
Duetos com o futuro: Um convite à participação nos arquivos corporais do Lume Teatro
Luciana Mizutani
Florianópolis, v. 2, n. 55, p.1-28, ago. 2025.
Essas obras não são como diamantes acabados e lapidados, são obras
porosas que propõem um jogo em suas concepções e estruturas. Outras obras
mencionadas exploram diferentes formas de abertura, como módulos
combinatórios ou regras que permitem ordenar seções musicais de forma variável.
Algumas oferecem poucos trechos que podem ser organizados livremente durante
a execução; outras apresentam 16 seções que além de organizadas podem ser
suprimidas ou repetidas indefinidamente, conforme a escolha do intérprete.
A abertura, contudo, não implica em ausência de intencionalidade artística.
Pelo contrário, segundo Eco, a obra aberta que convida à participação é fruto de
uma escolha artística consciente, cuja estrutura é propositalmente inacabada, e
precisa ser completada posteriormente. Assim, artistas definem limites e
direcionamentos, mas deixam espaço para “atos de liberdades conscientes”, que
emergem da criatividade e subjetividade de quem interage com a obra (Eco, 1976).
Esses modelos de obras abertas trazem pistas para uma diferente perspectiva na
proposição de documentações, com uma estrutura que pode ser completada
tanto por intérpretes, quanto pelo próprio público. Onde, em ambos os casos, o
jogo proporcionado pela abertura borra os papéis, transformando quem quer que
interaja com a obra em um coautor. O que, no caso de uma auto documentação,
teria ainda um efeito interessante de horizontalizar as relações, onde cada
integrante pode ter protagonismo no ato de contar-se e representar-se.
Nesses breves exemplos é possível identificar que variados elementos podem
ser agenciadores de abertura e se tornar convite para a participação. Um maior
número de elementos móveis aumenta exponencialmente as possibilidades, ou
seja, a abertura da obra.
Sobre os graus de abertura, Eco nos diz que:
O dicionário, que nos apresenta milhares de palavras com as quais
livremente podemos compor poemas e tratados físicos, cartas anônimas
ou listas de gêneros alimentícios, é muito “aberto” a qualquer
recomposição do material que exibe, mas não é uma obra. A abertura e
o dinamismo de uma obra, ao contrário, consistem em tornar-se
disponível a várias integrações, complementos produtivos concretos,
canalizando-os a priori para o jogo de uma vitalidade estrutural que a
obra possui, embora inacabada, e que parece válida também em vista de
resultados diversos e múltiplos (Eco, 1976, p. 63).