que me atraía. Foi um período de muito risco, muito cansaço, muito
aprendizado, até que a vida me levou a Manaus, em função de uma proposta
praticamente irrecusável que foi feita a meu companheiro de vida. Fiquei por
uns sete meses, mas não me adaptei à cidade e voltei a São Paulo, sempre me
re-inventando. Nesse processo de idas e vindas decidimos, enfim, nos mudar para
Florianópolis, em busca de mais qualidade de vida. Lá, fui me conectando à cena
artística local, dirigindo lançamentos de discos, criando espetáculos e até
transformando um bar em Santo Antônio de Lisboa [bairro de Florianópolis] em
uma casa de shows semanais. Nesse movimento, a música foi chegando cada vez
mais perto. A composição entrou na minha vida quase por acaso. Foi o Marcoliva
[músico] quem me revelou esse lugar de compositora. Eu estava dirigindo o
espetáculo de outra artista e, nesse processo, acabei entrando como
backvocal
.
Isso me colocou de volta no palco e, a partir daí, as coisas começaram a crescer.
Continuamos compondo até que surgiu o Festival de Música do Sesc. Virei para o
Marcoliva e disse: “que tal a gente se inscrever?”. Entramos e ficamos em segundo
lugar com a música
Procurando um Lugar
, logo depois, em Ganchos, haveria um
festival de vinho e a dona do hotel, Luciana Petrelli que depois se tornou uma
grande amiga queria contratar o vencedor. Como o primeiro lugar era de Chapecó
e saia mais caro, acabou chamando a gente, os segundos colocados. Esse convite
acabou dando origem ao espetáculo Parceiros, com o qual circulamos bastante e
que se tornou a base do nosso primeiro CD
Parceiros
lançado em 2000, com
produção musical de Luiz Meira.
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Criamos um espetáculo em torno da ideia de parceria na música popular brasileira,
misturando canções e histórias. Esse conceito cresceu, virou movimento, rendeu
cinco álbuns e muitos projetos, sempre costurando música autoral com encontros
e misturas sonoras. Foi nesse caminho que encontrei meu verdadeiro lugar: unir
linguagens, criar em coletivo e afirmar a minha voz como mulher, intérprete,
compositora, poeta, produtora.
Gostaria que tu falasses um pouquinho sobre a mistura dessas duas
linguagens, a dança e a música...
Para mim, a mistura da dança com a música é algo natural, porque a minha escola
sempre foi o corpo. Com o tempo e o estudo, fui entendendo como organizar
essas “muitas Tatianas” em cena, como usar a interpretação corporal sem perder
a voz. Hoje percebo que o corpo é parte essencial da minha identidade como
intérprete. Ele me ajuda a atravessar a quarta parede, a reger a música mesmo
sem instrumento porque não toco, então a minha forma de compor e dirigir é
cantar, gesticular, marcar intenções, dar o tempo e o ritmo com o corpo. Foi assim
que também trabalhei com outros artistas, trazendo essa corporalidade para a
cena musical.
E, claro, também fui aprendendo a lidar com referências. Durante muito tempo
cantei músicas minhas ou de parceiros próximos, numa busca pelo autoral e pelo
genuíno. Aqui em Portugal, passei a cantar também a música brasileira, levando
esse repertório para fora do país. Muitas vezes me comparam a artistas que
admiro, como Maria Bethânia, Tom Zé e Ney Matogrosso – e recebo isso como um
elogio. Acho que o que aparece em mim é essa força cênica, essa fusão entre
corpo e voz, que vem da dança, mas se expandiu na música.
E você, esteve a frente do projeto Elas por Elas, que virou uma referência,
nos últimos anos, certo? Gostaria que falasses um pouco desse teu papel
como ativista das mulheres na arte.
Fui ativista desde sempre, mas em Florianópolis isso se intensificou. Vivi de perto
a cidade passar cinco anos sem teatros abertos TAC, CIC e UBRO fechados
[principais teatros da capital catarinense] –, e isso me marcou muito. Passei a
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atuar para dar espaço à produção local, criando movimentos para a arte
catarinense, incentivando e buscando espaço para o autoral, levando a cena para
onde fosse possível. Naquela ocasião não havia, ainda, as leis de incentivo. Então,
o meu ativismo sempre foi nesse lugar: dar voz ao local. No começo nem era
pensando em mulher, era algo mais amplo dar voz ao que estava acontecendo
em Santa Catarina. A briga foi para encontrar espaços de acolhimento para a
produção daqui. Era uma capital com duas universidades, uma faculdade de
música que todo ano formava gente, muita gente. E não tinha onde esse pessoal
desaguar.
Essa foi a minha primeira causa para além do meu umbigo. Aí você acaba ficando
“famosinha” por estar sempre bradando. Era o chamado “ocupa”: vamos ocupar
os lugares! Esse foi o meu foco: lutar pela música autoral. Eu era conhecida por
cantar o que era nosso. Tinha até um jargãozinho: “não canta aquela, canta a
sua”. Levei o
Catarse
[plataforma de financiamento coletivo] para Santa Catarina
e o CD
Música Súbita
, de 2010, foi o primeiro trabalho realizado através de uma
plataforma colaborativa em Florianópolis. Um disco coletivo feito com estudantes
recém-formados da UDESC. antes, estava mergulhada em um projeto de sete
anos que resultou no
Bendita Companhia
[2007] um CD de 19 faixas que reuniu
profissionais do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, mesclando música
instrumental e canção. Gravarmos juntos, sempre mantendo a ideia de que a
música deveria ser registrada como havia sido concebida, pelos próprios criadores,
desde o zero.
Esse processo me deu visibilidade no campo do ativismo, tanto pela briga
constante quanto pelas parcerias que iam surgindo, muitas vezes com artistas de
outras linguagens. Foi nesse movimento que fui descobrindo, na prática, a ausência
e a invisibilidade da mulher. E olha que eu sempre fui “aparecida”, como digo, uma
Nossa Senhora Aparecida. Mas foi vivendo isso na pele que percebi de verdade
esse lugar.
Criei uma residência artística que chamei de
MUSICASA
, onde recebia gente do
mundo inteiro. Transformava a minha própria casa em palco de espetáculos, em
fórum de debates, em espaço de oficinas, em roda de conversa. Era ativismo, mas
sempre voltado para o meu estado. Nunca tive interesse em correr para São Paulo
Blusinha branca, salto alto e o corpo como uma flecha
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ou para o Rio, embora circulasse bastante, buscando ampliar o alcance da música
que a gente fazia e construir pontes. Eu queria fazer para os nossos, circular pelo
estado. Essa ainda é uma briga, porque Santa Catarina até hoje tem dificuldade de
circulação.
Foi uma época bem efervescente, em que a cena vibrou junto. O Festival de Música
de Itajaí, por exemplo, impulsionou muito a música instrumental em Santa
Catarina. E o
MUSICASA
aproveitava esse movimento para promover encontros,
abrigando artistas que passavam por Florianópolis e transformando essas
passagens em verdadeiros acontecimentos. Eu costumava dizer que a gente não
levantava a bandeira – a gente era a própria bandeira.
Nesse movimento, fui me deparando também com a questão da mulher na
música. Sempre houve piadinhas, comentários atravessados, chamando cantora
de papagaio, de caturrita. Comigo, pessoalmente, não pegava tanto, talvez pelo
meu jeito, pela minha história, por ter crescido numa família de homens. Mas não
significa que eu não visse. Eu via.
Foi nesse contexto que chegou a Florianópolis o
Sonora Festival Internacional
de Compositoras
, um festival de mulheres de música autoral que nasceu em São
Paulo e logo se espalhou pelo mundo. Achei aquilo maravilhoso e pensei: vamos
abraçar. Reuni um grupo de artistas e começamos a pesquisar compositoras de
Santa Catarina. Não encontramos registros, mas sabíamos que existiam. Então
resolvi ampliar: convoquei intérpretes, que passaram a pesquisar e cantar obras
de compositoras catarinenses. Dessa abertura surgiram muitas descobertas:
mulheres que nunca tinham mostrado suas músicas, compositoras que estavam
fora do estado e voltaram para participar. Criou-se uma atmosfera de
sororidade muito forte. E, ao mesmo tempo, vimos as dificuldades: eram poucas
instrumentistas mulheres, a maioria era cantora. Então abrimos espaço para os
homens também mas em outro papel, o de escuta. Eles subiam ao palco para
tocar, mas também para ouvir as nossas dores, histórias e demandas.
O resultado foi poderoso: dois dias de festival, 30 mulheres no palco, e o Sonora
em Florianópolis acabou sendo o maior do mundo em número de participantes.
Entramos para o calendário do CIC e o festival ainda resistiu por alguns anos.
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Dentro desta atmosfera surgiu o “Elas por Elas”, um coletivo que ampliou essa
luta, dando voz às artistas mulheres e criando a partir da colaboração. Sempre
agreguei parcerias e formas de ocupar espaços, porque sozinha nada se faz de
fato. Esse é o meu papel como artista: construir junto, abrir caminho e brigar por
visibilidade especialmente das mulheres na arte. Também tive a percepção de
que não basta ocupar o espaço, é preciso que o trabalho seja reconhecido como
produto cultural, com valor simbólico e também econômico. Acredito que arte não
é entretenimento, é espaço de reflexão, transformação, é profissão e como
tal deve ter remuneração justa, políticas públicas e sustentabilidade. O espetáculo
Elas por Elas
foi um marco nesse sentido e, com o tempo, se ressignificou,
tornando-se também um site de mapeamento da mulher na música catarinense
elasporelas.art.br. Isso ampliou a rede, deu visibilidade e documentação. O
ativismo, para mim, nunca foi brigar por um palco, mas fortalecer o original e
ter uma estrutura em que os artistas e especialmente as mulheres pudessem
existir de forma digna e sustentável.
Você poderia contar prá s sobre o uso do(s) turbante(s) que tem sido uma
peça constante em teus trabalhos, pelo menos os mais recentes?
O turbante entrou na minha vida como uma homenagem à minha avó. Ela era
lavadeira e usava panos na cabeça para equilibrar as bacias de roupa uma
imagem muito forte da minha infância. Quando ela faleceu, peguei um desses
panos e passei a usá-lo em cena como saudação, uma homenagem à minha
ancestralidade. Com o tempo, esse gesto íntimo acabou gerando debates sobre
apropriação cultural.
fui questionada, inclusive em rodas de mulheres, mas sempre respondo
mostrando a foto da minha avó e dizendo: “me digam vocês o que eu faço com a
minha avó”. Para mim, não é apropriação: é memória, é afeto, é raiz.
Essa relação ganhou novas camadas quando, em 2013/2014, celebrando 15 anos
de parceria com Marcoliva, fizemos uma Intervenção Urbana em São Paulo por
ocasião do nosso álbum
Sawabona Shikoba
[2015]. Saímosàs ruas oferecendo uma
canção nossa a quem quisesse ouvir. A ideia era simples: registrar em foto e depois
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usar esse material no encarte do disco. Mas a experiência foi além: no centro
paulistano, observamos a diversidade pulsando nas ruas.
Enquanto isso, nossa figurinista, Nina Hoffmann (Acervo Nequesa/Florianópolis),
também era atravessada pelo entorno e foi acoplando elementos à nossa
presença, como se nos fantasiássemos ali mesmo, em plena ação. Eu terminei
com um turbante de metros na cabeça e o Marcoliva, de dread. Foi um gesto
estético, mas também político: fruto da interação com a cidade, com os olhares,
com o corpo coletivo que se formava.
Hoje os debates sobre identidade, pertencimento e apropriação estão mais
amadurecidos. não se trata apenas de um adereço, mas de compreender os
contextos de poder, invisibilidade e preconceito que atravessam esses símbolos.
O turbante, que começou para mim como memória familiar, se consolidou como
parte da minha identidade artística e também como gatilho de conversas,
provocações e experiências de sororidade. A arte tem esse papel: abrir espaço
para a escuta e para o diálogo. Por isso sigo usando, ainda que às vezes me permita
mostrar os cabelos brancos porque cada fase da vida traz a sua própria forma
de presença.
Gostaria, ainda, que falasses sobre Portugal e o projeto
Lá e Cá
.
OLá e Cá
nasceu num momento de travessia. Nossa parceria já havia debutado: 15
anos, cinco álbuns e um caminho intenso. Naturalmente, voltou a inquietação: o
que fazer, para onde ir, como seguir? Pensamos então em dar um passo além e
levar o trabalho para fora do país. Inicialmente, cogitei o Uruguai, que sempre nos
recebeu muito bem, não era tão longe e eu tinha uma afinidade especial com a
cultura uruguaia. Mas o acaso me levou à Lisboa e aproveitei para sondar as
possibilidades. Chegamos a ir Marcoliva e eu –, fizemos apresentações, contatos,
tudo parecia seguir o fluxo. No entanto, ele sentia a necessidade de trilhar seu
próprio caminho em carreira solo, o que era perfeitamente compreensível. Foi
assim que vi o
Sonora Parceria
cair num vácuo. Mas eu já havia feito a travessia. E
foi nesse momento que mergulhei na ideia de uma Residência Alargada o e
Cá. Um projeto com foco no intercâmbio cultural, no resgate da minha
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ancestralidade portuguesa que meu avô materno era português (embora não
tivesse reconhecido a paternidade, fato que nunca fez diferença prática em nossas
vidas, mas que nesse momento me pareceu simbólico).
Afinal, a minha artista-compositora nasceu em Santo Antônio de Lisboa, meu chão
em Florianópolis, reduto de pescadores e colonização açoriana. O
Lá e Cá
passou
então a ser também o aprofundamento da lusofonia, um espaço para atravessar
fronteiras, tecer laços e reinventar raízes. faz sete anos que vivo nesse
movimento de passar seis meses no Brasil e seis meses em Portugal. Quando
cheguei aqui, criei o projeto como uma ponte entre os dois países, e ele acabou se
desdobrando em múltiplas criações, e ele foi se firmando como um intercâmbio
cultural entre continentes, unindo linguagens artísticas e apostando na
sustentabilidade como prática e como discurso. A proposta sempre foi essa:
incentivar o autoral, dar visibilidade à música brasileira feita também pelos
imigrantes e criar parcerias, fomentar meu trabalho e fortalecer uma rede criativa
entre Brasil e Portugal.
Desse processo nasceram espetáculos, performances, projetos de ocupação,
formações musicais,
singles
e clipes lançados em plataformas digitais. E, por fim,
agora em 2025, surge o livro de poemas Travesseiro, publicado pela editora luso-
brasileira Urutau, com orelha assinada por Marika Gidali. Esse livro é, de certo
modo, uma ponte simbólica desse ir e vir: foi concebido em aeroportos, nesse
espaço peculiar de trânsito, lugar de espera e de passagem, onde eu podia refletir
sobre o que estava deixando para trás no Brasil e sobre as perspectivas do que
encontraria em Portugal e vice-versa. Assim como o próprio
e
,
Travesseiro
reafirma a arte como lugar de encontro, diálogo e transformação, onde o pessoal
se conecta com o coletivo e a memória se reinventa em movimento.
Tenho previsto um livro, um Ensaio com título provisório
Processando os
Processos
que estou a escrever em parceria com a IA, sobre os caminhos
criativos, as formas de sustentabilidade, a diáspora, a vivência imigratória, as
parcerias, enfim todo o caminho percorrido até aqui.
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Figura 2 Tatiana Cobbett. Foto: JCMarkun
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Referencias
COBBETT, Tatiana. Não vou descer do salto. In: COBBETT, Tatiana.
Travesseiro.
Setúbal/Cotia: Urutau, 2025.
COBBETT, Tatiana. Me deixa sonhar. In: COBBETT, Tatiana.
Travesseiro
,
Setúbal/Cotia: Urutau, 2005.
LHULHIER, Louise e FAYAD, Daphne. À Flor da pele: posições femininas de dizer o
amor.
Revista Subjetividades
, v. 15, n 2, 2015, p.191-200.
FISHER, Stela. A crescente disseminação dos estudos feministas nas artes cênicas
e sua contribuição para a criação de ações disruptivas em meio institucional.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.3, n 33, 2018,
p.296-310.
WOLFF, Virgínia.
Um teto todo seu
. Lisboa: Tordesilhas, 2019.
Recebido em: 31/09/25
Aprovado em: 14/10/25
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br