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Implementação de um centro de pesquisa sonora das
artes cênicas: projeto Arquivos Sonoros de Teatro
Ana Sara Cunha Lara
Miguel Antar
Rafaella Uhiara
Para citar este artigo:
LARA, Ana Sara Cunha; ANTAR, Miguel; UHIARA, Rafaella.
Implementação de um centro de pesquisa sonora das
artes cênicas: projeto Arquivos Sonoros de Teatro.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 2, n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0115
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Ana Sara Cunha Lara | Miguel Antar | Rafaella Uhiara
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Implementação de um centro de pesquisa sonora das artes cênicas1: projeto Arquivos Sonoros de Teatro2
Ana Sara Cunha Lara3
Miguel Antar4
Rafaella Uhiara5
Resumo
Este artigo aborda a implementação do projeto Arquivos Sonoros de Teatro (USP/FAPESP), na lida com
os desafios de um campo de pesquisa recente no cenário mundial (Mervant-Roux, 2023). Apresentamos
no artigo o panorama das políticas e projetos internacionais de preservação de arquivos sonoros e
descreveremos o cenário brasileiro e a Coleção Tunica Teixeira, acervo inaugural do projeto. Como
resultado, reafirmamos a necessidade de fortalecer os acervos sonoros como fonte de pesquisa e
documentação teatral, bem como a urgência em investimentos para garantir a preservação da memória
sonora teatral e a sua acessibilidade às futuras gerações de pesquisadores e criadores.
Palavras-chave:
Arquivo sonoro. Arquivo teatral. Salvaguarda. Digitalização. Sonoplastia.
Implementation of a sound research center for the performing arts: Arquivos Sonoros de Teatro project
Abstract
This article addresses the implementation of the Theater Sound Archives project (University of São
Paulo/São Paulo Research Foundation), which navigates the challenges of a research field that is
relatively nascent globally (Mervant-Roux, 2023). We present an overview of international policies and
projects concerning the preservation of sound archives and describe the Brazilian context and the
Tunica Teixeira Collection, the project's inaugural archive. Consequently, we reaffirm the necessity of
strengthening sound archives as a vital source for theater research and documentation, as well as the
urgent need for investment to ensure the preservation of theatrical sound memory and its accessibility
to future generations of researchers and creators.
Keywords:
Sound archive. Theater archives. Preservation. Digital preservation. Stage sounds.
Implementación de un centro de investigación sonora para las artes escénicas: Proyecto Arquivos Sonoros
de Teatro
Resumen
Este artículo aborda la implementación del proyecto Archivos Sonoros de Teatro (Universidade de São
Paulo/São Paulo Research Foundation), el cual se enfrenta a los desafíos de un campo de investigación
relativamente reciente a nivel mundial (Mervant-Roux, 2023). Presentamos un panorama de las políticas
y proyectos internacionales de preservación de archivos sonoros y describimos el escenario brasileño
y la Colección Tunica Teixeira, acervo inaugural del proyecto. Como resultado, reafirmamos la necesidad
de fortalecer los acervos sonoros como fuente fundamental para la investigación y documentación
teatral, así como la urgencia de inversiones para garantizar la preservación de la memoria sonora teatral
y su accesibilidad a futuras generaciones de investigadores y creadores.
Palabras clave
: Archivo sonoro. Archivo teatral. Salvaguarda. Digitalización. Sonido teatral.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Vânia Carolina Gonçalves Paluma Doutorado em
Estudos Literários, Mestrado em Teoria Literária e Graduação em Letras, pela Universidade Federal de Uberlândia.
2 Pesquisa realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processos
2022/15032-4; 2024/17077-0; 2024/22957-0 e 2022/12789-0).
3 Curso de Pós-Graduação
Latu Sensu
em Gestão Eletrônica de Documentos, pelo Centro Universitário Estácio Ribeirão
Preto. Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade de São Paulo (USP). anasara.lara@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/5902487712245679 https://orcid.org/0009-0009-0704-2792
4 Doutorado, Mestrado e Graduação em Música pela Universidade de São Paulo (USP). miguedz5@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0508526640066734 https://orcid.org/0000-0002-2893-6316
5 Doutorado e Mestrado em Études Théâtrales pela Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. Graduação em Artes Cênicas
pela Universidade de São Paulo (USP). rafaellauhiara@usp.br
http://lattes.cnpq.br/5857775051423096 https://orcid.org/0000-0002-8939-1655
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Introdução
O que sabemos sobre a história sonora do teatro brasileiro? Quais materiais
poderiam nos fornecer pistas sobre a sonoridade de nossos espetáculos? Este
artigo aborda os desafios na criação de ferramentas metodológicas e conceituais
para o tratamento de acervos de sonoplastas, a partir da experiência do projeto
“Arquivos Sonoros de Teatro”. Implementado em outubro de 2023, ele foi
concebido em resposta a um problema concreto colocado ao Centro de
Documentação Teatral (CDT), da Universidade de São Paulo (USP), que recebeu,
em 2020, o primeiro acervo de uma profissional do som do teatro. A aquisição do
arquivo pessoal de Tunica Teixeira (1949-2019), sonoplasta que trabalhou ao longo
dos seus 48 anos de carreira com os principais artistas da cena paulistana, colocou
o CDT diante de um problema fundamental nos estudos teatrais: a carência de
ferramentas conceituais e metodológicas para abordar o som do teatro.
As dificuldades epistemológicas impostas pelo tratamento desse acervo se
inscrevem em um contexto mais amplo e global, composto pelo interesse
relativamente recente em dois campos, descritos como pontos de inflexão: a
“virada arquivística” (Ketelaar, 2017), que designa a referindo-se à importância
conferida a arquivos pessoais, que não eram tradicionalmente tratados pela
arquivística, constituída para lidar com questões relacionadas a documentos
institucionais, e a “virada sonora” (McEnaney, 2019), referindo-se ao florescimento
de estudos sobre o som (
Sound Studies)
, historicamente negligenciado pelas
ciências humanas.
Contexto arquivístico
Ainda que a preservação da atividade teatral possua uma longa história
institucional, conforme evidenciam os arquivos de instituições como a Comédie-
Française (fundada em 1680), La Scala
(1778) e o Royal Opera House (1732), foi
apenas nas últimas décadas que a função dos arquivos expandiu
significativamente no campo da pesquisa em artes cênicas, levando a uma
redefinição do que constitui a própria documentação teatral. Essa expansão pode
ser constatada na criação de instituições arquivísticas especializadas, como o
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Centre de Documentació i Museu de les Arts Escèniques (CDMAE), em Barcelona
(1983), o Performing Arts Archives da Akademie der Künste, em Berlim (1994), e o
Centre National du Costume de Scène, em Moulins (2006). Esses centros
reconhecem a complexidade e a heterogeneidade dos materiais da performance,
preservando não apenas fontes textuais e visuais, mas também traços técnicos,
materiais e efêmeros dos processos de produção. Esses desenvolvimentos
institucionais coincidem com a “virada arquivística” mencionada acima. Trata-se
de um movimento que emerge nas humanidades nas décadas de 1990 e 2000. Ele
se fundamenta na noção de arquivo de Michel Foucault (1969), como uma
formação histórica e discursiva, e posteriormente elaborada por Jacques Derrida
em
Mal de Arquivo
(1995), que repensa o arquivo não como um depósito passivo,
mas como um local ativo de memória, autoridade e investimento afetivo.
Nesse contexto, surge o Centro de Documentação Teatral, instituição criada
dentro da Universidade de São Paulo nos anos 2000, em resposta à necessidade
urgente de preservar a documentação teatral brasileira, sobretudo pós-anos 1960.
Pesquisadora e docente à frente do CDT desde a sua criação, Elizabeth Azevedo
(2017) ressalta que o ambiente universitário oferece simultaneamente autonomia
e vulnerabilidade: a liberdade institucional coexiste com políticas governamentais
limitadas de preservação. De modo crucial, as atividades arquivísticas do CDT são
impulsionadas por pesquisadores cujos interesses acadêmicos moldam tanto a
documentação quanto a interpretação das práticas teatrais. Diferente de um
arquivo, cuja função “é administrativa, jurídica, social” (Azevedo, 2017, p. 159), o CDT
“conserva os vestígios daqueles momentos, únicos e irreproduzíveis, nos quais o
fenômeno presencial do teatro se dá” (Azevedo, 2017, p. 158), buscando, ao mesmo
tempo, preservar o material sob sua guarda e “apoiar a pesquisa atuando como
um centro de referência da área” (Azevedo, 2017, p. 158-160).
Um acervo-problema
Como enunciado anteriormente, a chegada de um acervo de sonoplasta
coloca o CDT diante de um problema que evidenciou a carência de metodologias
para o tratamento de arquivos sonoros no campo das artes.
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Figura 1 - Raul Teixeira, Elizabeth Azevedo e Rafaella Uhiara no meio das caixas com o
acervo de Tunica Teixeira, antes do início do projeto. Foto: Raul Teixeira.
Apesar de acervos de sonoplastas de teatro não serem comumente
institucionalizados, a importância do arquivo pessoal de Tunica Teixeira tem uma
importância indiscutível para a documentação da história do teatro paulista na
segunda metade do século XX. Ela trabalhou com os principais nomes do teatro
paulista, participando da criação de mais de 300 trilhas sonoras para teatro. Ao
longo da sua vasta carreira profissional, a artista preservou mais de 7 mil itens,
que inclui documentos escritos, roteiros de peças teatrais, gravações de ensaios,
gravações de peças ao vivo e fonoteca de trilhas e efeitos sonoros em suportes
diversos: Digital Audio Tapes (DAT), Cassetes (K7s), MiniDiscs (MDs),
Compact Discs
(CDs), fitas magnéticas de rolo (reel to reel) e discos de vinil (LPs).
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Figura 2 - Fita de rolo com anotações de Tunica Teixeira. Foto: Cláudia Lambach
Nascida na cidade de Santos, mas criada na capital paulista, Tunica ingressou
na segunda turma de Rádio e TV da Escola de Comunicações Culturais na
Universidade de São Paulo (ECC/USP), atualmente a Escola de Comunicações e
Artes (ECA/USP). Durante o curso, conheceu Miroel Silveira e Alfredo Mesquita e
entra entrou em contato com as produções teatrais da Escola de Artes Dramáticas
(EAD), onde começou a atuar na parte sonora dos espetáculos (Teixeira, 2025).
Tunica, aos poucos, foi deixando o curso de Rádio e TV, que ficou sem conclusão,
para dedicar-se à profissão no teatro. Em 1971, estreou de forma profissional na
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montagem de
Corpo a Corpo
, de Oduvaldo Vianna Filho, com direção de Antunes
Filho (Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira, 2025).
Figura 3 - Alguns itens do acervo de Tunica Teixeira: fichário com classificação dos documentos
pela própria artista e suportes sonoros variados (MDs, DATs, CDs, cassetes, fitas de rolo).
Foto: Paulo Assis.
Após trabalhar como técnica de áudio no SESC Consolação/SP e operar o
som para alguns espetáculos que estavam em cartaz no Teatro Anchieta, ganhou,
em 1975, uma bolsa de estudos do SESC-SP para o curso “Stage Sound and
Electronic Music for Beginners”, na
Cockpit Arts and Workshop
em Londres,
Inglaterra. O seu retorno para o Brasil é marcado por produções teatrais e
premiações por seu trabalho como sonoplasta. Entre as principais peças, podemos
citar
Feliz Ano Velho
, de Alcides Nogueira e Marcelo Rubens Paiva, direção de Paulo
Betti, 1983;
Drácula
, de Deanne e Balderston, direção de Gianni Ratto, 1984;
Muro
de Arrimo
, de Carlos Queiroz Telles, direção de Antônio Abujamra, 1989;
O Concílio
do Amor
, de Oskar Panizza, direção de Gabriel Villela, 1989, entre outras
(Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira, 2025).
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Além da produção teatral atuou na elaboração de trilhas sonoras para TV, e
entre as suas produções participou da direção musical nas trilhas de
Anarquistas,
graças a Deus
, minissérie da TV Globo,
Rá-tim-bum
, programa infantil da TV
Cultura, e novelas na TV Bandeirantes. Foi muito ativa na área da formação,
ministrou aulas na Escola de Arte Dramática (EAD) em 1984; na Unicamp, em 1989,
e direção musical e sonoplastia, na ECA/USP. Em 1997, lecionou no curso Designer
Sonoro, Sonoplastia para Teatro, no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), SESC.
Em 1996, foi indicada ao Prêmio Shell com
Cenas de um Casamento
, com
Aline Meyer, e recebeu o prêmio da Associação dos Produtores de Espetáculos
Teatrais do Estado de São Paulo (APETESP), na categoria “Trilha Sonora de Teatro
Infantil”, por
Sherazade
, de José Rubens Siqueira, com direção de Francisco
Medeiros. Em 1997, recebeu, junto com Aline Meyer, o Prêmio Shell de Música para
Teatro por
Santidade
, de José Vicente; e
Caixa 2
, de Juca de Oliveira, ambos
dirigidos por Fauzi Arap. Ao longo de 48 anos de carreira teatral, recebeu um
prêmio Governador do Estado, quatro prêmios Associação Paulista de Críticos de
Arte (APCA) e 11 prêmios Associação dos Produtores de Teatro do Estado de São
Paulo (APETESP), entre outros.
A produção artística de Tunica Teixeira se apresenta como um excelente caso
de estudo, pois transita pelo estabelecimento da profissão sonoplasta, pelas
mudanças tecnológicas da indústria musical e por mudanças de paradigma da
cena teatral brasileira. Quando a artista começou a atuar, em 1968, a profissão de
sonoplasta de teatro não era regulada pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em
Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (SATED-SP). A necessidade de
som nos espetáculos sempre esteve presente, mas “as trilhas sonoras eram
realizadas ‘ao vivo’. Os próprios diretores ou ensaiadores das peças escolhiam as
músicas e algum assistente ia inserindo-as durante o espetáculo utilizando-se de
toca-discos” (Teixeira, 2025).
Aliás, a própria profissão de sonoplasta foi reconhecida oficialmente apenas
em 1978. Ciente da importância desse momento de mudança, Tunica procurou
registrar por meio de entrevistas gravadas com colegas de profissão a história da
sonoplastia no teatro paulistano, a origem e as possibilidades criativas dentro da
produção de trilhas sonoras no teatro.
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Figura 4 - Texto com anotações de Tunica Teixeira referentes à criação sonora para o espetáculo
O capataz de Salema. Foto: Renata Simões Soares.
Após seu falecimento, em 2019, o pesquisador e amigo Raul Teixeira, ficou
responsável pelo seu acervo, o qual posteriormente destinou ao Centro de
Documentação Teatral. Em outubro de 2023, iniciou-se a parceria entre o CDT e o
projeto Arquivos Sonoros de Teatro, com o objetivo de restaurar e digitalizar a
“coleção Tunica Teixeira”, sob a guarda do CDT.
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Salvaguarda de arquivos sonoros: quando começou essa preocupação?
Antes de adentrar os detalhes do caso tratado por este artigo, vale expor
algumas questões relacionadas à proteção e salvaguarda de arquivos sonoros de
modo geral. Apesar da Recomendação para a Proteção e Preservação de Imagens
em Movimento6, é importante considerar as dificuldades relacionadas à fragilidade
dos suportes sonoros, devido à sua composição físico-química, que compromete
a longevidade e a permanência dos registros sonoros nos seus vários formatos
(cilindros de cera, discos de goma-laca, discos de vinil, fitas magnéticas ou CDs).
Na verdade, mesmo quando certas condições de conservação são satisfeitas,
estima-se que os registros em formato analógico tenham um período de vida não
superior a mais de 30 anos. Nesse sentido, Lidia Camacho, diretora fundadora da
Fonoteca Nacional do México, é enfática, ao indicar que “[...] de acuerdo con
expertos en archivos sonoros, en diez años la mayor parte de los documentos
sonoros que no se salvaguarden ahora, habrán desaparecido” (Camacho, 2007, p.
68). Ao longo dos anos, a integridade do patrimônio sonoro e audiovisual se
tornaram uma preocupação internacional, promovendo iniciativas globais.
Em 2001, os Estados-Membros do Conselho da Europa se uniram para propor
ações de salvaguarda e procurar garantir a continuidade do patrimônio cultural
audiovisual, com a celebração da Convenção Europeia relativa à Proteção do
Patrimônio Audiovisual. Em 2003, foi publicada a Carta sobre a Preservação do
Patrimônio Digital da UNESCO, documento no qual se reafirma o perigo em que se
encontram os bens, mesmo quando estão digitalizados. Em 2004, foram
elaboradas recomendações para a preservação do património audiovisual global,
conhecidas como as Recomendações de Paris, da UNESCO, que procurou
mobilizar todas as instituições envolvidas na preservação da memória sonora e
audiovisual. Sobre essa iniciativa, Lídia Camacho nos explica:
El Llamado de París fue formulado luego de conocer un estudio que
evidenció que el 80% de la memoria audiovisual, calculada en más de
200 millones de horas, está en peligro de perderse, principalmente en los
países en desarrollo. Se estima que, en el futuro cercano, es decir, en la
6 A Recomendação para a Proteção e Preservação de Imagens em Movimento foi aprovada pela UNESCO, em
27 de outubro de 1980. Nesse documento ressalta-se a importância da memória audiovisual como um
testemunho do desenvolvimento cultural humano.
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próxima década, una gran parte de la memoria audiovisual se perderá
inevitable e irreparablemente. La disparidad de los países ante esta
amenaza ensanchará la brecha digital entre las naciones pobres y las
ricas, entre norte y sur; esto conducirá, en un corto plazo, y de forma más
profunda aún, hacia un acceso desigual de la memoria colectiva de las
naciones (Camacho, 2007, p. 74-75).
Outra ação proposta pela UNESCO foi instituir o dia 27 de outubro como o
Dia Mundial do Património Audiovisual, com o objetivo de estimular o
reconhecimento global e a implementação de políticas de salvaguarda para este
tipo de patrimônio cultural. As reiteradas ações para impulsionar o
reconhecimento da importância do arquivo sonoro e das políticas de proteção e
salvaguarda promoveram a formação de projetos direcionados a garantir a
permanência de ao menos parte do patrimônio sonoro global. Como aponta
Camacho (2007, p.77)
[...] sobre todo en Estados Unidos, Canadá, Australia y Europa, existen
más de 150 fonotecas de relevancia significaba. No obstante, el intenso
trabajo que se ha llevado a cabo en estos países cabe advertir que la
desaparición de cualquier forma de patrimonio empobrece el acervo de
todas las naciones.
Nas Américas
,
uma das principais referências de iniciativas para proteção,
salvaguarda e difusão do patrimônio sonoro no nosso continente é a Fonoteca
Nacional de México (FNM)7. Inaugurada em 2008, a FNM é uma instituição modelo
na América Latina, encarregada de preservar o patrimônio sonoro do México como
de outros países.
Vale indicar que diversas instituições de referência em preservação sonora
na Europa. Vale citar a lista indicada por Perla Resendiz:
En Europa, se creó el proyecto Presto Space con fondos de las principales
radiodifusoras y televisoras públicas europeas, como son la BBC de
Londres, el Instituto Nacional del Audiovisual de Francia, la Radio
Televisione Italiana, entre otras; para buscar soluciones técnicas y
sistemas integrales de preservación digital de colecciones sonoras y
audiovisuales. Además, el investigador australiano, Kevin Bradley propuso
el diseño de un sistema simple y sustentable de preservación digital a
partir de uso de software de código abierto (Resendiz, 2014, p. 189).
7 Link para o site: https://sodre.gub.uy/anip/
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O Arquivo Nacional de Cinema e Som da Austrália (NFSA)8 teve início em 1935,
tornando-se um dos primeiros arquivos audiovisuais do mundo (alguns itens
individuais do acervo datam da década de 1890). Originalmente conhecida como
Biblioteca Nacional de Registros Históricos de Cinema e Fala, e operando sob os
auspícios da Biblioteca Nacional da Commonwealth, a NFSA se tornou uma
organização cultural independente em 1984. Hoje, o acervo inclui não apenas
gravações de vídeo e áudio, mas também materiais contextuais, como figurinos,
roteiros, adereços, fotografias e materiais promocionais. Além de preservar esses
itens para as gerações futuras, os curadores da NFSA continuam a construir a
coleção, garantindo que ela forneça um registro ininterrupto da criatividade e
diversidade australianas.
Salvaguarda de arquivos sonoros do Brasil. Como estamos em casa?
O contexto das instituições de guarda de documentos sonoros no Brasil se
mostra tão complexo quando o panorama internacional. Aqui trataremos sobre o
histórico legal desses acervos, as instituições de maior destaque e como a
documentação sobre o teatro brasileiro tem sido tratada nesses acervos. Não
abordaremos o patrimônio cinematográfico e audiovisual brasileiro, apesar da
proximidade do tema, nem de questões de consolidação da Cinemateca Brasileira.
A indústria fonográfica brasileira vem produzindo discos desde 1911 sem a
obrigatoriedade da preservação por um Depósito Legal. O estabelecimento de
dispositivos legais para a preservação de gravações sonoras é sancionado em 14
de janeiro de 2010, pela Lei n° 12.192 (Brasil, 2010), que busca assegurar o registro,
a guarda e a divulgação da produção musical brasileira, bem como a preservação
da memória fonográfica nacional, tendo a Biblioteca Nacional como recebedor e
administrador desse acervo. O governo brasileiro estabeleceu o Depósito Legal de
Publicações em Texto em de 3 de julho de 1847, por um decreto imperial, assinado
por D. Pedro II (Brasil, 1847).
8 Link para o site: https://www.nfsa.gov.au/collection
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Hoje, a plataforma de busca da Biblioteca Nacional conta com 18.221 registros
de materiais sonoros. Essa catalogação registra o álbum musical como documento
e as canções entram como notas de conteúdo. A BNDigital, plataforma de consulta
online da Biblioteca Nacional, conta com 8,393 registros de músicas e sons
disponíveis (Biblioteca Nacional, 2025). Nela, a canção ou o registro sonoro é
entendido e catalogado como documento individual.
A produção musical brasileira não ficou completamente desprovida de ações
de preservação entre 1911 e 2010. O Arquivo Nacional inclui no seu regimento de
1958, aprovado pelo Decreto n. 44.862/1958 (Brasil, 1958), a Seção de
Documentação Sonora, com o objetivo de “recolher, registrar, classificar, catalogar,
guardar e conservar gravações, em discos, fios ou fitas, dos acontecimentos de
caráter histórico e das vozes de personalidades políticas, literárias e
administrativas, e dos grandes empreendedores e líderes sociais” (Brasil, 1958).
Durante esse período, o Arquivo Nacional recebeu o acervo da Casa Edison,
primeiro estúdio e fábrica de discos brasileira, a doação de acervos como a Rádio
Mayrink Veiga, com músicas populares, eruditas e jingles, doados por Humberto
Franceschi; o acervo da Rádio MEC; discos da Rádio Jornal do Brasil; 43 discos de
Maria Beatriz Nascimento e 238 discos do Serviço Social da Indústria (SESI), do
programa Sesinho no Rádio, bem como recolheu discos da Agência Nacional, da
Comissão Executiva da Comemoração do Sesquicentenário da Independência,
Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça e discos da Rádio
Jornal do Brasil. O acervo foi objeto de estudo em extenso projeto de conservação,
higienização, acondicionamento e armazenamento de disco de goma-laca, vinil e
fitas magnéticas.
Atualmente, segundo o Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN),
o Arquivo Nacional conta com 15 mil documentos sonoros distribuídos em 49
Fundos ou Coleções, sendo 80% desse material em discos e 20% em meio
magnético. Todos possuem ficha de descrição do fundo no SIAN, mas os caminhos
para localizar os instrumentos de pesquisa e, consequentemente, os arquivos
digitais, não são muito claros.
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Além disso, existem projetos de salvaguarda de arquivos sonoros e
audiovisuais que se intitulam como fonotecas e são dignos de destaque tanto pelo
conteúdo quanto pelo rigor descritivo, o que possibilita uma rápida recuperação
de informações9. Parte significativa dessas fonotecas não tratam de acervos de
arte, demostrando como a produção artística brasileira se encontra afastada de
metodologias e técnicas de preservação da sua produção.
A Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
possui uma excelente coleção de gravações musicais, com 11770 itens entre discos
em vinil, CDs e fitas cassetes. Como fonoteca, foi pioneira no desenvolvimento de
uma base de dados adequada para catalogação de documentação sonora. A
coleção tem uma característica única, acumulada ao longo do tempo pela ECA,
por doações e aquisições por indicação de professores e alunos. É composta por
registros raros, produções de professores da ECA, discos gravados por instituições,
música erudita brasileira e latino-americana, formando um conjunto que
dificilmente será encontrado em outros locais (Biblioteca da Escola de
Comunicações e Artes, 2023).
Apesar do rico acervo, infelizmente o catálogo não está disponível no Sistema
Dedalus, catálogo geral das bibliotecas da USP, e a pesquisa é realizada pelos
bibliotecários da ECA, por uma versão de banco de dados disponível apenas em
servidor local. Alguns dos itens em vinil passaram por transferência de suporte e
podem ser consultados em CD, sendo, em alguns casos, até oferecido o
empréstimo dos itens (Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes, 2013). Os
itens não se encontram digitalizados e apenas recentemente a biblioteca adquiriu
um novo toca-discos de vinil para audição presencial, com fones de ouvido
(Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes, 2025).
Por fim, o Centro Cultural São Paulo (CCSP) é de especial interesse para esse
artigo, não apenas pela fonoteca com acervo histórico, mas também pelo acervo
de documentos sobre arte. O CCSP é um órgão da administração pública
municipal, inaugurado em 1982, e tem sob a sua guarda importantes acervos
9 A Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard, do Museu de Diversidade Biológica, da Universidade Estadual de
Campinas, é o exemplo de excelência mais utilizado em cursos sobre arquivos sonoros pelos arquivistas
brasileiros e está entre as maiores fonotecas da América Latina, com 100 mil gravações catalogadas, com
cerca de 20 mil que estão em processo de digitalização e tombamento (Unicamp, 2025).
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sonoros, que incluem registros teatrais e de sonoplastia. O seu acervo está dividido
entre o Arquivo Multimeios, o Núcleo Memória CCSP, a Coleção de Arte da Cidade,
a Discoteca Oneyda Alvarenga e o Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga,
popularmente conhecido como Missão de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade.
Segundo o site do acervo (Acervo Centro Cultural São Paulo, 2025), também estão
disponíveis para consulta os acervos iconográficos e textuais como a Coleção de
Arte da Cidade, incluindo parte da Coleção de Arte Postal. Futuramente, a
instituição pretende disponibilizar as outras coleções para consulta, a partir de um
plano de digitalização dos dados e imagens dos nossos acervos. O projeto de
disponibilização conta com financiamento da Lei de Incentivo à Cultura Lei
Rouanet, Prefeitura da Cidade de São Paulo, Associação de Amigos do Centro
Cultural São Paulo, Petrobras e Ministério da Cultura - Governo Federal.
A coleção do Arquivo Multimeios tem no seu acervo cerca de 900 mil
documentos, que tratam de diversas manifestações da arte e da cultura brasileira
contemporânea. São destacados assuntos como arquitetura, artes cênicas (circo,
dança, teatro), artes gráficas, artes plásticas, cinema, comunicação de massa
(publicidade, imprensa, rádio e TV), fotografia, literatura e música (Acervo CCSP,
2025). Nesse acervo, foram acumuladas a maioria dos registros de teatro,
contendo milhares de gravações de peças teatrais em suportes sonoros. Esses
documentos foram agrupados junto aos audiovisuais. O banco de dados do acervo
não possui descrição de metadados aparenta ter catalogação e busca por assunto,
o que dificulta a localização de itens específicos. O acervo possui 40 itens
descritos, como “SONOPLASTA/SOUND DESIGNER TEATRO”, sendo a maior parte
dos itens catalogados como documentos textuais e iconográficos. O acervo não
se encontra digitalizado e pouco é citado sobre as mídias audiovisuais. A “Busca
avançada” permite a pesquisa pela “Listagem de material”, facilitando a localização
de fitas (cassete ou de rolo), audiovisuais, vídeo tapes, CDs e DVDs.
É nesse cenário que emerge o projeto “Arquivos Sonoros de Teatro:
implementação de uma base para a pesquisa da dimensão sonora em artes
cênicas”. Financiado pelo auxílio Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processo 2022/15032-4), que visa
fundar uma linha de pesquisa dedicada ao estudo da dimensão sonora dos
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espetáculos teatrais, supre uma lacuna, tanto no campo da pesquisa quanto da
salvaguarda da memória sonora das artes cênicas brasileiras.
Implementação do projeto “Arquivos Sonoros de Teatro”
A trajetória de implementação de um centro de pesquisa sonora, como o
projeto Arquivos Sonoros de Teatro, é permeada por desafios multifacetados, que
transcendem as questões teóricas e metodológicas. A realidade do trabalho com
acervos sonoros históricos, especialmente no contexto brasileiro, impõe
obstáculos práticos e conceituais, que demandam soluções inovadoras e
abordagens interdisciplinares.
Imagem 5. Logo do projeto Arquivos Sonoros de Teatro, desenvolvido no
Centro de Documentação Teatral (USP/FAPESP).
Um dos entraves mais significativos reside na raridade e obsolescência dos
equipamentos de reprodução. Como indica a Perla Resendiz: “a inovação e a
obsolescência tecnológica são aspectos inerentes à tecnologia. Cada inovação é
acompanhada de um processo de obsolescência” (Resendiz, 2016, p. 31). Os
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acervos, como o da Coleção Tunica Teixeira, contêm uma vasta gama de suportes
de áudio, que exigem leitores específicos para cada formato.
Cada uno de estos equipos ha tenido un periodo de vida útil para después
quedar en desuso, y han sido reemplazados por una nueva tecnología,
este proceso es conocido como obsolescencia. La obsolescencia
tecnológica es el fenómeno que ha caracterizado la evolución de los
soportes y equipos de grabación sonora (Resendiz, 2016, p.32).
Desse modo, a busca por esses equipamentos (muitas vezes fora de linha)
em bom estado de funcionamento, assemelha-se a um verdadeiro “garimpo”.
Além disso, a manutenção e o reparo desses aparelhos requerem um
conhecimento técnico especializado cada vez mais escasso, resultando em altos
custos de aquisição, restauração e manutenção. Atualmente no projeto, contamos
com reprodutores de CDs, DATs, MDs e fitas de rolo (
reel to reel
). Ainda precisamos
adquirir leitores de rolos de filme de 8mm, e produtores de cassetes toca-discos
de vinil de diversas rotações.
Figura 6. Ana Sara Lara, arquivista do projeto “Arquivos Sonoros de Teatro”. Foto: Cláudia Lambach.
Associada à questão dos equipamentos está a fragilidade intrínseca dos
suportes sonoros. Ao contrário do papel, que pode durar muito mais tempo sob
condições adequadas, as fitas magnéticas e os suportes ópticos (como CDs)
possuem uma vida útil limitada, muitas vezes de poucas décadas, devido à sua
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composição físico-química e aos rápidos avanços tecnológicos. A degradação do
aglutinante, a instabilidade das partículas magnéticas e as deformações do
substrato são alguns dos problemas que afetam os suportes magnéticos. Por sua
vez, nos suportes ópticos, a perda de informação pode ser abrupta, sem sinais
gradativos de deterioração. Essa vulnerabilidade exige um monitoramento
constante das condições ambientais (temperatura e umidade) e a implementação
de rigorosos protocolos de conservação. Adicionalmente, o uso inadequado ou a
condição dos leitores podem danificar irremediavelmente as mídias,
sublinhando a necessidade de expertise técnica na manipulação dos acervos.
Figura 7 - Miguel Antar, responsável pela digitalização dos documentos sonoros do projeto.
Foto: Cecília Bastos.
Essas características descritas acima formam parte do processo de
obsolescência. Perla Resendiz propõe uma divisão didática, que nos permite
compreender melhor esses fenômenos.
Obsolescencia química del soporte. Todo soporte sonoro se deteriora
químicamente. La velocidad de deterioro depende de la composición
física del soporte, de las condiciones de almacenamiento (temperatura y
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humedad relativa) y de la forma en que se almacena el soporte.
Obsolescencia del formato. Los soportes audiovisuales, sean mecánicos,
magnéticos u ópticos se han dejado de producir, y tampoco se producen
los equipos reproductores.
Obsolescencia técnica. Los equipos de reproducción quedan obsoletos si
no se les da mantenimiento. Y también sucede que, encontrar
refacciones para sustituir las piezas dañadas por el uso es prácticamente
imposible, al haber dejado de producirse, con lo que las pocas
refacciones y piezas últimas que se encuentran en el mercado alcanzan
precios exorbitantes (Resendiz, 2016, p. 32-33).
Figura 8 - Foto de 2010 com Tunica Teixeira cercada por algumas pessoas que hoje fazem parte do projeto
originado por seu acervo. Da esquerda para a direita, atrás: Raul Teixeira (responsável pela doação do acervo
para o CDT), Fábio Cintra (professor de Sonoplastia na ECA-USP, pesquisador associado ao projeto), Tunica
Teixeira, Ricardo Severo (doutorando em Música vinculado ao projeto) e Eduardo Queiroz; na frente: Rafaella
Uhiara (coordenadora do projeto) e Martin Eikmeier. Foto: Acervo/SP Escola de Teatro.
Outro ponto crucial reside na carência de um conhecimento técnico
arquivístico específico para documentos sonoros. As “surdezes disciplinares”
representam um desafio conceitual significativo. Como mencionamos
anteriormente, no campo das artes cênicas, a dimensão sonora tem sido
frequentemente relegada a um segundo plano, com o foco recaindo
majoritariamente nos elementos visuais e performáticos. Essa lacuna de
reconhecimento se estende à arquivologia, em que a tipologia de documentos
sonoros e as suas particularidades ainda são pouco exploradas em comparação a
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outros formatos. Superar essa marginalização exige um esforço conjunto de
pesquisadores e profissionais, para revalorizar a importância da dimensão sonora
no teatro e desenvolver metodologias arquivísticas que contemplem suas
especificidades, garantindo que o valor documental e cultural dos registros
sonoros seja devidamente reconhecido, preservado e acessado.
Considerações finais
A implementação do projeto Arquivos Sonoros de Teatro no cenário brasileiro,
conforme detalhado neste artigo, emerge como um passo fundamental para o
reconhecimento e a salvaguarda de um patrimônio cultural até então
subestimado: a dimensão sonora das artes cênicas. A análise das políticas
internacionais e de projetos de referência no campo da preservação sonora
ressalta a urgência e a complexidade de tais iniciativas, que visam combater a
iminente perda de vastas coleções audiovisuais em escala global.
No contexto brasileiro, embora existam importantes projetos de salvaguarda
de arquivos sonoros, a pesquisa revelou que a maioria ainda enfrenta desafios
significativos em termos de catalogação, digitalização, acessibilidade e, em alguns
casos, de reconhecimento do próprio valor documental do som. A disparidade
entre os acervos e a fragmentação de metodologias de tratamento evidenciam a
necessidade de diretrizes mais unificadas e de um maior investimento em
infraestrutura e capacitação técnica.
O projeto Arquivos Sonoros de Teatro, ao dedicar-se especificamente à
sonoridade teatral, busca preencher uma lacuna metodológica e conceitual no
Brasil. A Coleção Tunica Teixeira, com a sua riqueza e diversidade de suportes,
representa um estudo de caso emblemático dos desafios práticos enfrentados,
desde a busca por equipamentos de reprodução raríssimos e caros, até a
mitigação da degradação física dos materiais. Além disso, a dificuldade de integrar
a perspectiva arquivística, com as especificidades do documento sonoro, e a
persistente subvalorização do som nas artes cênicas, revelam a necessidade de
um diálogo mais profundo entre as áreas de conhecimento.
Para que o patrimônio sonoro teatral seja efetivamente preservado e
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acessível às futuras gerações, é imperativo que haja um esforço contínuo em
várias frentes: aprimoramento das políticas públicas de cultura e pesquisa;
ampliação do financiamento para projetos de salvaguarda; desenvolvimento de
metodologias arquivísticas específicas para o som; formação de profissionais
especializados e, fundamentalmente, a promoção de uma cultura de escuta e
valorização da dimensão sonora nas artes cênicas. Iniciativas como o projeto
Arquivos Sonoros de Teatro não apenas contribuem para a memória histórica do
teatro brasileiro, mas também impulsionam novas pesquisas e criações,
enriquecendo o panorama cultural do país. A trajetória é desafiadora, mas
preservar vozes, sons, músicas e efeitos que constituem parte importante de
espetáculos do passado é gera um impacto inestimável para a compreensão e a
reinvenção do teatro do presente e do futuro.
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Recebido em: 10/06/25
Aprovado em: 02/08/25
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
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