
Alguns apontamentos político-ideológicos sobre o Teatro Oficina e sua estética teatral
Rodrigo Morais Leite
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-25, ago. 2025
científica, que certos analistas veem como uma oscilação profícua entre
as influências de Brecht e Artaud, ambas fortalecidas pela pesquisa
incessante do diretor com o coletivo. A partir desse pressuposto, pode-
se considerar o coro como a forma de performar a experiência comum
e, ao mesmo tempo, refletir sobre os problemas urgentes do país, nesse
momento ainda sob o regime autoritário. Ambos os aspectos são
trabalhados simultaneamente e não apenas como dispositivo de
organização cênica ou solução espetacular (Fernandes, 2020, p. 215).
A questão da nudez e da sexualização dos espetáculos do Oficina
Não há dúvida de que um dos elementos mais folclóricos ligados à poética
de Zé Celso tem a ver com uso feito por ele, em escala crescente, da nudez, aliada
a uma hipersexualização de seus espetáculos que não se restringia aos atuadores
do Oficina, estendendo-se, com frequência, ao público. Com o passar do tempo,
semelhante despudor cênico se tornaria, sem dúvida, um dos traços definidores
do grupo, objeto, inclusive, de inúmeras piadas e paródias.
Para o debate aqui empreendido, interessado nos aspectos ideológicos
subjacentes à estética teatral desenvolvida pelo Oficina, o recurso, nada fortuito,
da nudez, apresenta-se como um ótimo gancho para um aprofundamento maior
da questão. Entre outros motivos, isso acontece porque, desde que utilizado pela
primeira vez, o apelo a tal recurso só fez crescer, chegando ao paroxismo na
década de 1990, época em que o grupo produziu alguns de seus espetáculos mais
sexualizados.
A origem dessa prática remonta, novamente, ao ano de 1968, quando o Teatro
Oficina estreou
Galileu Galilei
. Na cena que finalizava o primeiro ato do espetáculo,
passada durante o carnaval de Veneza, o coro de atores e atrizes arregimentado
por Zé Celso – remanescente da montagem de
Roda viva
– ocasionalmente se
despia, embora, ao que parece, ainda de maneira um tanto aleatória14. O trabalho
seguinte,
Na selva das cidades
, proporcionou ao teatro brasileiro o seu primeiro nu
14 A afirmação se baseia num comentário emitido por Fernando Peixoto em
Teatro Oficina (1958-1982):
trajetória de uma rebeldia cultural
, segundo o qual “as apresentações se sucedem e a cena do Carnaval,
criando problemas internos, cada dia ganha mais espaço dentro do espetáculo: José Celso não cessa de
ensaiar e propor novos avanços. As demais cenas, feitas de forma direta e seca, seguem um modelo
dramático, despojado e objetivo, já conhecido e repetido: a trajetória do Oficina na verdade caminha com o
Coro, empenhado numa improvisação constante e pesquisando, dentro de propósitos discutíveis mas
definidos, uma nova maneira de relacionamento com o público, jogo que oscila, indefinido, entre restos da
agressividade de
Roda viva
, agora acrescidas de gestos crispados em rigorosos movimentos de karatê, e
uma afetividade tipo paz e amor, que numa tarde de domingo chega a exibir dois ou três nus gratuitos”
(Peixoto, 1982, p. 76).