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Espiral: motion capturando
danças para compor uma
biblioteca digital de movimentos
Fellipe Santos Resende
Mônica Fagundes Dantas
Verônica Maria Prokopp de Oliveira
Para citar este artigo:
RESENDE, Fellipe Santos; DANTAS, Mônica Fagundes;
OLIVEIRA, Verônica Maria Prokopp de;
Espiral: motion
capturando
danças para compor uma biblioteca digital de
movimentos.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0118
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Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
Fellipe Santos Resende | Mônica Fagundes Dantas | Verônica Maria Prokopp de Oliveira
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-31, ago. 2025
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Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital1 de movimentos
Fellipe Santos Resende2
Mônica Fagundes Dantas3
Verônica Maria Prokopp de Oliveira4
Resumo
O artigo compartilha procedimentos para a criação de uma biblioteca digital de movimentos dançados
intitulada Espiral, que documenta parte da técnica de dança da artista brasileira Eva Schul (1948).
Elaborada a partir de um sistema de captura de movimento (mocap) e registros videográficos, é
composta por doze sequências dançadas, visualizadas por meio de bailarinos executando os
movimentos e de seus respectivos avatares dançantes. A composição da biblioteca permitiu
desdobramentos reflexivos sobre a noção de potencial vivo do arquivo, bem como compreender os
movimentos que a constituem como átomos de dança e os registros em vídeo como ecos digitais da
docência de Eva Schul.
Palavras-chave
: Arquivo. Captura de movimento. Dança. Vídeo. Tecnologia.
Espiral: motion capturing
dances to create a digital library of movements
Abstract
The article shares procedures for creating a digital library of dance movements entitled Espiral, which
documents part of the dance technique of Brazilian artist Eva Schul (1948). Created using a motion
capture system (mocap) and video recordings, it consists of twelve dance sequences, viewed through
dancers performing the movements and their respective dancing avatars. The composition of the library
allowed reflective thinking processes on the notion of the archive's living potential, as well as
understanding the movements that constitute it as atoms of dance and the video recordings as digital
echoes of Eva Schul's teaching.
Keywords:
Archive. Motion capture. Dance. Video. Technology.
Espiral: captura de movimiento
de danzas para componer una biblioteca digital de movimientos
Resumen
El artículo comparte procedimientos para la creación de una biblioteca digital de movimientos de danza
titulada Espiral, que documenta parte de la técnica de danza de la artista brasileña Eva Schul (1948).
Elaborada a partir de un sistema de captura de movimiento (mocap) y registros videográficos, é
composta por doce secuencias danzadas, visualizadas a través de bailarines ejecutando os
movimientos y de sus respectivos avatares dançantes. La composición de la biblioteca permite
desdoblamientos reflexivos sobre la noción de potencial vivo del archivo, ya que puede comprender
los movimientos que se constituyen como átomos de danza y los registros en vídeo como ecos digitales
de la documentación de Eva Schul.
Palabras clave
: Archive. Motion capture. Dance. Video. Tecnología.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Gabriela Seger de Camargo. Especialização em
Linguagem e Poética da Dança pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Bacharel em Letras pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2 Doutorado e mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialização e
Graduação em Dança pela UFRGS. Graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor dos
cursos de Dança da Universidade Federal do Ceará (UFC). fellipe.resende@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7010430526897109 https://orcid.org/0000-0003-0698-0911
3 Pós-Doutorado na Coventry University, CU, Inglaterra. Doutorado em Études et pratiques des arts pela Université Du
Québec à Montréal, UQAM, Canadá. Mestrado em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Graduação em Educação Física pela UFRGS. Professora Titular na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, com atuação na graduação e na pós-graduação Mestrado e Doutorado em Artes Cênicas. Bolsista
Capes/PRINT/UFRGS para realização de Estágio de Professor Visitante na Coventry University/Centre for Dance Research
(C-DaRE/Reino Unido). modantas67@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0332056210980546 https://orcid.org/0000-0003-4632-9429
4 Doutoranda e Mestra em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialização em
Docência no Ensino Superior pelo Centro Universitário Barão de Mauá/SP. Graduação em Artes Visuais pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). vprokopp@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/9803360176788914 https://orcid.org/0000-0003-4037-8748
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Introdução
Este artigo apresenta a
Espiral
— Biblioteca Digital de Movimentos Dançados,
compartilhando procedimentos, etapas e logísticas envolvidas na sua criação, bem
como problematizando conceitos relacionados e derivados dessa iniciativa. O
contexto de fundo para esta escrita é a pesquisa de doutorado
5
Quando o Mocap
dança: a captura de movimento na documentação e criação coreográficas
(Resende, 2023), conduzida no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAC-UFRGS).
A
Espiral
Biblioteca Digital de Movimentos Dançados é definida como um
arquivo em suporte digital que documenta videograficamente parte da técnica de
dança contemporânea da artista brasileira Eva Schul6 (1948). Contém imagens
resultantes de sessões de captura de movimento
motion capture
(mocap)
formando registros de doze (12) sequências coreográficas de aulas de dança da
referida figura. Cada sequência da biblioteca é visualizada por meio de quatro (04)
vídeos: sejam estes de bailarinos executando os movimentos, sejam de seus
respectivos avatares dançantes. Neste artigo somente quatro dos doze
movimentos são abordados, configurando somente um recorte da biblioteca,
dentre os possíveis existentes em sua versão na íntegra.
A
Espiral
é precedida por uma série de investigações sobre documentação e
registro de práticas de dança em ambiente digital e/ou uso de sistemas de captura
de movimento (Dantas, 2019; Dantas; Oliveira; Silva, 2023; Aires; Dantas, 2023), que
resultaram em produções como: o
Carne Digital: Arquivo Eva Schul7
arquivo
5 A referida pesquisa de doutorado foi conduzida de agosto de 2018 a maio de 2023, contando com bolsa
provida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no período de agosto
de 2019 a março de 2023.
6 Eva Schul é uma reconhecida coreógrafa e professora de dança que mais de sessenta anos tem
contribuído para o cenário cultural brasileiro, com maior ênfase na região Sul do país, e nas últimas três
décadas em Porto Alegre/RS. Suas maiores frentes de atuação tem sido: 1) a docência em dança, com
condução de aulas cujas bases técnicas são modernas, contemporâneas e somáticas, a partir das quais
gerações de bailarinos se formaram; e 2) a produção de obras, que hoje constituem um extenso repertório
coreográfico envolvendo diferentes artistas e grupos, com destaque para a Ânima Cia.de Dança, grupo
gaúcho do qual é fundadora e diretora desde 1991 até os dias atuais (Dantas, 2013; Resende, 2023).
7 Alojado dentro do seguinte domínio: https://www.ufrgs.br/carnedigital/.
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digital dedicado à vida e obra da referida coreógrafa; a tese de doutorado
Choreobox: objetos hipercoreográficos ou partículas do tempo em dança
(Aires,
2022); e o desenvolvimento da proposta
Afro-Sul/Ânima: Crossing Borders and
Interrogating Dance Geographies8
, projeto brasileiro integrante de uma residência
artística internacional que resultou na criação de coreografias para o metaverso
no ano de 2022
.
Pensada como
uma
biblioteca, e não como
a
biblioteca absoluta de
movimentos dançados sobre a técnica de dança de
Eva Schul, o desejo de
construção da
Espiral
não partiu da intenção de substituir a prática dançante em
si, mas de operar como uma forma alternativa de sistematização da técnica de
Schul, numa temporalidade paralela à presencial da sala de aula, para pessoas
usuárias da rede internet também acessarem alguns caminhos técnicos de dança
que ela ensina. A
Espiral
opera, portanto, como uma via potencialmente
complementar, mas nunca substituta, trazendo por meio do ciberespaço9 imagens
e camadas informativas ao corpo aprendiz em dança.
O título da biblioteca foi escolhido por fazer referência significativamente a
um perfil de gestualidades proposto pela técnica de Eva Schul, uma vez que
espirais são elementos frequentes tanto em suas aulas de dança contemporânea,
como em produções coreográficas que recebem sua direção ou usam suas
matrizes de movimento nas composições, informando não somente sobre sua
técnica mas também sua poética e estética10. Tais movimentos espiralados
evidenciam-se no corpo por meio de torções, dissociações entre partes do corpo
e gestos em direções opostas, rotacionando a pessoa que dança em linhas
descendentes, ascendentes, a favor ou contra a força da gravidade.
Em termos metodológicos este estudo filia-se ao paradigma da pesquisa
performativa (Haseman, 2015) e é categorizado como uma
practice-based
8 Em português: Afro-Sul/Ânima: Cruzando Fronteiras e Interrogando Geografias da Dança.
9 Espaço virtual onde usuários de internet se encontram sem a necessidade de deslocamento sico (Prado,
2003).
10 Embora sejam representativos das camadas técnica, poética e estética de Eva Schul, os doze movimentos
constituintes da Espiral, e por consequência, as quatro sequências apresentadas neste artigo, podem
também marcar aparições em outras matrizes de movimento e famílias coreográficas, operando em comum
formas e percursos de corpo sob o amplo guarda-chuva das danças modernas e contemporâneas.
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research
(Candy, 2006; Candy; Edmonds, 2018): uma pesquisa guiada pela prática,
dada a centralidade da prática da dança em sua concepção, estruturação e
desenvolvimento. Em estudos dessa natureza os materiais construídos na
pesquisa funcionam performativamente, isto é, não apenas a expressam, mas na
própria expressão tornam-se a pesquisa em si (Candy, 2006). Os registros em vídeo
da
Espiral
são, portanto, compreendidos como partes fundantes da investigação,
materializando-a discursiva e imageticamente, e contribuindo para
problematizações dos campos de conhecimento a que pertence.
Sobre arquivos, danças e o arquivar danças
Dentre as variadas reflexões sobre arquivo, algumas fundamentações de
filósofos se tornaram clássicas ao longo do tempo, como, por exemplo, as de
Michel Foucault e Jacques Derrida.
De maneira geral, na perspectiva foucaultiana, o arquivo foi entendido não
como uma “[...] totalidade dos textos que foram conservados por uma civilização,
nem o conjunto dos traços que se pôde salvar do desastre”, mas antes, visto como
“[...] o jogo de regras que determinam, dentro de uma cultura, o aparecimento e o
desaparecimento dos enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua
existência paradoxal de acontecimentos e de coisas” (Foucault, 1968
apud
Heymann, 2012, p. 24). Tal contribuição teórica provocou uma expansão na
atribuição mais primária e difundida do arquivo: a de repositório, acumulação de
documentos.
Jacques Derrida, por sua vez, nos convidou a refletir sobre o sentido histórico
do arquivo a partir do
arkheîon
grego, ou seja, o espaço físico onde residiam os
arcontes
: figuras de poder que recebiam este título para serem não apenas os
guardiões dos documentos oficiais, mas também seus intérpretes (Derrida, 1995,
p. 12-13, grifo do autor). Tal cenário implicava no privilégio estratégico de selecionar,
deliberar e legitimar informações escolhidas para serem públicas, relegando outras
ao esquecimento. Sendo assim, pudemos intuir que “não arquivo que não
implique um poder de destruição, de seleção ou de exclusão”, havendo na guarda
aquivística “[...] tanto de esquecimento (ativo ou não) como de memória” (Derrida,
2002, p. 47
apud
Heymann, 2012, p. 26).
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Ao detalhar suas possíveis acepções, Diana Taylor (2014) postulou que o
arquivo, dentre outros entendimentos, pode ser pensado a partir de uma tríade
específica que provê suporte mútuo entre si, sendo concebido como lugar, como
objeto e como prática. No primeiro caso o arquivo faz referência ao “lugar físico
ou digital que hospeda coleções”; no segundo diz respeito a uma coisa “ou coleção
de coisas os registros históricos e objetos singulares ou representativos
marcados para a inclusão” no conjunto de itens que constitui o arquivo
propriamente dito; e por fim, no terceiro caso, ao operar como uma prática,
designa uma lógica de “seleção, organização, acesso e preservação no tempo que
julga certos objetos arquiváveis”
Embora existam objetos, coisas e práticas arquivísticas explicitamente
associadas à dança - fotografias, cartas programa, figurinos, diários, críticas e mídia
impressa no geral - elas não substituem o acontecimento dançado em si (Rochelle,
2018). É, pois, importante compreender as especificidades e potências de cada
território e fonte, de modo que, ao se abordar o arquivo num escopo de
conhecimentos do corpo, desviemos de discursos que hierarquizam materiais
tradicionalmente lidos como arquivo, em detrimento de conhecimentos
incorporados.
O armazenamento, como nos recorda Lepecki (2010) é uma ideia limitante do
arquivo, sendo as práticas e saberes coreográficos um caminho de ativação deste
arquivo que se recusa a ser somente armazém, com corpos que são arquivos de
si mesmos, como repositórios de conhecimento, lugares de herança e veículos
capazes “de interligar passado, presente e futuro” (Bonfim, 2021, p. 223).
Nesse contexto de ativação simultânea de presentes, passados e futuros,
estamos de acordo com Taylor (2013, p. 21) quando a autora postula que
performances que partem do corpo “têm tido um papel central na conservação
da memória e na consolidação de identidades em sociedades letradas,
semiletradas e digitais”. Assim, subsidiados por conhecimentos de carne e gesto,
vocalidades, movimento e energia, os arquivos do corpo dançante, em seus
diferentes suportes, foram se formando ao longo do tempo, com estratégias
particulares de se constituir, conservar, transmitir e circular. Com contornos
resultantes “do impacto global da tecnologia de informação na sociedade e na
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vida”, novos modos de colaboração entre disciplinas e campos do saber foram se
desenhando, dando origem a percursos diferentes para a educação, formação,
notação, documentação, preservação e reconstrução de danças (Valverde, 2010, p.
51).
Entre muitos desfechos possíveis, os cruzamentos entre dança, arquivo e
tecnologias digitais viabilizaram estudos relativos a registrar e transmitir a gerações
futuras legados culturais materiais e imateriais. Nesse movimento uma crescente
constituição de arquivos digitais de dança foi surgindo em diferentes países nas
últimas décadas (Dantas, 2019; Whatley, 2020; Fernandes, Coelho, Vieira, 2020;
Resende, 2023).
Caberia questionar, diante desse cenário generalizado de difusão de danças
e de arcontes com novas facetas: “qual memória estaria sendo privilegiada? A do
bailarino, do coreógrafo, do arquivista ou do público?”11 (Whatley, 2013, p. 145). As
partes envolvidas estão decidindo e concebendo juntos esse ato de transmitir
memórias?
Estando atento a essas camadas, este estudo sublinha seu território no
encontro sensível entre arquivo e repertório de Taylor (2013), numa perspectiva
dupla que contempla de forma paralela materialidades supostamente duráveis, da
ordem da gramatura da imagem, registradas pela câmera e sistemas de captura
de movimento, e materialidades encarnadas, que constituem práticas e ações
vivas, saberes orgânicos em suas efemeridades e (im)permanências,
esquecimentos e atualizações.
Motion
capturando movimentos
A partir de um olhar retrospectivo, podemos entender que os sistemas de
captura de movimento existentes hoje no mundo são fruto do interesse humano
em registrar e documentar a cinemática humana e animal através dos tempos.
Autores como Valverde (2017), Aires e Dantas (2023) e Resende (2023), entre
outros, localizam nos experimentos de Eadward Muybridge (1830–1904), Étienne-
11 [...] whose memory is privileged “the dancer, the choreographer, archivist or viewer? (Whatley, 2013, p. 145).
(Tradução nossa).
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Jules Marey (1830–1904), Harold Edgerton (1903–1990) e Max Fleischer (1883–1972)
protagonismos bem-sucedidos de capturas analógicas de movimentos nos
séculos anteriores. Embora exista um extenso panorama histórico que nos informa
dessas primeiras captações, no escopo deste artigo abordaremos apenas sistemas
digitais de captura de movimentos, os quais “[...] a partir dos anos 1970, com o
desenvolvimento de computadores” começaram a se tornar digitais (Aires; Dantas,
2023, p. 3).
Usualmente referidos pelo termo em inglês
motion capture
e sua abreviatura
mocap
, os sistemas digitais de captura de movimento podem ser definidos como
aqueles que “geram para o computador informações que representam as medidas
físicas do movimento capturado” (Araújo, 2015, p. 16). Eles leem ações corporais e
realizam uma “transposição do movimento do corpo biológico para um modelo 3D
virtual do corpo humano” (Lima; Paixão, 2019, p. 1388), “subtraindo a sua aparência
física” (Valverde, 2017, p. 254), e traduzindo informações numéricas em
representações imagéticas diversas.
Ao direcionarmos nosso olhar para possíveis usos do
mocap
,
encontramos,
de maneira geral, finalidades médicas e aplicações militares nos anos setenta,
aplicações na indústria de captação gráfica e do cinema a partir da década de
oitenta, e um movimento
gamer
que se deu na década de noventa, tornando a
captura de movimento mais conhecida por conta de plataformas de jogos como
Wii e Playstation (Amoroso
et al
., 2015). Da década de noventa em diante, em
adição às mencionadas áreas podemos acrescentar as explorações desportivas,
ergonômicas e biomecânicas para melhoria de rendimentos de atletas,
trabalhadores ou pacientes lesionados, o uso pelas ciências fisioterapêuticas e da
reabilitação e, por fim, as artes visuais, musicais e da presença (Resende, 2023).
Embora a dança e as artes ocupem uma fatia menor de mercado do que as
outras aplicações, o campo tem lançado mão dos sistemas de
mocap
para muitas
finalidades. Quatro perspectivas podem ser citadas para a dança, conforme análise
de Karreman (2017): finalidade artística-compositiva; finalidade de aplicação em
notação de danças; parte de aplicativos de notação de dança; finalidade de
reconhecimento de gestos e qualidades de movimento a partir de dados de dança
capturados; e finalidade arquivística e pedagógica.
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É importante lembrar que a maior parte dos sistemas de captura de
movimento ainda possui orçamentos com custo elevado, o que cria um cenário
em que apenas algumas organizações, departamentos universitários e empresas
possuem acesso a esse tipo de tecnologia especializada (Prim; Gonçalves; Vieira,
2015), embora isso venha mudando nos anos mais recentes e alguns sistemas
mais portáteis e menos dependentes de espaços arquitetônicos fixos tenham sido
propostos mercadologicamente com valores mais acessíveis.
ainda que se mencionar que por não terem como especialidade a leitura
instantânea de dados e uma renderização de tempo rápido para performances
interativas, a maioria dos aparatos de
motion capture
requerem uma espécie de
pós-produção, especialmente por precisarem de acabamentos em
softwares
de
animação tridimensional, como por exemplo o
Maya
e o
Motion Builder
(Amoroso
et al
., 2015), e, mais recentemente, o
Unity
, o
Unreal
e o
Blender
.
Embora as variáveis “orçamento” e “necessidades técnicas básicas”
dificultem significativamente a existência de um número maior de pesquisas
explorando o
mocap
, elas não impedem que parcerias importantes sejam
estabelecidas entre artistas e pesquisadores universitários.
Nessa perspectiva institucional, cabe pontuar que, algumas décadas, as
relações entre dança, arquivo e tecnologias como o
motion
estão sendo
investigadas em programas de pós-graduação brasileiros e centros de pesquisa
internacionais, como é o caso do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
(PPGAC) e Programa de Pós-graduação em Dança (PPGDança) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA); o
Centre for Dance Research/C-DaRE
(Centro para
Pesquisa em Dança) da
Coventry University
, no Reino Unido; o Departamento de
Dança da
Ohio State University
e o
Advanced Computing Center for the Arts and
Design
(Centro de Computação Avançada para as Artes e o Design), nos Estados
Unidos, com grande infraestrutura para pesquisas em
motion capture
.
Trata-se de ambientes institucionais que possuem equipamentos, pessoal
especializado e interesses orçamentários voltados para cruzamentos tecnológicos
a partir da dança e do movimento humano. Nessa esteira, cabe referenciar a
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criação do Laboratório Mocap (Lab Mocap) na UFBA, possibilitado pela aquisição
de um sistema de
motion capture
pelo PPGAC da referida universidade (neste caso
o sistema Optitrack/Motive, com sensores acoplados em trajes vestíveis).
Desde 2020 o Grupo de Pesquisa em Práticas de Formação, Criação e
Documentação em Dança e Performance12, alocado na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul,
vem buscando parcerias para realizar experimentos com dança e
mocap
(Dantas
et al
., 2020; Aires e Dantas, 2023). Em 2022, a proposta
Afro-
Sul/Ânima: Crossing Borders and Interrogating Dance Geographies
foi selecionada
na convocatória intitulada
Building an international network for virtual dance
collaboration13
. O referido edital selecionou projetos para participação em uma
residência artística utilizando
mocap
e
live
streaming
(transmissão ao vivo), tendo
como contrapartida a doação de dois equipamentos portáteis de captura de
movimento (da marca
Perception Neuron 3 PN3
) à Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, sob a responsabilidade da Profª
Mônica Dantas.14 A partir de então,
foi possível utilizar o PN3 para o desenvolvimento da
Espiral
, nossa proposta de
biblioteca digital de movimentos.
Em termos de classificação, existe mais de uma variável que pode ser
utilizada para designar categorias de captura de movimento, não havendo um
consenso na literatura nem quanto aos tipos existentes, nem quanto às
nomenclaturas adotadas para falar delas. As vantagens e limites de cada sistema
e suas possibilidades de uso têm sido discutidas por autores como Araújo (2015),
Amoroso
et al
. (2015), Aires (2022), Aires e Dantas (2023) e Resende (2023), entre
outros. Sendo assim, centraremos nossa descrição e análise no sistema utilizado
no presente estudo, o Perception Neuron 3 (PN3), um sistema inercial. Os sistemas
inerciais recebem este nome por conterem em sua estrutura unidades de medição
inercial, ou em inglês
Inertial Measurement Units
(IMUs). Numa definição mais
12 Sob a sigla GPDP, trata-se de grupo certificado pelo CNPQ e liderado pelas professoras doutoras Mônica
Dantas e Suzi Weber.
13 Em português: Construindo uma rede internacional para a colaboração em dança virtual.
14 A proposta foi um dos cinco selecionados, entre 160 projetos, e tinha por objetivo trabalhar com dois grupos
de dança de Porto Alegre/RS, um com ênfase em dança contemporânea e um com ênfase em danças
afrocentradas, liderados por duas das mais importantes coreógrafas do Sul do Brasil: Eva Schul (à frente da
Ânima Cia. de Dança) e Iara Deodoro frente do Grupo de Música e Dança Afro-Sul), reunindo dois bailarinos
de cada grupo, um diretor musical e um artista digital.
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11
geral, cada unidade de medição inercial, isto é, cada IMU:
[...] é um sensor usado para medir velocidade angular, aceleração e
orientação. Existem dois tipos de IMU. Inicialmente, surgiram sensores
compostos por um acelerômetro e um giroscópio. O acelerômetro mede
a aceleração inercial enquanto o giroscópio mede a rotação angular. Mais
tarde, esses mesmos sistemas foram melhorados com a adição de um
magnetômetro. O magnetômetro mede a orientação usando campos
magnéticos e permite corrigir os dados do giroscópio15 (Ahmad
et al
., 2013
apud
Marcellin, 2021, p. 25-26).
Sendo assim, a informação oriunda dos sensores inerciais é de natureza
digital, e estes são posicionados em articulações e segmentos-chave do corpo. Os
dados de movimento são transmitidos sem fio para um computador, onde são
registrados/visualizados, e irão compor a silhueta humana no programa de
computador (Resende, 2023).
O PN316 contém em seu kit: dezoito sensores e dezoito suportes de sensores,
a serem colocados nas doze tiras vestíveis e nas duas luvas que o usuário
posiciona no corpo em regiões indicadas em etiquetas, três carregadores de
sensores e um mini dispositivo USB denominado transceptor, responsável por
enviar e receber sinais, estabelecendo comunicação com os sensores, que devem
estar pareados numa mesma frequência (indicada por cores), e um
dongle
: peça
USB que valida a licença de uso no
software
Axis Studio
, para usufruto do usuário
que o adquiriu. Os elementos constituintes desse sistema podem ser apreciados
na figura 1.
15 [...] est un capteur permettant de mesurer la vitesse angulaire, l’accélération et l’orientation. Il existe deux
types d’IMU. Dans un premier temps, il est apparu des capteurs constitués d’un accéléromètre et d’un
gyroscope. L’accéléromètre permet de mesurer l’accélération inertielle alors que le gyroscope permet de
mesurer la rotation angulaire. Plus tard, ces mêmes systèmes ont é améliorés grâce à l’ajout d’um
magnétomètre. Le magnétomètre mesure l’orientation grâce aux champs magnétiques et permet de corriger
les donnée issues du gyroscope. (Ahmad et al., 2013 apud Marcellin, 2021, p. 25-26). (Tradução nossa)
16 Criação da empresa Noitom Ltd., com sede na China e filiais nos EUA. Em seu site reivindica ser “The
World's Smallest Motion Capture System”, ou em português…“o menor sistema de captura de movimento
sem fio do mundo” disponível atualmente no mercado de itens mocap (Perception Neuron, 2023, n.p.,
tradução nossa), característica que o torna muito atrativo em termos de portabilidade para transporte e alta
liberdade de uso em ambientes variados. Seu custo atualmente é U$ 3.999,00 dólares, ou R$ 22.291,63
(conversão estimada na data de 10 de junho de 2025).
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12
Figura 1Tiras e sensores disponíveis no sistema
Perception Neuron 3
.
Fonte: Resende (2023, p. 225).
As tiras disponíveis no sistema PN3 possuem etiquetas indicando segmentos
do corpo, podendo ser referentes ao: braço (2), antebraço (2), mão (2), coxa (2),
perna (2), (2), quadril (1), cabeça (1), coluna/ombros (1). Dos dezoito sensores
disponíveis um deles é destinado a atuar como reserva (
spare
).
Uma vez que o usuário tenha vestido as tiras nos segmentos corporais
indicados, fixado os suportes de sensores e encaixado os respectivos sensores
(cada um é nomeado conforme o local específico a que se destina no corpo) nos
suportes, o usuário deverá conectar o
dongle
e o transceptor no notebook
escolhido para poder rodar e utilizar o
software
Axis Studio
. Posteriormente será
necessário realizar a calibração do PN3, procedimento que requer uma localização
precisa dos sensores no espaço. No PN3 três tipos de calibração são solicitados: a
Pose T (
T-pose
): com os braços abertos a 90º, a Pose A (
A-pose
): com os braços
ao lado do corpo e a Caminhada (
Walking
), trazidas na figura 2.
Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Florianópolis, v.2, n.55, p.1-31, ago. 2025
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Figura 2
Posturas para calibração do sistema PN3: Pose T, Pose A e Caminhada.
Fonte: Resende (2023, p. 226).
É comum que, com a movimentação do corpo durante as sessões de
mocap
a calibração tenha que ser repetida, que alguma tira precise ser ajustada ou, mais
raramente, que algum sensor precise ser reafixado em seu respectivo suporte.
Após a execução bem-sucedida da calibração, os dados lidos no
Axis Studio
podem ser usados em tempo real, diretamente no próprio
software
ou em outro
programa conectado ao
Axis
via plug-in; podem ser armazenados para acesso
posterior ou podem ser exportados em quatro extensões disponíveis:
fbx
,
mbx
,
c3d
,
bvh
. No
Axis Studio Lite
, o
software
que acompanha o PN3, os traços e
volumes gerados na sessão de
mocap
em muito se assemelham ao que
poderíamos descrever como uma silhueta humana, visto que o
software
usa essa
espécie de roupagem antropomorfa humanoide para dar vida digital aos sujeitos
que vestirem seu aparato. Essa representação imagética é denominada de avatar,
e é mostrada na figura 3.
Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Figura 3 Tela de abertura e interface com avatar no
software
Axis Studio
.
Fonte: Resende (2023, p. 225).
Num contexto geral, o avatar pode ser entendido como a “representação de
um ser virtualizado”, o produto de “modelos digitais operados [...] por seres
humanos” (Seppi; Cardoso, 2014, p. 3), os quais podem criar variados graus de
semelhança, física e expressiva conosco e com nosso entorno. Essa
representação, provoca, segundo Au (2008), um processo mental que remete ao
mundo físico por meio de um manejo digital que deixa as imagens mais realistas,
mais próximas daquilo que lemos como um corpo palpável, tangível numa
situação não eletrônica de mundo. Ele pode gerar um efeito de presença (Seppi;
Cardoso, 2014), em decorrência de contemplar similaridades expressivas com a
existência de seres em movimento e isto abre margem para muitas construções
poéticas e documentais em dança.
Anatomia da
Espiral
: estrutura e conteúdos
Acervo, coleção, conjunto, galeria, museu, biblioteca. Muitas foram as palavras
que surgiram durante o processo de possível denominação desta iniciativa e que
deviam compor com os outros termos que o constituem: digital, movimentos,
dançados. Frente a diferentes combinações, a palavra “biblioteca” foi a que mais
se destacou positivamente, por sugerir e remeter, com mais facilidade que os
outros termos, a uma dimensão de conhecimento aberto, de acesso facilitado.
Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Embora sua etimologia, do grego
bíblon
+
theka
, remeta de maneira geral ao
significado “caixa de livro”, ou a espaços onde se guardam esses itens, esta
descrição não contempla mais de “forma exata a atual realidade/concepção” da
palavra biblioteca, “tendo em vista as novas funções e atribuições que esta passou
a exercer” (Mesquita, 2019, p. 139) com o passar do tempo. Como observamos em
Amaro (2017, p. 121): “a biblioteca do século XXI rompeu as barreiras arquitetônicas
[...] e acompanha [os usuários] onde quer que vão, seja por meio de computadores
pessoais ou até de dispositivos móveis”.
Os procedimentos que levaram à constituição da biblioteca digital de
movimentos dançados incluíram: seleção prévia às sessões de
mocap
de doze
movimentos representativos da técnica de dança contemporânea de
Eva Schul
,
os quais em parte respaldam seus princípios organizativos (Resende, 2018); dois
estudos piloto para apropriação e familiarização com o traje e manejo do sistema
inercial
Perception Neuron 3
e seu
software Axis Studio
; três sessões oficiais de
captura de movimento com gravação 3D dos movimentos com o
Axis Studio
para
posterior acesso no próprio software e gravação 2D em vídeo das sessões de
mocap
, utilizando duas câmeras digitais e dois tripés; registros foto e videográficos
de situações de bastidores e de detalhes considerados importantes durante o
processo; e consultoria de Eva Schul, cujo olhar e orientações foram consideradas
em todas as decisões da iniciativa.
Na primeira versão do projeto estava prevista a etapa de animação
tridimensional dos dados cinemáticos captados. No entanto, por insuficiências
orçamentárias não foi possível realizar esta demanda. Para composição final da
biblioteca que hoje existe adotou-se então o procedimento de gravação dos
movimentos tridimensionais em suporte bidimensional, ou seja, uma captação
videográfica da própria tela do computador, filmando os movimentos capturados
em 3D (porém manipuláveis desta forma somente no
software
Axis Studio)
para
dentro de vídeos no formato .mp4, cujo suporte é 2D.
Neste formato bidimensional, há significativa perda de liberdade nos ângulos
de visualização possível da silhueta dançante gerada pela sessão de
mocap
.
Espiral: motion capturando
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Embora diminua a tridimensionalidade dos movimentos dentro da biblioteca e a
interatividade por parte do usuário que a acessa (uma vez que os ângulos não são
livres em 360 graus e as perspectivas estão pré-determinadas pela equipe), isso
não reduziu sua potência previamente pretendida: a de gerar dispositivos digitais
de memória e materiais arquivísticos para desdobramentos compositivos diversos
e, principalmente, para possibilitar um contato outro com a técnica de dança
contemporânea de Eva Schul,
em outras temporalidades e espaços que não
daquele contato direto na sala de aula.
Dentre as variadas sequências técnicas que constituem as aulas de dança da
referida figura, foram escolhidas apenas doze (das quais quatro são trazidas neste
artigo). Dentre os critérios que guiaram a seleção dos movimentos constituintes
da Espiral podemos mencionar: a representatividade dos princípios técnicos
expressos nas sequências, qualidade satisfatória dos registros em vídeo; execução
precisa e legível dos movimentos pelos bailarinos; e integridade do documento
oriundo da sessão de
mocap
, com uma imagem compreensível de avatar17 gerada
no
Axis Studio
.
A matriz formativa que aporte técnico e poético à biblioteca digital de
movimentos dançados, ou seja, a técnica de dança desenvolvida por Eva Schul,
tem sido investigada por autores como Dantas
et al
. (2020), e Resende e Silva
(2019). Ressaltamos igualmente que os autores do artigo têm frequentado as aulas
da mestra como parte de sua formação artística.
Partindo da prática regular das aulas de Eva Schul e de análise sistemática,
Resende (2018) sumarizou a técnica em sete (07) princípios organizativos de
movimento, que contemplam intencionalidades, conceitos-chave, qualidades de
movimento e estados de corpo instigados na prática desta dança contemporânea.
Eles incluem: 1) estudo do peso e do esforço mínimo; 2) estudo de estados da
coluna vertebral e pelve; 3) estudo da relação com o espaço; 4) estudo do fluxo e
17 É importante sublinhar que muitas iniciativas artísticas de pesquisa estão interessadas e abertas a toda uma
sorte de imprecisões imagéticas, considerando as potentes visualidades oriundas de
glitches,
interferências
e distorções dos materiais cinéticos captados em sessões de
mocap
ou outras fontes. Pelo fato de esta
pesquisa apresentar um viés arquivístico objetivando documentar informações corporais técnicas e
pedagógicas, tornou-se substancial que o material capturado por meio dos avatares dançantes
mantivessem uma relação de proximidade e semelhança significativas com as gestualidades coreográficas
executadas pelos bailarinos.
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danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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da qualidade de fluência; 5) estudo da (des)centralização e da inicialização do
movimento; 6) estudo da modulação tônica e do isolamento segmentar e 7) estudo
de caminhos somáticos. Embora estejam identificados separadamente, os
princípios são intimamente relacionados, podendo estar mais presentes em um
segmento ou outro da aula, em uma sequência ou outra da aula. Assim,
retroalimentam-se, de modo que a maior ou menor compreensão de um serve de
suporte para o outro. (Resende, 2018, p. 75). Na
Espiral
, os sete princípios
identificados nas aulas de Eva Schul aparecem de forma diluída nos movimentos.
São assim respaldados de maneira ampla em diferentes níveis por entre os
movimentos que compõem a biblioteca.
No escopo deste artigo, escolhemos quatro movimentos, dentre os doze
constituintes da
Espiral
. Cada um deles pode ser visualizado em quatro
perspectivas cada, todas no formato videográfico. Constam assim: duas imagens
planas do registro em 2D feito pelas câmeras digitais, revelando os bailarinos, e
duas imagens do respectivo registro em 3D (porém gravado da tela do computador
em 2D) feito pelo software
Axis Studio
, revelando os avatares dançantes.
Cada movimento é apresentado em vídeos editados para a pesquisa,
incluindo links que permitem acesso às sequências propriamente ditas. Cada
registro apresenta fragmentos de trilhas sonoras utilizadas nas aulas de dança e
trechos de gravações da condução vocal de Eva Schul narrando os movimentos,
aspecto fundamental de sua pedagogia. Nas aulas de Schul palavra e vocalidades
não apenas descrevem as sequências de gestos coreográficos a serem feitos, mas
também enunciam seu andamento, lhes conferindo ritmo, guiando
intencionalidades e sugerindo qualidades de movimento a serem incorporadas na
movimentação.
Atualmente a biblioteca
Espiral
encontra-se alojada na plataforma YouTube
sob uma disposição de playlists, conforme mostra a figura 4, estando disponível
no seguinte endereço: https://www.youtube.com/@BibliotecaMocap/playlists.
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danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Figura 4 Espiral Biblioteca Digital de Movimentos Dançados no YouTube.
Fonte: https://www.youtube.com/@BibliotecaMocap/playlists.
Captura de tela por Fellipe Resende.
A seguir os quatro movimentos apresentados no recorte deste artigo:
Enrola 1, 2, 3, até a cintura
Trata-se de uma simbólica sequência de início das aulas de dança
contemporânea de Eva Schul, cuja narração/canto do exercício pela voz de Schul
habita o imaginário de muitos bailarinos que com ela tiveram aulas. Na posição
sentada, com os quadris e joelhos levemente flexionados e as plantas dos pés de
frente uma para a outra, a coluna vertebral, no início do exercício, deve buscar
estar alongada para cima, numa linha vertical. Sendo aquele que inaugura as aulas
técnicas da referida docente, o
Enrola 1, 2, 3, até a cintura
é o exercício que convida
o corpo dançante a se conectar desde o início com as estruturas e esforços
internos, propondo ao corpo um trabalho refinado de movimentação do tronco e
de busca por mais espaços articulares na coluna vertebral. A intenção do exercício,
é, pois, articular e aquecer cada segmento da coluna num enrolamento e
desenrolamento dessa. Ora estes conduzirão à construção de volumes, sendo
formada uma figura com as costas arredondadas e preenchidas de ar, ora
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conduzirão à feitura de vetores, sendo assumida uma figura com as costas
alongadas e retas (figura 5).
Figura 5
Enrola 1, 2, 3, até a cintura. Fonte: Resende (2023, p. 234).
Os
links
de acesso aos registros videográficos da sequência
Enrola 1, 2, 3, até
a cintura
estão dispostos a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=Fknf7SYeNEI (vista frontal bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=f7RQG7any3g (vista superior bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=BYXehYGYwm4 (vista frontal avatar);
https://www.youtube.com/watch?v=LK_okkWIg7g (vista lateral avatar).
Bounces, Momentum
O
bounce
é uma noção técnica comum a muitos gêneros de dança, podendo
ser compreendido como um balanço, um rebote, um movimento de vai-e-vem.
Nesse caso específico, na posição sentada e enfatizando os movimentos de
tronco, cabeça e braços, o balanço deve ser executado de modo fluido, engajando
partes do corpo de modo progressivo. Inicia-se a primeira rodada do exercício
somente com ênfase no pescoço, engajando ombros, aumentando até o nível da
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cintura, e envolvendo o tronco inteiro ao final. O
momentum
, por sua vez, é em si
uma noção da área da Física, e para compreendê-la podemos convocar nosso
imaginário sobre montanhas-russas em parques de diversão, para relembrar da
sensação que antecede a descida repentina de um carrinho de montanha-russa
na iminência da sua fase de queda. É neste momento de suspensão que ocorre
após o subir e antes do cair que identificamos o
momentum
. Nele, o segmento do
corpo lançado acima da cabeça, assim como o carrinho, parece perder por um
brevíssimo momento a influência da força da gravidade, gerando um efeito de
breve paragem no tempo. Por geralmente envolver movimentos circulares dos
braços, nos quais os mesmos são conduzidos acima da cabeça, o
momentum
também pode ser chamado de curva por cima (
overcurve
). Como orientação
técnica para este movimento, sugere-se buscar fazê-lo de modo mais
arremessado/lançado no espaço, e menos de modo conduzido. Quanto menos
houver condução dos braços e quanto mais sensibilidade ao intervalo entre a fase
ascendente e a fase descendente dos mesmos, mais evidente se tornará o
momentum
(figura 6).
Figura 6
B
ounces, Momentum
. Fonte: Resende (2023, p. 236).
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Os
links
de acesso aos registros videográficos da sequência
Bounces,
Momentum
estão dispostos a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=zDP_pTJ6Ldk (vista frontal bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=LtfFR2fvwwI (vista lateral bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=o7wXfPKpxJU (vista frontal avatar);
https://www.youtube.com/watch?v=11kq9f1rEgw (vista lateral avatar).
Swing de quadril, subida no ombro
É realizado na posição deitada e seguindo uma dinâmica pendular. O pêndulo,
também chamado de
swing
ou
cloche
, é uma noção muito central deste exercício
e diz respeito ao deslocamento de uma extremidade móvel em torno de um ponto
relativamente estável. No caso deste exercício em específico, são o quadril e o
membro inferior como um todo que pendulam em torno da base da coluna, isto
é, da pelve/bacia. A subida no ombro, por sua vez, é uma progressão do exercício
de
swing
de pernas, na qual os quadris são puxados para cima, em direção ao teto,
e o peso do corpo é transferido para o ombro/braço em questão. Como orientação
técnica, sugere-se que este exercício seja feito com os pés passando
rasteiramente pelo chão no
swing
, e o braço oposto atue como auxiliar no
momento da subida no ombro. A musculatura central do corpo também tem um
importantíssimo papel nesta sequência, pois com sua ativação os movimentos das
pernas poderão ser feitos no
swing
com maior amplitude e segurança, dada a
estabilidade que irão conferir, e o peso do corpo será puxado mais facilmente para
cima, visto que é da própria musculatura abdominal profunda o protagonismo em
puxar os quadris em direção ao teto na subida de ombro (figura 7).
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Figura 7
Swing de quadril, subida no ombro
. Fonte: Resende (2023, p. 240).
Os
links
de acesso aos registros videográficos da sequência
Swing de quadril
,
subindo no ombro estão dispostos a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=6MQuQHTpuCc (vista frontal bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=_5kfCmy6Ihw (vista lateral bailarino);
https://www.youtube.com/watch?v=9J24Y2H1MJI (vista frontal avatar);
https://www.youtube.com/watch?v=W5iT2TvuaTA (vista lateral avatar).
Pêndulo de braços
Executado na posição em pé; seguindo uma dinâmica de vai-e-vem, os
braços são elevados até acima da cabeça, e numa queda, pendulam em torno dos
ombros, inicialmente no sentido frente-trás, retornado até a posição de início para
trocar sua direção, agora no sentido lado-lado. Como orientação técnica
importante para sua execução, estão a necessidade de soltura dos braços e uma
não condução dos movimentos. Neste sentido, eles precisam se permitir ser
lançados, abandonados e guiados pela dinâmica de sua própria queda no espaço.
Tendo uma fase ascendente e uma descendente, tanto no sentido frente-trás
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quanto no sentido lado-lado, é importante que cada pessoa encontre seu ritmo
singular, porém tentando negociá-lo com o tempo da música, de forma a
equilibrá-los. Os joelhos também precisam estar soltos o suficiente para permitir
que ocorra uma espécie de
bounce
/rebote, com uma qualidade macia no
movimento de flexão e extensão que fazem, de vai-e-vem (figura 8).
Figura 8
Pêndulo de braços. Fonte: Resende (2023, p. 247).
Os
links
de acesso aos registros videográficos da sequência
Pêndulos de
braços
estão dispostos a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=3Pl8du71oVg (vista frontal bailarina);
https://www.youtube.com/watch?v=8gHkU6_AgI0 (vista lateral bailarina);
https://www.youtube.com/watch?v=JXCs5JJuX58 (vista frontal avatar);
https://www.youtube.com/watch?v=QXrz_yyD8Vs (vista lateral avatar).
Considerações ou pensamentos espiralados a partir da biblioteca
A
Espiral
, enquanto uma iniciativa arquivística no suporte digital, enfatiza uma
dimensão documental do arquivo, sem deixar de perceber a função de
armazenamento num sentido expandido, inventivo e poroso aos tempos e espaços
onde atua/se insere. Ao mesmo tempo, não deixa de se interessar pelos aspectos
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compositivos que o arquivo dispara, sinalizando-se como substrato possível para
reverberações criativas. Busca contribuir, assim, tanto em frentes formativas,
compartilhando pistas técnicas e cinestésicas, quanto em termos poéticos,
fomentando uma diversidade de respostas e apropriações dançantes dos seus
vídeos.
Tal contexto se aproxima da noção elaborada por Sarah Whatley de “potencial
vivo do arquivo” (2014, p. 127).18 Para a autora, essa compreensão não diz respeito
somente à habilidade do arquivo de instigar e disparar processos coreográficos de
reencenação e remontagens cênicas (consideradas tradicionais do ponto de vista
histórico ocidental na dança), mas também, e tão fortemente, a de provocar novas
respostas coreográficas (assumindo visualidades, formatos e expressões artísticas
variadas). Assim, ancoramos neste cenário um possível aporte conceitual para
pensar a biblioteca em termos de provocar respostas ampliadas e abertas
naqueles indivíduos que irão consumi-la, desdobrando-a em ações diversas, sejam
estas de ordem metodológica, teórica, cênica, etc.
O potencial sujeito apreciador da
Espiral
poderá livremente extrair algum
aspecto dela para compor acontecimentos em suportes analógicos, ou mesmo
digitais e híbridos, mesclando realidades e informações distintas. Nesta seara, não
deixamos de destacar, assim como o fazem Wood, Cisneros e Whatley (2017), que
a dança é um campo de conhecimento que sempre se respaldará na transmissão
instaurada entre um e outro corpo, mesmo que frequentando meandros digitais.
Assim como havíamos citado, a biblioteca não pretende substituir
nenhuma prática das aulas de Eva Schul. Ela se configura aqui como um terreno
de múltiplos laços, não excludentes. Almeja documentar e arrisca contribuir
formativamente, mas ao mesmo tempo pode acertar o alvo da criação,
estimulando uma sorte de respostas coreográficas. Dentro deste cenário, retoma-
se o avatar, como representação virtual do corpo dançante. Junto aos bailarinos
de onde se originam, podem convocar na pessoa que a eles se conecta camadas
outras de conhecimento sobre o corpo posto a dançar. Numa potência, de, por
meio da biblioteca, "entrar na experiência vivida de outro corpo” (Wood; Cisneros;
18 [...] the living potential of the archive (Whatley, 2014, p. 127). (Tradução nossa)
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Whatley, 2017, p. 507)19, sem que deixe de entrar também na sua própria
experiência autônoma e personalizada.
Na esteira dessas vivências é cabível lembrar do suporte videográfico como
elemento relacional, o qual dita maneiras pelas quais o usuário e apreciador da
biblioteca irá tecer conexões com aquela materialidade gravada e referente a outro
tempo. Operantes na linguagem do vídeo, os movimentos constituintes da
Espiral
possuem:
[...] uma relação de transmissão/percepção assíncrona, ou seja, baseada
no registro, processamento e visualização em momentos díspares,
diferentemente da sincronicidade ou simultaneidade na troca de
informações típica da relação empírica física compartilhando espaço
e tempo ou da interatividade telemática de tempo real com a utilização
de contextos tecnológicos (Schulze, 2015, p. 100).
Assim, forças e fraquezas precisam ser reconhecidas:
Seu uso generalizado como modo de documentação da dança é
inegavelmente valioso, mas não devemos esquecer que eles são em si
algo diferente daquilo que representam. Eles mostram uma versão de
uma obra conforme ela foi executada em um lugar em um dado
momento e não devem ser aceitos como um registro de arquivo
completo dessa obra. Em vez disso, o que os registros de vídeo fornecem
é uma oportunidade de revisitar e rememorar um repertório de
experiências incorporadas, em que o próprio vídeo não é o relato
objetificável do trabalho, mas sim um canal através do qual relembrar
memórias cinestésicas (Reed, 2018, p. 245)20.
O vídeo, fruto de expressivas pesquisas fotográficas e cinéticas dos séculos
passados, compartilha com o
motion capture
o interesse por captar no tempo
imagens em movimento e, no movimento, o tempo.
Partilhando sua perspectiva sobre esta iniciativa digital que se inspira em seu
legado dançante, Schul (2022) sinaliza uma noção preciosa para a biblioteca.
Assim, ela nos narra como percebe sua técnica e como percebe a
Espiral
:
Pra mim, eu acho que eu sou essencialmente uma professora, muito mais
19 [...] to step into the lived experience of another body (Wood; Cisneros; Whatley, 2017, p.507). (Tradução
nossa)
20 Their widespread use as a mode of dance documentation is undeniably valuable, but we must not forget
that they are in and of themselves something other than that which they represent. They show a version of
a work as it was performed in one place at one time, and should not be accepted as a complete archival
record of that work. Instead, what video records provide is an opportunity to re-visit, and be reminded of, a
repertoire of embodied experiences, whereby the video itself is not the objectifiable account of a work, but
rather a conduit through which to recollect kinaesthetic memories. (Reed, 2018, p. 245). (Tradução nossa)
Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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do que uma criadora. [...] Eu amo transformar corpos e acho que eu faço
isso bem. Eu vejo que os bailarinos saem com um escopo de
movimentos, com uma possibilidade de movimento que se adequa a
qualquer tipo de dança que eles vão querer fazer no futuro, então são
corpos que estão aptos a se mover. [...] como eu dou preferência ao
fluxo, vão ter um fluxo muito lindo, mas isso não quer dizer que eles não
possam entender como cortar esse fluxo. [...] Eles têm uma compreensão
do seu corpo e de como se mover muito fácil [...] Hoje, depois de uma
grande, uma longa vida, eu posso dizer que eu atingi um lugar como
mestre importante nesse sentido de que, os corpos que eu toquei se
que foram tocados por mim. Eu acho que a biblioteca digital vai trazer
essa possibilidade para muito mais gente do que eu posso alcançar,
apesar de não substituir. Aquela pessoa que não tem condições de chegar
até aqui tem alguma possibilidade de entender de onde saiu tudo isso e
o quê que isso tem de algum valor. Pode experimentar no seu corpo ou
no corpo de alunos ou coisa parecida, e reconhecer que isso pode fazer
alguma diferença. Eu sempre digo que ninguém inventa a roda. Eu dou
um conceito bem elaborado a partir do qual o outro pode começar a
pensar o seu e ir muito além. [...] Para mim, a biblioteca é
fundamentalmente o acesso a espraiar o conceito, fazer com que esse
conceito chegue em mais lugares. Recentemente eu fiz um discurso
quando eu recebi um prêmio, em que eu disse: quando tu moves um
átomo, tu moves o universo. Porque o átomo não é isolado, ele vai tocar
infinitos outros que vão tocar infinitos outros. Então, para mim, a
biblioteca virtual é isso. Eu começo tocando um e outro aqui, mas esse
um e outro podem ir tocando outros e outros e outros, e quando tu
uma grande multidão pode ter tido acesso a pelo menos essas ideias que
eu considero fundamentais. Podem não ser fundamentais para outros,
mas para mim são (Schul, 2022, n.p.).
Juntamente ao entendimento de que os movimentos da
Espiral
podem atuar
como
átomos de dança
no mundo, prolongando um alcance iniciado nas salas de
aula de Schul para outros espaços e tempos, a noção de
ecos digitais
, mediante o
dispositivo videográfico, contribui nesta reflexão ao pontuar que:
As gravações de vídeo deixam vestígios de evidências que assumem a
forma de ecos digitais; versões da obra que são uma reminiscência, uma
referência para a performance como foi em uma instância, enquanto
também distanciam a obra de sua versão “original” através do passar do
tempo. Se quisermos considerar a prática da documentação da dança e
seu papel na preservação do patrimônio cultural, devemos pensar sobre
as maneiras pelas quais os artefatos tangíveis desempenham múltiplos
papéis. Eles não apenas ficam em prateleiras em bibliotecas, armazéns e
galerias de museus, mas também atuam como canais através dos quais
se expressam memórias físicas de uma experiência vivida. Dessa forma,
os registros digitais têm a capacidade de preservar o passado e
simultaneamente reinventar o futuro (Reed, 2018, p. 245)21.
21 Video recordings leave behind traces of evidence that take the shape of digital echoes; versions of the work
that are reminiscent of, and referential to, the performance as it was in one instance, whilst also distancing
the work from its "original" version through the passing of time. If we are to consider the practice of dance
Espiral: motion capturando
danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Florianópolis, v.2, n.55, p.1-31, ago. 2025
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Embora estejamos falando de uma linguagem coreográfica que não se narra
como cena, instaurando-se a princípio na sala de aula (mediante exercícios e
sequências), podemos estender a noção de ecos digitais também para dentro dos
registros videográficos que constituem a biblioteca digital de movimentos
dançados. Por um lado, poderá haverá aproximações e compatibilidades com a
finalidade primeira dos movimentos ali apreciados. Por outro, um constante
espaço para o desconhecido, permitindo práticas diversas em espaços e tempos
para os quais não se tem régua ou controle. Devir formativo, estético, relacional.
Expressando experiências vividas gestualmente pelos bailarinos que cederam
movimentos para a biblioteca, e representando conceitos técnicos específicos da
pedagogia de Eva Schul, os avatares dançantes atuarão como aliados destes
átomos de dança, ecoando digitalmente pistas cinestésicas e compositivas.
Juntamente aos vídeos da
Espiral
que retratam mais fielmente os bailarinos, estão
abertos aos desdobramentos que vierem a acontecer, nesta existência
ciberespacial.
Expressando experiências vividas gestualmente pelos bailarinos que cederam
movimentos para a biblioteca, e representando conceitos técnicos específicos da
pedagogia de Eva Schul, os avatares dançantes atuarão como aliados destes
átomos de dança, ecoando digitalmente pistas cinestésicas e compositivas.
Juntamente aos vídeos da Espiral que retratam mais fielmente os bailarinos, estão
abertos aos desdobramentos que vierem a acontecer, nesta existência
ciberespacial.
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which tangible artefacts serve multiple roles. Not only do they sit on shelves in libraries, store rooms and
museum galleries, but they also act as conduits through which to enact physical memories of a lived
experience. In this way digital records have the capacity to both preserve the past whilst simultaneously
reinventing the future. (Reed, 2018, p .245). (Tradução nossa).
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danças para compor uma biblioteca digital de movimentos
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Recebido em: 10/06/25
Aprovado em: 30/07/25
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br