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Para escrever a História do Teatro: entre história oral,
arquivos pessoais e centros de documentação
Juliana Ribeiro Wolkmer
Para citar este artigo:
WOLKMER, Juliana Ribeiro. Para escrever a História do
Teatro: entre história oral, arquivos pessoais e centros
de documentação.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 55, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0116
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Para escrever a História do Teatro: entre história oral, arquivos pessoais e centros de documentação
Juliana Ribeiro Wolkmer
Florianópolis, v.12 n.55, p.1-14, abr. 2025
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Para escrever a História do Teatro1: entre história oral, arquivos pessoais e
centros de documentação2
Juliana Ribeiro Wolkmer3
Resumo
Este artigo buscou estabelecer conexões entre a história oral e os arquivos pessoais, com o intuito de
propor uma metodologia de pesquisa que integre os diversos conjuntos documentais da história do
teatro. A pesquisa realizada para a tese
Na Ciranda da Memória: Maria Helena Lopes Narrativas
sobre trajetória docente, paixão e ensino de teatro na UFRGS (1967-1994)
forneceu exemplos do uso
de fontes históricas na escrita da história do teatro. Além disso, destacou-se a importância da
existência de centros de documentação dedicados ao estudo da história do teatro brasileiro.
Palavras-chaves
: História oral. Memória. Arquivo pessoal. Acervo de teatro.
To write the History of Theater: between oral history, personal archives, and
documentation centers
Abstract
This article aimed to establish connections between oral history and personal archives, with the goal
of proposing a research methodology that integrates the various documentary collections related to
the history of theater. The research conducted for the dissertation
Na Ciranda da Memória: Maria
Helena Lopes Narratives on Teaching Career, Passion, and Theater Education at UFRGS (19671994)
provided examples of the use of historical sources in writing the history of theater. Furthermore, the
study highlighted the importance of documentation centers dedicated to the study of Brazilian
theater history.
Keywords
: Oral history. Memory. Personal archive. Theater collection.
Para escribir la Historia del Teatro: entre historia oral, archivos personales y centros
de documentación
Resumen
Este artículo tuvo como objetivo establecer conexiones entre la historia oral y los archivos
personales, con el propósito de proponer una metodología de investigación que integre los diversos
conjuntos documentales relacionados con la historia del teatro. La investigación realizada para la
tesis
Na Ciranda da Memória: Maria Helena Lopes Narrativas sobre trayectoria docente, pasión y
enseñanza del teatro en la UFRGS (19671994)
proporcionó ejemplos del uso de fuentes históricas en
la escritura de la historia del teatro. Además, se destacó la importancia de la existencia de centros de
documentación dedicados al estudio de la historia del teatro brasileño.
Palabras clave
: Historia oral. Memoria. Archivo personal. Acervo de teatro.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Ana Beatriz Fioravante Ribeiro,
Especialista em Estudos Linguísticos do Texto pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2 Este artigo resulta em 37% de partes de minha tese de doutorado denominada:
Na ciranda da memória,
Maria Helena Lopes: narrativas sobre trajetória docente, paixão e ensino de teatro na UFRGS (19671994)
.
Defendida no Programa de pós-graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2022.
3 Doutorado e Mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialização em Pedagogia da Arte pela UFRGS. Graduação em Teatro e em História pela UFRGS.
jwolkmer@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/5830844953915800 https://orcid.org/0000-0002-4232-6469
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Este texto apresenta uma reflexão sobre possíveis relações entre a história
oral e os arquivos pessoais, a partir de alguns apontamentos realizados durante a
pesquisa que culminou na tese
Na Ciranda da Memória, Maria Helena Lopes:
Narrativas sobre trajetória docente, paixão e ensino de teatro na UFRGS (1967–
1994)
, orientada pela Professora Doutora Vera Lúcia Bertoni dos Santos e
defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 2022.
O tema central do referido estudo foi a metodologia de ensino de teatro de
Maria Helena Lopes, importante e reconhecida diretora teatral gaúcha do grupo
Tear (1980–2002), cuja carreira docente se desenvolveu no Departamento de Arte
Dramática (DAD) do Instituto de Artes (IA) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) durante quase três décadas (1967–1994). A pesquisa foi
organizada em torno dos paradigmas da História Cultural e inserida em dois
campos de estudos historiográficos: o da História das Mulheres e o da História do
Teatro, a partir da abordagem micro-histórica e do viés biográfico.
Por meio da metodologia da história oral, foram realizadas entrevistas com
diversos artistas, relativas às experiências pedagógicas vivenciadas nas aulas de
Maria Helena Lopes, enquanto estudantes de teatro. A essas entrevistas
somaram-se memórias pessoais da própria docente, relacionadas ao trabalho
que desenvolveu em sala de aula.
Segundo José Carlos Sebe Meihy e Fabíola Holanda, a metodologia da
história oral é definida como “um conjunto de procedimentos que se inicia com a
elaboração de um projeto e que continua com o estabelecimento de um grupo
de pessoas a serem entrevistadas” (Meihy & Holanda, 2007, p. 15). Nesse
contexto, um trabalho de pesquisa vinculado à metodologia da história oral
propõe:
[...] planejamento da condução das gravações com definição de locais,
tempo de duração e demais fatores ambientais; transcrição e
estabelecimento de textos; conferência do produto escrito; autorização
para o uso; arquivamento e, sempre que possível, a publicação dos
resultados que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as
entrevistas (Meihy & Holanda, 2007, p. 15).
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A história oral é um caminho eficaz para pesquisarmos a história do nosso
teatro, pois essa metodologia possibilita a criação de fontes históricas originais e
inéditas através de um processo dialógico. Por meio da história oral, podemos
escrever a história do tempo presente: uma história viva, com protagonismo da
pessoa entrevistada, que narra as suas experiências com base na memória. No
trabalho com história oral, a subjetividade ganha destaque a partir de diferentes
perspectivas.
A memória é um processo individual, que ocorre em um meio social
dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados. Em vista disso, as recordações podem ser
semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese
alguma, as lembranças de duas pessoas são - assim como as
impressões digitais, ou, a bem verdade, como as vozes - exatamente
iguais (Portelli, 1997, p.16).
Na análise das narrativas dos entrevistados, é comum a recorrência de
muitas informações e histórias específicas, contadas a partir de diferentes
pontos de vista, o que confere à pesquisa um material rico em detalhes e
subjetividades, que tornam peculiares falas que, em uma análise apressada,
poderiam ser consideradas “iguais”.
Em tempos de intolerância, preconceitos e discursos fascistas, a história
nos mostra que a humanidade se constrói a partir das diferenças. Levar em
conta múltiplas narrativas é questionar a existência de uma verdade única; por
isso, a metodologia da história oral contribui para o registro de uma memória
plural, que viabiliza uma história mais democrática. Segundo Almeida (2009, p.
237):
Os estudos desenvolvidos referentes às relações entre história da
educação, memória e história oral promovem uma revisão de antigos
conceitos, desestabilizam o que antes era tido como "certo", insinuaram
novos olhares, indicaram entendimentos plurais, enfim, revelaram
outras possibilidades de investigar aquilo que é marginal.
A metodologia da história oral gera narrativas que não necessitam de outras
fontes para uma legitimação, pois a questão fundamental não é comprovar a
veracidade do depoimento, mas assumir que ele é uma construção social da
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pessoa entrevistada, ou seja, uma representação racionalizada do passado que
sentido à sua vida. É espantoso pensar, mas “até mesmo erros, invenções e
mentiras constituem, à sua maneira, áreas onde se encontra a verdade” (Portelli,
1997, p. 25), pois podemos perceber, nas distorções do passado, as mais variadas
intenções e significados.
Durante a elaboração da tese
Na Ciranda da Memória, Maria Helena Lopes:
Narrativas sobre trajetória docente, paixão e ensino de teatro na UFRGS (1967-
1994)
, teve início a pandemia de COVID-19, fator que dificultou a continuidade da
realização de entrevistas presenciais, além de Maria Helena Lopes ter sido
diagnosticada com a doença de Alzheimer. O fato de registrar memórias sobre a
trajetória de uma mulher que gradualmente passou a perder a própria memória
alterou os rumos da pesquisa. Posteriormente, diante da saúde frágil de Lopes, a
família doou parte do seu acervo pessoal para a pesquisa.
O conjunto documental doado incluía livros de teatro, bem como um
valioso material sobre a trajetória do grupo Tear, além de pastas e envelopes
com reportagens sobre os trabalhos de Lopes ao longo de sua carreira, textos
dramáticos para fins didáticos, planos de ensino, fichas de autoavaliação de
estudantes e cartas. O acesso a tão importante e raro material, além de
possibilitar o conhecimento dos livros utilizados por Lopes, tanto de teoria do
teatro quanto de literatura e assuntos diversos, contribuiu para um
conhecimento mais aprofundado sobre seus interesses, gostos, personalidade e
realizações profissionais.
A coleção de materiais recebidos pode ser considerada um arquivo pessoal,
pois consiste em um conjunto de papéis e imagens que Lopes guardou e
organizou durante quase toda a sua trajetória profissional como artista e
docente. Heloísa Bellotto (2006), uma das pioneiras da arquivologia acadêmica no
Brasil, afirma que podemos relacionar a constituição de arquivos pessoais à
sociedade grafocêntrica, que vê na escrita uma forma de tornar os fatos perenes.
A historiadora e arquivista Ana Maria de Almeida Camargo, outra referência
fundamental na área, ressalta que “os documentos de arquivo são a
materialização ou corporificação dos fatos; os documentos de arquivo são os
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próprios fatos; o arquivo é a representação persistente de funções, processos,
incidentes, eventos e atividades” (Camargo, 2009, p. 28). A organização de um
arquivo pessoal acontece conforme interesses, necessidades e escolhas
individuais; portanto, é notável que Lopes teve a preocupação de “arquivar a sua
vida”, ao constituir uma espécie de autobiografia material com fontes que
revelam as marcas do trabalho por ela desenvolvido.
Dessas práticas de arquivamento do eu se destaca o que poderíamos
chamar uma intenção autobiográfica. Em outras palavras, o caráter
normativo e o processo de objetivação e de sujeição que poderiam
aparecer a princípio, cedem na verdade o lugar a um movimento de
subjetivação [...]. Arquivar a própria vida é se pôr no espelho, é contrapor
à imagem social a imagem íntima de si próprio, e nesse sentido o
arquivamento do eu é uma prática de construção de si mesmo e de
resistência (Artiéres,1998, p.11).
A despeito da profusão e da riqueza de fontes materiais de que a pesquisa
pôde dispor, e da significação de algumas delas para compreender a trajetória, as
referências e a metodologia de ensino e criação cênica de Lopes, a escrita da
tese continuou centrada nas narrativas das entrevistas, mas sem ignorar parte
do material do arquivo pessoal recebido. Apesar de a história oral valer por si
mesma, sem necessidade de validação das narrativas por outra fonte, é possível
relacionar as falas dos entrevistados aos documentos materiais não no
sentido de validar os discursos pessoais, mas como uma forma de enriquecer
com detalhes as narrativas.
Explorar, organizar e analisar o arquivo pessoal de Lopes de forma
minuciosa exigiria mais alguns anos de trabalho e envolveria a busca por outros
documentos da mesma natureza. O material serviu de apoio para melhor
desenvolver a escrita da tese, na qual são expostos alguns fragmentos do acervo,
que envolvem tipologias documentais de caráter textual (cartas, planos de
ensino, fichas de autoavaliação discente, materiais didáticos e recortes de jornal)
e iconográfico (fotografias). As fotografias que percorrem a tese, por exemplo,
não foram utilizadas como categoria de análise, mas colaboraram na
composição da narrativa sobre a trajetória da artista.
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Figura 1 - A diretora Maria Helena Lopes junto aos atores de
La Pazzia Senile
(1969), primeiro
espetáculo de
Commedia dell’Arte
realizado em Porto Alegre. Na escada: Maria Luiza Martini e
Luiz Damasceno. Acima: Nara Keiserman, Carlos Carvalho e Luís Artur Nunes. Abaixo: Maria
Helena Lopes e Luiz Francisco Fabretti. Acervo: Simone Lopes.
Das fontes mencionadas, ganharam destaque os recortes de jornais, por
muito contribuírem para o entendimento dos processos históricos, pois revelam
costumes, atitudes e desejos de determinada sociedade, sendo a própria
acumulação de recortes uma prática social dotada de sentido histórico (Campos,
2021).
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Segundo Jobim (1992), é preciso estar impregnado da atmosfera do tempo
em que as matérias jornalísticas foram escritas para interpretar os fatos de
forma eficaz, sendo fundamental o cruzamento com outras fontes, visto que a
imprensa trabalha a favor de determinados interesses sociais, econômicos e
morais, nem sempre explícitos.
Os recortes de jornais guardados por Lopes colaboram com a precisão de
datas importantes da sua trajetória profissional, além de revelarem o impacto da
sua obra artística em tempos diferentes. As críticas e as reportagens de
divulgação dos espetáculos, principalmente, nos aproximam do passado por
meio de inúmeros detalhes, como o título, sempre escolhido para chamar a
atenção de determinado público.
Por meio do conhecimento de parte desse material jornalístico, também
percebemos como a imprensa contribuiu para a mitificação em torno da
personalidade da diretora; afinal, não é todo artista que figura de forma
constante e marcante nas páginas dos jornais.
Figura 2 - Recorte do jornal
Zero Hora
, 1989. Acervo: Simone Lopes.
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O acesso ao acervo de Lopes estimulou a busca por fontes que, a princípio,
não se pretendia examinar, como é o caso dos planos de ensino. A leitura desses
documentos, referentes a quatro anos específicos da docência da mestra (1978,
1982, 1983 e 1991), estimulou a busca por planos de ensino dos demais períodos
da sua trajetória, disponíveis no Arquivo Histórico do Instituto de Artes da
UFRGS4.
Entretanto, após a análise de mais documentos da mesma categoria,
percebeu-se que se trata de um material mais revelador da constituição
institucional das disciplinas dos cursos de teatro do DAD do que das formas
personalizadas do seu ensino. As suspeitas foram confirmadas pela entrevistada
Coelho (2022), ex-aluna e monitora de Lopes e, posteriormente, professora da
disciplina de Expressão Corporal no DAD, que assegurou que o referido material
não retratava especificamente o planejamento pedagógico de Lopes, mas uma
forma genérica de formalização da disciplina dentro da instituição. Esse é um
exemplo de como o trabalho com história oral, associado à pesquisa de arquivos
pessoais e documentos de acervos institucionais, pode ser fecundo.
Nas últimas décadas, tem crescido o número de pesquisas na área do
teatro cuja metodologia envolve a realização de entrevistas. O que ocorre, porém,
é que, na falta de centros de documentação para armazenamento desse tipo de
material, as novas fontes históricas criadas acabam restritas aos arquivos
privados dos pesquisadores responsáveis, o que limita o seu acesso e a
divulgação da história do nosso teatro.
Existem, no país, importantes iniciativas de acervos de história oral em
outras áreas a exemplo da Casa de Oswaldo Cruz5, com um acervo de cerca
de três mil horas de depoimentos de profissionais da saúde —, no entanto, é
notória a falta de instituições bem estruturadas para receber materiais históricos
específicos da área do teatro, tanto físicos quanto digitais. Essa carência resulta
na preservação desses documentos quase que exclusivamente em arquivos
pessoais, até o falecimento de seus proprietários. Nesse momento, os familiares
4 O Arquivo Histórico do Instituto de Artes (AHIA) está localizado no Campus Central da UFRGS, em Porto Alegre.
5 A Casa de Oswaldo Cruz foi criada em 1985, no Rio de Janeiro (RJ), como um centro de pesquisa e
documentação dedicado à história, à memória e à preservação do patrimônio cultural.
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costumam destinar esses materiais de forma aleatória, seja para outros arquivos
pessoais ou até mesmo para o descarte.
Ao utilizar a metodologia da história oral em estudos acadêmicos, os
pesquisadores frequentemente se deparam com o potencial quase inexplorado
dos arquivos pessoais. Durante as entrevistas com artistas de teatro de várias
gerações, os pesquisadores descobrem registros materiais valiosos que
contribuem para a preservação da história do teatro.
[...] no Brasil, no âmbito da produção privada, são os arquivos pessoais
aqueles que formam uma parte considerável do patrimônio documental
do teatro do século XX. Neles estão presentes registros das atividades
de grupos ou companhias expoentes no cenário cultural de suas épocas
(Fontana, 2017, p. 20).
Nos arquivos pessoais, encontramos documentos que revelam não apenas
histórias individuais, mas também coletivas — de grupos, entidades e instituições
importantes do passado. Devemos considerar que o patrimônio artístico engloba
não apenas a obra de arte, mas tudo o que diz respeito à sua produção e
recepção. A concepção de um espetáculo teatral envolve um longo processo,
repleto de materialidades que atestam cada etapa da criação: roteiros, fichas da
censura, croquis de figurinos, mapas de iluminação, desenhos de cenários, vídeos
de ensaios, diários de criação, cartazes, fotografias, entrevistas, borderôs, cartas,
críticas e uma ampla gama de documentos que revelam métodos, técnicas,
autorias, contexto histórico, ideais políticos e referências artísticas.
Segundo Fontana (2017, p. 16):
[...] os documentos são fruto de práticas e de relações pessoais e/ou
sociais, que extrapolam sua concepção apenas como expressão. Essas
dimensões constituem o teatro como experiência estética, arte e setor,
sempre localizado em sociedades e épocas que formam contextos
determinados. Elas se encontram, inclusive, materializadas nos acervos
teatrais, sendo preciso, portanto, abordar o debate sobre o patrimônio
documental do teatro à luz da análise dos diversos conjuntos que o
formam. Trata-se de observar aspectos da constituição destes no que
se refere à natureza e aos motivos da produção/acumulação
documental e dos tipos de registros presentes em seu interior.
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Figura 3 - Ficha da Censura Federal (1981) Espetáculo para crianças
Quem Manda na Banda
.
Direção: Maria Helena Lopes / Acervo: Simone Lopes.
No arquivo pessoal de Maria Helena Lopes, uma carta redigida pela
artista visual Maria Lídia Magliani6, logo após ter assistido ao espetáculo
Crônica
da Cidade Pequena
, dirigido por Lopes e apresentado na capital paulista. Além de
registrar a amizade entre duas reconhecidas artistas, o documento possibilita
diversas camadas de análise que ultrapassam a expressão teatral, abordando
outras questões significativas, como aquelas relacionadas ao gênero, por
exemplo:
6 Maria Lídia Magliani (1946, Pelotas 2012, Rio de Janeiro) foi pintora, desenhista, gravadora, ilustradora e
figurinista. Cursou Artes Plásticas (19631967) e pós-graduação em Pintura (19671968) na Escola de Artes
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo a primeira mulher negra a formar-se na
instituição.
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Figura 4 - Carta de Maria Lídia Magliani para Maria Helena Lopes (1984).
Acervo: Simone Lopes.
É preocupante a desvalorização da história do nosso teatro, pois, com
exceção de algumas iniciativas louváveis — principalmente nos principais centros
urbanos do país —, são muitas as cidades brasileiras com uma significativa
história do teatro entregue ao esquecimento.
Quantos museus sobre a história do teatro temos no país? Quantas
exposições sobre a temática? Qual a abordagem sobre o assunto existente nas
escolas? Qual a popularidade dos livros publicados envolvendo artistas e
companhias teatrais? Quantos acervos digitais temos na área? Quantos artistas
vivos, com longa trajetória nos palcos, hoje são anônimos diante das novas
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gerações?
São perguntas com respostas nebulosas, pois são pontuais as iniciativas
existentes. Portanto, é urgente pensarmos na constituição de centros de
documentação e pesquisa atrelados às universidades e/ou instituições
governamentais de cultura espaços que sejam referência não como depósitos
de materiais para descarte, mas como locais de pesquisa, organização e
divulgação da nossa história, pois: “O teatro, assim como seu patrimônio
documental, deve ser analisado antes em razão de sua historicidade, a fim de lhe
resguardar os seus infinitos ângulos de observação enquanto fenômeno social e
estético.”
(Fontana, 2017, p. 23).
Atualmente, é visível a preocupação de alguns artistas e coletivos com a
preservação da própria história, registrando os processos de criação e circulação
dos espetáculos e atividades formativas não apenas para divulgação, mas com
fins de arquivamento. É essencial documentar, promover e valorizar a história do
teatro brasileiro, uma vez que existe uma conexão direta entre o entendimento
dessa história e a valorização de uma categoria profissional de artistas que luta
há décadas por reconhecimento.
Referências
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211-243, jan./abr. 2009.
ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida.
Estudos Históricos
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FGV, v. 11, n. 21, 1998, p. 9-34.
BELLOTTO, Heloísa.
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Janeiro: Editora FGV, 2006.
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos.
Revista do
Arquivo Público Mineiro
, Belo Horizonte, v. 2, p. 26-39, 2009.
CAMPOS, José Francisco Guelfi. Recortes de jornal em arquivos: origens de uma
prática social.
Em Questão
, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 52-75, abr./jun. 2021.
COELHO, Carmem Lenora Martins.
Entrevista concedida à pesquisadora Juliana
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Wolkmer
. (Arquivo da pesquisa). Porto Alegre, 2022.
FONTANA, Fabiana Siqueira. O que existe de permanente no reino do efêmero.
Sala Preta
, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 11-25, 2017. Acesso em: 5 jun. 2025.
JOBIM, Danton.
Espírito do jornalismo
. São Paulo: EDUSP, 1992.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola.
História oral
: como fazer,
como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.
PORTELLI, Alessandro.
Tentando aprender um pouquinho
: algumas reflexões
sobre a ética na história oral. Projeto História, São Paulo, n. 15, p. 13-49, abr. 1997.
WOLKMER, Juliana.
Formação em teatro na UFRGS (1960–1973)
: memórias de
tempos de ousadia e paixão. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.
WOLKMER, Juliana.
Na ciranda da memória, Maria Helena Lopes
: narrativas sobre
trajetória docente, paixão e ensino de teatro na UFRGS (1967–1994). Tese
(Doutorado em Artes Cênicas) Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2022.
Recebido em: 10/06/25
Aprovado em: 26/07/25
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