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As sementes da Ópera de Pequim
Entrevista com a Companhia Nacional de Ópera de Pequim
Concedida a Esther Marinho Santana e Cecília Mello
Para citar este artigo:
SANTANA, Esther Marinho; MELLO, Cecília. As sementes
da Ópera de Pequim. Entrevista com a Companhia
Nacional de Ópera de Pequim. [Entrevista concedida a
Esther Marinho Santana e Cecília Mello].
Urdimento -
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.2,
n.55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0501
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
As sementes da Ópera de Pequim: Entrevista com a Companhia Nacional de Ópera de Pequim
Entrevista concedida a Esther Marinho Santana e Cecília Mello
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-18, ago. 2025
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As sementes da Ópera de Pequim1: entrevista com a Companhia Nacional de Ópera de Pequim
Esther Marinho Santana2
Cecília Mello3
Resumo
Realizada durante a turnê da Companhia Nacional de Ópera de Pequim no Brasil, em
novembro de 2024, esta entrevista interpreta a oportunidade de escuta de seus artistas
como uma espécie de arquivo vivo rumo à construção de uma memória do teatro chinês
nos palcos brasileiros. Em suas falas, Guan Xiaohui, Liu Kuikui, Jiang Meiyi e Wu Zeyu refletem
sobre o legado da trupe, o repertório escolhido para as apresentações, o papel da Ópera de
Pequim na diplomacia cultural da República Popular da China nos anos 1950 e na atualidade,
e a continuidade do gênero nas intersecções entre a tradição e as inovações
contemporâneas.
Palavras-chave:
Teatro chinês. Identidade nacional. Diplomacia cultural. Mobilidade teatral.
The Seeds of Peking Opera: interview with the National Peking Opera Company
Abstract
Conducted during the National Peking Opera Company’s tour of Brazil in November 2024, this
interview interprets the opportunity to listen to its artists as a form of living archive,
contributing to the construction of the memory of Chinese theater on Brazilian stages. In
their reflections, Guan Xiaohui, Liu Kuikui, Jiang Meiyi, and Wu Zeyu discuss the troupe’s
legacy, the repertoire selected for the performances, the role of Peking Opera in the cultural
diplomacy of the People’s Republic of China in the 1950s and today, as well as the genre’s
continuity at the intersection of tradition and contemporary innovation.
Keywords:
Chinese theater. National identity. Cultural diplomacy. Theatrical mobility.
Las semillas de la ópera de Pékin: entrevista con la Compañía Nacional de Ópera de Pekín
Resumen
Realizada durante la gira de la Compañía Nacional de Ópera de Pekín en Brasil, en noviembre
de 2024, esta entrevista interpreta la oportunidad de escuchar a sus artistas como una forma
de archivo vivo que contribuye a la construcción de una memoria del teatro chino en la
escena brasileña. En sus reflexiones, Guan Xiaohui, Liu Kuikui, Jiang Meiyi y Wu Zeyu abordan
el legado de la compañía, el repertorio seleccionado para las presentaciones, el papel de la
Ópera de Pekín en la diplomacia cultural de la República Popular China en los años 1950 y
en la actualidad, así como la continuidad del género en la intersección entre la tradición y la
innovación contemporánea.
Palabras-Clave:
Teatro chino. Identidad nacional. Diplomacia cultural. Movilidad teatral.
1 Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(processos 2021/08668-7 e 2022/14218-7).
2 Em estágio de pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), com
apoio da FAPESP. Pesquisadora visitante na Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3 e na City University of New
York (CUNY). Doutorado e mestrado em Teoria e Crítica Literária pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). e.marinho.santana@usp.br
http://lattes.cnpq.br/2277445498006600 https://orcid.org/0000-0003-1370-6304
3 Visiting Fellow no King's College, University of London (UL) Inglaterra. Pós-doutorado pela Taipei National
University of the Arts (TNUA) - Formosa. Pós-doutorado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Visiting Fellow na Universidade de Pequim (PKU), China. Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP).
Visiting Fellow na University of Leeds - Inglaterra. Doutorado em Film Studies pela University of London.
Mestrado em Film and Television Production pela University of Bristol Inglaterra. Professora Livre-Docente
no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e no PPGMPA da Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo (USP). cecilia.mello@usp.br
http://lattes.cnpq.br/3687624698570009 https://orcid.org/0000-0003-4354-7949
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Esta entrevista integra os esforços de construção de uma memória da Ópera
de Pequim nos palcos brasileiros, iniciados pela pesquisa de pós-doutorado
“Espectação extasiada, juízo vacilante: A recepção da primeira vinda da Ópera de
Pequim ao Brasil”, desenvolvida na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo. Ocorrida no Theatro São Pedro, na cidade de São Paulo, em
21 de novembro de 2024, onde a Companhia Nacional de Ópera de Pequim (中国
国家京剧院), se apresentava, a conversa representou não apenas uma
oportunidade para o adensamento da compreensão das concepções e escolhas
estéticas da trupe, como, sobretudo, uma escuta singular de artistas teatrais
chineses em nosso cenário.
A ocasião marcou o retorno do grupo ao Brasil, quase sete décadas após a
apresentação das plateias cariocas e paulistas à cena da Ópera de Pequim, em
1956. Estabelecida em 1949 e ainda isolada diplomaticamente da maior parte da
comunidade internacional, a República Popular da China investia, naquele
contexto, em turnês de suas artes cênicas para que pudesse circular e se
representar globo afora, rumo à validação estrangeira. Em sua diplomacia cultural
da década de 1950, coube repetidamente à Ópera de Pequim operar como um
produto artístico capaz de simbolizar tanto a herança cultural de uma civilização
vista como imemorial, quanto a própria identidade nacional do novo país.
Surgida no final do século XVIII, em Pequim, a partir da convergência de
famílias musicais, movimentos acrobáticos, personagens e temas originados em
tradições teatrais de diferentes regiões do território chinês, a Ópera de Pequim
gradualmente se consolidou como um gênero autônomo, com as suas próprias
especificidades. No início do século XX, após o fim do regime imperial e a
consequente fundação da República da China, passou a ser exibida ao olhar
estrangeiro atrelada ao estatuto de teatro nacional, tendo o seu primeiro – e quiçá
ainda hoje mais emblemático movimento de exportação nas temporadas do
astro Mei Lanfang (兰芳)
nos Estados Unidos e na União Soviética, em 1930 e
1935, respectivamente.
Graças ao seu êxito dentro e fora da China, Mei inaugurou a presidência da
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Companhia Nacional de Ópera de Pequim, criada em 1955, na capital da República
Popular da China, sob a égide do Ministério da Cultura e Turismo. No ano seguinte,
artistas como Du Jinfang (杜近芳), Li Shaochun (李少春) e Yuan Shihai (袁世海)
que se firmaram como alguns dos mais consagrados da história da Companhia
Nacional juntaram-se a membros do Teatro Popular Artístico de Liaoning (辽宁
人民艺术剧院) para integrarem a turnê da Trupe Artística da China (中国艺术团) no
Chile, na Argentina, no Uruguai e no Brasil.
Dirigido por Chu Tunan (图南) e Zhao Feng (赵沨), o grupo jamais foi
chamado pelo público brasileiro por seu nome efetivo. O processo de análise de
fontes primárias variadas, como anúncios, artigos jornalísticos, resenhas, bem
como os próprios programas teatrais, revela que os artistas terminaram referidos
meramente como “a Ópera de Pequim”, incorporando em si o gênero apresentado
e o título de seu espetáculo,
Ópera de Pequim - Teatro clássico da China.
Estreada
em 11 de setembro de 1956, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a atração foi
ali encenada até o dia 22 do mesmo mês. Em 23 de setembro, uma sessão especial
foi oferecida no Ginásio Gilberto Cardoso, o Maracanãzinho, com ingressos a
preços mais acessíveis e arrecadação da bilheteria destinada ao projeto
filantrópico “Natal das pioneiras sociais”, organizado por Sarah Kubitschek, esposa
do então presidente Juscelino Kubitschek. A temporada foi concluída no Theatro
Municipal de São Paulo, onde o conjunto permaneceu em cartaz de 27 de
setembro a 07 de outubro.
Conforme aclaram os programas dos espetáculos em ambas as cidades, as
sessões eram compostas por diferentes combinações de peças ou cenas
montadas de acordo com as convenções da Ópera de Pequim, como
Os três
encontros
(三岔口) apresentada, em 2024, com o título de
A encruzilhada
–;
O
adeus da favorita
(霸王别姬) e
A favorita embriagada
(贵妃醉酒), célebres criações
de Mei Lanfang;
O rei dos singes
/
Tumulto no reino dos céus
(闹天宫);
O rio do
outono
(碧玉簪);
A fortaleza de Yen Ten Chan
(荡山);
O bracelete de jade
(拾玉);
e
O vaqueiro e a moça rústica
(牛郎织女). A tal repertório eram acrescentados solos
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musicais e coreográficos, nomeados, em sua maioria, em termos tão vagos que
inviabilizam a sua identificação, tais como “solo de canto” ou “dança popular”. Duas
coreografias, todavia, destacam-se:
A dança das fitas vermelhas
e
A dança do
lótus,
criações recentes, que serviam como plataformas de afirmação dos valores
maoístas.
Patrocinada pela Empresa Viggiani fundada no Rio de Janeiro por Nicola
Viggiani para o financiamento de repertórios cênicos vindos principalmente da
Europa, e à época administrada por seu filho, Dante a companhia contava
também com os auspícios do empresário egípcio radicado em Paris, Fernand
Lumbroso, e da Agência literária e artística parisiense para intercâmbios culturais
(
Agence Littéraire et artistique parisienne pour les échanges culturels - ALAP
).
Idealizada em 1953, na França, pelo escritor Louis Aragon, em conjunto com o
jornalista e dramaturgo Georges Soria, a iniciativa promovia exposições,
espetáculos e lançamentos de livros da União Soviética e de suas nações aliadas.
O apoio financeiro concedido por Lumbroso e pela ALAP se originara, em verdade,
na estreia internacional do grupo, em 1955. Dirigida por Zhang Zhixiang (张致祥) e
Zhao Feng, a Trupe Artística da China foi o maior destaque do II Festival
International d’Art Dramatique de Paris (Quéant, 1956, p. 1), de onde seguiu, nas
semanas seguintes, para a Bélgica, Inglaterra, Holanda, Itália, Noruega, Suíça,
Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia.
Malgrado a estrondosa recepção em solo brasileiro e a vasta atenção
dedicada ao espetáculo por alguns dos nomes mais pulsantes no horizonte
intelectual e artístico daquele período como Sábato Magaldi, Henrique Oscar,
Van Jafa, Aldo Cavet, Adolfo Celi, Raimundo Magalhães Júnior, Eurico Nogueira
França, Renzo Massarani, Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes,
Rubem Braga, Ênio Silveira, Lígia Fagundes Telles, Menotti del Picchia e Maria
Martins -, o episódio terminou eclipsado da história dos palcos locais.
No entanto, a diversa gama documental reunida em diferentes países,
composta também por materiais midiáticos, brochuras de divulgação, escritos de
empresários, emissões de rádio, fotografias e correspondências, tem possibilitado
a recuperação das atividades de 1955-56 dos artistas. Em sua variedade, tais fontes
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contribuem, por conseguinte, para o reconhecimento da excepcionalidade desse
evento tanto para a cena brasileira, concebida de modo endógeno e imediato,
quanto para a cartografia de disseminação intercontinental da Ópera de Pequim.
Nos anos seguintes, outras companhias de artes cênicas chinesas diversas
visitaram o Brasil. Dentre elas, destacam-se oito turnês de diferentes trupes de
Ópera de Pequim dos anos 1960 até a contemporaneidade.4 No início de junho de
1963, a Ópera Chinesa Fu-Ching se apresentou nos Theatros Municipais do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Com direção geral de Wu Teh-Kuei5 e composto por
quarenta artistas, o conjunto era o mais jovem especializado em Ópera de Pequim
sediado em Formosa (nome pelo qual Taiwan era comumente referida à época).
Após um hiato considerável, em outubro e novembro de 1980 ocorreram
novas apresentações do gênero. Embora a obra
Breve história dos intercâmbios
culturais da Nova China com países estrangeiros
(《新中国对外文化交流史略)
especifique tratar-se da trupe da cidade de Tianjin, a imprensa brasileira referiu-
se ao conjunto somente como Balé Ópera de Pequim, não veiculando quaisquer
dados precisos sobre o seu elenco. O espetáculo viajou para Brasília, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e, por fim, São Paulo onde se
apresentou nos dias 18, 19 e 20 de novembro no Theatro Municipal.
Ainda nos anos 1980, entre 15 de setembro e 13 de outubro de 1988, ocorreu
o Festival da China no Brasil, promovido pela Lukr Eventos Culturais e patrocinado
pela Brastemp. Como parte de sua programação, apresentaram-se o Teatro de
Fantoches Shen Xing, a Ópera de Pequim Wu Hao, e o Circo Acrobático Chinês de
Jinan. Na ocasião, foram também promovidas a Mostra de Artesanato Chinês de
Shandong e a Mostra de Arte Milenar da China. Com direção de Zhang Ciaochen, a
4 Os dados acerca das turnês de Ópera de Pequim no Brasil dos anos 1960 até hoje foram levantados após
consultas na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, nos acervos digitais dos jornais
O Estado de S. Paulo
e
O Globo,
bem como em coleções institucionais e particulares de programas de espetáculos. Também foi
de auxílio a fonte secundária
Breve história dos intercâmbios culturais da Nova China com países
estrangeiros
(《新中国对外文化交流史略). A pesquisa, apesar de minuciosa, não teve a intenção de produzir
uma lista exaustiva, que de resto exclui o levantamento de apresentações de trupes acrobáticas, circenses,
de música ou de dança ao longo das décadas.
5 Neste e em alguns outros casos nãoa inserção do nome em caracteres chineses devido à ausência dos
dados correspondentes. Há que se lembrar que diferentes termos do chinês representados por caracteres
distintos, com pronúncias tonais e significados variados podem ser transliterados de forma idêntica no
processo de romanização.
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companhia Wu Hao trouxe o seu elenco principal, composto por quarenta e seis
artistas, que se apresentaram de 16 a 24 de setembro no Teatro Cultura Artística
de São Paulo; de 26 a 28 de setembro no Theatro Municipal, e de 05 a 09 de
outubro no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro; de 30 de setembro a 02 de
outubro, no Palácio das Artes de Belo Horizonte; em 12 e 13 de outubro, no Teatro
da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre; e em 15 e 16 de outubro, no Teatro Guaíra,
em Curitiba.
Dez anos depois, de 15 a 19 de junho de 1998, a Companhia de Ópera de
Pequim da Cidade de Dalian, com direção de Wo Xiaobin, integrou as atividades do
Festival Internacional de Artes Cênicas, dirigido por Ruth Escobar, no Theatro
Municipal de São Paulo. Em junho de 2001 foi a vez da companhia da Ópera de
Pequim da Província de Henan realizar uma turnê por São Paulo, Brasília, Rio de
Janeiro e Curitiba, durante a Semana da Cultura Chinesa no Brasil. Em 21 agosto
do mesmo ano, o Teatro Alfa, na capital paulista, recebeu os sessenta e cinco
artistas dirigidos por Chao-hu Chen da Trupe Kuo-Kuang de Taiwan, especializada
em Ópera de Pequim.
Em setembro de 2019, a Companhia de Ópera de Pequim de Qingdao, parte
do Grupo de Artes Performáticas de Qingdao, levou o espetáculo
O rei macaco
(
闹天宫) para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, dirigido e protagonizado por
Gong Fayi. Em 2024, em virtude da celebração dos cinquenta anos do
estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da
China, duas diferentes turnês foram realizadas. A primeira ocorreu em agosto de
2024, durante a Temporada Cultural da China no Brasil, com a vinda da Companhia
de Ópera Wu de Zhejiang, produzida pelo Ibrachina e pela CPFL. O grupo
apresentou-se em São Paulo (12 e 19 de agosto, no Teatro Gazeta), Campinas (21
de agosto, no Teatro Municipal Castro Mendes) e Brasília (16 de agosto, no Teatro
Pedro Calmon), com
Um passeio na tradição: Vislumbres da China
, que mesclava
trechos de peças tradicionais com números de música e dança.
A segunda atração de 2024, denominada em seu programa como a “turnê de
encerramento das comemorações dos 50 anos de relações diplomáticas entre o
Brasil e a República Popular da China”, foi justamente a que marcou o retorno da
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Companhia Nacional de Ópera de Pequim às salas de espetáculo do Rio de Janeiro
(em 18 e 19 de novembro, no Teatro Riachuelo) e de São Paulo (em 21 de novembro,
no Theatro São Pedro). Antes, a trupe visitou pela primeira vez Brasília,
apresentando-se na Sala Planalto do Centro de Convenções Ulysses Guimarães,
em 15 de novembro. A direção do espetáculo foi de Wei Liyun, com a coordenação
de Yi Ling e Guan Xiaohui.
As apresentações contaram com combinações de obras montadas de acordo
com os parâmetros da Ópera de Pequim. O programa listou, na seguinte ordem:
A
encruzilhada
(三岔口);
A donzela celestial espalhando flores
(天女散花); “O roubo
da erva mágica” (盗仙草), excerto da peça
A lenda da serpente branca
(白蛇); e
trechos de
As mulheres generais da família Yang
(杨家将). Segundo um
press
release
elaborado pelos produtores do espetáculo (2024), tais cenas eram
“Combate no campo de treinamento”, “Patrulhamento no quartel” e “Exploração
do vale”.
A turnê foi apresentada pelo Ministério da Cultura do Governo Federal do
Brasil, pela Embaixada da China no Brasil e pela Great Wall Motors (GWM) Brasil,
com produção da Dellarte Soluções Culturais e patrocínio da State Grid Brazil
Holding, da Cosco Shipping/Rio Brasil Terminal e da GREE, com apoio da China
Energy Brasil. A realização foi da Interlúdio e do Ministério da Cultura do Brasil.
Nota-se que a produtoras nacionais do ramo do entretenimento juntaram-se
corporações chinesas do automobilismo, da logística de produtos e da energia
elétrica, além dos governos dos dois países. A cobertura jornalística
contemporânea foi nitidamente mais tímida do que a de 1956, concentrando-se
essencialmente no fato da Ópera de Pequim ter sido decretada Patrimônio Cultural
Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2010, bem como na ênfase à
Companhia Nacional da Ópera de Pequim como a mais importante instituição do
gênero de toda a China.
A entrevista a seguir foi realizada em mandarim e posteriormente transcrita
e traduzida para o português. Estavam presentes Guan Xiaohui ( 晓蕙),
coordenadora do grupo; Liu Kuikui (魁魁), vice-líder de sua Trupe Jovem e
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intérprete de
As mulheres generais da família Yang
; Jiang Meiyi (姜美伊), atriz de
papéis femininos do tipo
qīngyī
(青衣)6 da Trupe Jovem, que também atua em
As
mulheres generais da família Yang
; e Wu Zeyu (泽宇), ator do tipo
w
ǔ
ch
ǒ
u
(武丑
)7, outro membro do elenco de
As mulheres generais da família Yang
e, ainda, de
A encruzilhada
.
Reunindo responsáveis pela concepção, realização e divulgação do
espetáculo, a conversa constitui-se como nenhum outro registro realizado até
então no Brasil. Concebendo-a como um arquivo vivo, agora a publicamos para
que contribua - tomando emprestadas as palavras de Jiang Meiyi - para o germinar
das sementes da Ópera de Pequim.
Figura 1 - Camarim dos artistas, no Theatro São Pedro
Foto: Esther Marinho Santana.
6 A Ópera de Pequim se baseia em personagens típicas. As
qīngyī
são um dos subtipos essenciais dos papeis
femininos
dàn
() e representam mulheres de caráter virtuoso, sério e casto, ilustrando os ideais de retidão
feminina da cosmovisão confuciana. Oferecem um claro contraste, por exemplo, ao ar vivaz e coquete das
jovens
huādàn
(花旦).
7 Os
w
ǔ
ch
ǒ
u
são figuras cômicas, com habilidades acrobáticas. Por meio de expressões faciais exageradas e
de diálogos mordazes, envolvem-se sempre em interações farsescas, que requerem maiores habilidades
físicas.
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Entrevista
Agradecemos muito pela disposição em conversarem conosco. O que
representa a turnê de 2024 no Brasil para a Companhia Nacional de Ópera de
Pequim?
Liu Kuikui:
Acredito que ela é muito significativa porque, como sabemos, alguns
anos tivemos a pandemia, que afetou o mundo inteiro. Faz muito tempo que não
viajamos para o exterior, e esta é, pode-se dizer, a primeira vez sim, a primeira
vez desde a pandemia que estamos liderando uma equipe para outro país. E
este lugar, especialmente aqui, no Hemisfério Sul, fica praticamente do outro lado
do mundo. Vir para para se apresentar para o público brasileiro é realmente
uma oportunidade rara. Acho que a experiência será, sem dúvidas, inesquecível
para mim.
Wu Zeyu:
Bem, ainda sou relativamente jovem, e esta é a primeira vez na minha
vida que voo por tanto tempo, cruzando uma distância tão grande, para vir ao
outro lado do oceano e apresentar a nossa arte nativa, a Ópera de Pequim. Conheci
muitos brasileiros, estrangeiros, e estou muito feliz, muito empolgado. Para mim,
isso é realmente inesquecível e maravilhoso.
Jiang Meiyi:
Como jovem atriz da Companhia Nacional de Ópera de Pequim, sinto-
me honrada em seguir os passos de nossos predecessores, como a Sra. Du
Jinfang, que se apresentou anteriormente no Brasil. Para nós, como jovens atores,
é uma grande honra nos apresentarmos aqui outra vez em nome da Companhia
Nacional de Ópera de Pequim, especialmente com a nossa trupe jovem. Após
nossas apresentações, receber aplausos tão calorosos do público brasileiro têm
sido um enorme incentivo para nós. Obrigada.
Guan Xiaohui:
Posso acrescentar algo? Além disso, este ano marca o 50º
aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e o Brasil,
o que é muito significativo. A Sra. Du Jinfang, junto com nossos artistas fundadores
Yuan Shihai, Ye Shenglan (叶盛)8, além de Zhang Yunxi (云溪) e Zhang Chunhua
(), estavam entre os artistas veteranos que vieram ao Brasil em 1956. Já se
passaram quase setenta anos desde então, e a Companhia Nacional de Ópera de
Pequim celebrará o seu 70º aniversário em 2025. Portanto, isso representa a
transmissão da tradição da geração mais antiga de artistas para nós, a nova
8 O nome de Ye Shenglan não consta nos programas dos espetáculos brasileiros. No entanto, o ator fez parte
do elenco da turnê da Trupe Artística da China na Europa, de acordo com os programas franceses.
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geração de atores. Ainda, também é um testemunho dos cinquenta anos de
amizade entre China e Brasil. Coincidentemente, a cúpula do G20 está sendo
realizada atualmente no Rio, e enquanto nos apresentávamos lá, vimos
reportagens e até as comitivas oficiais. Acredito que isso também reflete a
amizade entre China e Brasil, o que dá ainda mais significado à nossa turnê desta
vez.
Então vocês sabiam que alguns dos maiores artistas da Companhia Nacional
estiveram no Brasil nos anos 1950?
Wu Zeyu:
Sim, ouvimos falar. Soube disso pelo Sr. Zhang Chunhua e pela Sra.
Du Jinfang. Li Shaochun também veio ao Brasil, mas faleceu cedo, então não
ouvimos diretamente dele, mas a Sra. Du Jinfang compartilhou as suas impressões
conosco. Ela até escreveu sobre isso em seu livro, as impressões das
apresentações aqui. Ela mencionou que, depois de um espetáculo na América do
Sul embora eu não me lembre exatamente de qual país –, o público batia os
pés, e ela achou que não haviam gostado do espetáculo. Ela pensou que teria sido
uma recepção ruim porque, diferentemente do nosso costume de bater palmas,
eles batiam os pés. Depois, quando ela perguntou, disseram: “Você foi
brilhante!” Era assim que eles demonstravam apreço na época. Hoje em dia, não
vejo mais pessoas batendo os pés assim. O Sr. Zhang também contou uma história
parecida. Eles apresentaram
A encruzilhada
e, depois, os aplausos vieram no final
do espetáculo. Nas nossas apresentações, geralmente aplaudimos durante os
intervalos ou no fim de uma cena, mas, em outros países, o público geralmente
espera até o fim da peça inteira para bater palmas. Então ainda há uma diferença
no comportamento do público. Essas são as principais impressões que tenho.
Como o programa foi selecionado? Quais foram os principais motivos para a
escolha dessas peças específicas para esta turnê?
Wu Zeyu:
Estas apresentações são mais voltadas para o público externo. Elas são
particularmente adequadas para serem assistidas por públicos estrangeiros. No
nosso campo, existem muitas peças diferentes, mas algumas são mais de nicho e
não têm o mesmo nível de emoção ou impacto do que as que trouxemos desta
vez. Algumas são mais voltadas ao público doméstico, enquanto outras são mais
adequadas ao público internacional. Estas apresentações em especial foram
escolhidas com base nas experiências acumuladas por aqueles que viajaram para
o exterior ao longo dos anos, determinando o que é mais apropriado para o público
estrangeiro.
Guan Xiaohui:
Sim, exatamente. Selecionamos quatro diferentes peças. A primeira
é a cena “O roubo da erva mágica”, da peça
A lenda da serpente branca
. Essa obra
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conta a história de amor entre um humano e um espírito de cobra. É uma história
popular, frequentemente apresentada internacionalmente, um pouco como
Romeu e Julieta
, e é muito bem recebida no exterior. Na cena em particular que
apresentamos, Bai Suzhen vai roubar a erva para salvar o seu marido, e a cena
contém muita ação emocionante de artes marciais. A segunda peça é
A
encruzilhada,
apresentada por Wu Zeyu e outro ator. Seu aspecto especial é que
ela não requer muitos diálogos. Em um palco bem iluminado, os dois atores usam
apenas a performance física para transmitir a sensação de uma luta no escuro.
Pelas nossas apresentações recentes em outras cidades e por experiências
anteriores no exterior, percebemos que o público entende isso facilmente, sem
necessidade de muitas falas. Do ponto de vista artístico, essa peça ressoa entre
culturas, sendo ideal para públicos internacionais. A terceira peça é
A donzela
celestial espalhando flores,
uma apresentação muito bonita. Essa foi uma das
peças representativas de Mei Lanfang, nosso primeiro presidente e grande mestre
da Ópera de Pequim. É um exemplo inicial de peça de figurinos antigos. Durante a
apresentação, a artista dança com longas fitas de seda enquanto canta,
demonstrando como a Ópera de Pequim conta histórias também por meio da
música e da dança. A quarta peça é uma cena selecionada de
As mulheres generais
da família Yang,
estrelada por Jiang Meiyi. Essa também é uma das peças
representativas da Companhia Nacional de Ópera de Pequim, estreada
originalmente pela companhia. De Mei Lanfang a Yang Qiuling (杨秋玲) e agora
passando por Dong Yuanyuan (圆圆)9, ela representa uma tradição de herança
artística. A peça inclui belas árias e danças, além de empolgantes cenas de luta.
Assim, cada uma dessas peças possui as suas características únicas.
Vocês acreditam que as muitas diferenças linguísticas e entre os universos
teatrais da China e do Brasil representam uma barreira significativa para o
público?
Wu Zeyu:
Vocês estão se referindo às diferenças de idiomas?
Às diferenças de idiomas, culturas, formações artísticas... Por exemplo, as
nossas tradições cênicas são muito diferentes das da China. Vocês acham que
isso é um problema para o seu trabalho?
Wu Zeyu:
Eu não acho que as diferenças criam muitas barreiras para o público,
exceto pela questão do idioma. Como desta vez trouxemos apresentações
voltadas para o público estrangeiro, acho que o retorno dos espectadores tem sido
9 Yang Qiuling foi uma das mais renomadas atrizes da segunda geração de artistas da Companhia Nacional, já
Dong Yuanyuan é uma das estrelas mais experientes em atividade no grupo. As performances de ambas em
As mulheres generais da família Yang
são consideradas referências no meio.
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Entrevista concedida a Esther Marinho Santana e Cecília Mello
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muito positivo. Eu acredito que a arte de alto nível e sofisticada é universal. Embora
possa haver barreiras linguísticas ou diferentes maneiras de apresentar e
compreender a vida através da performance, a apreciação pela beleza é universal.
Portanto, mesmo que uma obra venha de outro país ou cultura, se ela for boa, as
pessoas reconhecerão a sua beleza. Acho que a busca pela beleza é algo
compartilhado em todo o mundo.
Liu Kuikui:
Tomemos
A encruzilhada
como exemplo. A peça tem um forte senso
de abstração, que é uma das principais características da Ópera de Pequim.
Sempre que me apresento com meu professor ou um colega mais experiente,
simulamos a luta no escuro, e é possível sentir claramente a reação do público, as
suas risadas e o retorno que nos dão. Acredito que essa reação é a mesma da que
vivenciamos ao nos apresentarmos na China. Eu realmente acredito que a arte é
universal. Em especial, sinto que o público brasileiro consegue definitivamente
compreender
A encruzilhada
, e nós, como artistas, também sentimos uma forte
conexão com o público.
Quais aspectos da Ópera de Pequim vocês consideram mais relevantes para o
público não chinês/ internacional?
Wu Zeyu:
Acho que o estilo de apresentação da Ópera de Pequim representa da
melhor forma a nossa cultura chinesa. É uma maneira de mostrar a nossa cultura
nacional ao público estrangeiro, apresentando-a a eles. Acredito que isso é muito
importante e significativo.
Jiang Meiyi:
Acredito que, para muitos no público brasileiro, esta pode ser a
primeira vez que veem uma apresentação de Ópera de Pequim. Dada a distância
entre a China e o Brasil, é raro que trupes de Ópera de Pequim se apresentem
aqui, e também é incomum que brasileiros visitem a China para assistir a uma
apresentação. Portanto, desta vez, com a Companhia Nacional de Ópera de
Pequim apresentando várias cenas selecionadas, estamos plantando uma
semente da cultura tradicional chinesa, ou mais especificamente, uma semente
da Ópera de Pequim, no coração do público brasileiro. Eles podem assistir à nossa
apresentação, se interessar, e talvez, no futuro, visitem a China ou explorem mais
sobre a Ópera de Pequim... Acho isso muito significativo, é como plantar uma
semente.
Guan Xiaohui:
Também é uma forma de promover uma compreensão mútua
maior. Por exemplo, hoje de manhã visitamos uma faculdade e realizamos uma
oficina10. Depois da atividade, interagimos com alguns alunos na entrada do prédio.
10 Em 21 de novembro de 2024, Liu Kuikui ministrou uma oficina introdutória sobre a Ópera de Pequim no
Teatro Laura Abrahão, na Faculdade Santa Marcelina, em que destacava os seus intérpretes mais icônicos,
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No início, um estudante mostrou interesse pelo tambor tradicional que usamos.
Enquanto esperávamos o ônibus, nosso percussionista explicou a ele para que o
tambor é utilizado nas cenas de artes marciais da Ópera de Pequim e ensinou
como dizer o nome em chinês. Aos poucos, isso levou a uma conversa mais ampla
sobre música, e logo começaram a falar sobre samba e até a tocar juntos. No final,
nosso percussionista até deu uma de suas baquetas para o aluno. Foi uma troca
linda, e ele saiu com algo da nossa cultura. Foi maravilhoso, realmente
maravilhoso! Percebemos que não precisamos de muita linguagem, não existem
tantas barreiras assim. A arte, assim como os corações das pessoas, tudo está
conectado. A busca pela beleza é universal.
Figura 2 - Palestra oferecida na Faculdade Santa Marcelina
Foto: Esther Marinho Santana.
Qual era o significado da Ópera de Pequim para a República Popular da China
nos anos 1950, quando a Companhia Nacional foi fundada?
Guan Xiaohui:
A pergunta é um pouco profunda, que nenhum de nós estava
os tipos basilares de personagens, os instrumentos específicos, bem como características gerais das
maquiagens e figurinos. Houve também amostras de cenas, desempenhadas por artistas da Companhia
Nacional e de sua orquestra. Em alguns instantes, o elenco convidou o público para participar, maquiar-se
e tentar reproduzir os movimentos.
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presente naquela época, certo? Mas acredito que a Ópera de Pequim sempre foi
um símbolo para o povo chinês, independentemente da época. Ela carrega um
profundo senso de nostalgia nós chamamos de
niàn xi
ǎ
ng
(念想: uma lembrança
ou saudade muito profunda). À medida que envelhecemos e adquirimos mais
experiência de vida, tendemos a valorizar mais as nossas artes e cultura
tradicionais. Quando viajamos para o exterior, frequentemente conversamos com
comunidades chinesas expatriadas, e muitas vezes elas dizem que ao ouvir o som
dos gongos e tambores da Ópera de Pequim, acabam chorando. Isso porque
sentem que estão ouvindo os sons de casa, os sons familiares com os quais
cresceram. Desde a fundação da Companhia Nacional de Ópera de Pequim,
viajamos com frequência ao exterior com várias delegações e visitamos muitos
países. Fizemos contribuições significativas para promover relações amigáveis
entre a China e outras nações. Por exemplo, quando nossa companhia visitou o
Brasil em 1956, China e Brasil ainda não tinham relações diplomáticas
estabelecidas. No entanto, realizamos muitos intercâmbios entre povos e
lançamos as bases para futuras relações.
E qual é o significado da Ópera de Pequim na China hoje?
Wu Zeyu:
A Ópera de Pequim é a “ópera nacional” – nós a chamamos de
guócuì
(
国粹: a quintessência da cultura nacional). Entre todas as artes cênicas tradicionais
chinesas, a Ópera de Pequim ocupa a posição de destaque. Em muitas ocasiões e
eventos importantes, ela costuma ser a primeira escolha para representar as artes
performáticas chinesas. É o gênero teatral mais completo e refinado, abrangendo
uma ampla gama de apresentações em todo o país e até internacionalmente. Sua
base de fãs é vasta e bem distribuída. O significado da Ópera de Pequim está em
sua capacidade de representar a essência da cultura chinesa. Ela está enraizada
no sangue de cada chinês e por isso é chamada de tesouro nacional – a essência
da arte chinesa, como costumam dizer.
Liu Kuikui:
Quando você assiste a uma peça da Ópera de Pequim, é possível ver
como ela simboliza valores e filosofias chinesas, como a busca pelo equilíbrio e
pela harmonia. É uma forma de arte abrangente, com estilos diversos de
performance e um alcance muito amplo. Ela realmente encarna o patrimônio
cultural da China. A Ópera de Pequim cresceu a partir das raízes da nossa própria
terra, tornando-se um reflexo do espírito chinês. Todo chinês deveria aprender e
transmitir essa arte. Como disse o presidente Xi Jinping (习近平), a confiança
cultural é fundamental, e a Ópera de Pequim é um dos nossos maiores
patrimônios culturais é o cartão-postal que melhor representa a China para o
mundo.
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O repertório da Ópera de Pequim sofreu alguma mudança, em termos de forma
e conteúdo, para atrair o público atual?
Wu Zeyu:
A Ópera de Pequim tem evoluído continuamente desde a sua formação.
Esta manhã, também expliquei a sua história para estudantes universitários
brasileiros, desde as suas origens até a sua forma atual. Muitas melhorias foram
feitas ao longo do tempo, e houve várias etapas históricas. A riqueza do seu
repertório também cresceu por meio de reformas e explorações. Existem muitas
adaptações modernas de peças tradicionais, e muitas delas foram reformuladas.
Por exemplo, a Jiang Meiyi produziu inúmeras adaptações.
Jiang Meiyi:
Os espetáculos que trouxemos desta vez, como
A encruzilhada
e
A
donzela celestial espalhando flores,
são peças tradicionais da Ópera de Pequim.
Para o teatro tradicional, nosso foco principal é a herança e a preservação. Mas
nossa companhia também está criando novas obras, adaptando e inovando alguns
clássicos. Portanto, estamos seguindo dois caminhos: preservar a tradição e
promover a inovação em novas obras.
Liu Kuikui:
também muitos exemplos de intercâmbio cultural entre a China e
o Ocidente, em que técnicas da Ópera de Pequim são usadas para apresentar
clássicos ocidentais famosos, como
Turandot
e
Fausto
. Nossa companhia
explorou essas produções.
Jiang Meiyi:
Também fizemos intercâmbios com a Alemanha, onde apresentamos
O Anel dos Nibelungos
.
Liu Kuikui:
Foi uma tentativa interessante, sim... Muitos instrumentos ocidentais
foram incorporados, junto com os tambores e ritmos tradicionais da Ópera de
Pequim. Acho que é uma combinação dos dois, que ajuda a ampliar a troca
emocional e cultural.
Ah, muito interessante! Sabemos que agora vocês precisam se preparar para a
sessão de logo mais... Vocês poderiam, por favor, dizer os seus nomes
completos?
Liu Kuikui:
Sou Liu Kuikui, vice-líder da Trupe Jovem da Companhia Nacional da
Ópera de Pequim.
Wu Zeyu:
Sou Wu Zeyu, ator
w
ǔ
ch
ǒ
u
da Companhia Nacional da Ópera de Pequim.
Jiang Meiyi:
Sou Jiang Meiyi, atriz
qīngyī
da Trupe Jovem da Companhia Nacional
da Ópera de Pequim.
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Guan Xiaohui:
Sou Guan Xiaohui, coordenadora da Companhia Nacional de Ópera
de Pequim.
Estamos honradas pela oportunidade desta conversa. Muito obrigada!
Figura 3 - Final do espetáculo
Companhia Nacional da Ópera de Pequim
, São Paulo, 2024
Foto: Esther Marinho Santana.
Referências
LUMBROSO, Fernand.
Mémoires d’un homme d’spectacles
. Paris: Lieu Commun,
1991.
Press release do espetáculo
Companhia Nacional de Ópera de Pequim
. Direção de
Wei Liyun, Theatro São Pedro, São Paulo, 2024. Disponível em
https://www.midiorama.com/wp-content/uploads/2024/10/release-CNOP.pdf.
Acesso em: 5 jun. 2025.
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Programa do espetáculo
Companhia Nacional de Ópera de Pequim
. Direção de Wei
Liyun, Theatro São Pedro, São Paulo, 2024.
Programas do espetáculo
Ópera de Pequim: Teatro clássico da China
. Direção de
Chu Tu Nan e Chao Feng11, Theatro Municipal, Rio de Janeiro, 1956.
Programas do espetáculo
Ópera de Pequim: Teatro clássico da China
. Direção de
Chu Tu Nan e Chao Feng, Theatro Municipal, São Paulo, 1956.
QUÉANT, Giles. Leçons d’un festival. Brochura
Théâtre du Monde : II Festival
International d’Art Dramatique de la Ville de Paris
. Paris: Les Publications de France,
1956.
SANTANA, Esther Marinho. A cena disputada: O teatro como ferramenta
diplomática nas turnês de Porgy and Bess e da Ópera de Pequim no Brasil.
O eixo
e a roda: Revista de literatura brasileira,
Belo Horizonte, v. 32, n. 2, pp. 72-95, 2023.
SANTANA, Esther Marinho. As lições da Ópera de Pequim no Brasil: Do hermetismo
à congregação.
Pontos de Interrogação – Revista de Crítica Cultural
, Alagoinhas, v.
14, n. 1, pp. 37–59, 2024.
《新中国对外文化交流史略 [Breve história dos intercâmbios culturais da Nova
China com países estrangeiros]. Beijing: 中国友谊出版公司 [Editora da Amizade da
China], 1999.
Recebido em: 10/06/25
Aprovado em: 30/06/25
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Arte, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br
11 Reproduzimos, aqui, a grafia dos materiais originais, anterior à adoção generalizada do sistema de
romanização
pinyin
.