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Rastros de Luz, Traços de Ofício: bases para análise
da documentação da iluminação cênica
Berilo Luigi Deiró Nosella
Fabiana Siqueira Fontana
Para citar este artigo:
NOSELLA, Berilo Luigi Deiró; FONTANA, Fabiana Siqueira.
Rastros de Luz, Traços de Ofício: bases para análise da
documentação da iluminação cênica.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2,
n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0112
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Rastros de Luz, Traços de Ofício: bases para análise da documentação da iluminação cênica1
Berilo Luigi Deiró Nosella2
Fabiana Siqueira Fontana3
Resumo
O artigo apresenta os fundamentos teóricos e metodológicos de uma pesquisa sobre a
documentação da iluminação cênica como expressão de saberes técnico-artísticos. Propõe
uma abordagem arquivístico-artística a partir de entrevistas e coleta de documentos junto a
profissionais do Brasil, Argentina e Itália. São delineados conceitos operacionais, critérios para
estudo de tipologia documental e procedimentos metodológicos, além de reflexões iniciais
sobre os significados atribuídos a esses materiais. A proposta contribui para o
reconhecimento desses documentos como parte da história do espetáculo.
Palavras-chave
: Iluminação cênica. Documentos técnico-artísticos. Ofícios teatrais. História
do espetáculo. Arquivologia.
Traces of Light, Marks of Craft: foundations for the analysis of stage lighting documentation
Abstract
This article presents the theoretical and methodological foundations of a study on the
documentation of stage lighting as an expression of technical-artistic knowledge. It proposes
an archival-artistic approach based on interviews and the collection of documents from
professionals in Brazil, Argentina, and Italy. Operational concepts, criteria for the study of
document typologies, and methodological procedures are outlined, along with initial
reflections on the meanings attributed to these materials. The proposal contributes to
recognising these documents as part of the history of performance.
Keywords
: Stage lighting. Technical-artistic documents. Theatrical trades. History of
performance. Archival science.
Huellas de Luz, Rastros de Oficio: bases para el análisis de la documentación de la iluminación
escénica
Resumen
El artículo presenta los fundamentos teóricos y metodológicos de una investigación sobre la
documentación de la iluminación escénica como expresión de saberes técnico-artísticos.
Propone un enfoque archivístico-artístico a partir de entrevistas y de la recopilación de
documentos con profesionales de Brasil, Argentina e Italia. Se delinean conceptos
operacionales, criterios para el estudio de la tipología documental y procedimientos
metodológicos, además de reflexiones iniciales sobre los significados atribuidos a estos
materiales. La propuesta contribuye al reconocimiento de estos documentos como parte de
la historia del espectáculo.
Palabras clave
: Iluminación escénica. Documentos técnicos y artísticos. Ofícios teatrales.
Historia del espectáculo. Archivística.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Maria Helena Torres. Socióloga com Mestrado pela
Universidade Candido Mendes (luperj). Graduação pela PUC-Rio, e jornalista registrada no Ministério do Trabalho.
2 Doutorado em artes cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Professor do Curso de
Graduação em Teatro e do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas do Departamento de Artes da Cena da
Universidade Federal de São João del-Rei. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. berilonosella@ufsj.edu.br
https://lattes.cnpq.br/2696544764397266 https://orcid.org/0000-0002-3009-9836.
3 Doutorado, mestrado e bacharelado em artes cênicas pela Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Arquivologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora na Universidade Federal de Santa Maria, no
Departamento de Artes Cênicas e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena. fontana.fabiana@ufsm.br
http://lattes.cnpq.br/5182148167386952 https://orcid.org/0000-0003-1110-9880
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Primeiros rastros: aproximações e princípios
Quando se fala de acervos ligados às artes da cena, é comum atribuir-lhes
determinado caráter exótico que os distingue dos demais conjuntos documentais
oriundos de outras atividades humanas. Um dos motivos dessa prática diz respeito
ao fato de os documentos ligados às artes cênicas serem, normalmente, lidos
como a expressão da subjetividade criativa de um/uma artista. Logo, esses acervos
ganham aura singular, e sua preservação, assim como a análise dos documentos
que compõem esses acervos, passa, muitas vezes, pela evocação de trajetórias
individuais notáveis, constituídas em torno de funções criativas tradicionalmente
investidas de mais prestígio: atuação, encenação e dramaturgia. Neste artigo,
entretanto, pretendemos direcionar um olhar diferente em direção a uma parcela
de documentos originados pelo fazer teatral: aqueles ligados à iluminação cênica.
Trata-se de os discutir, em vista da apresentação de questões de caráter
conceitual e metodológico, como representação de práticas e saberes partilhados
e sistematizados em torno dos ofícios relacionados a essa área.
Nesse contexto, o presente artigo apresenta os fundamentos teóricos e
metodológicos da pesquisa “A documentação da iluminação cênica como modo
de fazer, formação e transmissão de conhecimentos”,4 com ênfase na construção
de um referencial que permita compreender os documentos técnicos da luz
cênica como práticas epistêmicas e registros do fazer teatral. Desenvolvida no
âmbito do Núcleo de Estudos de Técnicas e Ofícios da Cena (Netoc) do Grupo de
Pesquisa em História, Política e Cena (GPHPC), sediado na Universidade Federal de
4 O presente artigo é fruto de pesquisa que pôde ser realizada graças aos financiamentos recebidos do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e das Pró-reitorias de Pesquisa e Pós-graduação e de Extensão e
Cultura da UFSJ. Desenvolvida entre 2022 e 2025, coletou documentos de iluminadores de quatro estados
do Brasil; de Buenos Aires, Argentina; e da Itália, principalmente do norte (Milão, Parma, Pádua e Gênova).
Contou com o trabalho de três pesquisadores-coordenadores, Berilo L D Nosella, Fabiana S. Fontana e
Marcelo A. Santana (bolsista DCT&I/Fapemig); uma mestranda, Gabriela Ciancio; oito bolsistas de Iniciação
Científica (CNPq, Fapemig e UFSJ), Isabela Francisconi, Franciele de J. dos A. Borges, Victor Sanches, Mel de
L. Pereira, Leidiane das G. Assis, Michael S. de Sousa, Ana Beatriz Franfes e Maria Paula H. de M. Araujo; dois
bolsistas de extensão, Ernane G. Rodrigues Filho e Isabela F. de Andrade (PROEX/UFSJ); e dois bolsista em
Desenvolvimento Científico, Tecnológico & Inovação/Fapemig, Leonardo G. da Silva e o coordenador,
citado, Marcelo A. Santana o que não teria sido possível sem os financiamentos que recebeu.
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São João del-Rei (GPHPC/UFSJ),5 a partir de entrevistas e da coleta documental
com profissionais da iluminação cênica do Brasil, Argentina e Itália, essa
investigação buscou o delineamento de princípios conceituais que possam nortear
a análise dessas materialidades e discutir, de forma inicial, os sentidos a elas
atribuídos pelos sujeitos criadores. Embora este texto não se dedique de imediato
à análise sistemática dos dados coletados, ele constitui um passo essencial na
consolidação do percurso metodológico e na proposição de uma abordagem
arquivístico-artística para o campo da iluminação cênica.6
Na primeira etapa do referido projeto, o objetivo foi entrevistar profissionais
da iluminação cênica, iluminadores, criadores, técnicos, operadores, ou seja,
aquelas pessoas que, de alguma forma, realizam o trabalho da luz na cena e, nesse
trabalho, produzem e utilizam aquilo que estamos chamando de documentos da
iluminação cênica. O intuito era aprofundar o entendimento a respeito de quais
são esses documentos, como os identificar, e estudar sua tipologia. Tal escolha
deu-se pela aposta de que olhar para os documentos de uma área do fazer
técnico-artístico da cena, no caso a iluminação cênica, era um primeiro passo no
sentido de construir uma história do espetáculo por uma perspectiva diversa, a de
seu fazer e não apenas da estética, da visualidade final, ou seja, dos resultados
desse fazer; ou não apenas pela perspectiva do fazer do ator, do diretor e/ou do
dramaturgo.
Ainda nessa etapa, além das entrevistas, outro objetivo conjunto foi realizar
a coleta de documentos, como amostragem, junto aos profissionais entrevistados.
Entre a fala dos profissionais e o trabalho analítico do material coletado, pudemos
conhecer esses documentos e os compreender no cruzamento de duas
perspectivas: a partir da relação idiossincrática do seu produtor com o documento
produzido, e naquilo que esses documentos têm em comum, e, portanto, revelam
5 www.ufsj.edu.br/gphpc. O objetivo fundador do Netoc/GPHCP é estudar a história do espetáculo pelo viés
de seu fazer técnico-artístico e dos ofícios técnicos da cena, a partir da percepção de que tal visada não é
comum no campo dos estudos cênicos em nosso país.
6 Este artigo constitui o segundo de uma trilogia de textos oriunda da mesma pesquisa, conforme previsto no
projeto original. O primeiro artigo, publicado na Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas, n. 49
(Nosella, 2023), apresenta as motivações iniciais e as questões conceituais preliminares em torno da
documentação da iluminação cênica no campo da história do espetáculo. O presente artigo propõe as bases
teóricas, temáticas e metodológicas para o estudo desses documentos, incorporando as primeiras
análises de campo. O terceiro, atualmente em elaboração, será dedicado à apresentação dos resultados
analíticos centrais e tem publicação prevista para 2026.
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sobre modos de trabalho e produção da luz da cena, práticas e conhecimentos
compartilhados e transmitidos sobre a própria cena. Por exemplo, existem
diversas formas de se elaborar um roteiro de operação de luz, mas algo que
perpassa a estrutura básica de todos os roteiros de operação de luz como
documento. São, aliás, essas características comuns que definem aquele
documento como um roteiro de operação de luz. Essa tal estrutura básica
relaciona-se com a função do documento, seus objetivos, para que ele serve, de
forma que seu uso reflete tanto como ele é feito quanto sua constituição final.
Com base nesses objetivos, o presente artigo estrutura-se em três frentes
principais: apresentação dos conceitos operacionais que fundamentam a noção
de documento da iluminação cênica; explicitação das escolhas metodológicas e
do percurso de campo realizado; e delineamento de alguns temas emergentes a
partir dos materiais coletados, com vistas à consolidação de uma abordagem
arquivística dos fazeres da luz. Esperamos, com esse percurso, contribuir com um
quadro teórico-prático inicial de análise de documentos técnico-artístico,
destacando suas implicações para o campo dos estudos teatrais e da história do
espetáculo.
Documentos e profissionais da iluminação cênica: conceitos,
métodos e
corpus
da pesquisa
Dito isso, iniciaremos exatamente por esclarecer o que é um documento da
iluminação cênica, na compreensão da presente pesquisa e seus pesquisadores;
e para pensar sobre o que é um documento da iluminação cênica, vamos
retroceder um pouco e apresentar o que, nesse contexto, estamos chamando de
documento no geral.
Documento é palavra extremamente polissêmica, e as maneiras de com ele
lidar como registro, informação ou fonte de pesquisa envolve saberes e práticas
de diversos campos e ciências. Para tratar de documento na presente pesquisa,
precisamos, portanto, aderir a um sentido definido e claro, que servisse a seus
propósitos, e, para atender a tal necessidade, partimos de noções da arquivologia.
Segundo o Glossário da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho
Nacional de Arquivos (Conarq, 2008, p. 11), documento é a “unidade de registro de
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informações, qualquer que seja o formato ou o suporte”, sendo documento
arquivístico aquele que é “produzido e/ou recebido por uma pessoa física ou
jurídica, no decorrer das suas atividades, qualquer que seja o suporte”.
Tais definições foram importantes para a pesquisa desde o início, pois
estabeleciam um princípio científico e universal para o tipo de material com o qual
nos propusemos a trabalhar, em oposição a nomenclaturas que consideramos de
senso comum e generalistas, mesmo que muitas vezes mais corriqueiras, como
notação ou registro. Ainda que isso significasse enfrentar incompreensão inicial,
fosse dos/as profissionais, fosse de pesquisadores/as com quem dialogamos no
decorrer da pesquisa, a opção por chamar todo e qualquer registro do trabalho da
luz de documento, considerando-os documentos arquivísticos, fosse um rabisco
ou um esboço temporário, imprimiu papel político pedagógico importante para a
própria metodologia da pesquisa pois foi possível abolir hierarquias no que diz
respeito à atribuição de importâncias a determinados documentos, que
qualquer um utilizado no fazer da luz cênica passou a ser defendido como registro
de determinado saber-fazer envolvido em uma prática cênica.
Isso assim se deu porque o documento, nessa perspectiva, é entendido como
um instrumento ou o resultado de uma ação ou de uma atividade humana. Então,
se alguém precisa realizar alguma ação e, consequentemente, registra algo relativo
à tal ação, está criando um documento. Nessa compreensão, documento é um
registro que, basicamente, atua de duas formas em relação à atividade humana:
auxilia nas ações ao mesmo tempo que resta como representação delas, que
foi útil e necessário para sua realização. A noção fundamental que norteia esse
modo de ver o documento é a de “necessidade”.
Essa primeira ideia da pesquisa é o que nos permite considerar o documento
representação da práxis da iluminação cênica porque mostra sua conexão direta
com as atividades, as ações e os saberes dessa área artística. Pensar nessa direção
é entender que não se produz um documento para a posteridade, mesmo que
depois ele venha a integrar acervos admitidos como patrimônio histórico-cultural
e informacional. A produção dos documentos se dá para atender às necessidades
do agora, pois eles se fazem necessários à realização de algumas atividades,
incluídas as artísticas. Logo, se um artista elabora um caderno de anotações
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durante a criação de uma obra, o faz pela necessidade de anotar as ideias, as
dúvidas, as referências importantes para aquele determinado trabalho, como
suporte à memória, por exemplo. Nesse sentido, o documento oriundo do fazer
artístico tem natureza igual à de qualquer documento que utilizamos no nosso
cotidiano, como uma certidão de nascimento, um histórico escolar etc.
A segunda ideia diz respeito ao fato de que são essas necessidades do fazer,
organizadas em ações, que definem a configuração final desse documento, ou seja,
como visualmente ele é apresentado, que elementos o compõem, qual é seu
conteúdo, que informações contém, assim como seu gênero (textual, iconográfico
etc.). Tudo isso é definido por essas necessidades do fazer que o engendraram, as
necessidades vinculadas a seu uso. Na arquivologia, essa conformação final é o
que nos permite entender o que é aquele documento em razão do seu tipo. O tipo
documental, portanto, caracteriza coletividades porque corresponde a atividades
que não estão atreladas a um indivíduo, mas sim a uma função, como afirma
Bellotto (2008, p. 72):
O tipo documental é a configuração que assume a espécie documental
de acordo com a atividade que ela representa. Nessa definição é possível
discernir que o tipo documental, correspondendo a uma atividade
administrativa, tende a caracterizar coletividades; sua denominação será
sempre correspondente à espécie anexada à atividade concernente e
vale como conjunto documental representativo da atividade
que caracteriza.
Para pensar os documentos ligados ao fazer teatral, no caso aqui preciso da
iluminação cênica, a partir da relação com o fazer que o engendrou, foi preciso
pensar paralelamente nas funções que constituem o processo de construção e
apresentação do espetáculo, pois é em torno delas que se organiza o trabalho da
criação cênica. Ou seja, pensar na função do documento é pensar na própria
função profissional que está em sua gênese, atentando-se para as competências
que a definem e considerando seu contexto histórico, geográfico e artístico. Dito
isto, é importante olhar o documento pela perspectiva dos ofícios teatrais:
As funções e os ofícios teatrais, fundamentais na análise das espécies e
tipos documentais identificáveis no seio da memória documental do
teatro brasileiro, revelam que, no âmbito dos documentos pessoais de
artistas, originários da preparação do espetáculo, a individualidade do
sujeito está expressa, em grande parte dos casos, apenas no que varia
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quanto às informações presentes no conteúdo de um documento. O
formato, a razão da origem e o universo de assuntos dos registros de
criação são aspectos de considerável estabilidade e, consequente,
recorrência nos arquivos pessoais dos artistas da cena. O que quer dizer
que os documentos oriundos dos processos criativos, no âmbito das
artes cênicas, são representativos da ação de um artista no desempenho
de uma função, de seu ofício (Fontana, Schmidt, 2020, p. 435-436).
Quanto às funções teatrais, podemos distinguir algumas por ordem
alfabética: atuação, cenografia, contrarregragem, dramaturgia, encenação,
iluminação, produção, sonoplastia, entre outras. A partir delas, é possível entender
os ofícios, então definidos pelas atividades, competências, noções e
responsabilidades que os caracterizam (Zavadski, 2015).7 Por exemplo, na função
iluminação cênica, existe o/a iluminador/iluminadora,8 operador/operadora,
programador/programadora, a equipe que monta a luz, assistentes etc. Em cada
função, cada ofício tem suas necessidades de usar e gerar documentos, e/ou de
produzir especificidades num documento de uso comum a diversos ofícios. Nessa
percepção, uma pista importante do caráter histórico geográfico desses
documentos, pois os resultantes do fazer cênico, sempre gerados no desempenho
de ofícios teatrais, são determinados por dinâmicas de produção específicas. Ou
seja, a questão que norteia a observação dos documentos é: como se organizam
a criação e a produção de um espetáculo em um dado contexto?
Em nosso caminho metodológico, às noções da arquivologia atrelada à
atenção aos ofícios teatrais, somam-se preceitos dos estudos de genética, que
nos serviram de base para a compreensão do documento no campo dos estudos
teatrais. Nessa perspectiva, os documentos são vistos como registro de um
processo de trabalho criativo, ou seja, como um rastro do pensamento-ação do
7 Deixamos aqui o
link
para uma lista de funções (e ofícios) no campo das atividades artísticas e técnicas
disponibilizada pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated) do Rio Grande
doSul:https://satedrs.org.br/funcoesprofissionais#:~:text=CAMAREIRA%20%2D%20Encarrega%2Dse%20da%20conserva%C3%A7
%C3%A3o,figurinos%2C%20em%20caso%20de%20viagem. Percebemos nessa listagem que não distinção, no
âmbito da nomenclatura, entre função e ofício, demonstrando que nesse campo de trabalho, muitas vezes
a nomenclatura do ofício engloba a função, como é o caso de camareiro/a, que designa um ofício para o
qual não temos uma função denominada, apenas descrita.
8 Uma das questões com que nos deparamos nas entrevistas foi a falta de padronização, pincipalmente no
Brasil, quanto ao nome das funções, em especial da função de criação principal do trabalho com a luz em
cena (iluminador, light designer, desenhista de luz); como esse importante debate não é objetivo deste
estudo, optamos por utilizar no individual para cada participante sua forma de autodenominação
profissional; e, para a pesquisa, a forma mais tradicional entre nós, cunhada no final da década de 1970:
“iluminador”/“iluminadora”.
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artista em seu momento de trabalho na concepção e realização de sua obra:
A criação é um movimento que surge na confluência das ações da
tendência e do acaso. Os documentos de processo e os relatos
retrospectivos conseguem, às vezes, registrar a ação do acaso ao longo
do percurso da criação. São flagrados momentos de evolução fortuita do
pensamento daquele artista (Salles, 2004, p. 33).
Essa ênfase nas ações da/do artista, desenvolvidas no decorrer do processo
de criação foi, então, investigada nessa pesquisa não com foco no ato criativo de
uma pessoa, mas em vista da relação de artista e técnicos/as-artistas com seu
ofício, com os ofícios ligados à iluminação cênica.
Articulando a noção de tipo documental e do documento como rastro do
processo criativo, defendemos a ideia de que o conhecimento gerado no e pelo
fazer teatral não é subsidiário, mas central, e que o artista/técnico ou técnico-
artista, que temos considerado a melhor forma de denominar esses profissionais
da iluminação cênica é um agente epistêmico, um produtor de teoria e
pensamento, com afirma Jorge Dubatti (2016, p. 127): “Chamo de artista-
pesquisador o artista, incluindo o técnico-artista, que produz pensamento a partir
da sua práxis criadora, da sua reflexão sobre os fenômenos artísticos em geral e
da docência”. Neste contexto, é preciso afirmar, por observação pessoal enquanto
profissionais e pesquisadores, cada um em sua área correlata no âmbito deste
estudo – história, arquivologia e iluminação cênica –, que não é comum encontrar
documentos de luz e som (Mervant-Roux, 2024)9 como fonte ou objeto de estudos
e pesquisas atuais.
Quanto aos procedimentos metodológicos, já brevemente mencionados, eles
se resumem na intersecção de dois grandes eixos: a decomposição analítica dos
documentos recolhidos, em vista de uma atenção à configuração dos tipos
documentais mais representativos dos ofícios ligados à iluminação cênica e o
diálogo direto com quem elabora e usa esses documentos. Sendo assim, o
corpus
documental da pesquisa formou-se na união entre os documentos cedidos e pelas
9 Citamos mais diretamente arquivos de iluminação e sonoplastia por serem tanto o campo documental
investigado na pesquisa central deste artigo quanto na pesquisa Arquivos sonoros de teatro (Fapesp) do
Centro de Documentação Teatral da Universidade de São Paulo (https://www.cdtusp.com.br/artigos/projeto-
arquivos-sonoros-de-teatro), na qual o Netoc/UFSJ atua como colaborador.
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entrevistas registradas em áudio ou vídeo e, posteriormente, transcritas. Esse
corpus revela o principal intuito da pesquisa: descobrir por que os documentos se
constituem de um determinado modo, com uma determinada forma, tendo em
vista como essa forma atende à necessidade dos/as artistas, dos/as técnicos/as
que os produziram e os utilizaram. Isso significa que os estudamos perscrutando
as atividades e ações que eles representam, privilegiando ouvir quem os produz –
seria o mesmo que dizer: nosso interesse residia em entender as práticas e os
saberes que esses documentos carregam quando explicados pelas pessoas que
desenvolvem os conhecimentos ligados à iluminação cênica no exercício de seus
ofícios.
Quando pensamos em quem selecionar para conversar, buscamos entender
distintos lugares de atuação, tendo em conta sempre, reiteramos, as funções e os
ofícios. A etapa de entrevistas com esses profissionais considerou não apenas os
diversos lugares geográficos e ofícios –, mas as diversas características e
linhagens de transmissão desse conhecimento pelo tempo e pelo espaço. Nesse
sentido, as práticas metodológicas das entrevistas, embasadas por práticas,
princípios e métodos da história oral,10 adentram nossa proposição de investigação
não apenas como instrumento fundamental de acesso a um conhecimento não
registrado, mas também como ato político de acesso a determinados sujeitos
sociais.
A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança
a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação.
Admite heróis vindos não dentre os líderes, mas dentre a maioria
desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem
companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e
extrai a história de dentro da comunidade. [...] Propicia o contato e, pois,
a compreensão entre classes sociais e entre gerações. [...] Em suma,
contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a
história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao
juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma
transformação radial do sentido social da história (Thompson, 1992, p.44).
10 Em duas etapas da pesquisa realizaram-se o primeiro e o segundo Seminário de História Oral, aquele com
o Neho/USP (https://nehousp.wordpress.com/), este com o LIS/UFSJ (https://ufsj.edu.br/lisufsj/),
responsável pelo embasamento teórico e metodológico nesse campo. Para compreensão do papel da
metodologia da história oral no âmbito do Grupo de Pesquisa em História Política e Cena da UFSJ em geral
e, em específico, do Netoc no que concerne à pesquisa em história do espetáculo pelo viés das técnicas e
ofícios, verificar as publicações Moreira e Nosella, 2017 e Nosella, 2025.
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Nesse sentido, a pesquisa definiu como seu recorte, tanto de participantes
quanto de documentos, um conjunto de profissionais da iluminação que
estivessem hoje atuantes, trabalhando em luzes para espetáculos de teatro, dança
e ópera, considerando pelo menos três ofícios/funções: criador ou desenhista,
técnico ou realizador e operador, no Brasil, Argentina e Itália.11 A lista final de
participantes, registrada adiante, foi definida considerando-se os critérios do
recorte, a indicação de parceiros e pesquisadores e, por fim, a aceitação e efetiva
disponibilidade dos/das profissionais; e a cada profissional foram solicitados pelo
menos uma entrevista, em alguns casos uma segunda também, e documentos
relativos a um ou dois de seus trabalhos.
BRASIL
Participante
Função executada e localidade
Aurélio de Simoni
Iluminador (RJ)
Beto Bruel
Iluminador (PR)
Carlos Kury
Iluminador e cenógrafo do Teatro Guaíra (PR)
Cibele Forjaz
Diretora, Iluminadora e Professora da ECA USP (SP)
Denilson Marques
Iluminador e técnico de iluminação cênica da
Universidade de São Paulo (SP)
Fernanda Matos
Iluminadora (RJ)
Francisco Turbiani
Iluminador e professor do curso de iluminação cênica da
SP Escola de Teatro (SP)
Geraldo Octaviano
Iluminador e coordenador do curso de iluminação do
Cefart (MG)
Guerreiro
Operador de luz do Ballet Guaíra (PR)
Guilherme Bonfanti
Iluminador e coordenador do curso de iluminação cênica
da SP Escola de Teatro (SP)
Jeronimo Cruz
Técnico de luz aposentado, sócio fundador da GCB Brasil
(SP)
Karina Figueiredo
Iluminadora e coordenadora do curso de iluminação
cênica da MT Escola de Teatro (MT)
11 As entrevistas na Itália foram coletadas durante o pós-doutorado do coordenador da proposta entre
dezembro de 2022 e junho de 2023, na Università degli Studi di Padova, sob supervisão da professora Cristina
Grazioli, com bolsa PDE do CNPq; as da Argentina foram coletadas em três missões curtas de uma semana
a 15 dias cada, financiadas pela Fapemig e pela Proex-UFSJ, contando com o suporte da Universidad
Nacional de las Artes, em Buenos Aires, Argentina, na figura de Gonzalo Cordova e Leandra Rodrigues,
professores dessa Instituição e, no caso de Leandra, coordenadora da graduação em desenho de iluminação
de espetáculos. No Brasil, para coleta das entrevistas e documentos, a pesquisa contou ainda com o apoio
da SP Escola de Teatro (Guilherme Bonfanti e Francisco Turbiani), Unespar (Nádia Luciani), Art Light-RJ
(Paulo Cesar Medeiros) e Escola de Tecnologia da Cena do Centro de Formação Artística e Tecnológica da
Fundação Clóvis Salgado-Palácio das Arte-MG (Geraldo Octaviano).
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Leonardo
Pavanello
Iluminador (MG)
Luiz Paulo Nenem
Iluminador (RJ)
Marcelo Andrade
Iluminador, técnico e operador de iluminação do Teatro
das Artes (RJ)
Marina Artuzzi
Iluminadora (MG)
Marisa Bentivegna
Iluminadora e cenógrafa (SP)
Melissa Guimarães
Iluminadora (SP)
Nadia Luciani
Iluminadora e professora de iluminação da Universidade
Estadual do Paraná (PR)
Nadja Naira
Iluminadora (PR)
Nezito Reis
Iluminador e técnico de luz aposentado do Centro
Cultural SP (SP)
Paulo Cesar
Medeiros
Iluminador (RJ)
Taty Kanter
Iluminadora e técnica de iluminação cênica da
Universidade Estadual Paulista (SP)
Tainá Rosa
Iluminadora e técnica de luz (MG)
Wagner Correia
Iluminador (PR)
Wladmir Medeiros
Iluminador e técnico de luz (MG)
Yuri Simon
Iluminador e designer, professor da Escola de Design
da UEMG (MG)
ITÁLIA
Entrevistado/a
Função executada
Alice Colla
Iluminadora
Andrea Giretti
Iluminador e coordenador de iluminação do Teatro
alla Scala di Milano
Claudio de Pace
Iluminador e coordenador de iluminação do Piccolo
Teatro di Milano
Fabrizio Crisafulli
Diretor teatral e iluminador
Liliana Iadeluca
Iluminadora e professora nas Academias de Belas
Artes de Brera, em Milão, de Turim e de Gênova
Luigi Biondi
Iluminador
Marco Filibeck
Iluminador e coordenador de iluminação do Teatro
alla Scala di Milano (recém-aposentado)
Valeria Lovato
Iluminadora, programadora de iluminação do Teatro
alla Scala di Milano (foi durante oito anos
coordenadora de iluminação do Theatro Municipal de
São Paulo, SP, Brasil)
ARGENTINA
Função executada
Iluminadora e professora da Universidad Nacional
de las Artes e da Universidad de Buenos Aires
Iluminador, presidente da Asociación de
Diseñadores Escénicos de Argentina e professor
da Universidad Nacional de las Artes, Buenos Aires
Iluminador e professor da Universidad Nacional de
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las Artes, Buenos Aires
Iluminadora e coordenadora da graduação em
desenho de iluminação de espetáculos da
Universidad Nacional de las Artes, Buenos Aires
Iluminador
Chefe da equipe de iluminação do Teatro Cólon,
Buenos Aires, Argentina
Além do recorte dos participantes, também definimos o conjunto de
documentos que buscaríamos em dois grupos diretamente ligados ao trabalho da
luz: documentos produzidos no decorrer do processo de criação da luz pelo/a
iluminador/a para uso próprio, como suporte de memória ou anotações
temporárias de ideias que acabaram sendo modificadas ou substituídas; e
documentos produzidos para registrar e informar a luz, tanto como suporte para
transmissão de informações entre os membros da equipe durante a realização do
trabalho coletivo quanto para registro de seu resultado final. Haveria ainda um
terceiro grupo relativo aos documentos que, embora não produzidos para a luz,
são de alguma forma utilizados ou guardados pelos profissionais do trabalho com
a luz, como programas de espetáculos, críticas teatrais, fotografias de recordação
etc. Ainda que apresentem profundo interesse para o estudo da luz e da própria
história do espetáculo, na presente pesquisa, porém, esses documentos não
compuseram o corpus de análise.
De forma geral, mas ainda não detalhada, os documentos que mais
encontramos em cada um dos grupos e foram problematizados no decorrer de
nossas conversas foram:
DOCUMENTOS DE SUPORTE CRIATIVO
Documentos produzidos no decorrer do
processo criativo pelo/a iluminador/a
para uso próprio
Texto/dramaturgia com anotações do
processo de criação
Diário de processo
Desenhos e/ou
storybords
Vídeos e fotografias
DOCUMENTOS DE REGISTRO DA LUZ
Documentos produzidos para registrar e
informar a luz
Planta/mapa de iluminação
Roteiro de operação
Roteiro de gravação
Rider
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Apesar de essas duas categorias servirem para atender às necessidades de
organização da pesquisa e esboçarem algumas ideias sobre a produção
documental no fazer da luz, muitos desses documentos transitam entre os dois
grupos, não sendo estanque e definitiva essa separação, pois correspondem a
modos específicos de trabalho de cada profissional, principalmente em seu
exercício de criação. Outro fator que determina a porosidade entre elas diz respeito
às diferentes dinâmicas de produção dos espetáculos, as quais, muitas vezes,
guiam a elaboração, ou não, de determinado documento, podendo outro servir a
uma atividade para a qual não estava necessariamente previsto. Um exemplo
sumário, relatado no decorrer de alguns diálogos, é o uso do texto teatral com
anotações feitas pelo/a iluminador/a na operação da luz, excluindo-se a
necessidade de elaboração do roteiro quando a/o mesma/o profissional está
envolvida/o tanto com a criação quanto com a operação da luz de um
determinado espetáculo.
Possíveis conclusões teóricas: com a palavra os profissionais da luz
Apresentamos, a partir de algumas falas dos profissionais entrevistados e de
seus documentos coletados, algumas questões temáticas centrais relativas a esse
tipo de documentação levantado para a pesquisa. Não se trata ainda de uma
análise detalhada e ampla que configure a apresentação efetiva desses
documentos coletados; tal empreitada constituiria a continuidade deste trabalho
investigativo ainda em fase conclusiva, não cabendo, portanto, no escopo do
presente artigo deverá, todavia, ser publicada futuramente pela coordenação e
equipe da pesquisa. Ainda assim, delinear tais temas é já um direcionamento das
questões levantadas pelos documentos em questão, assim então se apresentando
como base de sua leitura.
Iniciemos com uma premissa de caráter geral a ser delineada: ainda que os
tipos documentais estudados sejam em sua gênese determinados pelas
competências, atividades e ações que caracterizam um ofício teatral em um
contexto específico, as pessoas que com eles se relacionam podem servir-se deles
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de formas distintas isso, entretanto, não significa que o tipo documental perca
sua função ou possa ser associado apenas a quem o produziu. Pois, mesmo que
os documentos sejam utilizados de maneira diferentes, os tipos documentais têm
correspondência direta com os ofícios que é em torno deles que o trabalho
artístico se organiza. Essa questão é a base de leitura desses documentos.
Vejamos.
A principal função da documentação da iluminação, daquela que registra a
luz em si, é a transmissão das informações básicas, mais ou menos precisas, da
própria luz. Registrar e transmitir informações técnicas e estéticas, que
possibilitem a realização da luz na montagem e em remontagens do espetáculo
torna-se preocupação fundamental para quem trabalha com iluminação cênica.
Guerreiro, operador de luz do Ballet Guaíra, em Curitiba, mais de 30 anos,
explica por que mantém, por exemplo, mapas de iluminação e roteiros de
operação sempre a seu alcance:
Eu guardo isso comigo, às vezes numa pasta, às vezes não cabe
numa pasta, eu guardo no armário, mas está lá guardado. Quando
vai montar o espetáculo de novo, pega toda a documentação, eu e
a equipe técnica, meus colegas, e montamos de volta, sem a
presença do iluminador seguimos o roteiro e a chance de errar é
muito pequena.12
Ainda que possa parecer óbvio, é importante ressaltar a radicalidade dessa
finalidade dos documentos, a da transmissão das informações, no caso da
iluminação cênica, visto ser essa uma função teatral que depende de várias
pessoas diferentes para acontecer, sendo em torno dela acionados diferentes
ofícios. Basta aqui lembrar alguns fatores que caracterizam os cotidianos dos/das
artistas e técnicos/as quando se trata do fazer da luz. Primeiro fator a ressaltar:
não é incomum que quem criou a luz de um espetáculo não a opere ou, em algum
momento, passe essa atividade a outra pessoa. Sua montagem, realizada como
etapa importante do cronograma de trabalho, envolve uma equipe que,
geralmente, dispõe de um tempo muito preciso para a realização de diferentes
12 Os trechos citados a seguir no presente artigo o transcrições diretas das entrevistas coletadas pela
pesquisa, tendo passado apenas por possíveis pequenos ajustes textuais. O conjunto das entrevistas, ainda
em processo de trabalho pela pesquisa, passarão por um tratamento de revisão inicial e serão
disponibilizadas para consultas num repositório do GPHPC/UFSJ ainda em desenvolvimento.
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ações. A disponibilização dos equipamentos necessários, como números e tipos
de refletores, é uma preocupação que envolve a comunicação constante de
diferentes profissionais: técnicos/as de salas de espetáculos, pessoal da produção
do espetáculo, além de iluminadores/as e seus/suas assistentes. Todas as ações
que devem ser realizadas em torno dessa cadeia pela qual se a realização da
iluminação cênica são mais bem desempenhadas quando amparadas por
documentos que lhes dão suporte. É do que trata a iluminadora Leandra
Rodrigues: “Há uma coisa que descobri: é que onde um problema é porque falta
um documento e não tenho dúvidas disso. Quando um problema técnico é
porque falta um documento...”.
Quanto ao fato de a documentação ser suporte do próprio processo criativo,
percebemos que diferentes formas de lidar com os documentos revelam
procedimentos específicos do processo criativo de determinada pessoa. Citamos
dois exemplos. Gonzalo Cordova afirma que o espaço concreto e seus aspectos
técnicos são fundamentais; assim, para iniciar o processo de criação, ele dispõe
de fotografias do espaço em que se dará o espetáculo com anotações pessoais
sobre medidas exatas, posições reais dos objetos, tanto da estrutura técnica
quanto da cenografia, além da planta arquitetônica do espaço.
Tenho uma etapa que é receber os planos do teatro, fotos do teatro,
porque eu sempre realizo um estudo sobre posições a partir de fotos [...],
basicamente sempre há muito problema com a boca de cena, sempre é
muito difícil entender na planta, porque tem muitas diferenças, tem
muita tecnologia, cortinas corta-fogo, de segurança, têm muitas coisas,
então sempre tenho que pedir imagens [...], é a mesma coisa com o
teatro, eu tenho que conhecer isso e isso são vários arquivos que quando
eu tenho um teatro completo, que é uma parte, e quando eu tenho a
cenografia completa, que é outra parte, aí eu trabalho a infraestrutura do
teatro. Aí eu falo de consoles, varas, posições, o que tem um teatro para
se fazer ou não, possibilidades reais ou não, para ter acesso [...]. Com tudo
isso, eu tenho a minha primeira reunião com o diretor, ele tem uma obra,
eu tenho um teatro, então podemos falar bem disso, sem problemas. É
uma etapa que eu adoro fazer. Depois começam as ideias da luz. [...] A
transcrição da infraestrutura, a elaboração da minha planta leva muito
tempo, mas muitas vezes é importante.
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Figura 1 - Documento cedido por Gonzalo Cordova. Foto de equipamento de luz do Teatro
Estonian Opera (Tallinn, Estônia), utilizada no processo de criação do espetáculo
A viúva
alegre
(2021)
Guilherme Bonfanti afirma que a materialidade do próprio espetáculo
por exemplo, os objetos que irão compor a cena – é definidora de seus primeiros
passos criativos. Desse modo, os documentos que ele apresenta como iniciais são
exatamente fotografias de objetos de cena ou com potencialidade para vir a ser.
Em seu caso, não há preocupação inicial com informações técnicas, mas sim com
a visualidade da cena, definindo uma estética material para a luz e para os próprios
equipamentos de luz que poderão compor a visualidade do espaço. Em sua
opinião,
É muito importante para a minha experimentação, por exemplo, com a
cena, para que se construa um roteiro, para que a luz surja daquilo que
está acontecendo ali, não do que eu fui inventando... [...] Não do que eu
estou inventando. Eu não invento nada. Eu me articulo a partir do que a
cena me dá. Eu tenho muita dependência da cena. Então, a cena, para
mim, é uma coisa muito importante.
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Figura 2 - Documento cedido por Guilherme Bonfanti. Foto que compõe o dossiê do
espetáculo
Os Capuletos e os Montéquios
(Theatro São Pedro, São Paulo, 2022)
Ambos os casos relatados revelam uma relação específica do trabalho
artístico de cada iluminador com os documentos e, consequentemente, com o
processo de criação da iluminação cênica. No caso de Gonzalo, trata-se de uma
relação em que as características técnicas específicas do espaço, que dão suporte
ao espetáculo, são a base para seu pensamento sobre a luz que futuramente ali
se realizará. No caso de Bonfanti, a materialidade do espaço, por sua vez, é um
elemento constitutivo do espetáculo e de sua luz, estabelecendo bases de
pensamento sobre a futura visualidade dessa luz.
Seguindo nesse sentido, a tecnologia também é sempre um ponto que influi
diretamente na produção dos documentos da iluminação cênica enquanto
reorganiza funções e relações de produção. Pasquale Mari e Beto Bruel
apresentam quadro em que o avanço da tecnologia da iluminação traz um
elemento novo de conhecimento específico para produção dos documentos que
vai além do conhecimento mobilizado em seu ofício criativo da luz. Produzir os
documentos envolveria, portanto, conhecimento especializado da computação e
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do trabalho com softwares específicos, não necessário, entretanto, para o
processo criativo individual de ambos. No caso desses dois iluminadores, essa
mudança empreende, aliás, a inserção de um novo profissional específico para
essa produção, geralmente um assistente que fica responsável por gerar toda a
documentação de registro. Como expõe o próprio Pasquale Mari,
fiz todo um aprendizado de autodidata. Então, um autodidata muito
ligado à escritura, ao documento. Documentos que, porém, tenho de
dizer, Berilo, eu sempre fui ligado, e ainda hoje o faço quando tenho de
propor um projeto, é a uma descrição mais literária do que técnica. Ou
seja, eu explico exatamente o que quero fazer em textos escritos. Tento
fazer entender a luz que quero fazer, por exemplo, para um projeto, e
coloco por escrito. Como dizer, não faço uma planta-luz, ou não faço um
file
de 3D, de visualização, de que coisa... Não, também porque não sei
fazer. Também porque eu, além da analogia, devo dizer que, ainda hoje,
eu desenho com lápis. Desenho com lápis com papéis bem grandes que
hoje ninguém usa mais. [...] Mas agora tenho um assistente que, por sorte,
me traduz em arquivos dvg e AutoCAD o que faço.
E Beto Bruel complementa:
É nos ensaios, [...] de repente entra uma coisa, você vai assistindo o ensaio
com a luz, e daí eu faço a planta, e a minha planta é na caneta, depois a
Sarah, o outro assistente, transforma, passa para o computador, mas eu
faço na caneta.
Por outro lado, iluminadores que relatam ter os documentos técnicos
mediados pelas novas tecnologias não apenas como registro do resultado final,
mas como suporte ao processo criativo, sendo, para alguns, a própria criação.
Ou seja, criar a luz e produzir esses documentos constituem um único ato. É o
caso que a fala de Gonzalo Cordova traz, de se “pensar” a luz durante a produção
dos próprios documentos digitais. Nesse caso, confundem-se as categorias
"documentos para o suporte criativo” e “documentos de registro e transmissão
das informações da luz". Tal forma de pensar traz a ideia de que o mapa de
iluminação e o roteiro de operação, principalmente, funcionam quase como uma
partitura musical, que ao mesmo tempo é o registro (notação) final do processo
de criação da música e um código tão incorporado, que para Gonzalo já é música,
no caso, a luz:
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Não, não é um recurso, porque não é uma ferramenta [...]. Por isso, eu
tento colocar a ideia aí. [...]. Não, não é ferramenta. É uma concepção do
trabalho. Você deve entrar no trabalho dessa maneira. [...] para mim,
desenhar no computador é criar. É o desenho de iluminação. Se depois
isso é possível ou não, é outra coisa.
Figuras 3 e 4 - Imagens cedidas por Gonzalo Cordova, documentos referentes ao
espetáculo
Cuando nosotros los muertos despertamos
(Quando despertarmos de entre os
mortos) de Ibsen. (Teatro Cervantes, Buenos Aires, 2022)
Nesse ponto da entrevista Gonzalo está falando a respeito do trabalho de
elaboração do projeto digital (com a maquete virtual) da luz em processo de
criação, incluindo seu processo meticuloso de elaboração da planta técnica
espacial, como já destacamos.
Seguindo no sentido da produção de rabiscos que materializam ideias de luz,
Paulo César Medeiros relata um entendimento parecido quando narra o modo
como faz do roteiro de operação uma espécie de diário de processo. Esse seu
modo de criar demonstra que o roteiro de operação, que tem sua estrutura
fundamentada nas mutações da luz e nas deixas, materializa uma forma de pensar
a luz:
É quando eu vou começar a anotar os momentos em que eu acho que a
luz deve mudar ou pode mudar. É o meu pré-roteiro. E nesse pré-roteiro,
pra mim, ele funciona como um diário de bordo. Então, por exemplo,
quando eu escrevo uma deixa, do lado da deixa, eu anoto coisas que o
diretor diz, coisas que eu pensei, eu anoto palavrão, eu anoto expressões
adjetivas, eu anoto coisas de figurino, coisas de maquiagem, porque esse
pré-roteiro vai sendo elaborado durante os ensaios. Então, se num
primeiro momento eu anoto, Marcelo senta na cadeira e olha pra frente,
vamos dizer que isso fosse uma deixa, do lado dessa deixa eu vou anotar
todas as coisas relacionadas a isso, o que eu quiser, livre. É como se fosse
um diário secreto, um diário que eu tenho acesso. E isso lá na frente
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vai me servir muito, são as memórias que eu tenho daquele espetáculo
para gravar aquela luz, para pensar aquela luz.
Ainda nesse sentido, outra questão, relativa à tecnologia, relaciona-se com a
não permanência desses documentos nos arquivos de seus/suas produtores/as,
porque, sendo considerados versões atualizadas de um mesmo documento, são
sobrepostos no decorrer do processo criativo por suas novas versões virtuais.
Bonfanti trata do assunto quando o relaciona às mudanças impostas pela
troca da tecnologia analógica para a digital:
O que mudou foi que o Vertigem atravessa tecnologicamente do
analógico para o digital, ele começa no analógico e vem parar no digital.
Então as plantas mudam, eu tenho planta do até hoje guardada
comigo. [...] Essa é uma questão para a documentação, porque você vai
gravando e vai alterando, e vai alterando, e vai alterando, e você não vai
salvando no teu roteiro, e nem vai gerando um documento do roteiro do
início, que você elaborou no início e depois ele no meio do caminho e
depois ele no final, [de forma] que seja um documento interessante para
você entender o percurso da gravação, ela vai se alterando.
um aspecto muito significativo sobre os documentos analisados e
debatidos, que incide sobre a hipótese central no trabalho investigativo aqui
exposto: é o potencial pedagógico dos documentos. Trata-se da relação direta da
produção documental com a pedagogia, tanto como suporte e consciência quanto
como instrumento pedagógico. Nesse sentido, fica nítido o fato de os documentos
constituírem expressões ou traduções de diversos saberes-fazer que participam
da produção e promoção do conhecimento sobre a iluminação cênica e,
consequentemente, sobre a cena. As fotos a seguir são representativas desse
aspecto. Elas mostram um dos momentos da oficina da iluminadora Nadia Luciani,
com a presença da coordenação da pesquisa, em que diferentes etapas do fazer
da luz são ensinadas aos alunos por meio da prática pedagógica de confecção de
um documento do trabalho da luz, no caso, o mapa de iluminação:
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Figuras 5, 6, 7 e 8 - Imagens da Oficina de Iluminação Cênica oferecida pelo Labic
Laboratório de Iluminação Cênica/Unespar, sob coordenação da professora Nadia Luciani,
durante visita da equipe da pesquisa ao Teatro Guaíra, Curitiba-PR em 2022
Uma percepção muito clara que nos fica ao trabalhar com o corpus
documental dessa pesquisa é de que os documentos, uma vez que se relacionam
com o fazer da iluminação, acabam tendo um aspecto comum no todo do
conjunto de profissionais, ligado às dimensões técnico históricas, e um aspecto
pessoal, ligado ao processo criativo de cada profissional. Tal aspecto pessoal
configura-se mais em detalhes nas formas finais dos documentos, ou seja, em
determinadas questões formais, como tipo de simbologia utilizada, característica
de cada informação, por exemplo. Essa idiossincrasia, no entanto, se estabelece
sempre em relação às características que definem os tipos documentais, os quais
são redefinidos por dinâmicas culturais e tecnológicas mais amplas, pois ainda
que cada pessoa opte pelo modo de elaborar um determinado documento, este
deve ser reconhecido e servir como um mapa de iluminação, um roteiro de
operação etc. O
light designer
Denilson Marques, de São Paulo, que é também
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servidor na USP, atuando no Teatro Laboratório da Escola de Comunicação e Artes
e da Escola de Artes Dramáticas, afirma:
Eu costumo dizer, quando eu dou
workshops
, oficinas ou quando eu dou
aula, que cada um tem que criar o seu próprio documento, porque eu
tenho uma leitura, uma forma de trabalho, você tem outra, e ciclano tem
outra, então eu não padronizo [...]. Eu criei meu próprio mapa dentro do
Illustrator, eu criei uma prancha minha dentro do Illustrator, onde eu
coloco o equipamento que eu quero colocar no meu mapa, então eu não
fico restrito ao fabricante ou restrito ao que o programa me oferece,
então eu criei minha própria ferramenta de fazer mapa. E o roteiro, eu
criei uma planilha ou no Excel ou no Word, na qual eu monto colunas e
eu coloco cenas, deixas, o efeito que eu vou acender e as observações,
então eu acho que é um documento muito particular, por mais que tenha
semelhança com outros documentos, claro que a gente busca fontes em
vários lugares, mas eu acho que quando se trata de um documento, é
muito pessoal de cada um.
Nesse sentido, também é interessante o depoimento da
light designer
Alice
Colla, da Itália, em que afirma o desenvolvimento de uma notação particular para
uma simbologia específica para sua documentação, no caso o roteiro de operação,
argumentando mais rapidez de “leitura” de símbolos visuais do que de letras, de
escritos, principalmente no roteiro:
Então, quando tem uma memória em
follow
, quando duas memórias
partem contemporaneamente, quando eu tenho que dar o áudio e o
vídeo, ou
chase
, ou
stop
. Quando eu olho uma coisa, eu sei tudo, eu
escrevo como um programador de
websites
. Então, como eu escrevo, eu
vejo os símbolos, vários tipos de parênteses, pontos de exclamação,
flechas, etc., não preciso ler. Eu ensinei há um par de anos, [...] em Milão,
em uma escola de teatro, [...] eu dizia, a imagem é mais rápida do que
uma palavra escrita, que você tem que ler, traduzir. Se é uma imagem,
você entende imediatamente. [...] Eu preciso da síntese, porque cada um
tem feito do seu jeito, e eu preciso de símbolos.
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Figura 9 - Imagem cedida por Alice Colla, legenda de notações que ela desenvolve
e utiliza para elaboração de seus roteiros de operação
Finalizando essa sequência de análise ainda panorâmica e inicial, mas
extremamente rica em relação ao potencial de informações, leituras e
problematizações que esse tipo de documentação pode nos apontar, e ao mesmo
tempo concluindo, podemos dizer que a própria consciência da importância da
documentação também aponta a consciência da importância do próprio trabalho.
E retomando uma das questões e hipóteses centrais dessa pesquisa, reafirmamos
pela voz do iluminador Guilherme Bonfanti a importância de entender o fazer
técnico-artístico da luz como uma práxis teatral que gera e transmite
conhecimento, entre outros meios, também por sua produção documental, e que
essa consciência tanto por parte de pesquisadores de artes cênicas quanto de
profissionais da luz é um primeiro e fundamental passo epistemológico:
Eu achei que era importante deixar a minha contribuição, não achando
que o meu trabalho é incrível, nada disso, mas eu achava que eu tinha
que deixar uma contribuição, porque o Vertigem tem uma trajetória muito
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longa e com trabalhos muito relevantes, então eu achava que precisava
ter alguma coisa registrada em relação à luz. Entra também nesse campo,
nessa batalha de que a luz ocupe o lugar do pensamento, também. Então,
aí o registro ele entra nesse sentido. E eu vou percebendo a necessidade
de que esse registro seja o mais completo possível. [...]. Então, eu vou
tentando contemplar essas etapas. Não sei se é claro. [...]. Então, entra a
primeira versão de planta, depois vai e entrar a segunda versão de planta,
até chegar à versão final, que é a que foi montada, que ficou. Entra roteiro,
uma primeira versão de roteiro, entra uma segunda versão de roteiro,
entra alguns experimentos que surgiram num dado momento.
[...]
É o entendimento do nosso papel na construção dessa história, ...a gente
tanto reclama da falta de espaço que a gente tem, é uma coisa... é difícil.
É um exercício que eu acho que ainda não faz parte da gente, sabe? Eu
sinto que a gente não entendeu totalmente a importância disso para os
pesquisadores e tal. Talvez por achar que o nosso trabalho não tem a
relevância e não vai interessar.
Ao longo deste artigo, buscamos consolidar uma perspectiva que reconhece
os documentos da iluminação cênica não apenas como registros operacionais,
mas como expressões de práticas e saberes técnico-artísticos historicamente
situados, que revelam modos próprios de pensar e produzir conhecimento sobre
o espetáculo. A articulação entre arquivologia, história oral e estudos do processo
criativo permitiu à pesquisa em fase de conclusão delinear fundamentos para uma
abordagem metodológica que valoriza os rastros do fazer como formas legítimas
de conhecimento. Mais do que instrumentos de trabalho, esses documentos
revelam-se suportes de memória, pensamento e invenção, conformando
territórios de leitura ainda pouco explorados nos estudos da cena. Ao propor uma
leitura arquivística desses materiais técnico-artísticos, reafirmamos a centralidade
epistemológica desses saberes e a urgência de sua legitimação como parte
integrante da história do espetáculo. O presente artigo, ao sistematizar os
princípios metodológicos desse olhar, desenvolvidos numa trajetória de quatro
anos de pesquisa coletiva, pavimenta o caminho para uma leitura crítica mais
aprofundada dos documentos da luz, permitindo compreender como, por meio da
documentação, a luz pensa o teatro e o teatro se deixa pensar pela luz, pois, como
diz o mestre Aurélio de Simoni, “tudo informa a luz”,13 o que também significa dizer
que a luz, informa algo, sempre, sobre o todo, que é o espetáculo.
13 “Tudo informa a luz em teatro, tudo, tudo. Não tenha dúvida. O que é direção de teatro? O que é um cenário?
O que é um figurino? O que é uma direção musical, uma direção de movimento, sabe?” (Fala de Aurélio de
Simoni, importante iluminador do Rio de Janeiro, durante a entrevista cedida à pesquisa.)
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Referências
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Recebido em: 09/06/2025
Aprovado em: 16/07/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e Moda CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br