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Experimentum Cyborg
: investigando a escola em um
processo de Drama na Educação Superior
Túlio Fernandes Silveira
Diego de Medeiros Pereira
Para citar este artigo:
SILVEIRA, Túlio Fernandes; PEREIRA, Diego de Medeiros.
Experimentum Cyborg
: investigando a escola em um
processo de Drama na Educação Superior.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2,
n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0102
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: investigando a escola em um processo de Drama na Educação Superior
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Florianópolis, v.2, n.55, p.1-27, ago. 2025
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Experimentum Cyborg
: investigando a escola em um processo de Drama na Educação Superior1
Túlio Fernandes Silveira2
Diego de Medeiros Pereira3
Resumo
Este artigo apresenta um relato analítico de um processo artístico-pedagógico realizado com
uma turma do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). Nesse processo teatral, a escola foi utilizada como tema para a investigação cênica,
por meio da abordagem do Drama. São descritos e analisados o processo de criação do
Drama
Experimentum Cyborg
, bem como algumas materialidades e estratégias escolhidas.
A escrita inclui a descrição do contexto real da experimentação artística e do contexto
ficcional desenvolvido em sala de aula, com ênfase na metodologia da prática como
pesquisa.
Palavras-chave
: Pedagogia das Artes Cênicas. Ensino de Teatro. Drama. Escola.
Experimentum Cyborg
: Investigating the school in a Drama process in Higher Education
Abstract
This article presents an analytical account of an artistic-pedagogical process carried out with
a class from the Theater Licentiate program at the Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). In this theatrical process, the school was used as a theme for scenic investigation
through the Drama approach. The creation process of the Drama
Experimentum Cyborg
is
described and analyzed, as well as some of the chosen materialities and strategies. The
writing includes a description of the real context of the artistic experimentation and the
fictional context developed in the classroom, with emphasis on the methodology of practice
as research.
K
eywords
: Performing Arts Pedagogy. Theater Education. Drama. School.
Experimentum Cyborg
: investigando la escuela en un proceso de Drama en la Educación
Superior
Resumen
Este artículo presenta un relato analítico de un proceso artístico-pedagógico realizado con
una clase del curso de Licenciatura en Teatro de la Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). En este proceso teatral, la escuela fue utilizada como tema para la investigación
escénica, mediante el enfoque del Drama. Se describen y analizan el proceso de creación del
Drama
Experimentum Cyborg
, así como algunas materialidades y estrategias escogidas. La
escritura incluye la descripción del contexto real de la experimentación artística y del
contexto ficcional desarrollado en el aula, con énfasis en la metodología de la práctica como
investigación.
Palabras clave
: Pedagogía de las Artes Escénicas. Enseñanza de Teatro. Drama. Escuela.
1 Revisão ortográfica e gramatical realizada por Heloisa Barbosa de Sousa. Licenciatura e Bacharelado em Letras, com
habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atua como revisora e professora particular.
2 Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Mestrado em Artes Cênicas e
Licenciatura em Teatro pela UDESC. Professor substituto de Teatro no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).. tulio.fs@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/0497514401052794 https://orcid.org/0000-0002-6747-1443.
3 Doutorado e Mestrado em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Graduação em Educação
Artística Artes Cênicas pela UDESC. Prof. Dr. nos cursos de graduação em Artes Cênicas, Mestrado Profissional e Pós-
Graduação (Mestrado e Doutorado) em Artes Cênicas da UDESC.
diego.pereira@udesc.br http://lattes.cnpq.br/7952493975205748 https://orcid.org/0000-0002-6655-0211.
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Introdução
A disciplina Metodologia do Ensino de Teatro II (Escola) compunha o antigo
currículo da segunda fase do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC). No primeiro semestre de 2022, foi ministrada
pelo Prof. Dr. Diego de Medeiros Pereira, coautor deste texto, e contou com a
colaboração de dois monitores um da pós-graduação e outro da graduação –,
respectivamente, os estudantes Túlio Fernandes Silveira e Be May, sendo o
primeiro também coautor deste artigo. A turma era composta por
aproximadamente 35 estudantes, futuros/as professores/as de Teatro, que
estavam começando a refletir sobre sua atuação na educação formal e sobre
possíveis metodologias para o ensino da linguagem teatral.
A ementa da disciplina propunha a articulação entre os contextos social,
ficcional e de ambientação cênica, além da proposição de abordagens vinculadas
a um pré-texto. Com base nisso, propusemos, em determinado momento do
semestre, um processo de Drama4 que permitisse aos/às estudantes conhecerem
as especificidades dessa abordagem e que, por meio do tema escolhido, os/as
instigasse a refletir sobre a instituição escolar.
Dessa forma, foram mobilizados dois objetivos do plano de ensino da
disciplina: “Explorar o Drama como método de ensino, suas convenções,
estratégias e estrutura” e “Discutir o Ensino do Teatro em escolas aspectos
pedagógicos, artísticos e legais”. A proposta consistiu em experimentar a própria
escola especialmente suas questões contemporâneas como tema para a
investigação de um processo de Drama, articulando práticas artísticas e reflexões
pedagógicas. A intenção era provocar, nos/as jovens estudantes muitos/as
recém-egressos/as do Ensino Médio –, uma reflexão crítica sobre a escola via
processo coletivo, conectando as aulas práticas de Drama com os estudos
teóricos sobre a Educação Básica.
4 O Drama é uma abordagem para a investigação e criação teatral que se de forma processual e coletiva,
em torno de um tema, a partir de um pré-texto, por meio da criação de um contexto ficcional e da definição
de papéis. Segundo Cabral (2012, p.12): “O Drama articula uma série de episódios, os quais são construídos
e definidos com base em convenções teatrais criadas para possibilitar seu sequenciamento e
aprofundamento”.
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A proposta de utilizar a escola como tema para o processo de Drama partiu
do desejo do então monitor da disciplina, coautor deste texto, de realizar, com
estudantes do Ensino Superior, um primeiro experimento relacionado à sua
pesquisa de doutorado5. Tal pesquisa busca investigar a própria escola como tema
de criação, junto a jovens da Educação Básica. Para esse experimento inicial, foi
utilizado, como pré-texto6, um trecho do livro
Em defesa da escola: uma questão
pública
(2021), de Jan Masschelein e Maarten Simons, como base para a
construção do contexto ficcional7 do Drama.
A escolha por esse texto teórico, de cunho filosófico, está relacionada ao
interesse desse pesquisador pelas reflexões de autores da Filosofia da Educação,
com os quais tem contato por meio do grupo de pesquisa de sua orientadora,
Profa. Dra. Heloise Baurich Vidor. Assim, o experimento em questão marca uma
primeira aproximação prática com sua investigação, na qual busca pensar a escola
como espaço de criação.
Desde o início da organização do processo, surgiram desafios relevantes:
como articular um texto teórico dentro de um processo de Drama? De que forma
construir um contexto ficcional que, sem tematizar diretamente a escola, a
abordasse de maneira metafórica? E, ainda: como provocar um pensamento
crítico sobre a instituição escolar por meio de propostas teatrais, a partir da
escolha de episódios8, personagens, papéis e status pertinentes ao tema?
5 A atividade descrita neste artigo refere-se a uma experimentação pedagógica realizada anteriormente à
definição da prática a ser realizada para o doutorado, atualmente em fase de finalização. Embora essa
experiência guarde relação temática com os estudos da tese, ela não compõe diretamente a pesquisa e,
portanto, não foi submetida ao Comitê de Ética da universidade. Ainda assim, os/as estudantes foram
informados/as sobre o registro da atividade e o uso pontual de imagens, que não expõem rostos ou
elementos que permitam a sua identificação. Posteriormente, o projeto de doutorado foi aprovado pelo
Comitê de Ética, validando as etapas práticas da pesquisa na Educação Básica.
6 O pré-texto, no Drama, foi introduzido por Cecily O’Neill, dramaturga e grande referência na área, sendo
compreendido como o impulso inicial para o processo criativo. Segundo Cabral (2012), o pré-texto funciona
como ponto de partida para a investigação artística e como orientação ao professor na elaboração do
percurso pedagógico. Por sua vez, Pereira (2021) observa que ele pode ser constantemente retomado ao
longo do processo, como fonte de novas ideias e sugestões para a criação coletiva.
7 O contexto ficcional é uma das convenções do Drama, sendo ele a situação imaginária que ocorre nas
explorações teatrais; os participantes vivenciam as situações como se pertencessem a essa ficção (Pereira,
2021). Para Cabral (2012), é por meio dele que se constrói uma narrativa dramática coletiva.
8 Os episódios são, para Pereira (2021), unidades cênicas que compõem o processo de Drama e que estão
conectadas por um mesmo foco de investigação. Uma nova questão cênica gera um novo problema e, com
isso, um novo episódio. No Drama cada episódio possui suas etapas e estratégias específicas, cabendo ao
condutor/a organizar essas unidades.
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Propomos, neste artigo, a descrição e algumas análises do processo de
Drama desenvolvido, desde sua estruturação até a execução em sala de aula com
o grupo de estudantes da Licenciatura em Teatro do DAC/CEART/UDESC. Nosso
objetivo é compartilhar uma prática artístico-pedagógica realizada no âmbito do
Ensino Superior, que possa, eventualmente, inspirar docentes e futuros/as
professores/as de Teatro.
Em relação à metodologia de pesquisa desta proposta, escolhemos investigar
a prática artística como pesquisa, que, segundo Beatriz Cabral (2003), é uma das
formas mais apropriadas para o estudo de Teatro no contexto educacional, visto
que essa prática articula a teoria e prática teatral no desenvolvimento do processo
pedagógico, a partir da relação entre o/a professor/a e os/as estudantes. Aqui,
investigam-se questões escolares principalmente, a formação da juventude na
contemporaneidade –, tomando a própria escola como tema de investigação no
interior do processo de Drama.
Em consonância com essa abordagem, a metodologia de escrita deste artigo
também se estrutura artisticamente, buscando envolver o/a leitor/a no contexto
ficcional vivenciado durante o processo. Para isso, o texto apresenta trechos do
pré-texto escolhido e manuscritos descritivos do percurso em sala de aula em
outra formatação textual –, como forma de imersão estética na experiência. Além
disso, incorpora fragmentos ficcionais e registros das materialidades utilizadas
(imagens, áudios com seus conteúdos transcritos, entre outros), promovendo uma
escrita que mescla relato artístico-descritivo e análise. Com isso, buscamos
contribuir para o aprofundamento das discussões sobre o Drama como
abordagem de ensino, evidenciando as escolhas artísticas e pedagógicas que
estruturaram o processo em sala de aula.
Prática com o Drama e a alegoria da escola
Imagine uma sociedade em que todos são capazes de desenvolver seus
talentos. Todos os talentos são igualmente valiosos e todos têm a
oportunidade de desenvolvê-los em competências empregáveis. [...]
centros de aprendizagem e de competência para manter essa sociedade
harmoniosa. Percursos de aprendizagem personalizados são oferecidos a
todos os cidadãos a fim de ajudar o cidadão-aluno a desenvolver
competências [...]. Todos os resultados da aprendizagem são
cuidadosamente documentados e avaliados; todos os percursos de
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aprendizagem são acompanhados de perto; [...] o grau de bem-estar,
felicidade e empregabilidade é precisamente monitorado (Masschelein;
Simons, 2021, p. 168-169).
Este é o início do pré-texto9 escolhido para a criação do
Drama Experimemtum
Cyborg
. O texto
Alegoria da escola (ou a escola como é explicada para nossas
crianças)
encerra o livro
Em defesa da escola: uma questão pública
(2021), de Jan
Masschelein e Maarten Simons, pensadores belgas da Filosofia da Educação. A
escolha visava utilizar um texto teórico que propusesse um contexto ficcional
interessante e que engajasse os/as estudantes na criação coletiva. Esse foi o
primeiro experimento com um texto teórico como pré-texto para um processo de
Drama, pois ele propõe uma metáfora da escola e possui um caráter narrativo e
sarcástico, de uma sociedade em crise. O texto poderia ser potente por indicar
intenções e papéis (Cabral, 2012).
O plano de fundo da investigação teatral e processual foi as relações de
aprendizagem em uma escola produtiva e voltada para os aspectos
mercadológicos, em contraposição a uma escola próxima ao
skholé
10, distante da
lógica produtiva. Nesse sentido, qual contexto ficcional poderíamos explorar para
propor uma investigação desse tema? Escolhemos:
Um mundo distópico composto de ciborgues que trabalham para que a
sociedade sempre se desenvolva mais e mais. O progresso acontece com
cada ciborgue individualmente quando aperfeiçoa seus talentos em
qualidades e características técnicas que, assim, contribuem para a
constante evolução do mundo. Ciborgues Aprendizes precisam passar
pela Fase de Aprimoramento na qual é necessário afiar, sofisticar e
lapidar suas habilidades e competências a partir dos manuais de
funcionalidade e treinamento preestabelecidos. A avaliação da
aprendizagem e do funcionamento desses Ciborgues Aprendizes são
feitas pelos Funcionários das Normas de Aprimoramento (FUNAs). A
Inteligência Artificial das Normas de Aprimoramento (IANA) é responsável
por aprimorar os Ciborgues Aprendizes para uma vida plena e produtiva
9 Optamos por apresentar, como epígrafes, trechos do texto utilizado como pré-texto em algumas seções
deste artigo, visando oferecer ao/à leitor/a uma aproximação com as palavras que foram disparadoras da
criação ficcional. Buscamos evidenciar as ressonâncias entre o texto teórico e os caminhos investigativos e
imaginativos percorridos em sala de aula.
10 Os autores Masschelein e Simons (2021) recuperam o termo
skholé
, da Grécia Antiga, para evidenciar um
tempo de estudo e exercício; um tempo longe das obrigações produtivas. Para os autores, a escola grega
tornava-se inoperante e suspendia a ordem desigual entre as pessoas, proporcionando um tempo igualitário:
a
skholé
como tempo livre dedicado aos estudos e à formação de si na escola. Para eles, o que realmente
significa estar dentro da escola é a noção de “tempo-feito-livre”, em que se proporciona um tempo de
atenção à matéria de estudo e, consequentemente, ao mundo. Esse tempo é concebido é preciso construí-
lo para, assim, construir escola.
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na sociedade ciborgue. No entanto, parece que nem todos os ciborgues
concordam com esse modelo de vida, alguns deles se afastaram da
sociedade e ousaram ver as coisas de forma diferente (Acervo dos
autores, 2022)11.
Para iniciar o Processo de Drama, os/as estudantes foram convocados/as a
procurarem, dentro da sala de aula, um comunicado em uma folha de papel. Ao
encontrá-lo, leram-no em voz alta as palavras que os/as convidavam a se
caracterizarem como ciborgues para a aula seguinte. O papel era assinado por
IANA. Durante a semana, colocamos na plataforma
Moodle
um material que
indicava instruções para o início do Drama. O documento sugeria aos/às leitores/as
uma preparação para sua iniciação ciborgue, na Fase de Aprimoramento. Continha
uma definição de ciborgue, inspirada nos escritos de Donna Haraway (2000
apud
Sales, 2014):
Ciborgue: Originalmente o termo se refere a um organismo cibernético,
um híbrido de máquina e organismo. [...] O que caracteriza o ciborgue é
justamente o hibridismo, a mistura, montagem que desmancha qualquer
tipo de dualismo em sua composição. A “confusão” de limites entre
organismo/máquina, natural/artificial, natureza/cultura se combina na
configuração do ciborgue (Sales, 2014, p. 232).
A partir do pré-texto escolhido, o que nos instigou para a criação dessa
atmosfera ficcional foi a ideia de trabalharmos com corpos robóticos, mecânicos,
com movimentos bem definidos e lineares, como os da sociedade harmoniosa
descrita no texto. Em vista disso, a ideia de ciborgue pareceu-nos mais propícia à
experimentação de papéis como uma mistura entre corpos, um entre-ser.
Acreditamos que foi uma escolha interessante para nos distanciarmos de um
universo realista e experimentarmos, de forma ficcional, o tema proposto.
Após os primeiros estímulos, preparamos as materialidades utilizadas na
primeira sessão do Drama: criação e gravação da fala da personagem IANA;
escolha de figurinos e características dos professores-personagens12 no Episódio
1, nomeados como Funcionários das Normas de Aprimoramento; elaboração de
11 Texto criado pelos monitores da disciplina para delimitar o contexto ficcional do processo de Drama
Experimentum Cyborg
, a partir do pré-texto.
12 O professor-personagem é uma das estratégias do Drama, em que o/a professor/a atua de dentro do próprio
processo, como personagem imerso no contexto ficcional (Pereira, 2021). De acordo com Vidor (2018), ele/a
participa das improvisações coletivas mantendo a postura física e ideológica escolhida, o que confere à
mediação uma dimensão estética e relacional.
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crachás individuais dos/as ciborgues-participantes; confecção de uma tabela com
os grupos de funções dos/as ciborgues na sociedade ficcional; produção de
slides
com indicações para a experimentação de papéis; e criação da ambientação cênica
e sonora na sala de aula.
Lançamos um olhar atento para essa parte do processo, levando em conta
que, segundo Vidor (2020, p. 380): “O cuidado na preparação dos objetos [...] é o
que faz com que os materiais se transformem em materialidades, na medida em
que eles ganham uma dimensão sensível dentro do drama, ajudando a compor a
atmosfera cênica do processo”. Embora não utilizados como pacote de estímulos
estratégia do Drama –, os materiais se tornaram materialidades ao serem
cuidadosamente preparados para a investigação em sala de aula, suscitando a
atmosfera criativa dos episódios do Drama.
No dia da experimentação, as/os estudantes receberam um áudio em seu
grupo de
Whatsapp
: IANA os/as convidava para a Fase de Aprimoramento. Nos
corredores do Departamento de Artes Cênicas, expusemos um cartaz:
Figura 1 - Cartaz de divulgação do Drama
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Arte digital de Be May (2022)
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Primeira sessão do Drama
No dia 08 de novembro de 2022, aconteceu a nossa primeira sessão do Drama
Experimentum Cyborg
. Nela, realizamos dois episódios do processo: um na
primeira metade da aula e outro após o intervalo. Descreveremos os
acontecimentos do Drama com uma escrita em dois tempos no passado,
rememorando acontecimentos, e no presente (trechos marcados em itálico),
convidando você, leitor/a, a vivenciar um pouco desse processo, como se estivesse
na sala de aula conosco.
Episódio 1 - Fase de Aprimoramento
Uma sociedade onde você é abordado desde o início como um aprendiz e
onde a aquisição de uma série de habilidades básicas é assegurada como
uma espécie de direito básico (Masschelein; Simons, 2021, p. 169).
Música eletrônica tocando. A porta se abre. Dois Funcionários da Norma de
Aprimoramento apressam os ciborgues que ainda estão se arrumando. IANA não vai gostar
nada disso! O sistema não suporta atrasos. Exigem a organização dos/as ciborgues em
fila. Qual seu nome? Ojina, Circuito, Xuborg, Bob the Borg13 Escrita dos nomes nos
crachás. A porta da sala se abre.
Terceiro Funcionário das Normas de Aprimoramento no centro da sala, responsável pela
sonoplastia. Todas as cadeiras estão encostadas nas paredes. Iluminação azulada.
Penumbra. No chão, linhas em giz formam quadrados. A lousa na parede exibe uma tabela
de avaliação de desempenho. uma Projeção com imagens de números em progressão.
Um sinal alto toca. Os Funcionários olham para cima. Em voz cibernética, IANA nos
informa:
Olá! Sejam todos/as muito bem-vindos/as à nossa iniciação de aprimoramento e
desenvolvimento de suas funcionalidades e habilidades específicas comumente
conhecida apenas como: Fase de Aprimoramento. Eu sou IANA, Inteligência Artificial das
Normas do Aprimoramento, sua conselheira-mentora no dia de hoje. Para qualquer
questão, podem me consultar levantando uma de suas partes cibernéticas ao céu e
gritando: “IANA!” [...] Em nossa sociedade ciberurbana cabal, os cidadãos-legítimos
trabalham para que tudo sempre se desenvolva com potência e organização impecáveis.
O progresso somente acontece quando cada ciborgue, individualmente, aperfeiçoa seus
talentos em qualidades e características técnicas que, assim, contribuem para a
constante evolução mundial.
Ao finalizar seu discurso, IANA indica a leitura do “Manual de Instruções da Fase de
Aprimoramento”, que exige uma boa conduta dos/as ciborgues, enfatizando que estão
sendo avaliados/as o tempo todo. Os Funcionários fazem a mediação da Fase de
Aprimoramento. A projeção de tela indica: Escolha um dos quadrados demarcados no
chão da sala; Experimente ações dos/as seus/suas ciborgues: como você levanta seus
braços. Como você senta. Como você salta. Como você mexe os dedos… Como você liga.
13 Alguns dos nomes ciborgues criados pelos/as estudantes.
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Como você desliga. Como você caminha. Como você cumprimenta um ciborgue. Desligue.
Ligue.
Figura 2 - Experimentações de ações dos ciborgues na Fase de Aprimoramento
Acervo pessoal dos autores (2022)
Assim, as/os estudantes entraram na experimentação de papéis sugeridos
por nós, condutores, em meio ao contexto ficcional. Experimentaram ações iniciais
para criarem seus ciborgues, ações de relação entre os/as ciborgues e ações
referentes às suas habilidades predestinadas pelo sistema, que precisavam ser
aprimoradas e desenvolvidas (escritas no verso de cada crachá). A turma criou, de
forma individual, ações corporais para funções como: “cortar alimentos e
nutrientes recarregáveis”, “realizar cirurgias delicadas em corpos ciborgues”, “tirar
medidas das estruturas urbanas ciborguianas”, entre outras.
Após experimentarem as ações corporais, os/as estudantes escolheram três
delas e foram separados/as em grupos. Cada função predestinada fazia parte de
uma classe de trabalhadores/as na sociedade ciborgue: os Desenvolvedores dos
Nutrientes Recarregáveis (DNR), os Cuidadores da Saúde Ciborgue (CSC), os
Construtores das Estruturas Urbanas Ciborguianas (CEUC), os Transportadores de
Coisas Ciborgues (TCC) e os Burocratas das Leis e Normas Ciborguianas (BLNC).
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Chegou a hora do aprimoramento em grupo. Criação de máquinas-ciborgues com os
corpos das/os ciborgues14 . Os/as ciborgues devem utilizar as ações experimentadas.
Devem criar uma apresentação do grupo e explicar sua importância para o funcionamento
e progresso social ciborguiano. O grupo mais bem avaliado vence. Sim, isso é uma
competição
!
Figura 3 - Apresentação de um dos grupos com suas funções predestinadas
Acervo pessoal dos autores (2022)
Em relação às apresentações das máquinas-ciborgues em grupo, cada uma
delas funcionava de forma específica: faziam sons estranhos e suas funções e
importância eram defendidas pelos/as Ciborgues Aprendizes. Durante a
experimentação de papéis, nós, como professores-personagens, caminhávamos
pela sala e escrevíamos anotações em nossas pranchetas. Em seguida, colocamos
sinais positivos e negativos para cada grupo no quadro de avaliação de forma
intencional –, o que criou um clima de tensão e competitividade.
Um sinal sonoro toca novamente: IANA nos informa que chegou o momento de recarregar
os nutrientes na parte de convivência externa. Os/as Ciborgues Aprendizes recebem vinte
minutos para realizarem
o intervalo. Atrasos não são tolerados!
14 Proposta de jogo inspirada no
Jogo da Máquina
, de Augusto Boal (2008).
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Episódio 2 - A Caverna
Mas vamos realmente colocar nossa imaginação em teste: observe uma
pessoa que vamos chamar de um pedagogo que não se dedica às
crianças como aprendizes, mas as pega pela mão e as convence a segui-
lo para dentro de uma caverna escura, iluminada apenas por um fogo
ardente. [...] Na caverna, o professor se dirige a elas como os alunos, e o
professor está para todos e para ninguém em particular. Alerte os
Serviços de Proteção à Criança! [...] Eles estão convencidos de que só na
caverna mal iluminada é possível conjurar este mundo e despertar o
interesse dos alunos pelo mundo (Masschelein; Simons, 2021, p. 169-170).
Ao voltar do intervalo, a Fase de Aprimoramento estava em pausa. Duas figuras
subiram as escadas do corredor do DAC (monitores da disciplina, como
professores-personagens), usando roupas em tons terrosos com destaque para a
cor verde, e se apresentaram como
Amateurs
. Eles tentaram convencer os/as
Ciborgues a colocarem uma venda e segui-los até um outro lugar, escondido da
sociedade, que diziam ser seguro. Os/As Ciborgues Aprendizes estavam
inquietos/as, falavam ao mesmo tempo sobre uma possível revolta contra IANA e
seu sistema; parecia que a Fase de Aprimoramento havia gerado resultados
dissidentes em relação ao seu objetivo na sociedade ciborgue.
Os dois
Amateurs
conduziram o grupo de Ciborgues Aprendizes em uma
caminhada pelas dependências do DAC; três músicos convidados estudantes do
Departamento de Música acompanharam o grupo com sons de tambores e
flautas. O professor da disciplina atuava como
Amatuer
Ancião, uma
representação de um
professor amauter
15.
Chão de piso, chão de cimento molhado pela chuva, barulhos da cantina, conversas entre
estudantes, grama nos pés, brisa no rosto. O grupo foi levado até uma porta. Ela se abriu.
Uma voz perguntou: Ninguém viu vocês vindo para cá? Vocês têm certeza? Entrem,
entrem! Sintam-se à vontade neste espaço”. Era a voz do Amateur Ancião, responsável
por aquele espaço.
As/Os Ciborgues Aprendizes são convidados/as a tirarem suas vendas. Se deparam com
um lugar escuro, com apenas um foco de luz quente ao centro, folhas espalhadas pelo
15 Quando Masschelein e Simons (2021) se debruçam sobre a questão do amor no
skholé
, evidenciam a figura
do
professor amateur
: aquele que ama sua área de estudo e, justamente por amar, assume uma
responsabilidade pedagógica tanto com o conhecimento quanto com os/as estudantes. Esse amor se
manifesta em certos modos de falar e escutar, que revelam uma relação ética e atenta com o que se ensina
e com quem se ensina.
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13
chão, cheiro de incenso, uma cadeira antiga no canto da sala com uma folha de papel. É
a caverna! O Amateur Ancião é responsável por essa caverna e uma carta escrita pela
primeira Amateur que fugiu do sistema de IANA, sua mãe:
Nós somos os Amateurs. Também somos ciborgues, assim como vocês. Também já
fomos Ciborgues Aprendizes. Já participamos de muitas Fases de Aprimoramento junto a
IANA e seus funcionários, mas escolhemos tomar um rumo diferente para formar a nós
mesmos. Acreditamos na existência de um universo fora desse mundo da vida cotidiana
e reluzente. Por isso, fugimos. Hoje estamos aqui, em uma caverna. Existem algumas delas
pelo nosso mundo ciborgue, escondidas entre as trilhas e as florestas. Não podemos dar
muitas informações sobre suas localizações, que sempre estamos passando por
acusações e retaliações. Estamos confiando em vocês. Aqui, vocês são ciborgues em
formação e, por isso, pedimos que esqueçam aquelas habilidades predestinadas que
devem funcionar perfeitamente para a sociedade, como eles sempre dizem. Suas origens
são irrelevantes aqui, assim como os talentos. Aqui, vocês formam a si mesmos a partir
de algo comum a todos nós. Algo do nosso mundo que é colocado como objeto de estudo
e de prática. Aqui, suspendemos as obrigações para o futuro. Queremos vivenciar o tempo
presente. Estamos aqui para um e para todos. Bem-vindos à caverna!
Após a leitura, os/as Ciborgues Aprendizes foram convidados/as a
experimentar uma outra forma de convívio e estudo coletivo uma experiência
que não poderia ser nomeada como aprimoramento. Sugerimos a organização em
roda, para iniciar um relaxamento em grupo.
Olhos fechados, mãos encostadas, pés grudados. Toques delicados foram passados de
mãos em mãos, pés em pés, ombros em ombros. Os olhos se abriram parecia que o
tempo ficou mais lento. O Amateur Ancião convida os/as participantes a se organizarem
em duplas. Experimentam, primeiramente, toques delicados entre partes dos seus corpos,
pequenos movimentos em dupla.
As duplas alternavam-se conforme a condução do
Amateur
Ancião, que
conduzia esse momento na Caverna. O encontro entre os/as Ciborgues acontecia
de forma lenta; os movimentos pareciam criar uma dança coletiva. A indicação do
condutor levou o grupo a se aproximar. Passaram, então, a formar um mosaico de
corpos ciborgues – como um grande abraço. O condutor lançou a pergunta:
Se pudessem escolher por si mesmos/as, quem vocês gostariam de ser no mundo
ciborgue? O que escolheriam? Ou preferem ser o que IANA destinou a vocês? Algumas
palavras começaram a ser ditas em voz baixa: “Cuidadora”, “Ser capaz de voar”,
“Liberdade”, entre outras.
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Figura 4 - Abraço coletivo na Caverna - Acervo pessoal dos autores (2022)
As luzes apagaram.
Blackout
. Um áudio se iniciou. Todos/as, no escuro total,
ouviram sons de manifestações e vozes em tom impositivo, que pareciam ter sido
declamadas por outros/as cidadãos/ãs ciborgues:
Isso que estão fazendo com nossas crianças é um absurdo! Estão levando nossas
crianças para o mato, para uma caverna, como assim? Vamos chamar o Serviço de
proteção ao Ciborgue!
(sic) um absurdo! Eles estão usando o espaço público, achando que o espaço é deles!
Nossos Ciborgues Aprendizes estão ficando cegos, eles estão sendo molestados!
Salvem os nossos aprendizes! Vão torná-los burros!
(sic) extremamente caótico, viu? Eles estão fazendo tudo o que querem lá, com a
pior das intenções possíveis. Isso vai totalmente contra a nossa ordem. Precisamos fazer
alguma coisa!
Deus, pátria, família! 16
Luzes se acenderam. Fora do contexto ficcional, os/as estudantes foram
convidados/as a escreverem suas impressões e sensações em um grande papel
disposto no chão da sala de aula, a partir dos dois episódios do Drama vivenciados.
Assim, finalizamos o Episódio 2 e a primeira sessão do Drama. A Imagem 5
16 Áudios gravados e improvisados por colegas artistas com a indicação de acusar as cavernas na sociedade
ciborgue.
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apresenta algumas das impressões das/os estudantes:
Imagem 5 - Alguns registros dos/as estudantes sobre a primeira sessão do Drama
Acervo pessoal dos autores (2022)
Segunda sessão do Drama
No dia 22 de novembro de 2022, as/os estudantes receberam um informe no
grupo de
Whatsapp
da turma: dessa vez, deveriam levar acessórios e objetos para
construírem outras figuras ciborgues. Nesse mesmo dia, ocorreu a segunda sessão
do Drama
Experimentum Cyborg
, com dois novos episódios. O Drama foi finalizado
em seu quarto episódio.
Episódio 3 - De que lado você está?
Luz geral no centro da sala; luzes azuladas nos cantos. Música eletrônica em volume
baixo. As/Os estudantes chegam aos poucos. Convidamos todos/as a se sentarem no
chão, no centro da sala. Uma projeção na parede é compartilhada com o título: “Rádio
Ciborgue”. A situação ficcional foi retomada com narração em áudio e imagens da última
sessão, relembrando o que foi vivenciado na Fase de Aprimoramento e na Caverna. A voz
que narra a rememoração é de Ciborguinho, um radialista famoso no mundo ciborgue.
Após assistirem ao vídeo, todos/as foram convidados/as a formar uma grande
roda. Realizamos um aquecimento corporal coletivo para relembrar movimentos
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e ações do encontro anterior. Cada participante propunha um movimento, e os/as
demais imitavam, aquecendo o corpo e retomando a atmosfera ficcional.
Em seguida, cada um/a recebeu um papel com características dos novos
personagens ciborgues que experimentariam. Metade deles/as eram a favor dos
métodos de aprimoramento de IANA; a outra metade, a favor dos métodos das
Cavernas. Alguns exemplos: aprendizes contrários a IANA; familiares de Ciborgues
Aprendizes; representantes de órgãos de proteção aos Ciborgues; representantes
de trabalhadores ciborgues – a favor dos métodos de IANA –, entre outros.
Após o recebimento da indicação de seu personagem, as/os participantes
foram convidados/as a se distribuírem pela sala e começarem a experimentar seus
novos papéis. Os condutores sugeriram a criação individual de ações de ataque,
defesa e relação entre personagens. Uma cadeira foi colocada no centro da sala17.
Quem se sentava nela se apresentava como personagem e era questionado/a pelo
restante do grupo, improvisando argumentos dessa nova figura ciborgue.
Figura 6 - Participantes na cadeira quente experimentando papéis
Acervo pessoal dos autores (2022)
17 Trata-se de uma estratégia bastante recorrente na abordagem do Drama, conhecida como “cadeira quente”.
Nela, um personagem assume um lugar destacado e passa a ser interrogado pelos/as demais participantes,
que formulam perguntas para explorar aspectos do contexto ficcional. Podem ser questionados sua
identidade, origem, motivações e relação com a narrativa (Pereira, 2021).
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Depois dessa atividade, os/as estudantes foram divididos/as em quatro
grupos: dois que apoiavam os métodos de IANA e dois que defendiam as Cavernas.
A partir das novas personagens experimentadas e rememorando os
acontecimentos dos últimos episódios, deveriam criar cenas e desenvolver os
argumentos do grupo. Foi disponibilizado um tempo para a discussão das
propostas e o ensaio das cenas. Em seguida, aconteceu o compartilhamento das
apresentações em configuração palco/plateia.
Um dos grupos explorou a chegada de alguns ciborgues a uma caverna, sendo
recebidos por um
Amatuer
, que realizava um procedimento específico com eles/as
para que esquecessem os métodos de IANA e perdessem parte de sua dimensão
cibernética, tornando-os/as mais humanos. O segundo grupo apresentou um
programa televisivo que convidava ciborgues religiosos extremistas para defender
os métodos de IANA e a continuidade da tradição ciborgue. Outro grupo mostrou
um coletivo de mães ciborgues que buscavam seus/suas filhos/as perdidos/as no
mundo ciborgue, possivelmente nas Cavernas. o quarto grupo explorou o
passado de IANA, mostrando um lado positivo da personagem, enfatizando que,
nos primórdios do mundo ciborgue, todos/as eram crianças presas em rios e
que IANA os/as salvou, transformando-os/as em ciborgues para salvaguardar suas
vidas.
Ao final do compartilhamento das cenas, um áudio tomou conta da sala de
aula: era a Rádio Ciborgue novamente. A narração, na voz de Ciborguinho, relatou:
As Cavernas estão dando o que falar no mundo ciborgue. Parte da sociedade ciborgue
reivindica debates para entender se os acontecimentos duvidosos das Cavernas estão
desonrando as normas e direitos, e, assim, atrapalhando o desenvolvimento do progresso
social ciborgue. Alguns ciborgues apresentam argumentos sobre o porquê de aquele
espaço ser positivo para suas vivências, mas muitos outros acreditam que não. Um debate
televisionado no programa CYBORG TV acontecerá, reunindo Acusadores e Defensores da
existência das Cavernas. A produção do evento televisivo aguarda os participantes para a
preparação do programa, que será transmitido ao vivo.
Fim do Episódio 3. Intervalo da aula.
Episódio 4 - Programa
Cyborg
TV
Após o intervalo, partimos para a divisão dos/as estudantes em grupos, com o
objetivo de criarem cenas para o programa de TV do mundo ciborgue. A proposta
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era transformar os argumentos anteriores em cenas de debate para TV. Seis
grupos foram responsáveis por criarem: 1) A abertura e o encerramento do
programa; 2) Dois comerciais ciborgues para os intervalos do programa de TV; 3)
Uma cena de um grupo de ciborgues que defendiam IANA e seus métodos de
aprimoramento; 4) Uma cena de um grupo de ciborgues que defendiam a
existência das Cavernas e seus métodos diferenciados; 5) Uma reportagem em
campo a favor da existência das Cavernas; e 6) Uma reportagem em campo a favor
dos métodos de aprimoramento de IANA.
O professor da disciplina representava o produtor do Programa Cyborg TV, apressa os/as
participantes para tomarem seus lugares na plateia. Ambientação cênica: o espaço foi
organizado como um estúdio televisivo, com palco central, plateia e projeção ao vivo. O
programa vai entrar no ar: “Ao vivo em 5, 4, 3, 2, 1! Programa CYBORG TV!”. Entram os
apresentadores do programa os dois monitores da disciplina assumem os personagens
Cyb e Org. Apresentam, diante das câmeras, a pauta do programa mais famoso do
domingo no universo ciborgue”.
Nas cenas, os/as participantes trouxeram diferentes perspectivas para as
discussões sobre as Cavernas: entrevistaram uma ciborgue professora
universitária; apresentaram um coletivo de mães com seus/suas filhos/as
perdidos/as nas Cavernas; persuadiram o público a comprar produtos ciborgues
inovadores; trouxeram a discussão de uma filha ciborgue e seu pai, que possuíam
argumentos contrários sobre as Cavernas; entre outras criações.
Figura 7- Uma das cenas em grupo do Programa
Cyborg
TV
Acervo pessoal dos autores (2022)
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Após as apresentações, Cyb e Org anunciaram o encerramento do programa
de TV. Fora do contexto ficcional, cada estudante foi convidado/a a registrar um
possível final para a narrativa construída ao longo dos episódios do Drama.
Algumas perguntas foram lançadas como estímulo: O que aconteceu na sociedade
ciborgue após tais eventos? O que aconteceu com as Cavernas e seus defensores?
E com IANA, seus métodos e seus seguidores?
Figura 8 - Participantes realizando o registro individual da finalização do contexto ficcional
Fonte: Acervo pessoal dos autores (2022)
Ao todo, foram escritas vinte e duas versões de finalização da narrativa,
elaboradas a partir do olhar dos/as estudantes. A título de exemplificação,
apresentamos dois desses escritos:
As cavernas se multiplicam pelo mundo ciborgue, e os/as apoiadores/as infiltrados/as no
governo colocam em pauta o mundo de vivência alternativa, tornando-o legal. A caça aos
rebeldes não é mais uma realidade. Os defensores do sistema funcionalista de IANA, ainda
mais conservadores, se organizam em grupos fechados contrários às Cavernas, sem
compreender a civilidade que estas agora possuem. No entanto, cada vez mais, os/as
adeptos/as dessas Cavernas ganham membros e espaço na mídia, vivendo de modo não
utilitarista e priorizando a humanidade presente em seus corpos ciborgues. Em breve, as
cavernas se tornarão completamente autônomas, deixando de depender dos sistemas de
peças e transporte da IANA. Suas equipes de engenharia renovável estão manipulando
novas existências robóticas a partir da transformação de minerais naturais. As cavernas
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clamam pelos/as jovens, que conquistam seus parentes mais velhos, surpreendidos/as
pela amorosidade e pela vida que ali encontram. O mundo ideal não existe, mas os/as
rebeldes lutam por algo próximo.
Algum tempo depois… uma nova sociedade se forma. As crianças crescem aprendendo
as mais diversas funções; os sentimentos ciborgues passam a ser respeitados e, quando
adultas, destinam 30% de seu tempo ao trabalho e ao bem coletivo. Algumas famílias se
agrupam em Cavernas Sociais, dedicando-se à arte e à cura mental. A sociedade vive em
paz. IANA pifou, e hoje as decisões são tomadas por meio de assembleias coletivas. TUDO
DEMORA MUITO PARA SE RESOLVER, MAS ACONTECE. O Programa de TV Ciborgue se
tornou referência em todas as galáxias, ganhando vários prêmios. As mães ciborgues se
aposentaram, e o DCA se transformou em um movimento histórico, dançante e
revolucionário. Tudo estava em paz, até que…
Algumas reflexões sobre o Drama
Experimentum Cyborg
Estruturamos o Drama a partir do pré-texto, de modo a provocar uma tensão
entre os dois modelos de escola. De um lado, há uma escola próxima ao conceito
de
skholé
, que, conforme defendido por Masschelein e Simons (2021), valoriza o
tempo livre, a suspensão e o estar-junto; de outro, uma escola orientada por uma
lógica produtiva, voltada para a aquisição de competências e habilidades,
preparando o/a estudante para o mercado de trabalho. Este último modelo pode
ser relacionado à proposta do Novo Ensino Médio no contexto brasileiro
(Rodrigues, 2020)18.
A partir do pré-texto escolhido, buscamos traduzir essa dualidade para o
contexto ficcional: criamos um mundo dividido entre a Fase de Aprimoramento,
que simbolizava a escola produtiva, e as Cavernas, espaço que evocava uma escola
em suspensão, voltada para o tempo presente e para a convivência em torno do
estudo compartilhado. A proposta era permitir que os/as participantes
transitassem entre essas duas formas de lidar com o tempo e a formação,
experimentando suas tensões e contradições de modo sensível, coletivo e
dramático.
O texto selecionado como pré-texto finaliza um livro de Filosofia da Educação
e apresenta um embasamento teórico denso. Nesse sentido, podemos conectar
18 Segundo o Gerson Rodrigues, na palestra
A BNCC e o ensino de Arte
(2020), a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) apresenta uma orientação claramente voltada ao empreendedorismo e ao mundo do
trabalho. Ela enfatiza habilidades, competências e aspectos socioemocionais, alinhados a uma lógica
mercadológica e corporativa elementos que se tornam ainda mais evidentes na etapa do Ensino Médio.
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um dos conceitos o de suspensão, um dos pressupostos do escolar elencados
pelos autores à nossa prática em sala de aula. Nas palavras dos autores: “A
suspensão, tal como a entendemos aqui, significa (temporariamente) tornar algo
inoperante, ou, em outras palavras, tirá-lo da produção, liberando-o, retirando-o
de seu contexto normal” (Masschelein; Simons, 2021, p. 32-33). Será que, ao
trabalharmos com a escola de forma ficcional, pudemos nos aproximar de um
tempo afastado do tempo produtivo?
Retornemos à prática: no primeiro episódio do Drama, os/as participantes
vivenciaram papéis dentro do contexto ficcional de uma sociedade que privilegiava
um tempo produtivo em detrimento de um tempo de suspensão. Nesse episódio,
por exemplo, a mediação feita por nós, como professores-personagens, tinha um
caráter voltado à aquisição de conhecimento e à incitação da competitividade
entre os/as participantes. Já no segundo episódio, ao planejarmos atividades mais
sensíveis para a Caverna (a metáfora do
skholé
), nosso primeiro impulso foi
proporcionar uma “aula de Teatro” dentro dessa atmosfera, mais próxima de um
tempo livre.
Realizamos, portanto, uma metáfora de uma aula de Teatro: uma aula que se
materializa próxima a um espaço de suspensão dentro da instituição escolar,
diferente, por vezes, dos demais componentes, por possibilitar formas sensíveis e
coletivas de construir conhecimento. Será que essa intenção, de colocar no espaço
da Caverna uma aula de Teatro, fez com que se estabelecesse um tempo próximo
ao tempo livre?
Essa aula de Teatro, pensada como metáfora dentro do Drama, nos levou a
retomar uma reflexão desenvolvida anteriormente (Silveira, 2023), na qual a aula
de Arte/Teatro é compreendida como uma zona temporal de perigo – um espaço
de suspensão da lógica produtiva da vida contemporânea, que também afeta a
escola, e que é capaz, muitas vezes, de instaurar outra qualidade de tempo. Mais
do que isso, pensamos a aula de Teatro na escola como uma possibilidade de
suspensão das demandas produtivas, típicas de uma sociedade que preza pela
produtividade, pelo consumo, pelas competências e habilidades. Nessa lógica, a
aula de Teatro pode se aproximar de uma prática artística que se arrisca, que
suspende e que pode, por isso, ser entendida como uma forma de resistência
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dentro do próprio espaço escolar.
Sobre a sociedade da aprendizagem, mencionada no pré-texto escolhido,
recorremos a Biesta (2021). Segundo o autor, nas últimas duas décadas, ocorreu,
no campo educacional, a ascensão do conceito de “aprendizagem” e o declínio do
conceito de “educação”. O ato de ensinar foi transformado no ato de facilitar a
aprendizagem do/a estudante, ocasionando uma transformação do/a estudante
em mero aprendiz. Em relação a isso, podemos pontuar que a escolha das
características da personagem IANA não foi à toa; a decisão de ser uma inteligência
artificial, sem se materializar fisicamente no processo, sugerindo controle: ela
parecia estar em toda parte, monitorando os processos de aprendizagem dos
Ciborgues-Aprendizes, avaliando-os/as.
Ademais, houve relação entre a narrativa e o contexto político de 2022. Ocorreu
uma aproximação, a nosso ver, com o contexto social e político, por exemplo: uma
sociedade polarizada dentro do contexto ficcional, personagens revolucionários, a
relação e aproximação de IANA com o autoritarismo, manifestações e acusações
que reivindicavam modos diferentes de vida em sociedade, etc. O pré-texto nos
apontava uma divisão bem definida entre a sociedade: de um lado, existiam
personagens que defendiam os métodos de aprendizagem e, de outro, personagens
que tinham a coragem de frequentar as Cavernas, fugindo da lógica hegemônica do
mundo ciborgue.
Como estávamos vivenciando um momento político muito próximo às eleições
de 2022 para a presidência do Brasil, acreditamos que o contexto real foi se
aproximando da narrativa ficcional criada em coletivo. Por termos essa percepção,
incluímos falas de manifestantes e um debate televisivo no quarto episódio. Os/as
participantes trouxeram contribuições durante o processo que afloraram essas
questões na prática criativa e em seus escritos finais no quarto episódio.
Em relação à construção conjunta e à participação dos/as envolvidos/as, é
interessante pontuar o clima de tensão após o primeiro episódio. Isso porque os
monitores, quando foram encontrá-los/as para iniciar o segundo episódio,
perceberam um clima de revolta frente aos métodos vividos no primeiro episódio,
por conta da tensão e da competitividade gerada pelas notas atribuídas aos grupos.
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Isso mostra o quanto estavam imersos no contexto de ficção; comunicavam-se,
ainda, como Ciborgues-Aprendizes, confabulavam ideias para resistir às propostas
de IANA. Isso demonstrou o quanto estavam dentro do processo.
Na conversa final, após a primeira sessão de Drama, fora do contexto de ficção,
uma estudante falou em nome do grupo e compartilhou que estavam planejando
uma reviravolta na história caso os métodos de IANA continuassem; entretanto, no
Episódio 2, o clima já era outro.
Dando seguimento às análises, em relação ao retorno dos/as participantes
sobre o Drama: ao fim do primeiro episódio, quando todos/as são convidados/as a
sentarem em roda para conversarmos coletivamente sobre a experiência,
alguns/algumas compartilharam suas impressões sobre a primeira vez vivenciando
um processo de Drama. A fala de uma das estudantes nos marcou, e suas
impressões se conectaram com a proposta desse processo. É importante ressaltar
que a estudante atua como professora em uma escola de Educação Básica e
também cursa a Licenciatura em Teatro. Ela enfatizou uma relação entre o contexto
ficcional e sua própria prática como professora, quando afirmou que:
Outra coisa que refleti muito foi sobre que professora que, no caso, eu
sou, e que alguns são e que a gente vai ser. Porque, por exemplo, lá,
quando a gente tava [sic] de ciborgue, a gente não podia andar fora das
linhas. Às vezes, eu, enquanto professora, faço isso também, sabe? O
meu aluno tem que saber na linha, acho que a maior parte da educação
que a gente tem é essa: se você não sabe não sei o que, você não é um
bom aluno, você não é aprovado, é tudo que nem como foi feito [na
Fase de Aprimoramento]. Se você faz certo, você ganha positivo, se você
faz errado, você ganha negativo. que é uma pessoa, sabe? E faz essa
transição e chega nesse mundo do Teatro [...]. Chega aqui e tem outra
forma de a gente aprender, sabe? E eu acho que essa forma de aprender
aqui ela fica, ela permanece no corpo, ela permanece na gente. [...] E
lembrar que eu [sic] lidando com seres humanos, que precisam de
afeto, que precisam de cuidado, de um toque, de um carinho
(depoimento de uma das estudantes gravado pelos autores, 2022)19.
Esse foi um dos depoimentos que mais se aproximaram das questões
relacionadas à escola. Naquele momento, outros relatos também foram feitos
pelos/as estudantes, como: a indignação deles/as com a personagem IANA; a
potência da abordagem do Drama; a relação de imersão dentro de um contexto
19 A conversa final foi gravada em áudio, por meio de um celular, com objetivo de rememorar as impressões
das/os participantes.
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ficcional; a relação de troca estabelecida entre o grupo durante o jogo cênico; entre
outras questões.
Ao analisar de forma geral, ressaltamos que o Drama nos permitiria continuar
a investigação de forma ininterrupta, criar novos episódios e explorar outras
questões. Poderíamos, por exemplo, retornar a um passado distante do mundo
ciborgue ou projetar o futuro daquela sociedade; focar na vida de um ciborgue
específico; assistir às reações dos personagens assistindo ao programa de TV em
suas casas; aprofundar os métodos de aprendizagem daquela sociedade; entre
outros.
Entretanto, como a disciplina possuía um calendário próprio, com exigências e
outros tantos conteúdos, não foi possível ampliar o número de episódios da
narrativa ficcional. A proposta era que os/as estudantes vivenciassem um curto
processo de Drama na prática para, posteriormente, estudarem suas estratégias e
convenções e, assim, construírem seus próprios planejamentos em Drama.
Considerações finais
Neste texto, procuramos expor e refletir sobre um processo criativo em Drama,
realizado no âmbito universitário com estudantes da Licenciatura em Teatro, que
visava realizar uma primeira experimentação para investigar a escola como
temática, via um texto teórico como pré-texto. Acreditamos que, aqui,
conseguimos explicitar nossas escolhas artísticas e pedagógicas, como o contexto
de ficção e os papéis vivenciados, entre outros aspectos. Questionamo-nos sobre
de que maneiras poderíamos estimular, ainda mais, o pensamento crítico em
relação à escola dentro de um processo de Drama. Por questão de tempo da
disciplina, não pudemos nos aprofundar nessa etapa, mas acreditamos que o
processo tenha suscitado algumas indagações.
Após essa experiência com uma alegoria da escola dentro de um processo
teatral coletivo, enfatizamos o Drama como uma potente abordagem de ensino
de Teatro. Levantamos dois pontos principais após esse processo:
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1) O Drama como abordagem para uma imersão e investigação criativa de uma
temática e da própria linguagem teatral; assim, entendemos o Drama como uma
forma de pesquisa artística. A abordagem propôs uma experiência dentro da
ficção, fazendo com que os/as participantes vivenciassem papéis em meio ao jogo
estabelecido com as convenções e estratégias. Em nossa visão, o Drama
proporcionou um outro modo de refletir sobre a escola, sem privilegiar o
didatismo.
2) O Drama como modelo processual e meio de fabular. Essa abordagem é
capaz de se renovar a cada episódio e não visa a um produto final a não ser
quando este emerge como consequência de um processo coletivo de investigação.
A atmosfera de jogo, criada dentro da abordagem, instaura um tempo de criação
por meio da fabulação, o que abre espaço para que os/as participantes coloquem
suas vozes criativas em meio à ficcionalidade. O Drama, portanto, mostrou-se uma
abordagem potente para instigar a investigação coletiva e criativa.
A partir dessa experiência, questionamo-nos: será que nos aproximamos de
um tempo livre, mesmo que de forma pontual, no processo artístico-pedagógico
entre estudantes e docentes? Será possível construirmos, em nossas aulas de
Arte/Teatro, um espaço-tempo “iluminado apenas por um fogo ardente”
(Masschelein; Simons, 2021, p. 169), que nos mobilize a rever hierarquias, repensar
os espaços escolares e despertar o interesse dos/das estudantes na (re)criação
do mundo?
Por fim, enfatizamos o Teatro como uma linguagem artística capaz de fabular
e gerar investigações, criando camadas de percepção, criação e reflexão acerca do
mundo na relação entre vozes e corpos em ação. Encerramos este artigo com a
convicção de que o Drama continua sendo uma abordagem atual, inventiva e
investigativa para o ensino do Teatro, sobretudo em tempos de controle,
produtividade e esvaziamento da dimensão formativa da escola. Esperamos
contribuir para o fortalecimento e a expansão dessa abordagem artística,
especialmente em contextos escolares, de modo a suscitar um trabalho artístico
cuidadoso com o tempo, a escuta e a fabulação em sala de aul.
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Recebido em: 10/06/2025
Aprovado em: 17/07/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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