
Rastros de Luz, Traços de Ofício: bases para análise da documentação da iluminação cênica
Berilo Luigi Deiró Nosella | Fabiana Siqueira Fontana
Florianópolis, v. 2, n. 55, p.1-27, ago. 2025.
quanto às informações presentes no conteúdo de um documento. O
formato, a razão da origem e o universo de assuntos dos registros de
criação são aspectos de considerável estabilidade e, consequente,
recorrência nos arquivos pessoais dos artistas da cena. O que quer dizer
que os documentos oriundos dos processos criativos, no âmbito das
artes cênicas, são representativos da ação de um artista no desempenho
de uma função, de seu ofício (Fontana, Schmidt, 2020, p. 435-436).
Quanto às funções teatrais, podemos distinguir algumas por ordem
alfabética: atuação, cenografia, contrarregragem, dramaturgia, encenação,
iluminação, produção, sonoplastia, entre outras. A partir delas, é possível entender
os ofícios, então definidos pelas atividades, competências, noções e
responsabilidades que os caracterizam (Zavadski, 2015).7 Por exemplo, na função
iluminação cênica, existe o/a iluminador/iluminadora,8 operador/operadora,
programador/programadora, a equipe que monta a luz, assistentes etc. Em cada
função, cada ofício tem suas necessidades de usar e gerar documentos, e/ou de
produzir especificidades num documento de uso comum a diversos ofícios. Nessa
percepção, já há uma pista importante do caráter histórico geográfico desses
documentos, pois os resultantes do fazer cênico, sempre gerados no desempenho
de ofícios teatrais, são determinados por dinâmicas de produção específicas. Ou
seja, a questão que norteia a observação dos documentos é: como se organizam
a criação e a produção de um espetáculo em um dado contexto?
Em nosso caminho metodológico, às noções da arquivologia atrelada à
atenção aos ofícios teatrais, somam-se preceitos dos estudos de genética, que
nos serviram de base para a compreensão do documento no campo dos estudos
teatrais. Nessa perspectiva, os documentos são vistos como registro de um
processo de trabalho criativo, ou seja, como um rastro do pensamento-ação do
7 Deixamos aqui o
link
para uma lista de funções (e ofícios) no campo das atividades artísticas e técnicas
disponibilizada pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated) do Rio Grande
doSul:https://satedrs.org.br/funcoesprofissionais#:~:text=CAMAREIRA%20%2D%20Encarrega%2Dse%20da%20conserva%C3%A7
%C3%A3o,figurinos%2C%20em%20caso%20de%20viagem. Percebemos nessa listagem que não há distinção, no
âmbito da nomenclatura, entre função e ofício, demonstrando que nesse campo de trabalho, muitas vezes
a nomenclatura do ofício engloba a função, como é o caso de camareiro/a, que designa um ofício para o
qual não temos uma função denominada, apenas descrita.
8 Uma das questões com que nos deparamos nas entrevistas foi a falta de padronização, pincipalmente no
Brasil, quanto ao nome das funções, em especial da função de criação principal do trabalho com a luz em
cena (iluminador, light designer, desenhista de luz); como esse importante debate não é objetivo deste
estudo, optamos por utilizar no individual para cada participante sua forma de autodenominação
profissional; e, para a pesquisa, a forma mais tradicional entre nós, cunhada no final da década de 1970:
“iluminador”/“iluminadora”.