
Dramas e dilemas do professor bixa-afeminada : subversões de gênero, raça e ancestralidade na escola
Fernando Augusto do Nascimento
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-21, ago. 2025
em uma escola particular de Educação Infantil:
Em outubro de 2018 fomos contratadas (Emeli Barossi e eu) para
apresentar em uma escola particular em [...]/SC, para uma turma de
educação infantil
. Uma semana antes da apresentação fomos chamadas
pela escola que nos explicava a delicada situação que vinham
enfrentando:
pais e mães das crianças, ao serem informados do nome
do espetáculo, criaram um grupo no WhatsApp para cancelar o evento
alegando que não queriam que seus filhos ouvissem histórias com a
temática sobre bruxas. Uma das mães recolheu um vídeo no Youtube,
com imagens aterrorizantes, assustadoras de bruxas e enviou ao grupo
dizendo se tratar do nosso espetáculo. A coordenação da escola, ao
saber do movimento dos pais, tomou posição mostrando as imagens
verdadeiras do nosso trabalho
. Explicou que o espetáculo era
apropriado, lúdico e não amedrontaria seus filhos. A maioria dos pais
compreendeu, no entanto, uma das mães buscou o vídeo completo de A
bruxa no armário de limpeza no Youtube.
Nele há um curto verso que
diz: “Bruxa imunda, cuide bem da sua bunda”, aliás, momento do
espetáculo em que as crianças sempre dão risadas. Essa mãe,
novamente, mobilizou os pais no grupo de WhatsApp para cancelar a
apresentação.
A Coordenação da escola chamou os pais para uma nova
reunião e expôs que não havia nada demais no verso, que era divertido e
apenas falava de uma parte do corpo, mas boa parte dos pais não aceitou.
Solicitaram que mudássemos a palavra “bunda”. A princípio pensamos
em dizer não. Depois de refletir acabamos mudando para nariz
demonstrando que assim como bunda, é algo que todo mundo tem.
A
apresentação daquele dia terminou com “Bruxa infeliz, cuide bem do
seu nariz”. Os pais foram convidados a assistir, mas apenas dois
compareceram
(Beltrame, 2020, p. 30 – grifos nossos).
Com base nesse caso, destaco duas questões que refletem os desafios
enfrentados por artistas e professores(as) em cidades pequenas de Santa Catarina,
predominantemente conservadoras, religiosas e bolsonaristas: a prática artística
na escola quando propõe romper estereótipos de gênero relacionados a
personagens como princesa e bruxa, essa última historicamente marginalizada e
associada a demonização, apesar de a capital, Florianópolis, ser considerada a ilha
da magia e ter bruxas como as principais representantes da cultura local, como
investigou Franklin Cascaes22; e a interferência direta de representantes religiosos,
22 Franklin Cascaes – “As Bruxas”. A Ilha de Santa Catarina é o único mundo aceitável, segundo Cascaes foi
reservada pelo Arquiteto do Universo para que fosse habitada pelos seres sobrenaturais, logo, deuses
também. São elementais aéreos como os boitatás, o vampiro e até as bruxas, às vezes voam quando
querem. Os elementais terrestres, lobisomens, saci, curupira, caipora e as bruxas que vagam pelos caminhos
ermos da Ilha de Santa Catarina. Os elementais aquáticos como as sereias, a boiguaçu que sendo uma cobra
também é terrestre e aquática. Neste Universo dominam seres inusitados, convivendo numa harmonia de
extrema serenidade. Disponível em:
https://museuvictormeirelles.museus.gov.br/exposicoes/temporarias/arquivo/1995-2/franklin-cascaes-as-
bruxas/. Acesso em: 19 de out. 2024.