
Duas décadas do Fomento ao Teatro para a cidade de S. Paulo: o projeto como materialidade relevante
Mariana Vaz de Camargo
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-26, ago. 2025
movimento "sobre e para São Paulo” (Cia. de Teatro Documentário, 2010).
As composições na/da borda teatro/cidade revelam plenamente a tensão
criar teatro e fazer cidade como operação de linguagem no/sobre/do território. Por
sua vez, a teatralidade não é uma propriedade intrínseca, mas "um processo”
capaz de provocar "uma fenda no cotidiano” e que, eventualmente, “pode
favorecer a ficção emergir" (Féral, Beirminhghham, 2002, p 97, tradução nossa).
Nesses casos, o território, enquanto paisagem, é o disparador de uma operação de
linguagem, "uma operação cognitiva fantástica, que permite a passagem daqui
para “algum outro lugar (Féral, Beirminhghham, 2002 p. 98). Revoluciona-se a
encenação em termos técnicos e de interpretação e, muitas vezes, libera-se o
público para passear, observar, escutar e, quem sabe, transformar-se.
A rua é viva. Estar na rua é lidar com a imprevisibilidade da cena: renuncia-
se à proteção da caixa-preta e encontram-se interferências diversas, de toda
ordem. Há a necessidade de um treinamento específico para estar apto ou
preparada para as imprevisibilidades e para lidar com este público especial, o
transeunte, “espectador do cotidiano” (Núcleo Bartolomeu, 2002) ou "jogadores
potenciais" (coletivo Dodecafónico, 2011). Os grupos admitem e tem como
premissa a nova relação entre cena (artistas) e público (transeuntes) disparada
pela rua.
O Teatro da Vertigem foi premiado quatro vezes nos primeiros 5 anos do
Programa. Uma das principais características da reconhecida pesquisa estética do
grupo (prévia ao Fomento) era a instalação de seus espetáculos em áreas reais da
cidade, como uma igreja, um hospital abandonado, um rio que corta a cidade, entre
outros. Segundo a pesquisadora Sílvia Fernandes, o grupo escolhe “espaços reais,
portadores de memória e história”, colocando o “espectador em uma zona
fronteiriça entre a cidade e o teatro” (Fernandes, 2010, p.68). A cidade seria, na
acepção de Magris e Picon-Vallin (2019), o cerne de uma operação documental por
meio do teatro. Na virada do século XXI, grupos paulistanos seguem a trilha aberta
pelo Teatro da Vertigem e investigam o teatro em “zona fronteiriça” com a cidade.
A Digna (2019) afirmava dedicar-se a uma "investigação cênica das relações
corpo-voz, poesia-cotidiano, sujeito-cidade” e "que busca compreender como a