Urdimento
in memoriam
Um tributo a Tadashi Endo (1947-2025)
José Rafael Madureira1
Cena do espetáculo
Tasogare
(2005). Foto: Sandra Zea
Tadashi Endo nasceu na China, mas viveu toda infância e adolescência no
Japão. A paixão pelo teatro e a vontade de subverter padrões estético-políticos
preestabelecidos irromperam nos tempos de escola e ganharam uma forma
explosiva quando ele se envolveu com a revolta estudantil dos anos 1960 contra o
imperialismo estadunidense: os estudantes japoneses não poderiam permanecer
1 Doutorado em Educação, Linguagem e Arte (UNICAMP) e pesquisador-líder do Hop Musical (CNPq/UFVJM).
joserafaelmadureira@gmail.com http://lattes.cnpq.br/3840410194168195 https://orcid.org/0000-0002-8461-3132
Homenagem
José Rafael Madureira
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-3, ago. 2025
2
calados diante da camaradagem do governo com um país que desenhou,
deliberadamente, os massacres de Hiroshima e Nagasaki, ocorridos, justamente,
há 80 anos (
um minuto de silêncio...
).
O pai de Tadashi sabia que seu destemperado filho não poderia permanecer
no Japão – ele chegou a ser preso pela polícia, depois de arremessar um coquetel
molotov sobre a brigada de choque. Em uma conversa franca, sugeriu-lhe que
fosse estudar no exterior. Ele aceitou o conselho e foi para a Alemanha estudar
filosofia. Depois de algum tempo, convencido de que o universo acadêmico não
tinha o menor sentido para ele, mudou-se para Viena a fim de estudar direção
teatral no conceituado e elitizado
Max Reinhardt Seminar
.
Ao finalizar os estudos, voltou à Alemanha e deu início a uma promissora
carreira como diretor teatral. Ele adorava estar com os atores e orquestrar, com
alguma ousadia, o processo de montagem dos espetáculos, mas as rígidas
cláusulas contratuais eram insuportáveis para seu gênio criativo ele se sentia
como se estivesse trabalhando em um banco ou, ainda, vivendo em uma prisão.
Entre esperar, calmamente, pela conquista da sonhada liberdade criativa e
arriscar, de imediato, uma nova vida, Tadashi escolheu a segunda opção. Ele
rescindiu os contratos e passou a fazer mímica e truques de mágica em festas de
aniversário de crianças e
performances
de rua com músicos de
jazz
.
Os trabalhos como
performer
, muito bem acolhidos pelos músicos e pelo
público, além de garantir seu sustento, possibilitou a participação em importantes
festivais de jazz, mas ele continuava descontente. Essa situação perdurou até o
encontro com Kazuo Ohno, em 1989, arranjado por Gabriele, sua esposa e grande
incentivadora (Tadashi estava com quase 42 anos nessa época).
Kazuo Ohno descortinou uma realidade que o habitava, embora latente, e
indicou o caminho para a descoberta de uma dança pessoal despojada de
convenções técnicas arbitrárias e maneirismos ridículos: “Eu não sou dançarino e
nunca aprendi a dançar; mas aprendi muito com Kazuo Ohno, não propriamente
sobre dança, mas sobre a vida, e é sobre isso que eu danço”2.
O butô passou a ser a matéria poética de suas criações e o meio de extravasar
suas violentas angústias e pulsões de vida e morte. Durante a longa carreira como
2 Máxima extraída e traduzida do fotolivro Tadashi Endo’s Dance, editado por Gabriele Endo (Butoh Centrum
Mamu, 2008, p. 95).
Homenagem
José Rafael Madureira
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-3, ago. 2025
3
intérprete-criador, conseguiu integrar suas grandes paixões: a música, o teatro e a
dança.
Tadashi sempre foi muito querido pelos artistas-pesquisadores brasileiros (
a
recíproca parece ser verdadeira
). Entre 2002 e 2019, veio ao Brasil inúmeras vezes,
seja para dançar ou ensinar geralmente as duas coisas. Passou pelo Rio de
Janeiro, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Goiás, Fortaleza, Santa Catarina e Brasília.
Muitos atravessaram o Atlântico para estudar com ele no
Butoh Centrum MAMU
,
seu pequeno estúdio situado na cidade universitária de Göttingen e praticamente
desconhecido da população local.
Nós estávamos sonhando em revê-lo por aqui ou (re)visitá-lo em Göttingen,
mas o
lockdown
impediu qualquer reencontro. Houve uma tentativa virtual por
streaming, em meados de 2020, promovida pela Périplo Produções. Na ocasião,
pudemos acompanhar uma breve conversação com Tadashi seguida da “projeção”
do espetáculo
Fukushima mon amour
, com trilha musical assinada por Dan Maia3.
Ele não deixou de criar durante aqueles tempos de isolamento social, ao
contrário, produziu muito, mas o Brasil, por alguma razão, não voltou a ocupar sua
agenda anual de cursos e apresentações.
Aprendemos muito com Tadashi Endo, sobretudo que a dança é uma
potência de vida, uma senda de autoconhecimento e realização pessoal e artística,
um convite ao reencontro com os espíritos da natureza, fonte das nossas forças
ancestrais.
Sensei Tadashi Endo,
Arigato gozaimasu! Muito Obrigado!
Thank you so much!
Vielen Danke!
Sentiremos saudade das suas lições de
Butoh-Ma
, do seu olhar
atento, da firmeza dos seus comandos e da generosidade infinita de cada um dos
seus gestos.
Agora, como você nos ensinou, vamos transmutar esses afetos de tristeza
em dança:
Alguém tem aí a Valsa das Flores do Tchaikovski?
3 Produção disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a4jhdTEdVq8. Acesso em: 24 ago. 2025.