1
Sobre às margens do rio Watu: um processo
de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin
Sarah Rodrigues Damiani
Paula Barbosa da Silva
Para citar este artigo:
SANMARTIN, Stela Maris; DAMIANI, Sarah Rodrigues; SILVA,
Paula Barbosa da. Sobre às margens do rio Watu: um
processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n.56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0103
Este artigo passou pelo Plagiarism Detection Software | iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
2
Sobre às margens do rio Watu1: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta2
Stela Maris Sanmartin 3
Sarah Rodrigues Damiani 4
Paula Barbosa da Silva 5
Resumo
A partir do campo das interartes, o presente artigo revelou o processo de criação poético e artístico da
fotoperformance Watu conta contos. Por meio da filosofia do imaginário (Bachelard, 2018; Durand, 1993;
Ferreira-Santos; Almeida, 2020), da poética do espaço (Bachelard, 2003; Certeau, 2025) e das
cosmovisões indígenas sobre oralidade/escrita (Kopenawa, 2010; Krenak, 2020a, 2020b; Jecupé, 2023),
a investigação visou promover novas imagens e diálogos para a paisagem do Rio Watu, localizada no
município de Colatina-ES. Para tanto, a escrita empreendida apresenta o cenário do trabalho, o
processo criativo da fotoperformance e as imagens capturadas.
Palavras-chave: Processo criativo em Arte. Performance. Fotografia. Tradição oral. Rio Watu.
On the banks of the Watu River: a process of imaginary creation between the photographer
and the pernalta
Abstract
From the field of interarts, this article reveals the poetic and artistic creation process of the photo-
performance Watu conta contos. Through the philosophy of the imaginary (Bachelard, 2018; Durand,
1993; Ferreira-Santos; Almeida, 2020), the poetics of space (Bachelard, 2003; Certeau, 2025), and
indigenous worldviews on orality/writing (Kopenawa, 2010; Krenak, 2020a, 2020b; Jecupé, 2023), the
investigation aimed to promote new images and dialogues for the landscape of the Watu River, located
in the municipality of Colatina-ES. To this end, the writing undertaken presents the work's setting, the
creative process of the photo-performance, and the captured images.
Keywords: Creative process in Art. Performance. Photography. Oral tradition. Watu River.
A orillas del río Watu: un proceso de creación imaginaria entre el fotógrafo y el zancudo
Resumen
Desde el campo de las interartes, este artículo revela el proceso de creación poética y artística de la
fotoperformance Watu conta contos. A través de la filosofía de lo imaginario (Bachelard, 2018; Durand,
1993; Ferreira-Santos; Almeida, 2020), la poética del espacio (Bachelard, 2003; Certeau, 2025) y las
cosmovisiones indígenas sobre la oralidad/escritura (Kopenawa, 2010; Krenak, 2020a, 2020b; Jecupé,
2023), la investigación buscó promover nuevas imágenes y diálogos para el paisaje del río Watu, ubicado
en el municipio de Colatina-ES. Para ello, el texto presentado presenta el entorno de la obra, el proceso
creativo de la fotoperformance y las imágenes capturadas.
Palabras clave: Proceso creativo en el arte. Actuación. Fotografía. Tradición oral. Río Watu.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Leonardo Borges Lelé. Mestrando do Programa de Pós-
graduação em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduação em Letras e Literaturas de Língua
Portuguesa pela UFES.
2 Trabalho realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES).
3 Pós-doutorado em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar pela Universidade de Brasília (UnB). Doutorado em Educação
pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduação
em Educação Artística pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Profa. Adjunta na graduação e pós-graduação em
Artes na Universidade Federal de Espírito Santo. stelasanmartin@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/3169230790004855 https://orcid.org/0000-0001-7276-0584
4 Doutoranda em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialização em Artes na Educação pela
Faculdade de Vitória. Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade Vila Velha (UVV). Professora de Teatro para crianças,
contadora de histórias, pernalta e membro do Grupo de Extensão e Pesquisa em Criatividade, Educação e Arte (GEPCEAr).
sarahrodriguesdamiani@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2350831876354777 https://orcid.org/0009-0008-0606-6349
5 Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialização em Artes na Educação pela
Faculdade de Vitória. Licenciatura em Artes Visuais pela UFES. Graduação em Fotografia pela Universidade de Vila Velha
(UVV). Professora, artista e fotógrafa e membro do Grupo de Extensão e Pesquisa em Criatividade, Educação e Arte
(GEPCEAr). paulabarbosa.foto@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6250561098142515 https://orcid.org/0009-0006-9224-2200
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
3
Primeiros sinais
Este artigo faz parte dos estudos que investigam processos criativos no
campo das artes. Desenvolvido com recursos da CAPES, junto ao programa de
Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, a presente
investigação está integrada ao Grupo de Extensão e Pesquisa em Criatividade,
Educação e Arte (GEPCEAr/ UFES), coordenado pela professora Stela Maris
Sanmartin.
Partindo do campo das interartes, o presente trabalho propõe novas leituras
para a paisagem do Rio Watu, explorando diálogos entre a fotografia, a
performance e a filosofia do imaginário. Para tanto, explora-se, como processo de
criação, a intersecção entre a fotografia e a performance com perna de pau. As
duas linguagens convergem na extensão de perspectivas poéticas, pois tanto a
captura da fotógrafa como a ação da Pernalta6 são capazes de produzir novos
sentidos, guiando o leitor para percepções pouco exploradas no contexto do Rio
Watu. Essa partilha de olhares é lançada pela fotoperformance denominada Watu
conta contos, realizada em nível da Ponte Florentino Avidos, viaduto que liga o
Centro do município de Colatina-ES com o bairro São Silvano. Devido às
transformações impostas pelo capitalismo, este trecho se encontra com grandes
bancos de areia, transformando o cenário natural em uma imagem de urgências.
Tendo em vista esta imagem de urgências climáticas, deseja-se lançar novos
olhares que exploram a imaginação do leitor, associando símbolos, imagens e
visualidades, pois como aponta Rancière: “É nesse poder de associar e dissociar
que reside a emancipação do espectador, ou seja, a emancipação de cada um de
nós como espectador” (Rancière, 2012, p. 21).
Como perceber e compartilhar o olhar sensível sobre o mundo? Rancière
(2009) incita-nos a pensar uma arte política capaz de sensibilizar e partilhar
olhares. O autor provoca uma inquietação direcionando as visualidades da
sociedade frente às ações políticas, às distribuições do sensível e aos modos pelos
quais as esferas da experiência são estabelecidas e negociadas. De forma paralela,
6 Termo utilizado para nomear o artista que faz o uso da Perna de Pau.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
4
o filósofo do imaginário Gaston Bachelard (2018) nos convida a educar nossas
experiências por meio de devaneios: “Verá se tiver visões. Terás visões se se educar
com devaneios antes de educar-se com experiências, se as experiências vierem
depois como provas de seus devaneios” (Bachelard, 2018, p. 18).
Nesta direção, o olhar desta investigação se volta para uma percepção
sensível sobre as margens do Rio Watu, popularizado como Rio Doce, em Colatina-
ES. A problemática empreendida consiste em deslocar a percepção territorial do
espaço, contaminando a cena por meio de uma intervenção performática. A
elaboração cênica instaurada nas margens do rio Watu pretende tensionar as
dinâmicas visuais e imaginárias que se inscrevem no imaginário dos espectadores,
despertando-os para novos devaneios. Entende-se que a visualidade não se
estabelece como “fisiologia perceptiva”, mas sim um “[...] canal de ir e vir do desejo
do corpo para a mente e de ambos em suas relações com o mundo. O ato criador
de olhar torna-se um tipo de construtividade criadora para qualificar as interações
humanas (Meira, 2009, p. 16).
A performance Watu conta contos se instaura como um convite para explorar
o pensamento por imagens e construir percepções simbólicas para a paisagem do
rio, resgatando a memória de um rio que é a todo momento, contaminado e
devastado. Logo, interessa questionar: Quais são os olhares cotidianos sob as
margens do rio atualmente? Quais são os devaneios que ocupam o espaço
devastado? Entende-se que a devastação do rio não é apenas material, pois os
modos de vida que tangem o rio também são impactados, tendo suas histórias
silenciadas.
Kaká Werá Jecupé (2023), escritor e educador pertencente ao povo tapuia,
apresenta a tradição oral guarani como a premissa da existência humana: “O ser
humano é percebido como ‘alma-palavra’ é o que se expressa mediante a
linguagem e por meio do pensamento. Ser e som têm o mesmo sentido” (Jecupé,
2023, p. 53). Mais adiante, o autor complementa: “[...] é preciso ampliar nosso
conceito de som para além da vibração sonora, percebê-lo como corpo-vida,
princípio dinâmico da luz cuja forma denominamos ‘consciência’ (Jecupé, 2023,
p.56).
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
5
O filósofo e historiador Michel de Certeau (2025) corrobora com a filosofia de
Jecupé (2023) defendendo a palavra passada de boca a boca como fundamento
da existência humana. O autor destaca uma crise da oralidade originada pelo
“progresso escriturístico”: “Oral é aquilo que não contribui para o progresso; e,
reciprocamente, ‘escriturístico’ aquilo que se aparta do mundo mágico das vozes
e da tradição” (Certeau, 2025, p. 202). O autor menciona que a lógica escriturística
se separa das tradições orais a partir de uma perspectiva capitalista, acumuladora
e conquistadora: “A origem não é mais aquilo que se narra, mas a atividade
multiforme e murmurante de produtos do texto e de produzir sociedades com o
texto. O ‘progresso’ é de tipo escriturístico” (Certeau, 2025, p. 202).
A ilha da página é um local de passagem onde se opera uma inversão
industrial: o que entra nela é um ‘recebido’, e o que sai dela é um
‘produto’. As coisas que entram na página são sinais de ‘passividade’ do
sujeito em face de uma tradição; aquelas que saem dela são as marcas
do seu poder de fabricar objetos (Certeau, 2025, p. 203).
Nessa perspectiva, a performance atua como um ato de resistência contra a
desvalorização da vida, e consequentemente, conjuga ou se associa às narrativas
e tradições orais que preenchem a paisagem, o imaginário popular e as
cosmovisões que não se submetem à lógica instrumental, produtiva e utilitária do
capitalismo.
Para tanto, a pesquisa em arte se direciona na aproximação da poética do
espaço (Bachelard, 2003; Certeau, 2025), com a filosofia do imaginário (Bachelard,
108; Durand, 1993; Ferreira-Santos; Almeida, 2020) e as cosmovisões indígenas
sobre oralidade/escrita (Kopenawa, 2010; Krenak, 2020a, 2020b; Jecupé, 2023). O
diálogo entre as literaturas é sustentado tendo como eixo a divisão epistêmica
estabelecida entre a humanidade e a natureza (Latour, 2005; Moore, 2022),
enraizada nas forças de poder do capitalismo.
O termo é entendido, nas palavras do sociólogo Jason Moore (2022) como
“[...] uma maneira de organizar a natureza como uma ecologia-mundo
multiespécie, situada e capitalista” (Moore, 2022, p. 15). Na crítica à sociedade
moderna de Latour (2005), o autor também problematiza a ruptura entre mundo
e natureza: “ao tentar desviar a exploração do homem pelo homem para uma
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
6
exploração da natureza pelo homem, o capitalismo multiplicou indefinidamente
as duas” (Latour, 2005, p. 14).
A cosmovisão de Ailton Krenak (2020a) em A vida não é útil converge com a
crítica à divisão estrutural imposta pelo capitalismo. O autor argumenta que a
lógica do progresso se manifesta como processo de acumulação do poder,
culminando de forma paralela, à destruição da humanidade: “Com o avanço do
capitalismo, foram criados os instrumentos de deixar viver e de fazer morrer:
quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa. Ou produz
condições para se manter vivo ou produz as condições para morrer” (Krenak,
2020a, p. 87).
Neste ínterim, a imagem da pernalta trajada à luto diante da imensidão dos
bancos de areia provoca uma dualidade existencial, que a imensidão da
paisagem externa e devastada funciona também como espelho para a solidão
existente no luto. Bachelard (2003) alerta que o deserto desperta sempre um
espaço de intimidade: “Parece então que é por sua ‘imensidão’ que os dois
espaços: o espaço da intimidade e o espaço do mundo se tornam consoantes.
Quando se aprofunda a grande solidão do homem, as duas imensidões se tocam,
se confundem” (Bachelard, 2003, p. 207). Nesse sentido, o trabalho artístico
apresentado no presente texto evoca também uma denúncia diante ao
assassinato do rio e das vidas impactadas.
O contexto da Fotoperformance
O nome Watu foi descoberto no trabalho de Ailton Krenak (2020b),
denominado Ideias para adiar o fim do mundo. Em sua narrativa, o autor descreve
o rio com as seguintes palavras: “O rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de
Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas”
(Krenak, 2020b, p. 40). Sendo uma pessoa, vale lembrar que Watu tem história e
memória. Dessa forma, a narrativa descrita nos trouxe a imagem de um avô,
provedor de um conhecimento que é passado para outras gerações a partir da
oralidade, isto é, da arte de contar histórias por meio da palavra oral.
A contação de histórias circunda os povos da mata. No livro A terra dá, a terra
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
7
quer, Antônio Bispo dos Santos (2024) argumenta: “Na cidade grande, contudo, só
tem valor o que vira mercadoria. Lá, não se contam histórias, apenas se escreve:
escrever histórias é uma profissão” (Santos, 2024, p. 25). Como complemento
desta ideia, o autor reforça no último parágrafo do livro: “Somos povos de
trajetórias, não somos povos de teoria. Somos da circularidade: começo, meio e
começo. As nossas vidas não têm fim. A geração avó é o começo, a geração mãe
é o meio e a geração neta é o começo de novo” (Santos, 2024, p. 102).
Provocada pelas palavras de Santos (2024) sobre a circularidade das
contações de história e pelas palavras de Krenak (2020b) sobre a morte do avô
Watu, a performer, pernalta e contadora de histórias cria o trabalho Watu conta
contos. A artista, trajando luto, às vésperas de completar 28 anos, volta às margens
do rio Watu território onde nasceu —, veste a sua perna de pau e segura um
livro de contos.
Neste momento, o trabalho se volta a uma nova questão: quais são os contos
que circulam o rio Watu? Nos últimos nove anos, desde o ocorrido em Mariana e
Brumadinho, o que se conta sobre o rio é o derramamento da lama da mineração,
e suas consequências no cotidiano dos povos que tangem o rio.
O Watu, esse rio que sustentou a nossa vida às margens do rio Doce,
entre Minas Gerais e o Espírito Santo, numa extensão de seiscentos
quilômetros, está todo coberto por um material tóxico que desceu de
uma barragem de contenção de resíduos, o que nos deixou órfãos e
acompanhando o rio em coma (Krenak, 2020b, p. 41-42).
Fiorott e Zaneti (2017) reforçam: “Um dos povos mais atingidos por esse
desastre é também um dos que mais tempo habita a bacia do rio Doce os
autodenominados Borun remanescentes dos Botocudos, amplamente
conhecidos como Krenak [...]” (Fiorott; Zaneti, 2017, p. 128-129).
Povos Borun, netos das águas doces, contadores de história, guardiões da
tradição oral e protetores de memórias, não é de interesse deste trabalho
distanciar os olhares sobre a morte do avô Watu. Torna-se objetivo, portanto,
lançar ao público leitor, inquietações sobre as histórias que se contam e as
histórias que se deixam contar. Desta forma, se faz interesse reunir novas imagens
para a construção de um arcabouço imaginário sólido, presente nos debates
urgentes sobre as relações homem-natureza por meio desta arte da palavra.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
8
Como anunciado na introdução do presente texto, entende-se que a
devastação do rio é consequência direta das forças de poder do capitalismo, que
para além de vidas destruídas, destroem também suas narrativas. Krenak (2020a)
alerta para o abandono do termo “antropocentrismo”, destacando que a vida está
muito além da humanidade. No entanto, diferente de pensar a humanidade no
centro da vida, Moore (2022) sugere o capitalismo no centro da vida, adotando o
termo “capitaloceno”. O autor aponta uma estrutura “[...] que se junta à
acumulação do capital, à busca pelo poder e à coprodução da natureza em
configurações históricas sucessivas” (Moore, 2022, p. 15), tendo como
consequência a extinção de culturas e linguagens.
Nesse sentido, a devastação promovida pelo capitaloceno, portanto, não se
restringe à dimensão física, configura-se também como uma violência à
linguagem, apagando as narrativas que sustentam a existência da humanidade,
pois como aponta Jecupé (2023), “Antes de existir terra, em meio à Noite Primeira,
antes de ter-se conhecimento das coisas, criou-se o fundamento da linhagem-
linguagem humana que viria tornar-se alma-palavra” (Jecupé, 2023 p. 42).
em Watu conta contos duas escolhas poéticas e simbólicas: o luto pela
perda da linhagem-linguagem (representado pela indumentária da pernalta) e a
caminhada pelos bancos de areia, representando a devastação do rio como lugar
habitado. Certeau (2025) define a caminhada como “processo indefinido de estar
ausente e à procura de um próprio” (Certeau, 2025, p. 168). Assim, ocupar os
bancos de areia do rio Watu é reviver o espaço por meio da arte, transformando a
paisagem cotidiana devastada do rio em uma imagem de resistência e memória.
Ao percorrer o texto, o leitor pode se perguntar: “Por que escolher o registro
da performance como linguagem poética (a fotografia), se as problemáticas
apresentadas discorrem sobre as tradições orais?” Esta escolha se articula à
filosofia do imaginário (Durand, 1993), assumindo a urgência do homem dominar
as imagens antes que elas nos dominem.
Seja a imagem registrada em algum suporte de linguagem artística
(fotografia, pintura, cinema, escultura, imagem cênica ou coreográfica
etc.), seja a imagem que se forma em nossa imaginação e será constelada
com outros conjuntos de imagens em nosso imaginário; a imagem possui
o atributo básico de mobilizar nossos afetos, memória, percepções, nos
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
9
exigindo formas de acompanhar seu movimento (Ferreira-Santos;
Almeida, 2020, p. 33).
Nesta direção, compreende-se que a imagem possui potência intrínseca para
mobilização da ação humana. Desse modo, a escolha pela linguagem da
fotoperformance é também um convite à leitura de novas visões possíveis e novas
formulações de realidade. A artista Marly Ribeiro Meira (2009) estimula a pensar
o olhar como força criadora de desejos e mundos: “O olhar faz o pensamento
dançar, gingado ao corpo, tanto quanto faz o ouvir e o tocar [...]” (Meira, 2009,
p. 19).
Sobre a construção das imagens poéticas, o trabalho em questão se articulou
também com a obra do artista Marcel Caram denominada Os homens da Perna
de Pau e seus peixes (2021). Observe na Figura 1 o contraste entre as águas secas
e a perna de pau — instrumento usado para passar sobre águas abundantes.
Figura 1 - Trabalho intitulado Os homens da Perna de Pau e seus Peixes (2021)7.
7 Disponível em: https://www.flickr.com/photos/marcarambr/51378959313/. Acesso em: 15 out. 2024. Arte digital
intitulada “Os homens na Perna de Pau e seus peixes”. É um trabalho surrealista do artista Marcel Caram. A
imagem é disposta com um cenário de um rio deserto e um céu cheio de nuvens. Há dois homens na perna
de pau que seguram uma linha gigante, que saem de suas mãos e atravessam uma figura de peixe dividida
em três partes: cabeça, meio do corpo e rabo. As cores da obra se distribuem em tons amarelados,
esverdeados e azulados.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
10
O artista provoca, com o seu trabalho surreal, uma leitura contrastante. A
perna de pau é um aparelho ancestral (Fonseca; Costa, 2022) e, como aponta
Bortoleto (2003), “[...] foi amplamente usado pelas populações de regiões
pantanosas e também para atravessar riachos sem molhar-se” (Bortoleto, 2008,
p. 91). Também registros de que este aparelho foi usado em “[...] práticas
religiosas realizadas entre vários povos do mundo e posteriormente tornou-se um
brinquedo podendo ser chamado de andas, andes ou zancos” (Luz, 2015, p. 56).
Quando Caram (2021) aproxima o rio deserto dessa figura na perna de pau,
neste elo uma nova partilha de olhar: o leitor é convidado a construir uma nova
estrutura imaginária, que apesar de seu carácter onírico, revela-se, na realidade,
como um cenário presente de muitas urgências, crises ecológicas, desigualdades,
racismo ambiental e questões existenciais. Nesse sentido, quais forças
imaginantes podem ser criadas entre estas imagens que se confrontam? Como
ver e fazer ver novas construções simbólicas?
As imagens lançadas
No dia 13 de outubro de 2024, a fotógrafa e a pernalta se deslocam em direção ao
município de Colatina, ES. De cima da Ponte Florentino Avidos, as imagens prevalecidas
eram os bancos de areia. A visualidade daquela paisagem pertencia ao imaginário das
artistas, entretanto o desejo de criação se volta a uma busca sensível de como partilhar
o olhar.
Para tanto, a pernalta, trajando luto, assumindo sua personagem contadora
de histórias, veste sua perna de pau, segura seu livro de contos e se posiciona para
o registro da paisagem expressa na Figura 2.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
11
Figura 2 - Documento de Performance Watu conta contos8.
O olhar da fotógrafa estava direcionado para a troca intercambiada com a
pernalta que fazia a interferência naquele ambiente. Não interessava a réplica
visual da paisagem devastada, mas a atmosfera criada pelo jogo de luz, cores,
enquadramento e interações com a personagem. Este vestígio inesperado através
do recorte capturado no espaço-tempo também cria uma narrativa própria,
oferecendo ao observador uma versão interpretada desse instante, como diz
Kossoy:
Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo
tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda
fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela
representará sempre uma criação do testemunho (Kossoy, 2014, p.54).
8 Fonte: arquivo pessoal das autoras, 2024. A imagem é disposta com um cenário de um rio deserto e um céu
cheio de nuvens. No centro, uma contadora de histórias vestida de preto em cima da sua perna de pau,
segurando um livro de contos na mão. À sua frente, há um galho grande caído no chão.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
12
Desse modo, as ressonâncias das imagens deste trabalho têm frutos a partir
da construção prévia coletiva partilhada em diálogos, referências textuais,
imagéticas através de estudos da fotógrafa junto da pernalta. Nesse momento, a
pernalta aparece distante, não é possível visualizar a sua expressão facial, a
captura do olhar parte apenas da fotógrafa e do seu desejo em documentar a
imagem ao seu entorno. O sociólogo e escritor José de Souza Martins (2017)
convida o leitor a uma reflexão sobre a fotografia como documento: “A fotografia
documenta as mentalidades de quem fotografa, de quem é fotografado, e de
quem a utiliza, problemáticas agregações à sua polissemia” (Martins, 2017, p. 58).
Usos e funções da fotografia não a recomendam como documento
qualificado da vida cotidiana, enquanto molde de vida e concepção da
vida que aboliu a dimensão mágica e religiosa de seus ritos seculares, de
suas estratégias e de seu teatro. Mas a recomendam, na perspectiva de
sua utilidade social, como documento do imaginário contraditório, em
crise, do homem contemporâneo (Martins, 2017, p.58).
Entende-se, assim, que a fotografia não é um registro preciso da realidade,
mas sim um reflexo das subjetividades, o registro das possibilidades imaginárias.
Pode-se, então, pensar em duas linhas de raciocínio: a fotografia que se encontra
banalizada pela repetição de padrões por meio da indústria cultural, refletindo um
imaginário em crise, contraditório e fragmentado, e a fotografia que resiste em
retratar o cotidiano de forma superficial ou mecânica, sendo insubmissa às
implicações da primeira. Essa segunda busca reintegra a profundidade e o sentido,
refletindo em uma crítica à fragmentação, em vez de simplesmente aceitá-la.
Nesta direção, pensando nessa fotografia que busca a profundidade e é
atravessada pela subjetividade e pelo imaginário de quem fotografa e de quem é
fotografado, a fotógrafa e a pernalta se conectam de forma sensível e
compartilhada, criando uma série de fotoperformance denominada Watu conta
contos. Dentre as imagens capturadas, o texto que segue pretende discorrer
acerca de três trabalhos: Eu conto seu conto, Quem conta seu conto? e Meu conto
se conta!
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
13
Durante o processo da performance, houve um episódio relevante para a
análise e descrição das imagens apresentadas abaixo. Havia um contraste de
desejos entre as artistas envolvidas no trabalho. Para a pernalta, interessava a
captura da perna de pau e a do rio. Em contrapartida, havia na fotógrafa o desejo
de experienciar a performance do corpo nos bancos de areia, a fim de criar
vivências que fossem singulares daquele lugar, sendo capaz de refletir essas
particularidades nas imagens. Observe nas Figuras 3, 4 e 5 a composição visual
explorada pelas artistas.
Figura 3 - Documento de Performance Watu conta contos: Eu conto seu conto9.
9 Fonte: arquivo pessoal das autoras, 2024. A imagem é disposta com uma contadora de histórias, trajada de
preto, segurando um livro de contos na mão. Atrás da artista, um céu azul coberto de nuvens. Não é
possível visualizar as pernas de pau, a artista aparece de forma centralizada.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
14
Figura 4 - Documento de Performance Watu conta contos: Quem conta seu conto?10.
Figura 5 - Documento de Performance Watu conta contos: Meu conto se conta11.
10 Fonte: arquivo pessoal das autoras, 2024. A imagem é disposta com um cenário das margens do rio Watu,
conhecido como Rio Doce, localizado em Colatina-Es. No fundo da foto, aparece a Ponte Florentino Avidos.
No centro, há apenas as pernas de pau da contadora de histórias, seu corpo não aparece na foto, destacando
assim, a perna de pau de bambu.
11 Fonte: arquivo pessoal das autoras, 2024. A imagem é disposta com um cenário das margens do rio Watu,
conhecido como Rio Doce, localizado em Colatina-Es. No fundo da foto, aparece a Ponte Florentino Avidos.
No centro, uma contadora de histórias vestida de preto em cima da perna de pau, segurando um livro de
contos na mão. A artista aparece de corpo inteiro, segurando de cabeça para baixo, o livro para a fotógrafa. O
corpo da pernalta é fotografado de costas, e seu olhar se volta para um horizonte que o aparece na imagem.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
15
As escolhas presentes nos trabalhos acima partem de percepções e imagens
distintas. A professora e contadora de histórias, Regina Machado (2015), cria uma
metáfora para diferenciar a percepção da imaginação. Para a autora, a habilidade
de perceber pertence ao homem que observa, e a imaginação é atributo daqueles
que sonham. No que diz respeito aos sonhos, a autora pontua: “O homem
(habilidade do ser humano) que sonha vive ativamente a imaginação criadora
entendida como ação de conceber o que pode vir a ser” (Machado, 2015, p. 5).
Uma pessoa pode olhar para um pequeno vaso de flores durante um
certo tempo, distinguindo as cores de cada flor, o contraste com o verde
das folhas, com o branco da parede atrás do vaso, registrando o sol da
tarde incidindo sobre elas. Quando a esse tipo de percepção se agrega a
vida imaginativa do sujeito a este se deixa tocar por isso que se vê,
realizando que as flores são lindas, lembrando-se de algo, respirando
junto com o que está vendo, pode acontecer uma percepção estética.
Realiza-se uma experiência significativa de contato entre as imagens
internas do sujeito e a imagem que tem diante de si (Machado, 2015, p.
5-6).
Nas palavras da autora, a experiência imaginativa se dá quando o observador
se deixa tocar por aquilo que é percebido. Nesse sentido, assumindo a
fotoperformance como espaço de percepções, sensações e desejos, pode-se
afirmar que as imagens criadas foram conduzidas pela interação daquilo que era
visto, sentido, concebido e imaginado. Desse modo, vale ressaltar quais caminhos
imaginativos foram traçados pela fotógrafa e a pernalta.
Os caminhos imaginativos da fotógrafa e da pernalta
A partir da experiência do corpo da fotógrafa diante do corpo da performer
inserido no local do rio, observa-se no trabalho Watu conta contos: Eu conto seu
conto, a escolha pelo enquadramento de baixo para cima sugere uma atmosfera
de grandiosidade, colocando a pernalta em lugar elevado diante a condição de
quem conta uma história. É possível observar que o corpo, inclinado para baixo,
como quem quer chegar mais perto para contar a história, indica a ação de quem
está lendo, demarcando a relevância da leitura do conto. Nada mais é visto no
cenário da imagem fotográfica para não tirar o foco deste ato. Com o ângulo
voltado para o céu, todas as possibilidades de distração são retiradas da leitura,
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
16
colocando, assim, a leitura do conto em um local elevado.
Em Watu conta um conto: Quem conta seu conto?, são identificados dois
elementos visuais presentes: a perna de pau e o cenário do rio, onde a conexão
dos dois é narrada pela ancestralidade. Essa segunda imagem tem um recorte
oposto ao da primeira: através do enquadramento que é um pouco mais fechado,
observa-se a retirada do corpo na fotografia. A poética é demarcada pela ausência
do corpo inteiriço e grandioso que conta uma história, mas que aparece através
dos vestígios na perna de pau. É possível observar na imagem o rastro de um corpo
sobre a perna de pau que a sustenta, assim, são sugeridas as seguintes
inquietações: De quem é esse corpo? Por que a sua identidade não é revelada?
Para a pernalta, a escolha pelo enquadramento da perna de pau interessava
enquanto dimensão simbólica. Em sua elaboração narrativa, como já mencionado
na contextualização da fotoperformance, havia uma vontade em aproximar
elementos que não se aproximam mais. O título Quem conta seu conto? dialoga
com a ideia de anonimato mantida no registro, visto que a cabeça da performer
não aparece na imagem capturada. Pretende-se, pelo trabalho, questionar: Em um
cenário de violência racial e étnica, no qual os povos de cultura oral continuam
sendo apagados da história, quem contará os contos de Watu?
Além dos povos indígenas mencionados, vale ressaltar que o estado do
Espírito Santo também é território de povos ciganos, sociedades que são
tradicionalmente propagantes da cultura oral (Pinto, 2017). Um estudo realizado
em 2010 com 78 prefeituras mostrou como as organizações governamentais
desprezam e anulam as comunidades ciganas que transitam no estado.
Através deste mapeamento foi possível identificar o descaso dos agentes
públicos que, não raras vezes, nos atendiam às gargalhadas após
mencionarmos nosso interesse acerca de comunidades ciganas. Esse
descaso ficou claro em falas como a do prefeito de um município que
possuía acampamento cigano: “Cigano é um bicho igual formiga. A gente
sabe que tem, mas ninguém conhece” (Bonomo et al., 2010, p. 163).
O anonimato expresso pela Figura 4 gera um contraste de leitura interessante
para as reflexões apresentadas: a perna de pau é usada para tornar o indivíduo
visível, entretanto o enquadramento da foto se volta a não visibilidade do sujeito.
O que este recorte sugere? Seria uma analogia para os povos invisibilizados,
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
17
guardiões da cultural oral?
A perna de pau, instrumento ancestral apropriado pelas artes circenses para
realização de espetáculos, também é concebida neste trabalho como dimensão
simbólica e imaginativa. Aproximá-la do rio, centralizando a imagem no
enquadramento, permite criar um diálogo com o texto da antropóloga Michèle
Petit, no qual a autora destaca: “[...] somos seres de desejos, não apenas de
necessidades” (Petit, 2024, p. 12). Em modos de vida pautados na utilidade, a perna
de pau é vista como instrumento de necessidades (atravessar um rio, avistar o
rebanho de ovelhas, divulgar espetáculos circenses). No trabalho em questão, ela
aparece em forma de desejos, como a proposição de imagens que transcendem
a função utilitária e a transformação da perna de pau em um convite à criação de
novos mundos imaginários.
A interação de desejos presentes na Figura 3 e Figura 4, entre a fotógrafa e a
pernalta, resultou na composição visual do trabalho Watu conta contos: meu
conto se conta, expresso na Figura 5, que sugere questionamentos como: O que
representa a ação de segurar o livro de cabeça para baixo? “O que a voz traz que
o texto escrito não traz?” (Machado, 2015, p. 21). Ou melhor, o que o silêncio traz
que conto nenhum traz?
A pernalta se encontra perdida, seu olhar se volta para um horizonte distante,
abandonando o livro de contos. A imagem elaborada também pretende dialogar
com a ideia de que os contos de Watu, assim como toda tradição de cultura oral,
são narrativas que encontram na oralidade sua forma de expressão e transmissão.
Diferentemente da primeira imagem, em que a pernalta aparece inclinada lendo o
livro, aqui observa-se que o conto pode ter como leitor quem observa, entretanto,
esta leitura externa à obra não se equipara àquela proporcionada pela oralidade.
Eu não tenho velhos livros como eles, nos quais estão desenhadas as
histórias dos meus antepassados. As palavras dos xapiri estão gravadas
no meu pensamento, no mais fundo de mim. São as palavras de Omama.
São muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo. Desde
sempre, elas vêm protegendo a floresta e seus habitantes (Kopenawa,
2010, p. 65).
O trabalho Meu conto se conta expressa o desejo de uma contadora de
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
18
histórias em conhecer os contos que se perderam por estes modos de vida
violentados durante um processo de colonização, que marginalizou e silenciou
vozes propagantes de uma tradição oral. A contação de histórias é uma linguagem
artística potente, capaz de transcender e configurar novos mundos e cosmovisões.
“De maneiras diversas, essa arte da palavra transfigura mundos, operando o
trabalho silencioso de dispor para o ouvinte e o leitor imagens ressonantes que
conferem substrato e ampliam substancialmente sua aventura imaginativa”
(Machado, 2015, p. 17). Deste modo, se faz necessário reunir novos olhares,
promovendo debates urgentes para o resgate das histórias contadas sobre as
margens do Rio Watu.
Algumas considerações
O trabalho Watu conta contos representa uma intersecção rica entre a
fotografia e a performance, revelando a complexidade das narrativas que
emergem das margens do Rio Watu, também conhecido como Rio Doce.
Através da interação sensível entre a fotógrafa e a pernalta, a pesquisa em
arte que se materializa neste projeto não apenas documenta, como também
provoca reflexões sobre a relação entre cultura e imaginário, promovendo diálogos
necessários em direção a uma paisagem urgente.
A investigação se fundamenta na ideia de que a arte pode ser um meio efetivo
de partilha, resistência e ressignificação, permitindo debates importantes sobre a
tradição oral, de forma que os modos de contar e fazer sejam resgatados e
discutidos no campo acadêmico.
Através da fotoperformance, as artistas buscam não apenas capturar a
essência do lugar, mas também questionar quem conta as histórias e quais
narrativas são privilegiadas em um cenário de apagamento cultural. Assim, a
experiência estética proposta por Watu conta contos se torna um convite à
imaginação e à reflexão, promovendo um espaço de partilha de sentidos e
percepções que é essencial para a construção de novos mundos e cosmovisões.
Na obra A vida não é útil, Ailton Krenak (2020a) levanta a seguinte reflexão:
“Nós, Krenak, decidimos que estamos dentro do desastre, ninguém precisa vir tirar
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
19
a gente daqui, vamos atravessar o deserto, temos que atravessar” (Krenak, 2020a,
p. 116). As palavras do autor ressoam profundamente com a essência do projeto,
pois o trabalho em questão se configura como um convite ao atravessamento
deste deserto. Nesse sentido, questiona-se: Quais são os contos que precisam ser
contados?
Referências
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria.
3º. ed. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2018.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2003.
BONOMO, Mariana; SOUZA, Lídio; BRASIL, Julia; LIVRAMENTO, André; CANAL,
Fabiana. Gadjés em Tendas Calons: um Estudo Exploratório com Grupos Ciganos
Semi-nômades em Território Capixaba. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais,
São João del-Rei, v. 4, ed. 2, p. 160-171, 2010. Disponível em:
https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistalapip/volume4_n2/bonomo_et_al.pdf.
Acesso em: 10 out. 2024.
BORTOLETO, Marco Antonio. A perna de pau circense: o mundo sob outra
perspectiva. Motriz: Revista de Educação Física, Rio Claro, v. 9, ed. 3, p. 125-133,
2003. Disponível em:
https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/motriz/article/view/1007.
Acesso em: 10 out. 2024.
BORTOLETO, Marco Antonio. Introdução à pedagogia das atividades circenses. 1.
ed. São Paulo: Editora Fontoura, 2008.
CARAM, Marcel. Os homens da Perna de Pau e seus Peixes. 2021. Arte Digital.
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/marcarambr/6039037730. Acesso
em: 10 out. 2024.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 23ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2025.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito. ed.
Lisboa: Edições 70, 1993.
FERREIRA-SANTOS, Marcos; ALMEIDA, Rogerio de. Aproximações ao imaginário:
bússola da investigação poética. 2ª. ed. São Paulo: FEUSP, 2020.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
20
FIOROTT, Thiago Henrique; ZANETI, Izabel Cristina Bruno Bacellar. Tragédia do Povo
Krenak pela Morte do Rio Doce / Uatu, no Desastre da Samarco / Vale/ BHP, Brasil.
Fronteira: Journal of Social, Technological and Environmental Science, [S. l.], v. 6,
n. 2, p. 127–146, 2017. Disponível em:
https://revistas2.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/article/view/2444.
Acesso em: 10 out. 2024.
FONSECA, Michelle; COSTA, Fernanda. Vem andar e voar: Processos e narrativas
de uma oficina de perna de pau. Revista Cidade Nuvens, Crato, v. 1, ed. 3, p. 93-104,
2022. Disponível em: http://revistas.urca.br/index.php/rcn/article/view/377. Acesso
em: 10 out. 2024.
JECUPÉ, Kaká Werá. Tupã Tenondé: A criação do universo, da terra e do homem
segundo a tradição oral Guarani. 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2023.
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 5. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020a.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020b.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: Palavras de um xamã
yanomami. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LATOUR, Bruno. Crise. In: LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de
antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 2005.
LUZ, Juliana. Educar - brincar - cuidar: uma proposta problematizadora de ensino
no brinquedo/brinquedo terapêutico para o curso de graduação em enfermagem.
2015. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde) Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/157391. Acesso em: 10 out. 2024.
MACHADO, Regina. A arte da palavra e da escuta. 1. ed. São Paulo: Editora
Reviravolta, 2015.
MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2017.
MEIRA, Marly Ribeiro. Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível. 3.
ed. Porto Alegre: Mediação, 2009.
MOORE, Jason W. (org.). Antropoceno ou capitaloceno? natureza, história e a crise
do capitalismo. São Paulo: Elefante, 2022.
Sobre às margens do rio Watu: um processo de criação imaginária entre a fotógrafa e a pernalta
Stela Maris Sanmartin | Sarah Rodrigues Damiani | Paula Barbosa da Silva
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-21, dez. 2025
21
PETIT, Michèle. Somos animais poéticos: A arte, os livros, a beleza em tempos de
crise. 1. ed. São Paulo: Editora 34 Ltda., 2024.
PINTO, Ana Kátia. Entre andanças, transformações e fronteiras: (re) significações
da escola por ciganos do espírito santo. 2017. Tese (Doutorado em Educação)
Universidade Federal de Espírito Santo, Vitória, 2017. Disponível em:
https://sappg.ufes.br/tese_drupal/tese_11735_Tese_versao_final.pdf. Acesso em: 10 out. 2024.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do Sensível: estética e política. 2º. ed. São Paulo:
Editora 34, 2009.
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
SANTOS, Antônio. A terra dá, a terra quer. 3. ed. São Paulo: Ubu Editora, 2024.
Recebido em: 29/04/2025
Aprovado em: 11/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br