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ENTREGA TUDO!
Lea Santos
Roberta Ninin
Romah Nascimento
Para citar este artigo:
SANTOS, Lea; NININ, Roberta; NASCIMENTO, Romah.
Entrega Tudo!
Urdimento – Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e601
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Lea Santos | Roberta Ninin | Romah Nascimento
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-26, abr. 2025
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Entrega Tudo!
Criação Coletiva: Quadrilha de Piaba
Dramaturgistas: Lea Santos1, Roberta Ninin2, Romah Nascimento3
Resumo
Trabalhadores de Ifood e/ou de Arte devem entregar o produto ao consumidor/espectador em meia
hora! Partindo dessa premissa e realidade, discentes e docente da matéria Projeto de Investigação da
Cena Épica, do curso de Licenciatura em Teatro da Unespar, trabalharam quinze cenas na obra Entrega
Tudo! Temperada com pitadas de comicidade e de expedientes épicos brechtianos, o grupo Quadrilha
de Piaba, oriundo desse processo, apresenta os personagens: Entregador, Apresentador e Entrevistador,
entrelaçados pelas peripécias dos Atuantes. Por meio de uma dramaturgia de criação coletiva, este
texto propõe abordar a rotina de entregadores desde a sua casa ao recebimento e entrega de pedidos
pelo aplicativo.
Palavras-chave: Cena Épica. Bertolt Brecht. Criação coletiva. Dramaturgia.
Entrega Tudo!
Abstract
Ifood and/or Art workers must deliver their product to the consumer/spectator within half an hour!
Based on this premise and reality, students and the professor of the course Epic Scene Investigation
Project, from the Theater Teaching Degree at Unespar, developed fifteen scenes in the play Entrega
Tudo! (Deliver Everything!). Seasoned with touches of comedy and Brechtian epic techniques, the group
Quadrilha de Piaba, formed through this process, presents the characters: the Delivery Worker, the
Presenter, and the Interviewer, intertwined with the antics of the Performers. Through a collectively
created dramaturgy, this text aims to explore the daily routine of delivery workers from their homes to
receiving and delivering orders through the app.
Keywords: Epic Theater. Bertolt Brecht. Collective Creation. Dramaturgy.
Entrega Tudo!
Resumen
¡Los trabajadores de Ifood y/o del arte deben entregar su producto al consumidor/espectador en solo
treinta minutos! Partiendo de esta premisa y realidad, los estudiantes y el profesor de la asignatura
*Proyecto de Investigación de la Escena Épica*, del curso de Licenciatura en Teatro de Unespar,
desarrollaron quince escenas en la obra *Entrega Tudo!* (¡Entrega Todo!). Condimentado con toques
de comicidad y técnicas del teatro épico brechtiano, el grupo *Quadrilha de Piaba*, surgido de este
proceso, presenta a los personajes: el Repartidor, el Presentador y el Entrevistador, entrelazados por
las peripecias de los Actuantes. A través de una dramaturgia de creación colectiva, este texto propone
abordar la rutina de los repartidores, desde su hogar hasta la recepción y entrega de pedidos a través
de la aplicación.
Palabras clave: Teatro Épico. Bertolt Brecht, Creación colectiva. Dramaturgia.
1 Graduanda em Licenciatura em Teatro pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) campus Curitiba II.
leafersantos42@gmail.com https://lattes.cnpq.br/1116650698441240 https://orcid.org/0009-0003-0522-8610
2 Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Artes pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Graduação em Licenciatura em Artes Cênicas pela UNESP. Profa. Adjunta no curso de
Licenciatura em Teatro da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus Curitiba II.
roberta.ninin@unespar.edu.br https://lattes.cnpq.br/1920667853739253 https://orcid.org/0000-0002-1402-2409
3 Graduando em Licenciatura em Teatro pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) campus Curitiba II. Técnico em Teatro
pela Instituição Cena Hum Academia de Artes Cênicas. Arte Educador no Centro de referência de assistência social Atuba
(Curitiba/PR). rnascimentosouza652@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/0823197877711207 https://orcid.org/0009-0002-8655-1462
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Notas sobre
Entrega tudo!
Com base nos estudos de Bertolt Brecht sobre o teatro épico e, em especial,
a partir de sua peça de aprendizagem“ A Exceção e a Regra”, uma turma de
discentes e docente da matéria Projeto de Investigação da Cena Épica (PINC II) do
curso de Licenciatura em Teatro da Unespar campus Curitiba II decidiram,
coletivamente, compartilhar o resultado de suas investigações poéticas acerca da
luta de classes no contexto da precarização incessante do trabalho, também
artístico, na contemporaneidade: o trabalho cênico Entrega Tudo! para a
comunidade interna e externa à universidade. Dessa forma, e de modo
colaborativo, durante o primeiro semestre letivo do ano de 2024, eles e elas
compuseram a Quadrilha de Piaba, organizando-se nas seguintes tarefas: direção
teatral da docente Roberta Ninin; assistência de direção da egressa do curso
Marcela Goellner; criação cênica e atuação de Ary Monteiro, Luh Silva, Logan
Godinho, Kai Novais, IsKips, Maria Elis, Lea Santos, Romah Nascimento, Feppo;
criação e operação de luz de Léo Menin e Theo Brito criação dramatúrgica coletiva;
dramaturgistas: Lea Santos, Roberta Ninin e Romah Nascimento; criação e
operação sonora de Theo Lopes e Theo Brito.
A peça
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, construída a muitas mãos, foi permeada por discussões
acerca da dialética enquanto compreensão histórica e social, em constante
movimento, da vida, da luta e da arte, optando-se por um ponto de vista da
narrativa: dos e das trabalhadoras do teatro, em formação, e que não detêm os
grandes meios de produção. Com foco na atuação, o grupo partiu de
improvisações de cena e música, de jogos e experimentações a partir de esquetes
circenses e da cultura popular brasileira, estruturando-se entorno da rotina do
personagem ENTREGADOR. Em busca de uma diálogo mais direto com o público,
a Quadrilha de Piaba traçou seu itinerário de ações cênicas: recebe o pedido, dirige-
se até o local de retirada, pega o pedido, coloca na bag junto aos outros pedidos.
Anda 10, 15, 20 min. Entrega o pedido. Recebe outro pedido… E, depois de muito
tempo, chega em casa, na sua propriedade privada. Quem é você? Na casa mais
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conectada do Brasil se reúnem entregadores de todos os tipos e de todos os
produtos. Querem conversar com você, caro espectador, cara espectadora, sobre
o que estamos engolindo: será que a vida nos engoliu ou nós que a engolimos?
Entrega Tudo! estreou no mês de agosto do ano passado, como conclusão
da matéria obrigatória ofertada na grade curricular do curso da Unespar, no Teatro
Laboratório (TELAB), e trilhou outros caminhos além acadêmicos. A Quadrilha de
Piaba recebeu convite para novas apresentações, entre elas: no mês de setembro,
na Mostra Emergente, organizada por estudantes e egressos da Unespar, realizada
no Teatro Novelas Curitibanas, um equipamento público municipal; no mês de
outubro, no 17º Festival de Teatro de Pinhais/PR, recebendo premiações de melhor
dramaturgia e melhor elenco; no mês de novembro, na Mostra de Arte I.ntervalo
2024, promovida pelo projeto “Canteiro e Núcleo de Artes e Educação” do curso
de Licenciatura em Artes da Universidade Federal do Paraná (UFPR – Litoral), na
cidade de Matinhos. E, por fim, atualmente, no mês de março e abril, na
programação da mostra aberta presente na 33o edição do Festival de Teatro de
Curitiba 2025, denominada Fringe, realizada na praça Generoso Marques e na Boca
Maldita, localizada no calçadão da rua XV de Novembro.
Mais informações sobre o processo de criação do grupo e dessa dramaturgia,
em específico, encontram-se no artigo “Até semente pende: processos
investigativos da cena épica”, de Marcela Goellner e Roberta Ninin, publicado nesta
Revista.
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Personagens
●
Atuante 1 - (criado por Ari)
●
Atuante 2 - (criado por Luh)
●
Atuante 3 - (criado por Logan)
●
Atuante 4 - (criado por Kai)
●
Atuante 5 - (criado por Isaac)
●
Atuante 6 - (criado por Maria)
●
Atuante 7 - (criado por Lea)
●
Atuante 8 - (criado por Roma)
●
Atuante 9 - (criado por Feppo)
Cena 01 - Coreografia Bag
Cena 02 - Abertura
Cena 03 - Entrada na Casa
Cena 04 - Briga na cozinha
Cena 05 - Comercial
Cena 06 - Objetos
Cena 07 - Fast Food
Cena 08 - Comercial bag de ouro
Cena 09 - Entrevista de Emprego
Cena 10 - Comercial Margarina
Cena 11 - Conversas no Bar
Cena 12 - Break News
Cena 13 - Patrão
Cena 14 - Engolir
Cena 15 - Comercial Patrão Esperança
Cena 01 - Coreografia Bag
Atuantes estão com suas bags ‘pesadas' nas costas, cantarolam o ritmo da cantiga
popular “escravos de jó”, enquanto caminham em direção ao espaço cênico e ao
público. Marchando coreograficamente, brincam a partir do jogo proposto pela
cantiga: param e tiram a bag, esperam um pouco, vestem a bag. Continuam a
realizar os movimentos, até chegarem ao público, onde se espalham entre as
pessoas e iniciam o texto de abertura.
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Cena 02 - Abertura
Atuantes
Agora se dá início
A história de uma casa
Construída por explorados, com tijolos,
Blocos de pedra nos ombros, ossadas, escombros, estrondos.
Destruída por exploradores, que espremem e esgotam
A força que te põe de pé.
São séculos, ciclos na insana espiral e o peso nas costas,
Permanece igual!
E o que sobra para nós? Que damos corda nessa estúpida engrenagem.
O que há de errado? O que será? O que é?
Aniquilando o que é humano, o que é coragem.
Há algo de errado e você sabe o que é!?
Cena 03 - Entrada na casa
(No espaço cênico, a fita crepe desenha a planta baixa de uma casa, com sete
cômodos e um corredor. Os atuantes chegam com aparências cansadas, abatidos
e se posicionam em volta da casa).
Atuante 1
:
A vida tem me engolindo TODOS OS DIAS! (
ergue a mão como se
segurasse algo e come, saboreia e chupa os dedos como se estivesse lambendo
as migalhas que restam nos dedos. Mastiga mastiga mastiga, sente um gosto meio
amargo e engole
). A vida me mastiga bem devagar...e no processo, vai quebrando
todos. Os meus. Ossos. Ela masca o meu cérebro como se fosse um chiclete,
assim (
nessa hora pega um chiclete, o masca, tira da boca e oferece ao público
).
Isso cansa (
entra na casa e escolhe um cômodo
).
Atuante 2
:
(
Mastiga com a boca. Tenta abrir mais a boca, procurando uma maneira
de expandir a própria mordida
) Eu? Eu tenho que engolir tudo, TENHO que engolir
tudo. Eu engulo a vida em goles rápidos, como se o tempo fosse um rio que
atravessa veloz a minha garganta. Engulo à noite, pois não tenho tempo para
saborear a luz do sol (
fecha os olhos
). Engulo bolachas com café, pois não há
tempo de mastigar um almoço de verdade (
engole seco
). Engulo cada um de vocês
para garantir minha sobrevivência. E isso cansa (
entra na casa e dirige-se ao seu
cômodo
).
Atuante 3: (
Atuante chega em cena com pressa para falar algo, mas põe a mão
na boca e começa a mastigar algo que parece ter um gosto ruim e quase não cabe
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na boca, e depois com desconforto engole. Em seguida, aproxima-se de alguém
na plateia e quase chora, porém faz ação de engolir, novamente, com dificuldade
e volta a uma emoção neutra. E aproxima-se, de novo, da plateia, demonstrando
raiva, mas engole com mais repulsa
) Isso cansa! (
Grita de raiva e entra na casa
dirige-se ao seu cômodo
).
Atuante 4: Eu não consigo me concentrar e pesquisar com tanta bagunça nessa
casa, é tudo fora do lugar. Eu sei que eu deveria passar mais tempo em casa,
cuidando, limpando mas eu NÃO CONSIGO porque tenho que trabalhar. Nós
vivemos na mesma casa e não conseguimos conversar, quer dizer, nós falamos,
uma por cima da outra, mas não se ouvimos é só briga, BRIGA, BRIGA (
fala gritando
)
o tempo todo. (
expressa triste
) E eu queria, eu realmente queria passar mais
tempo com quem eu amo, e eu sei mãe, eu sei que você trabalha das 06:00 da
manhã até as 21:00 da noite para colocar comida na mesa. E eu também sei que
minhas irmãs só queriam que eu assistisse as séries que elas gostam, mas eu não
tenho tempo! Porque eu preciso ser alguém... E quanto mais eu estudo, mais eu
me afasto das pessoas que cresceram nessa casa comigo. E isso cansa. (
entra na
casa e dirige-se ao seu cômodo
).
(
Atuantes 6 e 7 se preparam para falar seus textos, mas são interrompidos
)
Atuante 5: Não, não, isso não tá legal, vai ficar melhor se só um atuante parar na
frente da porta da casa (
Gesticula para os atuantes 6 e 7 entrarem na casa. Estes
entram, relutantes, e escolhem seus cômodos. Atuante 5 fica na frente da “porta”
).
Isso, isso mesmo, o atuante vai ficar aqui. Essa é minha casa e essa é a porta
(
gesticula para a plateia, indicando onde está a porta
). Eu vou abrir a porta, entrar
na casa e abri-la de novo, assim (
faz a movimentação, como personagem, e abre
a porta para a plateia. Continua a mostrar a casa
). Essa é a minha propriedade
privada (
olha para trás, os outros atuantes murmuram e comentam revoltados
).
Tá bom, desculpa, desculpa, NOSSA propriedade privada. Eu sei, ela não é muito
grande, mas eu conquistei com muito mérito (
olha para trás novamente, mesmo
gesto
) Nós a conquistamos, com muito mérito e algumas dívidas (
sussurra a última
palavra
). Mas, enfim, eu gostaria de convidar vocês para conhecê-la: os espaços
são pequenos e eu espero que vocês sintam os momentos que nós vivemos nela
(
dirige-se ao seu cômodo
).
Cena 04 - Briga na cozinha
(
Dentro de um dos cômodos da casa, na área da cozinha há uma mesa com
utensílios de cozinha: pratos, pano, garrafa, chaleira, passador de café e um
pequeno “fogareiro”. O atuante 6 lava a louça, enquanto o atuante 7 prepara um
café
).
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Atuante 6: Sabe, eu tava pensando, hoje de manhã, sobre o que eu estou
engolindo.
Atuante 7: O que você tá engolindo? (
rindo
) Tipo arroz, feijão…café? (
oferece o café
que está preparando
).
Atuante 6: Não, tipo, as coisas que me atravessam, sabe? Você lembra que
semana passada eu fiquei doente? Então, eu estava doente, fui na UPA, peguei
um atestado, mas mesmo assim fui trabalhar, porque o meu chefe não parava
de me ligar. Quando eu cheguei lá você acredita que ele teve a coragem de me
dizer “Vou descontar esse seu atraso do seu salário, hein”.
Atuante 7: Que sem noção! E em primeiro lugar, você não deveria nem ter ido
trabalhar né, tava com atestado e tudo. Você tem essa mania de sempre querer
agradar os outros (
Termina de passar o café e coloca um pouco em 2 xícaras
)
Atuante 6: (
Seca as mãos e pega a xícara
) Agradar os outros? (
pensativa
) Enfim,
fiz todas as entregas e depois ainda tive que passar na farmácia. Passei o dia
inteiro fora, cheguei, aqui, quase meia noite.
Atuante 7: Foi por isso que você chegou super tarde aquele dia? (
Repete a fala
em tom cínico
)
Atuante 6: Ah sim sim, o trânsito dessa cidade tava um inferno (
Toma um gole
de café)
.
Atuante 7: Misericórdia! Agora que você falou eu preciso te falar, quando você
chegou, até perguntei se você tava bem…Mas você nem me ouviu, entrou no
quarto e só te vi de manhã. Passei o dia inteiro achando que você tava brava
comigo (
Toma um gole de café
).
Atuante 6: Nossa, eu nem lembro, acho que tava no automático que nem escutei
ninguém, só tava louca pra chegar em casa e descansar. Só que é isso tudo que
me incomoda, me deixa mais exausta ainda, sabe? E esse estresse vai tomando
mais o meu tempo, me fazendo pensar sobre essas coisas… Tipo, meu tempo
não é mais meu!
Atuante 7: (
Briga
) Todo mundo da casa falou pra você descansar, ficar de repouso.
Mas não, toda hora é uma notificação diferente nesse teu celular e você vai lá e
responde. Às vezes fica difícil de te defender também. Você não para um
segundo.
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Atuante 6: Ué, mas você quer que eu faça o que? Preciso trabalhar, nós
precisamos trabalhar, isso não é culpa minha. É tudo tão agora, tão rápido, a todo
instante, eu queria ser mais dona do meu tempo (
move a louça de um lado para
o outro
).
Atuante 7: (
Briga
) Parece que a bonita acordou agora né. To começando achar
que foi bom ele te esculachar, ai talvez você perceba o quanto tá sendo idiota.
Você não para, mesmo estando doente. Aí você reclama do seu chefe, reclama
do seu trabalho (imita o movimento de mover a louça) mas faz exatamente igual
a ele aqui em casa. Não aguento mais você chiando no nosso ouvido; “tem que
olhar o email, checar seus pedidos, preencher isso, assinar aquilo, pagar o aluguel,
avisar seu patrão”. Isso cansa! Parece que a gente trabalha fora, trabalha aqui, lá,
trabalha e pra quê?
Atuante 6: PRA QUE? (
repete gritando
)
Atuante 7: (
grita
) PARA COMPRAR UM VIDA QUE A GENTE NEM PODE VIVER!
(
som de notificação do IFOOD 3x
)
Cena 05 - Comercial
(
Atuantes ficam estáticos e em silêncio por um tempo. Quando toca a vinheta do
programa de auditório Silvio Santos, os atuantes 8 e 9, posicionados fora da casa,
vestem-se de personagens APRESENTADORES. Enquanto os outros atuantes,
dentro da casa, pegam seus acessórios - panos dourados -, amarram-nos em seus
pescoços, tornando-se dançarinos do programa que sorriem artificialmente.
Apresentadores entram em cena
)
Atuante 8: Muito boa noite! Eu disse: boa noite! Mais alto, mais animado!
Atuante 9: Começamos agora o nosso programa…
Atuantes 8 e 9: Entrega Tudo!.
Atuante 8: Interrompemos esses momentos melancólicos apresentados para
levar a vocês, que estão aí, entretenimento de qualidade. Afinal quem quer, depois
de um dia inteiro, sentar aqui e ainda ter que ouvir as mazelas da vida humana?
Atuante 9: Afinal, pra que chorar aqui, se podemos lacrimejar no banheiro do
trabalho, não é mesmo?
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Atuante 8: Queremos ver vocês empolgados. Cadê a empolgação? Quem é a
plateia mais bonita do (
nome do local onde ocorre a apresentação
)? Essa noite
teremos uma programação recheada de aventuras épicas, humor, Brecht e show!
Atuante 9: Vocês não sairão daqui os mesmos! Acompanharemos a jornada
desses guerreiros dessa moto louca chamada: vida. Vamos ver como nossos
colaboradores se portam diante dessa experiência.
Atuante 8: Não saia daí porque esse show está apenas começando. Lembrando
que, no final disso tudo, apenas um guerreiro irá levar a tão sonhada…
Atuantes 8 e 9: Bag Power Show de Ouro! (
indicam a bag, pendurada no teto
).
Entra vinheta com jingle de final de programa de auditório.
Cena 06 - Objetos
(
Apresentadores trocam de figurino, tiram suas máscaras, colocam suas bags de
personagens entregadores e adentram a Casa. Enquanto isso, os dançarinos
continuam suas dancinhas como “panicats” até o término da vinheta do programa,
finalizando sua aparição com um gesto de enforcamento, ao retirar o pano
dourado amarrado no pescoço. Os atuantes apresentadores se dirigem até a frente
da casa e entram em seus respectivos cômodos
).
Atuante 8: Essa é a minha casa. Logo na entrada temos a varanda, espaço curto.
Aqui, nessa parede, temos o tanque. Aqui, nessa porta, temos a cozinha. A pia fica
logo aqui. Janela, logo em cima. Geladeira, aqui, nesta quina. Fogão, nessa parede.
Seguindo, temos o banheiro. Vamos entrar no quarto. Aqui, podemos ver minha
cama, uma janela logo em cima.
Atuante 9: No meu quarto, tinha uma cama de casal e dois roupeiros. Nós
dormíamos em 4 pessoas nessa cama: eu e mais três irmãos, e os roupeiros eram
divididos, entre os meninos e as meninas.
Atuante 2: Na minha sala não tinha nem sofá, nem mesa. No verão, para aproveitar
o chão gelado, a gente estendia umas toalhas junto de várias almofadas e comia
ali mesmo, como se todo dia fosse dia de piquenique.
Atuante 8: (
Atuante 8 encontra seu objeto
) Esse é um filme chamado “as
vantagens de ser invisível”. Eu e minha irmã trocávamos muitos filmes, até que ela
me emprestou um filme chamado “as vantagens de ser invisível”.
Contextualizando, é a história de um garoto que tem que aprender a lidar com o
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luto, depois da morte de seu melhor amigo. Esse foi o último filme que minha irmã
e eu trocamos…
(
Atuantes descrevem seus objetos
)
Atuante 6: Essa bolinha foi feita com uma meia velha, meia calça e uma fita crepe.
Ela foi feita por uma pessoa que eu amei muito e a ocasião de confecção deste
material era a seguinte: eu iria propor uma oficina de contrapartida de um projeto
em Jaraguá do Sul/Santa Catarina - da onde eu vim - e esqueci de trazer a minha
bolinha - comprada - que ficou em Curitiba/Paraná. Assim, desde que essa bolinha
foi feita, percebi que ela era do tamanho ideal para as práticas de teatro, ou talvez,
do tamanho ideal pro meu coração. Por ela passaram muitas mãos e muitos jogos
(
joga a bolinha para um dos entregadores, que a devolve
).
Atuante 4: Essa placa de parede foi a minha mãe que me deu. Ela é pequena e
tem uma frase escrita: “Não arriscar nada é arriscar tudo”. Ela fica no meu guarda-
roupa pra eu lembrar de sempre acreditar no meu sonho. E mamãe que não gosta
de arriscar, nem mesmo na mudança de cor de batom, me deu esse presente:
essa mensagem, agora, é muito importante pra mim.
Atuante 7: Conjunto de dados, 6 tipos de sólidos diferentes, cada um com lados
específicos: 4 lados, 6 lados, 8, 10, 12 e 20 lados. São acrílicos que carregam uma
história. Uma não! Dezenas! Esses dados foram usados para destronar reis, matar
dragões e cantar canções, cada conjunto tem uma cor, para cada história que
esses dados contaram.
Atuante 8: Inclusive, tenho uma tatuagem da frase desse filme (
Atuante mostra o
braço com a escrita tatuada “ we are infinite", nós somos infinitos
).
(Atuantes descrevem suas tatuagens)
Atuante 9 (Feppo): Tenho várias tatuagens. Tenho 7 só de ornitorrincos. Eu amo
esse bicho. Ele é estranho, assim como eu.
Atuante 1: Eu tenho muitas tatuagens também, mas essa aqui é a mais especial.
Eu fiz depois que meu pai faleceu. Bem no dia que ele se foi, eu planejei o como
eu ia convencer ele, que mesmo odiando a ideia de eu ter tatuagens, seria muito
legal a gente fazer uma juntos. Mas acabou que, nesse dia, eu não consegui dizer
nada disso pra ele. (mostra a tatuagem para a plateia) É o desenho de uma foto
que nós tiramos quando eu era pequeno, embaixo tá escrito “brucutu”, que é como
ele me chamava.
Atuante 4: Eu não tenho tatuagem, apenas essa cicatriz no pé. Eu ganhei ela
quando eu era criança. Eu era apaixonada por Crepúsculo. Sim, aqueles filmes
sobre vampiros, lobisomens e triângulos amorosos. Um dia eu estava correndo
super rápido, óbvio, porque eu era uma vampira né? Em uma casa bem
pequenininha que nem essa. Então eu acabei esbarrando no meu tio, que estava
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segurando uma cerveja de vidro e ela caiu bem no meu pé. Aí quando minha prima
entrou no quarto, eu estava bem assim, chupando meu próprio sangue.
(
Movimento de chupar o próprio pé, levando ele até a boca
)
(
Atuantes fazem caretas de nojo comentando a história e se preparam para dormir,
sentando-se no chão da Casa, desenhada no chão, ao som da música de ninar:
“Mozart for babies”
).
Cena 07 -
Fast food
(
A música é interrompida com o som de notificação IFOOD, que se repete 3 vezes,
enquanto os atuantes despertam e pegam às pressas as suas bags. Inicia-se a
música “Für Elise” de Beethoven. Atuantes dançando, se concentram no meio da
casa, imitando dança de ballet clássico, enfileirando-se do fundo à frente da Casa.
Enquanto a música toca, há uma virada sonora, onde se encaixam batidas de funk
na música. Nesse momento, os atuantes vão mudando sua forma de dançar, de
maneira exagerada e grotesca, conforme a batida da música. Esta se aproxima do
fim. Atuantes viram, um a um, para a plateia, sorrindo, respiração ofegante, os
corpos assumem uma postura ereta e um grande sorriso plastificado no rosto. Em
conjunto dizem:
)
Todes: Aqui é
fast food
, arte em meia hora! Faça já o seu pedido!
(
Atuantes caminham até o público, cada um buscando algum “cliente”. Interagem
com o público, perguntando o que desejam enquanto anotam o pedido nas mãos.
Voltam para a Casa e formam um círculo entre si. Eles comentam sobre os
pedidos, riem, jogam ao expor o que foi solicitado, até que, em conjunto, dizem:
)
Todes: Pedido em andamento! (
exclamam 3x
)
(
Alongando-se, atuantes começam a fazer exercício vocal, como se estivessem se
preparando para uma apresentação teatral, naquele momento, repetindo algumas
vezes: “Si. Fu. Chi. Pa.” Viram-se para a plateia, encarando-a, e começam a rir,
descontroladamente, até caírem no chão. Aos poucos esses risos vão se
transformando em um choro desesperado e compulsivo, cada um à sua maneira.
Quando esse choro cessa, vem um silêncio).
Cena 08 - Comercial
bag
de ouro
(
Atuantes 3 e 4 se levantam do chão ao som da música tema “Danza Kuduro”,
tiram de suas bags seus acessórios de personagens apresentadores: a máscara
dourada. Enquanto isso, os outros atuantes se levantam, ajeitam o cenário,
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colocando a Bag de Ouro em destaque e se preparam para serem novamente os
“modelos mecanizados” do comercial, as panicats que dançam e sorriem de
maneira exagerada
).
Apresentador (Atuante 4): Vamos falar de coisa boa? Acaba de chegar
exclusivamente em nossas lojas a sua nova Bag Power Show. Esta mochila é
perfeita para entregadores autônomos e estabelecimentos que trabalham com
entrega a domicílio; praticamente uma unanimidade no Brasil do Brasil!
Apresentador (Atuante 3): A Mochila Bag Show Power tem espaço de sobra para
que você faça mais de uma entrega na mesma viagem! Isso mesmo, meu
companheiro, a carninha do churrasco do fim do mês está garantida!
(
Atuantes fazem a propaganda da bag com o sorriso plastificado no rosto
).
Atuante 1: Alças Ajustáveis;
Atuante 2: Possui Partes Refletivas frontais;
Atuante 5: Suporta 4, eu disse: 4 Garrafas de refrigerante nas laterais;
Atuante 6: Com capacidade para 45 litros, eu disse 45 litros, meu companheiro;
Atuante 7: Com 30cm de Largura, 30cm de Altura e 30 cm de Profundidade,
garantindo sua viagem muito mais segura... Para o alimento da família brasileira!
Apresentador (Atuante 4): E tem promoção aí, eu disse promoção!!! Comprando
nas próximas 48 horas, você ganha esse super processador de alimentos. Isso
mesmo, meu companheiro, com ele você conseguirá processar sua marmita,
transformando-a em um líquido que você poderá consumir enquanto pilota, sem
problema algum! Sem a necessidade de parar para se alimentar!
Apresentador (Atuante 3): Isso mesmo, meu companheiro, mais tempo útil para
o seu trabalho, mais famílias felizes, mais comida na mesa. E tudo isso num
precinho camarada de R$7.800 reais! Parcelamos no cartão, em até 72x com juros
mínimos!
Apresentador (Atuante 4): Vai deixar essa oportunidade passar? Adquira já sua
Bag Power Show
, também no tamanho kids, assim, os pequenos já podem
contribuir para a renda da casa!
(
Interrupção, surge uma voz off gravada. Os atuantes escutam atentos, enquanto
procuram, olhando para cima
)
Entrega Tudo!
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Voz off (deus): Você que está duro, sem grana, empregado, mas ganhando pouco:
candidate-se, agora, para a vaga de GERENTE! As entrevistas começam em
instantes!
Cena 9 - Entrevista de emprego
Tipos de candidatos:
Atuante 1 - Ary : o Sabe tudo
Atuante 2 - Luh: o Cidadão de Bem
Atuante 3 - Logan: a Criança
Atuante 4 - Kai: a Palhaça
Atuante 5 - Isaac: o Defensor da Liberdade
Atuante 6 - Maria: a Sindicalista
Atuante 7 - Le: a Confusa
Atuante 8 - Roma: o Desesperado
(
Atuantes 1 a 8, cada um no seu cômodo da casa. Atuante 9 como personagem
ENTREVISTADOR para a vaga de gerente se posiciona na plateia, de frente para a
Casa. Atuantes 1 a 8, de forma competitiva, esperam ser chamados para a
entrevista. Cada atuante se posiciona no centro da Casa quando chamados pelo
entrevistador. O entrevistador, em tom de deboche, chama cada candidato, a
começar pelo número 1
)
Atuante 9: Bom dia, número 1. Antes de iniciar, gostaria de dizer que as perguntas
feitas são padronizadas, e serão feitas a todos os candidatos, ok?
Atuante 1: Tudo bem!
Atuante 9: Para iniciar, gostaria que me dissesse: qual o meu maior defeito?
Atuante 1: Seu olho direito, ele pisca demais.
Atuante 9: Agora me diz, qual o número de sapato que minha bisavó usava em
1916?
Atuante 1: Número 34, pois ela era uma camponesa, delicada.
Atuante 9: Qual a sua pretensão salarial?
Atuante 1: R$1.800,00, mas podemos negociar!
Atuante 9: Agora, para finalizar, me diga qual dos seus colegas não merece o cargo
de gerente.
Entrega Tudo!
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Atuante 1: A vaga é para gerente? Eu não sabia disso. Eu achei que… (
candidato é
interrompido pelo entrevistador
).
Atuante 9: Finalizamos, obrigado pela participação. Por favor, fique atento ao seu
email, que a resposta chega por lá. Candidato número 02. Para iniciar, gostaria que
me dissesse qual o meu maior defeito?
Atuante 4: O seu maior defeito, que eu percebi, é a pressa.
Atuante 9: Certo. Qual o número de sapatos que minha bisavó usava em 1916?
Atuante 4: Número 36, acredito eu. E digo isso, imaginando que ela poderia ser
parecida com você.
Atuante 9: Qual a sua pretensão salarial, número 2?
Atuante 4: O máximo que vocês puderem pagar, afinal, eu sei da minha
capacidade.
Atuante 9: Número 2, me diga qual dos seus colegas não merece o cargo de
gerente.
Atuante 4: Não estou aqui para dizer que os meus colegas não merecem, mas
sim para provar que eu mereço!
Atuante 9: Obrigado. Fique atento ao seu email, que a resposta é enviada por lá.
(
Candidato número 03 ocupa o centro da Casa
).
Atuante 9: Bom dia, número 03. Consegue me dizer qual é o meu maior defeito?
Atuante 7: Bom dia...
Atuante 9: (
Interrompe a candidata e continua as suas perguntas
) Qual o número
de sapatos que minha bisavó usava em 1916?
Atuante 7: Sim.. (
responde desajeitada
)
Atuante 9: Já errou né, vamos para próxima… Qual a sua pretensão salarial?
Atuante 7: Dois? (
responde cada vez mais confusa
)
Entrega Tudo!
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Atuante 9: É, não vai ter jeito, não sabe responder simples perguntas…me diga
qual dos seus colegas não merece o cargo de gerente
Atuante 7:...Eu?
Atuante 9: Já chega! A negativa chega por e-mail querida, tchau tchau!
Atuante 9: Próximo candidato! Número 4!
Atuante 3: Oi, boa tarde, eu sou o candidato número 4.
Atuante 9: Boa tarde, número 4.
Atuante 3: Boa tarde, sabia que eu sei cortar madeira e limpar privada?
Atuante 9: Então tá. Número 4, consegue me dizer qual é o meu maior defeito?
Atuante 3: Você não olhou pra minha cara… Ah, eu também sei dar estrelinha!
Atuante 9: Tá achando que é circo? Qual o número de sapatos que minha bisavó
usava em 1916?
Atuante 3: Eu sei usar email, excel e jogo tetris.
Atuante 9: O mínimo né! Qual a sua pretensão salarial, número 4?
Atuante 3: Eu mereço e preciso ganhar um pouco mais de dinheiro.
Atuante 9: Ai…Tá bom… E qual dos seus colegas não merece o cargo de gerente?
Atuante 3: Eu nasci em 2012, só queria ajudar a minha mãe em casa.
Atuante 9: 2012? Você tem 13 anos? Pode sair, vai rápido!
Atuante 9: Candidato Número 5, qual o meu maior defeito?
Atuante 2: Olha, não vim aqui responder nada disso, eu vim, aqui, mostrar porque
eu mereço a gerência dessa unidade. Antes de tudo, gostaria de agradecer a DEUS,
e ao nosso grande CEO por essa oportunidade. Não há outro candidato como eu.
Há 15 anos que eu levo o nome dessa empresa no meu peito, estou aqui para
renovar nossas esperanças. É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês,
Entrega Tudo!
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o povo brasileiro, para lembrar que, se trabalharmos juntos, essa mudança será
possível. Eu represento o Brasil trabalhador de verdade, o verde e amarelo que
bate junto ao meu coração. E o trabalho duro por todos esses anos fez eu chegar
onde estou! Eu sou o que essa empresa precisa, o que o BRASIL precisa. Pela
família! Pela Pátria. E Pela Liberdade!
Make Brazil great again!
Make me, the
gerente.
Atuante 9: Entendi, número 5. Fica de olho no seu email, que te daremos um
retorno através do email.
Atuante 9: Boa noite, candidato 06. Qual o meu maior defeito?
Atuante 5: Ah, o seu maior defeito é não ser tão grata à nossa liberdade, nossas
diversas oportunidades de conseguir tantas coisas por meio do mérito. Sabe?
Conquistar nossa propriedade, trabalhar pra nos dignificar como seres humanos!
Atuante 9: Tá bom, fala demais, agora me conta logo, qual era o número dos
sapatos que minha bisavó usava em 1916?
Atuante 5: Se duvidar, nem sapato ela usava, naquele tempo, devia andar
desgraçada, PELADA (
grita)
por conta da libertinagem daquele tempo, mas hoje
em dia…
Atuante 9: Já chega, tá. Obrigado, número 6 pode ir embora.
Atuante 9: Candidato número 7?
Atuante 8: Oi, desculpa, estava em uma entrega, acabei me atrasando alguns
minutos.
Atuante 9: Primeira pergunta, qual o meu maior defeito?
Atuante 8: Defeito? Então… Não sei… Essa distância entre nós? (
fica sem jeito
)
Atuante 9: Qual o número de sapatos que a minha bisavó usava em 1916?
Atuante 8: 35, ela usava 35. Sem sombra de dúvidas era 35.
Atuante 9: Quase acertou, ela usava 36. E sua pretensão salarial?
Atuante 8: Uns R$500,00 a mais? É possível?
Entrega Tudo!
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Atuante 9: Só? Quer mais uma coxinha e uma coca também?
Atuante 8: Por favor!
Atuante 9: E quem dos seus colegas não merece o cargo de gerente?
Atuante 8 (Roma): (
aponta para o atuante 5
) Ele, com certeza ele (
se dirige para o
público
). Se vocês estão acompanhando desde o início, vão perceber que tudo
nele é calculado, o tamanho da bag, o tom de voz, tudo. Isso não é Chiquititas não!
É Brecht!
Atuante 9: Obrigado. A resposta do processo vai ser encaminhada por email. Fica
atento lá.
Atuante 9: Candidato número 8…
Atuante 6: (cand
idato o interrompe)
Ah tá, entendi. Eu como sempre, ficando por
último.
Atuante 9: As perguntas aqui feitas são padronizadas, feitas a todos os candidatos.
Primeira pergunta, qual o meu maior defeito?
Atuante 6: Veja bem, você deve estar sacaneando com a minha cara, eu nem
conheço você. E pra início de conversa, eu disse que não iria comparecer nesse
teatro de merda...
Atuante 9: Mais um sem noção. Qual o número de sapato que minha bisavó usava
em 1916, candidato número 8?
Atuante 6: Isso não faz nenhum sentido, você sabe disso né, você tá me
chamando de idiota?
Atuante 9: Você é um pouquinho, não? Vai me dizer qual sua pretensão salarial?
Atuante 6: Olha, não tirando do que eu já ganho já é um grande avanço. Porque
tudo é descontado sempre!
Atuante 9: Ok…E entre os seus colegas, quem não merece o cargo de gerente?
Atuante 6: Tanto faz. Eu sei que eu não vou passar mesmo. Só tô fazendo isso
porque sou obrigada a cumprir tabela aqui. (
suspira
) Eu desisto!
Entrega Tudo!
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(
som de “BIP” toca 8 vezes
)
(
Atuantes retornam para seus cômodos
)
Cena 10 - Comercial Margarina
(
Atuantes 1 e 2 permanecem em dois estados de consciência: um mais realista e
outro mais falso, com um sorriso plastificado de comercial de margarina. Durante
a cena, são interrompidos por um alarme, um BIP (no estilo do programa Big
Brother Brasil quando os confinados/jogadores tomam punição) que inibe e
impede que falem o que sentem.
(
Sons de passarinhos cantando
).
Atuante 2: Bom dia, como foi a noite?
Atuante 1: Bom dia, foi uma noite maravilhosa, me sinto…(
BIP
) Revigorado, graças
à margarina Alisa, que possui ferro, cálcio e 0% de gorduras trans, completamente
livre de conservadores (
BIP
), digo, conservantes.
Atuante 2: Quando a vida me engole eu me sinto…(
BIP
). Livre! Abrindo horizontes.
Eu sinto que eu tenho espaço . Sensação essa que a Alisa - que possui ferro, cálcio
e 0% de gostosuras TRANS- também nos proporciona (
gira o corpo, com os braços
abertos
).
Atuante 1: Às vezes, a vida me engole como… (
BIP)
Um chocolate, derretendo pela
garganta, mas se tivesse passado a Alisa que possui ferro, cálcio e 0% de gorduras
trans, em mim, eu desceria de uma forma mais saborosa (
Lambe os lábios
).
Atuante 2: A amplitude da vida me fascina, essa liberdade que arde no ser!
(co
meça a entrar em êxtase
).
Atuante 1: Arde na garganta como uma cachaça que desce rasgando: margarina
sabor cachaça!
Ambos: Eu amo viver!!
(
Jingle da Margarina Alisa toca mais alto e atuantes fazem uma coreografia
mecanizada que remete aos movimentos realizados por defensores da ditadura
cívico-militar e de extrema-direita no Brasil, nos anos de 2019 a 2022).
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Voz de Deus (voz off): Alisa com ferro, cálcio e 0% de gorduras saturadas, alisa o
melhor pra você. Cantarola a Música: É uma delícia ideal para comer. Ah a Alisa,
lisa como você, demais!.
Cena 11 - Conversas no bar
Atuante 6: (
Combinação entre os atuantes com a plateia
) Gente! Chegou o melhor
momento da peça: a cena no bar! Agora, pessoal (
dirige-se para os atuantes
), a
cena vai ser o seguinte: cada um vai pegar 2 copos e uma latinha de cerveja. Vamos
sentar nas cadeiras que estão marcadas no meio da plateia e vamos contar sobre
como foi o nosso trabalho no dia de hoje. Estamos todes na mesma mesa de bar
e vamos conversar entre si. Em algum momento, alguém de nós encerra a cena
dizendo que precisa ir trabalhar. Entendido? (
todes sinalizam que sim com a
cabeça
).
(
Atuantes pegam suas bags, seus copos e suas latinhas de cerveja. Seguem em
direção a plateia. Cada atuante realiza uma série de perguntas aos espectadores
sentados ao seu lado. As cadeiras reservadas para os atuantes estão distribuídas
de forma com que todes fiquem divididos pela plateia. As perguntas são
direcionadas aos espectadores de maneira informal, tal qual uma conversa no bar,
após um dia cheio no trabalho: - Opa! Tudo bem? - Hoje eu fiz muitas entregas.-
Eu só queria tomar uma bera hoje - Qual sua profissão? - Você ganha quanto?
Concomitante às conversas individuais com os espectadores, os atuantes se
direcionam uns aos outros, como se todes estivessem na mesma mesa de bar: -
Gente essa pessoa ganha xx reais por mês. - Ei, como que faz pra trabalhar na sua
empresa? - Fulano, como foram as entregas hoje?
)
Cena 12 - Break news
(
Entra a vinheta de plantão policial interrompendo a ação e o atuante 8, se ajeita
como jornalista e se posiciona no centro da Casa. Os outros atuantes seguem na
plateia, assistindo-o. Esta cena foi inspirada no caso real de um entregador
baleado por um policial militar, no Rio de Janeiro, no ano de 2024, noticiado pelos
jornais no Brasil)
Jornalista (atuante 8): Boa noite. Começamos nosso programa com algo
revoltante: "Entregador se atira violentamente, na frente de empresário com seu
revólver de defesa pessoal, sugando fortemente uma bala em seu corpo”. Isso
mesmo, meus senhores, o entregador José se recusou - eu disse: se recusou - a
subir até a residência de Antônio Nóbrega Cortez. O mesmo, buscando entender a
insatisfação desse meliante, largou o conforto de seu lar e foi atrás de José, afim
de uma conversa amigável com o delinquente. Foi nesse momento que José, num
rompante de raiva, se atirou com o corpo na frente de Antônio. Com o movimento
Entrega Tudo!
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violento do corpo de José, o gatilho da arma de defesa pessoal de Antônio
disparou, acidentalmente, e Antônio - homem honesto, trabalhador da área
pecuária, que com muita coragem assumiu os negócios da família desde seus 16
anos -, assustou-se com aquele gesto. Ele fechou seus olhos azuis por um instante
e José, que não era bobo nem inocente, se deitou no chão, escandalosamente.
Antônio se apresentou espontaneamente na 17 ° DP. É isso, meus senhores, triste
termos que dar notícias terríveis como essa. Todos os dias, vemos pessoas
despreparadas, ameaçando a integridade da família brasileira. Agora pensa o
senhor que está aí, com sua senhora, seus filhos, e pede um lanche pro lazer, para
confraternização de vocês após um dia de trabalho pesado em suas empresas… e
recebem um indivíduo desqualificado, ameaçando o bem estar de quem você ama!
… Agora saio um pouco da imagem desse apresentador para o de cidadão: Antônio,
meus sentimentos a você, e sua família, espero que se recupere desse episódio
alarmante. Sei que com sua garra, isso acontecerá. O caso ainda aguarda o
arquivamento (
encerra-se o quadro jornalístico
).
Cena 13 - Patrão
(
Os atuantes, da plateia, começam a cantar a música Patrão - paródia da música
tema do personagem da Disney, Gaston, em “A Bela e a Fera”, enquanto dirigem-
se para o espaço da Casa. Durante a canção, vestem o atuante 8 com elementos
representativos do governo repressivo brasileiro na atualidade, em especial, do
governo estadual do Paraná).
Não me conformo em vê-lo, Patrão
Triste e desanimado
Qualquer um quer ser você, oh Patrão
Mesmo que mal humorado
Ninguém na cidade é tão respeitado
Não há quem te possa enfrentar
É muito fácil saber o porquê
És o rei desses meros mortais
Não há igual ao Patrão
Nem melhor que Patrão
Nem o bolso mais cheio que o do Patrão
Na cidade ninguém é t
ão homem
Modelo de perfeição
Se há valentes aqui todos somem
Pois você quando briga põe todos no chão
Entrega Tudo!
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Pra explorar é o Patrão
Pra espancar é o Patrão
Numa briga ninguém morde mais que o Patrão
Quando caço, eu busco o meu alvo
(Uh)
Os bichos suplicam perdão
(Ah)
Sempre miro no dorso primeiro
Mas atiro por trás
É legal?
Tanto faz!
Ninguém bate em Patrão
Nem combate o Patrão
Ninguém cospe a distância melhor que
o Patrão
Nosso troféu
O presente do céu
Aplaudamos de pé, todos sabem quem é
O deus vivo que habita entre nós
Não há nada igual, ele é excepcional
Ele é o P-A-U N-O C-U
Patrão!
Patrão!
(
Atuantes em torno do Patrão paramentado. Ao final da canção, atuantes fazem um
gesto de dedo do meio para o Patrão, gesto contrário a música que o enaltece
).
Cena 14 - Cena engolir
(
Todos em cena. Uma atmosfera de ressaca e desânimo toma conta do ambiente.
Corpos largados como se estivessem bêbados, tontos, zumbificados. Amontoam-
se no centro da Casa, um apoiando-se no outro
).
Atuante 9: Tem coisas que eu como… E desde o momento que eu coloco na
boca, meu corpo vomita (
fala como se estivesse enjoada
). Tem coisas que eu
engulo…
(
Atuantes compartilham suas angústias com a plateia
)
Entrega Tudo!
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Todos: Porque você engole algo que te faz querer vomitar?
Atuante 1: Sabe, às vezes eu vomito palavras que me mataram.
Atuante 2: Às vezes, eu vomito momentos que se perderam.
Atuante 3: Às vezes, eu vomito pessoas que já se foram, mas tem vezes…
Atuante 4: Mas tem vezes que o que tem dentro é…
Todos: tão... tão... tão! (
exclamam em indignação
)
Atuante 4: Que não sai de dentro.
(
Atuantes saem caminhando pelo espaço da Casa num ritmo crescente conforme
as falas
)
Atuante 5: A Vida te vomitou porque você não passou goela abaixo, porque
mesmo sem tempero você era espinhoso, sua língua era muito áspera.
Atuante 6: A Vida te vomitou por que você não passou goela abaixo, você era tão
gostoso que deu ânsia nela.
Atuante 7: A Vida te vomitou por que você não passou goela abaixo, o caminho
era muito estreito e tortuoso e você era espaçoso demais.
(
Atuantes falam com tom de revolta
)
Atuante 8: Eu não aguento mais engolir coisas azedas que saem de mim como
lágrimas dos meu olhos.
Atuante 9: Eu engoli meu direito de errar por que eu tenho que ser bom.
Atuante 1: Eu engoli o tempo por que ele passou rápido demais por mim.
Atuante 2: (
se dirige ao centro da Casa
) Eu engoli a doença e no mesmo minuto
fui obrigado a engolir minha saúde, engolir minha vontade de descansar, engolir
minhas frustrações porque eu não tenho tempo nem de mastigar isso tudo.
Atuante 4: (
se dirige à plateia
) O Sistema me engoliu. O sistema me engoliu e quer
saber o que eu fiz? Eu vomitei ele (
raiva
)!
Entrega Tudo!
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Florianópolis, v.1, n.54, p.1-26, abr. 2025
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Atuante 6: (
como se estivesse falando com alguém distante
) Eu vomitei você
num toboágua. (
rindo
) Você percebeu que está nadando?
(
Atuantes dirigem-se a seus cômodos na Casa
)
Atuante 3: Todo esse papo de engolir tá me dando ânsia.
(
Agora, todos falam, um imediatamente ao outro
)
Atuante 5: Eu engoli minha revolta (
faz o movimento de colocar a bag mas a joga
no chão
)
Atuante 7: Eu engoli meus afetos (
faz o movimento de colocar a bag mas a joga
no chão
)
Atuante 8: Eu engoli o tempo (
quase gritando
).
Atuante 9: Eu engoli o mundo (
dando um último grito de revolta
).
Cena 15 - Comercial patrão esperança
(
Atuantes retiram de suas bags a bandeira do Brasil e retomam os corpos de
dançarinos de propaganda de TV. Juntam-se ombro a ombro, abraçados entre si,
cantando em tom baixo e apelativo a música “We are the World” de USA for Africa,
de 1985. Enquanto isso, atuantes 8 e 9, como APRESENTADORES, apresentam o
comercial em tom irônico
)
Atuante 9: (
com sotaque carioca, como nas apresentações do programa “Criança
Esperança"
) Chaplin já dizia: todos nós desejamos ajudar uns aos outros.
Atuante 8: Essa é nossa essência.
Atuante 9: Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu
infortúnio.
Atuante 8: Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo
há espaço para todos.
Atuante 9: A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
Entrega Tudo!
Lea Santos | Roberta Ninin | Romah Nascimento
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Atuante 8: O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, nos
extraviamos.
Atuante 9: A cobiça envenenou a alma dos homens… Levantou no mundo as
muralhas do ódio… E tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os
morticínios..
Atuante 8: Mais do que máquinas, precisamos de humanidade.
Atuante 9: Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Atuante 8: Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
Atuante 9: Não percamos nossa esperança.
Atuante 8: Faça sua doação ao projeto…
Atuante 8 e 9:“ Patrão Esperança”! (Apontam para os atuantes que estão cantando
ao fundo).
(
Atuantes deslocam-se para o centro da Casa com a bandeira do Brasil em mãos.
Fazem o pedido a plateia e retornam ao coro de cantantes
)
Atuante 4: Disque 0500 2024 005 para doar 01 hora a mais do seu fim do
expediente.
Atuante 3: 0500 2024 020 para doar 02 horas a mais.
Atuante 7: 0500 2024 030 para doar 03 horas a mais de seu horário de almoço.
Atuante 1: As doações também podem ser feitas com qualquer valor via pix!
Todes: Ligue e doe! Alimente a esperança de quem faz!
(
Atuantes aproximam-se da plateia enquanto cantam a música “We are the
World”, fervorosamente, quase gritando
)
Atuante 9: (
traduzindo os versos da música enquanto os demais cantam a versão
original
) Nós somos o mundo/ Nós somos as crianças/ Nós somos aqueles que
fazem o dia ser mais brilhante/ Então, vamos começar a doar! Há uma escolha a
ser feita/ Estamos salvando as nossas próprias vidas/ É verdade, nós faremos um
dia melhor/ Só eu e você!
Entrega Tudo!
Lea Santos | Roberta Ninin | Romah Nascimento
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-26, abr. 2025
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(
No fim dessa frase, o atuante 9 aponta para a Bag de Ouro, convocando o olhar
de todos os outros atuantes. Entra a voz off de deus. Os atuantes o escutam,
atentos, e suspiram alto, na expectativa de resposta. Eles permanecem com os
corpos voltados para Bag de Ouro
)
Voz off (deus): E o vencedor da Bag de Ouro é…
(
Blackout por alguns instantes. Retorno da luz geral e finalização do espetáculo
).
Recebido em: 26/03/2025
Aprovado em: 31/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
–
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
–
PPGAC
Centro de Artes, Design e Moda – CEART
Urdimento
– Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br
