1
Um modelo antifascista para ser encontrado:
uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto)
Daniel Leite de Nadai
Para citar este artigo:
LOPES, Geraldo Britto; NADAI, Daniel Leite de. Um
modelo antifascista para ser encontrado: uma
experiência da Escola de Teatro Popular. Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1,
n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e107
Este artigo passou pelo PlagiarismDetection Software | iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons(CC BY 4.0)
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
2
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular1
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto)2
Daniel Leite de Nadai3
Resumo
O artigo é um esforço de debater uma experiência de criação de um modelo teatral
brechtiano sobre o tema do fascismo pela Escola de Teatro Popular (ETP). Para isso, (1)
apresentamos o que é a ETP, e, em seguida, (2) o que a ETP entende como um modelo
para Brecht. Depois, (3) discute-se o tema do fascismo e (4) como a biografia e as obras de
Brecht se articularam com esse tema, em especial considerando o período do nazismo
alemão. Assim, temos finalmente condições de apresentar o modelo sobre fascismo que
está em desenvolvimento pela ETP. O tema é altamente pertinente considerando o período
de ascensão da extrema-direita fascista que demandou da ETP maneiras de pensar a
forma do fascismo em cena.
Palavras-chave: Fascismo. Brecht. Modelos. Escola de Teatro Popular.
An anti-fascist model to be found: An experience from the Popular Theater School
Abstract
The article is an effort to discuss an experience of creating a Brechtian theater model on
the theme of fascism by the Escola de Teatro Popular (ETP). To do so, (1) we present what
the ETP is, and then (2) what the ETP understands as a model for Brecht. Next, (3) the
theme of fascism is discussed, along with (4) how Brecht's biography and works engaged
with this theme, especially considering the period of German Nazism from the 1930s until
the end of World War II. This provides the foundation to finally present the model on
fascism currently being developed by the Escola de Teatro Popular. The theme is highly
relevant, considering the rise of the fascist far-right, which has required the ETP to find
ways to represent the form of fascism on stage.
Keywords: Fascism. Brecht. Models. School of Popular Theater.
Un modelo antifascista por encontrar: una experiencia de la Escuela Popular de Teatro
Resumen
El artículo es un esfuerzo por debatir una experiencia de creación de un modelo teatral
brechtiano sobre el tema del fascismo por la Escuela de Teatro Popular (ETP). Para ello, (1)
presentamos qué es la ETP y, a continuación, (2) qué entiende la ETP como un modelo para
Brecht. Luego, (3) se discute el tema del fascismo y (4) cómo la biografía y las obras de
Brecht se articularon con este tema, especialmente considerando el período del nazismo
alemán. Así, finalmente tenemos las condiciones para presentar el modelo sobre el
fascismo que está en desarrollo por la ETP. El tema es altamente pertinente considerando
el período de ascenso de la extrema derecha fascista, lo que ha llevado a la ETP a buscar
maneras de representar la forma del fascismo en escena.
Palabras clave: Fascismo. Brecht. Modelos. Escuela de Teatro Popular.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Carolina Machado de Almeida
Dziedzinski. Bacharelado em Letras Língua Portuguesa/Literaturas pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (UNIRIO).
2 Doutorando em Artes Cênicas na Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Estudos Contemporâneos
das Artes pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Bacharelado em Ciências Sociais e Políticas pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). geobritto@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/9356833025508270 https://orcid.org/0009-0005-4414-262X
3 Doutorando em Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrado em Economia pela
UFRJ. Bacharelado em Economia pela UFRJ. danielnadai@ufrj.br
http://lattes.cnpq.br/0013531284679438 https://orcid.org/0009-0004-8380-3200
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
3
Introdução
Como é que alguém se propõe a dizer a verdade sobre o fascismo, ao
qual se opõe, se não se propõe a falar contra o capitalismo, que o
produz? Aqueles que são contra o fascismo sem serem contra o
capitalismo [...] são como pessoas que querem comer a sua parte do
bezerro sem que o bezerro seja abatido (Brecht, 2003, p. 145).
A Escola de Teatro Popular (ETP) do Rio de Janeiro surgiu em abril de 2017,
com o objetivo de ser um espaço de formação em técnicas de Teatro do
Oprimido e no tema da cultura e da arte anticapitalistas. O público para o qual a
escola se voltava era bastante restrito: militantes de movimentos sociais
inicialmente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o
Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), o RUA e o Levante Popular da
Juventude. Depois, outros movimentos se juntaram: companheiros da Vila
Autódromo, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), da Ocupação
Vitto Giannotti, dentre outros. Por algum tempo, o foco foi o trabalho com os
pré-vestibulares populares. Mais recentemente, a ETP criou parcerias com o
Movimento Unificado dos Camelôs (MUCA) e o Sindicato de Profissionais da
Educação (SEPE) do Rio de Janeiro e de Niterói.
A trajetória da ETP conheceu diferentes fases desde então e passou por
uma ampliação em diferentes sentidos. Em primeiro lugar, ela deixou de ser
apenas uma sala de ensaio e de discussão sobre aqueles temas recém-citados
para se tornar uma rede de unidades ou núcleos. Pouco antes de se transformar
de sala de ensaio em rede de núcleos, passou pelo teatro de rua, impulsionada
pelos protestos contra a reforma trabalhista e previdenciária de Temer, o repúdio
ao assassinato de Marielle Franco e ao avanço do fascismo com Bolsonaro. Um
relato detalhado da ETP (2017-2019) está em Boal (2022) e Staff (2020).
Este texto pretende desenvolver a experiência da ETP no seu processo de
desenvolvimento de uma forma teatral própria, bastante referida no Teatro do
Oprimido e no Teatro Épico. O objetivo é apresentar o processo de formulação
de um modelo da ETP baseado em cenas da peça Terror e Miséria no Terceiro
Reich, escrita por Brecht. Faz-se isso, em especial, pelo contexto histórico atual,
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
4
em que a extrema-direita cresce, contendo, em muitos lugares, traços fascistas
evidentes. Sendo assim, o texto está disposto com uma parte inicial que
descreve a atividade pedagógica da ETP e suas reflexões com a ideia de modelo
em Brecht. Em seguida, trabalha a razão pela qual o dramaturgo se relaciona
com o tema do fascismo.
Por fim, apresentamos efetivamente a proposta em processo do modelo.
A concepção teatral da ETP e sua apropriação da ideia de modelos
Desde 2019, a política de estabelecimento de núcleos no Rio de Janeiro e
em outras cidades contíguas buscou ampliar a capilaridade da ETP. Atualmente,
ela tem oito núcleos ativos. Os multiplicadores de cada núcleo são responsáveis
pelas aulas e pela organização do grupo, assim como pelo processo de
convocação de novos participantes. Como é frequente em grupos populares,
que se enfrentar a rotatividade, tornando necessárias convocações contínuas.
Esses multiplicadores dos núcleos são formados pela “Formação de
Multiplicadores”, curso fornecido pela ETP anualmente. Ao longo do ano, eles se
articulam através de uma instância denominada “Internúcleos”, onde
mensalmente se reúnem para trocar experiências pedagógicas e fazer uma
formação continuada, que inclui discussões sobre a conjuntura, a busca por uma
estética marxista e novos modelos a serem incorporados no planejamento
pedagógico dos grupos.
Como metodologia pedagógica4, a ETP desenvolveu um conjunto de aulas
em que um dos objetivos é apresentar o teatro como forma de reflexão sobre a
teoria marxista. Dessa maneira, assume um lado crítico do recente anti-
intelectualismo dos movimentos sociais, identificando a formação teórica
enquanto um elemento fundamental. O próprio Brecht e Boal combatiam essa
tendência que nega a importância da reflexão, ou seja, da atividade que precisa ir
além da realidade imediata. Após o nazismo alemão, era preciso reconstruir
meios de expressão próprios, alijados das técnicas do teatro nazista. Para o
autor, a tragédia em si do nazismo não é suficiente para tornar inevitável a
4 Para uma descrição da atuação político-pedagógica da Escola nos anos da pandemia até 2022, ver
Nolasco, Britto e Boal (2023).
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
5
construção de novas formas que combatam aquelas surgidas com o Führer: “não
são as dores que levam o doente a conhecer a cura. E, da mesma forma, a
testemunha ocular, tenha ela estado perto, ou longe, não será nunca promovida
a perito” (Brecht, 1978, p. 167). E conclui: “A desgraça é, por si só, uma péssima
mestra” (Brecht, 1978, p. 167).
O acúmulo teórico da ETP parte do Teatro do Oprimido de A. Boal,
identificando limites no que diz respeito à estrutura de dramaturgia do Teatro-
Fórum. Essa técnica do teatro sistematizado por A. Boal propõe o fim da
separação entre palco e plateia. Assim, a plateia entra em cena, substituindo o
papel da personagem protagonista e propondo alternativas para o conflito
político cuja trama foi tecida no palco. As intervenções são conduzidas por um
Coringa, figura de mediação entre palco e plateia, fundamental para o
direcionamento do debate.
Se, de um lado, essa técnica poderia ser vista como uma superação, no
sentido de um avanço, em relação ao intento brechtiano de reformular a relação
entre palco e plateia, do outro, ela se mostrou um recuo no que diz respeito à
sua estrutura de dramaturgia. Desse ponto de vista, portanto, o Teatro-Fórum
mostrou seus limites. Segundo Boal (2022), Augusto Boal não se preocupou com
a dramaturgia em si, uma vez que o foco estava na relação entre o público e o
palco. É apenas a partir da existência do mandato parlamentar de A. Boal que
essa reflexão passa a ser mais consolidada. A criação, a partir da iniciativa do
mandato, de 19 núcleos em favelas e periferias, tornou a esquematização de um
modelo de dramaturgia a ser replicado uma necessidade desse próprio trabalho
de multiplicação. Quando, posteriormente, o esquema é publicizado, mostra-se
nitidamente o seu traço dramático. Trata-se de uma dramaturgia que
compreende o Teatro-Fórum como um conflito de vontades de indivíduos
autoconscientes de seus desejos e suas ações. E, assim,
O que fica de fora é precisamente o domínio impessoal do capital ou de
outros sistemas de opressão. Os mecanismos pelos quais a opressão se
exerce sem precisar por isso da mediação de sujeitos conscientes são
postos para fora da cena, enquanto que se poderia facilmente arguir
que na sociedade são precisamente eles os mais importantes. Assim,
dizer que em uma peça “sobre o preconceito racial é preciso que o
núcleo do conflito trate precisamente disso: uma vítima do preconceito
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
6
em luta contra o discriminador” deixa sem respostas uma série de
perguntas que se poderia legitimamente fazer: Por que o discriminador
descrimina? (sic) Por que ele tem o poder de fazê-lo? Por que a
sociedade aceita este tipo de atitude? Existem formas de discriminação
racial que dispensam a mediação de um agente consciente? etc.
Reformulando aqui Brecht, nos ocuparíamos somente do abuso do
poder feito por um indivíduo e não do poder em si constituído em um
dado momento de certa sociedade. Esta forma teatral que reduz tudo à
relação entre indivíduos tem um nome, o drama, e a crítica aos seus
limites já tem uma longa história (Boal, 2022, p. 242).
A partir dessa crítica, resumidamente exposta aqui, a ETP passou a
experimentar uma alternativa à estrutura original do Teatro-Fórum, visando
trazer
a forma épica, no seu sentido brechtiano, para a cena.
O espectador transformado em ator-protagonista em cima do palco, ou
seja, em “espectator”, nos termos de A. Boal –, ao invés de buscar eliminar a
opressão, tarefa um tanto exagerada para um indivíduo ou um punhado de
indivíduos, agiria no sentido de buscar a organização das pessoas em prol de
lutas imediatas e específicas ou sua adesão a movimentos e até mesmo a
partidos. As dificuldades para realizar tal intento dariam destaque para as
contradições da própria classe trabalhadora "Se a opressão permanece, a
quem se deve? A nós. A quem se deve se for esmagada? A nós também" (Brecht,
2014, p. 235)5. Na formulação anterior, a estrutura de dramaturgia privilegiava
cenas que destacavam a força exorbitante do opressor ou a bravura do oprimido,
que resiste apesar das derrotas. Essa formulação original produzia intervenções
(respostas alternativas da plateia para a situação de opressão) que abstraíam o
processo organizativo. Dito de outro modo, focava-se no campo de batalha sem
explicar as condições que possibilitaram os termos em que essa batalha ocorreu
e ocorre. Além disso, ao propor alternativas para situações particulares, tendiam
para propostas individuais, que inevitavelmente deixam de lado a opressão como
relação estrutural.
Mas, no interior dessa forma épica, temia-se o cansaço com um modelo
único de pensar o desenvolvimento da cena, como é frequente nas cenas do
Teatro-Fórum, cujo tema poderia diferir muitas vezes no interior de uma
5 Esse é um trecho da personagem Pelagea Wlassowa na peça A Mãe (1931), de Brecht.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
7
estrutura de dramaturgia muito similar. Por isso, a ETP buscou formular uma
série de aulas cujo objetivo foi desenvolver diferentes modelos para o Teatro-
Fórum. A forma utilizada é, em geral, épica ainda que se reconheça que até
mesmo ela depende do objeto em questão. Mas, no interior dessa forma, muitas
cenas distintas poderiam ser criadas cenas que não dependessem de um
mesmo arco de desenvolvimento.
Desse modo, os diferentes modelos têm também como objetivo evitar
o esquematismo, ao mesmo tempo em que possibilitam uma certa capacidade
de reprodução das cenas, fundamentais para uma rede de núcleos como a ETP,
com um certo dinamismo que se assemelha à lógica dos Centros Populares de
Cultura (CPC). Na definição de Peixoto (1989), os CPCs funcionaram como uma
espécie de “pastelaria de dramaturgia e espetáculos” (p. 9), assumindo sua tarefa
de agitação e propaganda. No caso da ETP, um adicional de dificuldade, uma
vez que também os atores e atrizes militantes tomam para si os modelos, ao
mesmo tempo em que utilizam esse processo de apropriação dos modelos
como aprendizado inicial sobre a técnica teatral. Uma junção do que de mais
difícil nos dois mundos: a velocidade de criação dos CPCs e o trabalho com não
atores, do Teatro do Oprimido.
Por último, além de evitar o esquematismo e facilitar a construção de cenas
reprodutíveis sobre diferentes temas, a variação de modelos também possibilita
aprofundar debates distintos dentro do marxismo. O desenvolvimento desse
aspecto, no entanto, não será aprofundado neste artigo.
Com efeito, dissemos que os modelos são uma espécie de variação “pré-
pronta” no interior da forma épica, algo como uma carcaça ou esqueleto dentro
do qual certos corpos podem se alojar. Isso é fundamental para a capacidade de
reprodução necessária para que um grupo da ETP consiga responder às
demandas da conjuntura. Contudo, não explicamos efetivamente do que se
tratam os modelos no sentido brechtiano. De certo modo, ele consiste numa
cópia, como afirma o próprio Brecht. Trata-se da captação de um modo de
representação a ser reproduzido, modo este que, na maioria das vezes, não está
descrito no texto dramatúrgico.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
8
Que importa encontrar no texto que a Mãe Coragem, antes de ir
embora, deu dinheiro aos camponeses como parte do pagamento do
enterro de Kattrin, a filha muda e, ao estudar o modelo, verificar que ela
se pôs a contar o dinheiro na mão e tornou a guardar uma moeda na
bolsa de couro? O texto se refere, efetivamente, o primeiro fato, o
segundo vem no modelo, na interpretação de Helene Weigel [...]
É que, ao fim, o que nós damos ao teatro são cópias do
comportamento humano, apenas” (Brecht, 1978, p. 179).
Como cópias, a ideia de modelo, em Brecht (1978), se contrapõe à tendência
artística de nosso tempo, no qual a devoção à criação original é extravagante.
Em outras palavras, há, atualmente, um nariz torcido toda vez que se argumenta
que o modelo é uma cópia. Brecht (1978, p. 179) faz a defesa da cópia como
“uma arte”, pois, para ele, “é preciso tornar a cópia uma arte, precisamente para
que não se verifique nem uma redução a fórmulas, nem rigidez alguma”. Com
isso, o autor estabelece a necessidade de se imitar fielmente com o objetivo de
aprendizagem para enfim possibilitar a construção dos modelos. Dessa maneira,
os modelos são cópias que permitem, a partir do seu domínio, experimentar
variações sobre uma base.
Brecht compreende que essa tendência contra a cópia um protesto em
nome de uma suposta liberdade artística do indivíduo é fruto das relações
sociais capitalistas, onde os produtores individuais realizam sua atividade de
maneira privada. O vínculo social é estabelecido por meio da troca, ou seja,
apenas quando as mercadorias produzidas se encontram no mercado. A
produção não é voltada para a satisfação das necessidades pessoais e sociais.
Sejam pães ou sejam bombas, o fundamento da produção é a criação de mais
lucro. Desse modo, não um planejamento central e não se consideram as
necessidades coletivas, resultando em crises e desigualdade. No contexto da
arte, isso significa que cada artista age individualmente, sem uma organização
consciente que vincule a produção artística às necessidades sociais. Por isso,
“esse protesto contra a suposta supressão da liberdade de configuração artística
[que significariam os modelos] era de se esperar, numa época de produção
anárquica” (Brecht, 1978, p. 178).
Como modelos para uma pintura ou escultura, trata-se de um objeto que
será utilizado como base para outra criação. Essa base a ETP toma, em muitos
casos, das peças do próprio dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Cada modelo
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
9
comporta uma ação das personagens ou uma proposta de desenvolvimento da
cena que pode incluir uma ou mais técnicas utilizadas por Brecht em uma
determinada cena de suas peças. O conteúdo concreto que a cena vai adquirir,
no caso de uma aula voltada para a experimentação de determinado modelo,
depende do próprio grupo que o experimenta. Ou, de outra forma, no caso de
uma oficina temática, o conhecimento prévio desses modelos pode também
funcionar como uma espécie de caixa de ferramentas, conformando um
repertório de cenas do qual os militantes podem se apropriar para os diferentes
debates. Portanto, a ETP se apropria, à sua maneira, da discussão de modelo em
Brecht para desenvolver um uso do termo que parte das suas necessidades
concretas de atuação.
Uma preocupação constantemente levantada pela ETP é o quanto esses
modelos se convertem em formalismo justo aquilo a que seu uso buscava
combater. Neste caso, o uso de Brecht poderia transformá-lo em um (ou vários)
modelo vazio à espera de ser preenchido por um conteúdo. Exatamente aquilo
que Brecht repudiava em sua polêmica contra o realismo defendido por Lukács,
cuja norma estética estava nos clássicos como Balzac e Goethe. Essa discussão
se iniciou em torno do expressionismo e envolvia não apenas Brecht e Lukács.
Ernst Bloch, por exemplo, em torno do tema do expressionismo, acusou Lukács
de valorizar ao extremo modelos e fórmulas do classicismo e da filosofia
clássica alemã (Posadas, 1970).
Para Bloch, assim como para Brecht cada um à sua maneira –, o critério
normativo de uma boa arte não deve ser o classicismo e pautado na estética
hegeliana. Para Brecht, o realismo defendido por Lukács terminava sendo
formalista, justo aquilo que buscava se opor. Para o dramaturgo, “um romance
de Dos Passos afirma não é comparável a um de Balzac; deve, antes, ser
comparado com a realidade dos subúrbios de New York que o autor descreve”
(Brecht apud Posada, 1970, p. 20). Não é, portanto, para Brecht, uma questão de
se copiar certo estilo como um critério em si. Desse modo, a ETP opta por
copiar, neste caso, Brecht, apenas na medida em que experimenta as técnicas
em busca de uma forma de representação que corresponda à realidade
contemporânea, ainda imersa em relações sociais capitalistas; não se trata de
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
10
modelo como receita de fabricação. É nesse sentido que pretendemos, nas
seções que ainda restam, verificar se pontes possíveis entre a realidade de
Brecht e o crescimento contemporâneo da extrema-direita.
Por isso, tendo em mente essa relação entre forma e conteúdo, acredita-se
que cada modelo formulado pela ETP é apenas capaz de tratar de um conjunto
limitado de situações, e o processo de aprendizado dos participantes se trata
justamente de identificar o argumento central do modelo para enfim entender
em que situações esse argumento pode ser válido. Melhor dito: enquanto espaço
de formação em marxismo, se trata de compreender certos princípios do
método marxista (com o perdão da palavra “princípios”) e, simultaneamente, sua
validade limitada ou seja, que não se trata efetivamente de princípios
(dogmas).
Diante dessas considerações sobre a metodologia da ETP, que reivindica o
Teatro do Oprimido a partir de uma base crítica reconsiderada sob a forma da
dramaturgia épica, e que também se apropria do uso dos modelos
frequentemente a partir das obras de Brecht, podemos passar para a segunda
parte do texto. Nela, debruça-se sobre a relação entre Brecht e o fascismo como
etapa necessária para, por último, descrever o modelo antifascista a partir de
cenas selecionadas da peça Terror e Miséria no Terceiro Reich.
Por que Brecht para falar de fascismo?
Atualmente, vivemos em um contexto de ascensão do fascismo. Embora
esse fenômeno apresente diferenças em relação à experiência histórica da
Alemanha no século XX, diversas semelhanças que se intensificam
globalmente. No Brasil, manifestou-se por meio de Jair Bolsonaro; na Argentina,
com Javier Milei; nos Estados Unidos, com Donald Trump. Este último desponta
como um dos principais articuladores da extrema-direita internacional,
promovendo a chamada "Aliança pela Liberdade"6.
Nesse contexto, a ETP, desde sua criação, tem buscado utilizar diferentes
6 Amaral (2011).
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
11
formas de luta no campo teatral como estratégia de mobilização e organização
junto a movimentos sociais. Em 2022, embora Bolsonaro tenha sido derrotado
nas urnas, o bolsonarismo permaneceu como uma força política expressiva.
Durante a campanha, a ETP adotou o slogan “Fora Bolsonarismo” e empregou
diversas linguagens artísticas, desde banners e cartazes em espaços públicos até
a técnica do Teatro Invisível, desenvolvida por A. Boal. No entanto, o desafio
persiste: é necessário continuar pesquisando e aplicando práticas teatrais
históricas à luz das novas realidades, analisando suas possibilidades e limitações
a partir do referencial marxista ou seja anticapitalista.
Uma das propostas pedagógicas sistematizadas no âmbito da ETP foi a
utilização de cenas de Brecht em processos de formação de militantes
antifascistas. O dramaturgo alemão, que viveu do início ao fim do regime nazista,
produziu diversas obras sobre o tema, sendo uma das mais relevantes Terror e
Miséria. Escrita entre 1936 e 1937, durante seu exílio, a versão final da peça reúne
27 pequenas cenas que retratam a sociedade alemã sob o domínio nazista. Esse
conjunto de cenas revela o fenômeno denominado Alltagsfaschismus (fascismo
cotidiano), ou seja, a maneira como o regime permeava a vida cotidiana dos
indivíduos por meio da Gleichshaltung7 (sincronização/coordenação). Esse
processo, conduzido pelo Partido Nazista, visava uniformizar e exercer controle
total sobre a sociedade alemã, eliminando qualquer possibilidade de oposição ou
resistência em diversas esferas, incluindo a economia, a mídia, a cultura e a
educação.
Brecht escreveu Terror e Miséria em um momento em que havia perdido
contato com os movimentos e grupos teatrais que colaboraram na elaboração
de suas Lehrstücke (peças didáticas). Diante da ascensão nazista, ele identificou
a necessidade urgente de criar peças que não apenas denunciassem o que
acontecia na Alemanha, mas que também pudessem ser utilizadas por
militantes antifascistas ao redor do mundo. Embora a peça em questão não seja
rigidamente didática, ela apresenta elementos pedagógicos e, como muitas de
suas obras, combina diferentes formas teatrais, sem se restringir ao teatro épico.
7 O significado de Gleischshaltung pode ser encontrado em:
https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/gleichschaltung-coordinating-the-nazi-state.
Acesso em: 15 fev. 2025.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
12
Ao mesmo tempo, se esse período foi também marcado por intensos debates
sobre estética e marxismo, a influência do stalinismo consolidou uma visão
dogmática da arte, pautada exclusivamente pelo realismo socialista como
modelo oficial de produção artística.
A situação de Brecht nesse período era complexa. Exilado, distante de sua
terra natal, ele se posicionava de forma crítica em relação ao realismo socialista,
ao mesmo tempo em que assistia ao avanço do nazismo na Europa e ao
desaparecimento e assassinato de companheiros na União Soviética. Esse
contexto limitava sua possibilidade de crítica aberta à hegemonia stalinista.
Terror e Miséria nasce desse cenário, constituindo-se como uma obra híbrida que
combina elementos do teatro dramático, do realismo e da forma épica. É sua
primeira peça explicitamente antifascista e a única em que não utiliza a parábola
como recurso narrativo.
Para White (2010), Brecht emprega na peça a tática do "Cavalo de Troia",
estratégia adotada pela Frente Popular contra o fascismo8, conforme indicado
por Georgi Dimitrov no Sétimo Congresso da Internacional Comunista, em 1935.
Dimitrov9, ao lembrar a lenda da guerra de Troia, enfatizou que os revolucionários
deveriam se infiltrar nos territórios dominados pelos fascistas, rompendo suas
defesas a partir de dentro. Essa abordagem se reflete na peça de Brecht pelo
uso de elementos aristotélicos, como diálogos interpressoais e temáticas que,
isoladas, parecem do campo privado. Estas foram táticas usadas por Brecht para
tornar o espetáculo mais familiar ao público do teatro tradicional. Entretanto, de
modo sutil, ele insere dispositivos épicos, como o distanciamento, desarmando
resistências ideológicas, políticas e estéticas.
Terror e Miséria possuía características que a diferenciavam de outras obras
do autor. O uso da linguagem cotidiana, a ênfase em detalhes psicológicos e a
ausência de elementos cômicos ou de dispositivos de alienação imediatos
tornam a peça menos reconhecível como parte de sua estética habitual. Nesse
sentido, ele constrói uma obra que dialoga, de forma estratégica, com diferentes
8 A "tática do Cavalo de Troia" adotada pela Frente Popular referia-se à estratégia de os comunistas e
socialistas se infiltrarem em frentes amplas, incluindo alianças com setores da burguesia progressista e
democratas liberais, para combater a ascensão do fascismo por dentro do próprio sistema político.
9 O discurso completo pode ser conferido em Dimitrov (1945).
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
13
tradições teatrais. Até mesmo Lukács, crítico ferrenho de Brecht em algumas
ocasiões, elogiou a cena O Espião. Ele a interpretou como um reconhecimento,
por parte de Brecht, da superioridade do realismo como forma estética para
representar a luta de classes. Lukács destaca que, nessa cena, Brecht consegue
retratar de forma vívida os impactos do terror fascista na vida cotidiana,
especialmente no seio da família, corroída pela desconfiança e pelo medo.
[...] Brecht publicou, no terceiro número da revista Das Wort, uma
pequena peça em um ato, Der Spitzel [o delator], em que trava uma luta
contra a desumanidade do fascismo, de uma teoria realista, polifórmica,
matizada, de um modo novo na sua obra; ele nos nessa pequena
peça uma imagem viva, mediatizada por destinos humanos, do terror
fascista na Alemanha, mostra como este desagrega todos os alicerces
humanos da vida familiar, a confiança entre marido, mulher e filho,
como a desumanidade do fascismo desfaz e destrói, nas suas bases
elementares, aquilo que diz proteger, a família (Lukács, 1938 apud
Machado, 2011, p.282).
Ainda que o objetivo deste artigo não seja aprofundar o debate entre Brecht
e Lukács, vale notar que o próprio Brecht e o diretor teatral BertholdViertel
chegaram a utilizar o termo "realismo dialético”10 para descrever a peça. Sua
estreia ocorreu em Paris, em 21 de maio de 1938, sob o título 99%, pois as
autoridades francesas ameaçaram censurar qualquer obra que mencionasse o
"Terceiro Reich" no título. Esse episódio reflete o clima de autocensura que
dominava a Europa naquele período. Além disso, algumas cenas foram
encenadas separadamente em vilarejos e cidades de diferentes países, incluindo
França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética. Posteriormente,
Vsevolod Pudovkin adaptou partes da peça para o cinema soviético, no filme
Ubiytsyvykhodyat na dorogu11 (Os assassinos estão a caminho).
Por ser uma peça antifascista, Terror e Miséria tornou-se um alvo do próprio
fascismo. Após a invasão nazista de Praga, em março de 1939, a extrema-direita
destruiu as chapas da obra que estavam na editora Malik-Verlag, através da qual
Brecht pretendia publicá-la. Mesmo diante desse cenário, o autor seguiu
empenhado em garantir a difusão da peça, incentivando pequenas montagens
10 White (2010).
11 Disponível no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=SOpiJGhyhNo&list=PL-iqvG8cKcydma5c-
ImNDP-XlBPB9YPLE&index=2. Acessoem: 15 fev. 2025.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
14
clandestinas em diversos países. Para ele, a principal função da obra era
desmascarar a propaganda nazista, evidenciando as opressões internas do
regime, estimulando a resistência e revelando que a sociedade alemã não era um
bloco monolítico, mas sim atravessada por tensões e contradições. O desafio
central da peça era estabelecer uma relação dialética entre o medo e a miséria
impostos pelo regime e as formas, ainda que sutis, de resistência e dúvida
(White, 2010).
Diante desse contexto, qual seria a relevância da peça para a formação
estética e política de militantes antifascistas hoje, especialmente no âmbito da
ETP? Para além da evidente conexão temática, o próprio processo de criação da
obra nos oferece um método potente de análise da realidade. A ETP se vale de
metodologias teatrais que partem de fatos concretos. Seu objetivo não é
meramente reproduzir experiências individuais em cena, mas revelar o
funcionamento histórico das relações sociais capitalistas. O uso de situações
reais como ponto de partida permite uma imersão profunda na realidade dos
movimentos sociais e políticos, ajudando a identificar como as opressões
cotidianas não são fruto de ações individuais ou morais, mas estruturais.
Para entender melhor essa conexão digamos, de método de pesquisa do
material cênico é fundamental observar a investigação que Brecht adotou para
compor sua peça. Ainda em 1933, ele instruiu a atriz Margarete Steffin a arquivar
notícias sobre a Alemanha nazista. Além disso, a peça incorpora elementos de
diversas fontes, incluindo relatos de exilados, literatura antifascista, discursos e
biografias das lideranças nazistas Adolf Hitler e Joseph Goebbels, materiais de
propaganda nazista e testemunhos da resistência. Entre as obras utilizadas por
Brecht, destacam-se Die GeschwisterOppenheim (1933), de Lion Feuchtwanger,
Der Hafi (1933), de Heinrich Mann, Die Moorsoldaten (1935), de Wolfgang Langhoff,
Professor Mamlock (1935), de Friedrich Wolf, UnsereStraße (1936), de Jan
Petersen, e Pastor Hall (1938), de Ernst Toller. Além disso, depoimentos orais,
como os da viúva do socialista Erich Mühsam, assassinado em um campo de
concentração, também foram incorporados à obra (White, 2012).
Em 1935, Brecht foi a Moscou a convite de Piscator para uma conferência de
produtores artistas (Parker, 2014, p. 621). O evento vinha na esteira dos debates
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
15
provocados pelo Congresso da União dos Escritores Soviéticos de 1934, que foi
levando cada vez mais à definição do realismo socialista. No dia da conferência,
Brecht falou do Teatro Épico e Béla Kun importante membro do Comintern
ficou impressionado, e pediu para que ele fizesse esquetes antifascistas sobre a
vida na Alemanha (Parker, 2014, p. 626). No entanto, mais tarde, vários dos
membros desse Comintern foram afastados pelo stalinismo e alguns até mortos,
enquanto outros, como o próprio Piscator, acabaram perseguidos e se exilaram.
O que é mais necessário são documentos, montagens simples. Que os
fatos falem por si. Não mais apelos aos sentimentos. A árvore da
acusação será desnudada gradualmente, mas de forma ainda mais
eficaz (Brecht apud White, 2012, p. 24).12
Toda a gente se interroga sobre a duração da guerra que Hitler poderia
travar. E as chamadas democracias estão muito interessadas em saber
como a ditadura nazi afeta os vários grupos sociais. [...].Terror e
resistência por todo o lado. Poder-se-ia projetar algum material
documental como meio (Brecht apud White, 2012, p. 16).13
Os comentários acima foram feitos em uma carta enviada em abril de 1938
a Piscator, que estava prestes a se mudar para Nova Iorque. Nela, Brecht
menciona que enviará uma cópia da peça e oferece uma justificativa levemente
defensiva.
A diversidade e a natureza do material utilizado reforçam a classificação da obra
como Teatro Documentário, forma teatral na qual Piscator se destaca tanto
como um de seus principais influenciadores quanto como um de seus mais
fervorosos defensores, mesmo que não no sentido estrito em que era utilizada
por ele (White, 2012). Posteriormente, A. Boal também incorporou elementos do
Teatro Documentário em seu método do Teatro do Oprimido.14
A identificação precisa das fontes utilizadas por Brecht é dificultada pelo
12 What’s needed most is documents, simple montage. Let the facts speak for themselves. No more appeals
to sentiments. The tree of indictment will be gradually but all the more effectively stripped bare. (Brecht
apud White, 2012, p. 24) (Tradução nossa)
13 Everybody is wondering how long a war Hitler could fight. And the so-called democracies are very much
interested in knowing how the Nazi dictatorship affects the various social groupings. [...]. Terror and
resistance everywhere. You could project some documentary material in between. (Brecht apud White,
2012, p.16. (Tradução nossa)
14 Sobre a grande influência de Piscator no trabalho de Boal, especialmente no Teatro do Oprimido,
consultar o livro de Britto (2024).
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
16
fato de que muitas delas, por razões de segurança, não puderam ser reveladas.
Embora a abordagem de Piscator no uso de material documental seja mais
abrangente e distinta da de Brecht, a relevância de Terror e Miséria como a única
obra antifascista não metafórica do autor permanece inquestionável. Sua
construção dramatúrgica articula análises econômicas e políticas para evidenciar
os mecanismos de dominação fascista.
Esse método de pesquisa e construção dramatúrgica, baseado na coleta e
análise de materiais da realidade, é um dos aspectos em que Terror e Miséria se
evidencia como resultado de um processo intenso de estudos e que por isso
pode ser um excelente material para a formação política por meio do teatro. Ao
conectar essas estratégias ao trabalho da ETP, é possível não apenas resgatar a
memória das lutas antifascistas, mas também buscar as semelhanças e
diferenças assim como as razões para elas nos comportamentos humanos
entre essas diferentes épocas nos moldes que a ideia brechtiana de modelo
como modo de representação nos possibilita. Assim, as formações teatrais e
política se entrelaçam, o que potencializa a construção dos núcleos teatrais da
ETP na realidade atual.
A peça, como vimos, busca retratar o Alltagsfaschismus, que são situações
do nacional-socialismo vividas nos detalhes. Não apenas os grandes fatos
históricos, mas aquilo que se manifesta nas práticas cotidianas de cada pessoa
mais ou menos fascistas –, que, por exemplo, com medo de se expor, acabam
por aderir a mudanças nos pensamentos e nas relações interpessoais. Essas
situações contêm certos comportamentos que podem ter validade para o
período fascista atual, cabendo investigar. Assim, dotados dessas reflexões sobre
a utilidade de Brecht para entendermos o fascismo, vamos adiante apresentar o
modelo em questão.
Uso do teatro na educação e na luta antifascista
O tempo de proclamações espetaculares, protestos etc. acabou por
enquanto. O que é necessário agora é um trabalho educacional
paciente, persistente e meticuloso, além de estudo. É claro que tudo
isso é muito difícil. Sempre ouço que me tornei fascista, trotskista,
budista ou sabe-se lá o quê (Brecht apud Parker, 2014, p. 680-681).
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
17
A velha técnica (que encontramos de forma estereotipada) foi capaz
de cumprir certas funções sociais; não é mais capaz de cumprir novas
funções. Mas as novas funções se misturam com as antigas, e
precisamos estudar urgentemente a técnica ultrapassada (Brecht, 2003,
p. 250).
Na análise da peça, pode-se observar como a encenação buscou incluir
vários debates. Estão presentes nela o debate sobre o expressionismo(Machado,
2011), o debate sobre a política da Frente Popular de Dimitrov e o debate sobre
as formas de ação antifascista tanto na Alemanha quanto no exílio. A peça tem
elementos de vanguarda, do realismo “lukacsiano”, do épico, do naturalismo;
tudo de forma dialética, mostrando sua enorme capacidade estética e política.
Arrisca-se dizer que Brecht um “drible” em Lukács ao englobar elementos
realistas do modo com que este aceita (por exemplo, no elogio à cena O Espião),
mas ao mesmo tempo os modificando epicamente. Essa experimentação, que
usa a teoria para decantar os erros e assim forjar a prática futura, faz parte da
essência dialética de Brecht que:
[...] pressupõe a experimentação com mediações possíveis, algumas
muito objetivas, outras mais subjetivas, outras manifestas na forma da
obra, variáveis segundo situações práticas distintas, devendo incidir não
sobre o objeto, mas também sobre o sujeito da prática. [...] E do seu
projeto do teatro épico que nasce dessa avaliação de que muito mais
útil do que condenar ou elogiar as novidades técnicas (como a
montagem, monólogo interior ou a explicitação de recursos narrativos
associados ao drama) é compreender os sentidos ideológicos das
formas existentes, expor suas tendências de enunciação no confronto
com as matérias e expectativas sentimentais da atualidade, modificá-
las de acordo com interesses da luta social e política (Carvalho, 2015, p.
321).
A partir do exposto, fica claro o motivo de usarmos Brecht e, especialmente,
essa peça. Nos últimos anos, devido à conjuntura nacional e internacional, o
tema do fascismo foi recorrente. A ETP apresentou cenas nas manifestações
antifascistas de 2018, incluindo o “Ele Não” no segundo turno da campanha
presidencial, e também a Feira Carioca de Opinião, evento por ela promovido. A
preocupação com o tema levou à criação da Frente Antifascista de Cultura,
embora tenha tido curta duração. Apesar de Brecht sempre ter sido presente,
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
18
sua importância na ETP aumentou por sua capacidade formal de criar cenas que
abordam o fascismo.
A peça Terror e Miséria oferece diversas cenas passíveis de exploração, mas,
num primeiro momento, focou-se em três: Físicos, A Mulher Judia e O Espião.
Esse desenvolvimento ainda é recente na ETP. A partir dessas experiências, se
poderá avançar, avaliando a possibilidade de trabalhar com a peça inteira.
Quanto a essas três cenas, seu uso ocorre progressivamente, considerando seus
níveis de complexidade.
A cena Físicos é uma das mais simples. Nela, observa-se a técnica da
quebra brechtiana e, ao mesmo tempo, a “presença ausente” de outros
personagens que não estão em cena. Os dois personagens compartilham uma
visão ideológica semelhante, valorizando a ciência independentemente da origem
do cientista. No entanto, há um medo latente: a ameaça não está entre eles, mas
sim em um agente externo que pode denunciar sua traição ao Terceiro Reich.
A cena A Mulher Judia possui maior complexidade. Também utiliza quebras
e a presença ausente de outros personagens, desta vez por meio de diálogos
imaginados, como conversas telefônicas. um metateatro na forma como a
personagem ensaia seu discurso para o marido, que ainda não chegou.
Inicialmente, o casal compartilha um compromisso de solidariedade, mas,
conforme a esposa expõe sua situação, o marido começa a transicionar para
uma posição distinta, chegando, ao final, a praticamente sugerir que ela
embora. As contradições tornam-se explícitas, manifestando-se em ações
concretas, como a entrega de uma mala à esposa.
A cena O Espião é a mais complexa, incorporando elementos das duas
anteriores de maneira aprofundada. No início, três personagens da família e a
empregada, todos em uma situação semelhante. No entanto, o filho pertence à
Juventude Hitlerista, e a empregada é filha do fiscal do quarteirão um
verdadeiro campo minado. Medo, suspeita e acusações mútuas aumentam a
cada novo diálogo. A estratégia do diálogo telefônico com personagens ausentes
também é utilizada. As contradições entre o que é afirmado e o que é feito
aparecem claramente, como no momento em que o pai declara que em casa
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
19
pode-se falar livremente, mas todos se calam quando a empregada entra. Ao
longo da cena, as acusações aumentam, mas os personagens também se
apoiam. Há diversos “espiões” em potencial: a empregada, os vizinhos, os amigos,
os alunos e, principalmente, o próprio filho. O ápice da cena ocorre quando se
revela que a suspeita não se confirma o filho não os denuncia, apenas saiu
para comprar balas. Ainda assim, a dúvida persiste.
Devido à limitação de espaço, aprofundaremos a análise da cena O Espião e
os processos realizados. Na oficina, após os jogos teatrais, que iniciaram o
debate através da imagem e de pequenas improvisações sobre o fascismo,
utilizaram-se técnicas do Teatro do Oprimido. Um exemplo é a Máquina Rítmica,
em que o grupo constrói coletivamente uma máquina sonora e corporal que
expressa suas percepções sobre o fascismo. Alguns priorizam a violência física e
direta, outros a traição, o medo, a situação econômica, etc. Um ponto central é
trazer a discussão não apenas para o fascismo histórico de Hitler, mas também
para sua manifestação atual sob Bolsonaro, Trump e seus semelhantes.
O aquecimento teatral é tanto físico quanto ideológico. O teatro permite
teatralizar o pensamento e as contradições das situações reais que vivemos.
Assim, o processo de teatro documental estruturado por Brecht se inicia nos
jogos. Isso aproxima nossas práticas do conceito de peças didáticas, que Brecht
utilizava para promover exercícios de dialética entre os participantes.
Terror e Miséria está no prelo. Lukács já saudou a cena do Delator como
se eu fosse um pecador que voltou ao seio do Exército da Salvação. Eis
aqui afinal alguma coisa tirada diretamente da vida. Ele esquece a
montagem de 27 cenas e o fato de que é, na verdade, apenas uma
tabela de gestos, o gesto de manter a boca fechada, o gesto de olhar
em volta, o gesto do medo súbito etc. O padrão de gestos numa
ditadura. Ora, o teatro épico pode mostrar que tanto os interiores
quanto os elementos naturalistas estão dentro de seu raio de ação, que
não é isso que tem importância decisiva (Brecht, 2002, p. 13).
Após esse momento inicial, o grupo é dividido em três partes. Apresentou-
se na ETP um resumo de cada cena, seguindo a linha do que foi aqui descrito
anteriormente, e cada grupo assumiu uma das cenas. Em especial,
aprofundamos no presente artigo o uso da cena O Espião como modelo para
criação de novas cenas.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
20
Uma das oficinas ocorreu numa universidade inglesa, onde foi identificada
uma situação semelhante relacionada ao movimento de luta por uma Palestina
livre. Em várias universidades ao redor do mundo, esse tema tem sido um
campo de batalha, e muitas instituições iniciaram processos de perseguição
contra aqueles que se manifestam a favor da Palestina. A cena montada,
baseada em fatos reais, foi encenada em Londres e apresentou duas situações
que ocorriam simultaneamente em espaços distintos, mas que compartilhavam
discursos de medo e ameaças semelhantes.
O primeiro cenário se passava na sala dos professores, onde um grupo de
aproximadamente oito personagens discutia seu dia e suas aulas. Ao abordar a
questão palestina, instaurava-se um clima de receio, em que eram proferidas
frases que associavam os palestinos ao terrorismo e que equiparavam a defesa
da Palestina ao antissemitismo. Em determinado momento, um professor
apontava para outro, acusando-o de ter participado de uma manifestação pró-
Palestina. O professor acusado negava e dizia que deveria haver um engano. A
cena se tornava ainda mais tensa quando uma funcionária de aparência árabe
entrava na sala para servir café, fazendo com que todos se calassem.
Acidentalmente, ela derrubava café quente sobre um dos professores favoráveis
aos palestinos, e outro professor fazia uma piada dizendo que aquele era o
resultado de apoiar "esse tipo de gente". No desfecho da cena, o chefe do
departamento entrava na sala, mas antes de entrar, retirava discretamente seu
broche pró-Palestina. Em seguida, repreendia os professores, recomendando que
evitassem certos temas e comunicava o informe do reitor sobre a proibição de
um festival pró-Palestina que estava confirmado e com toda a produção
realizada.
A segunda parte da cena se passava entre os alunos, que se reuniam para
discutir a proibição do festival pela reitoria. O grupo, composto por seis
estudantes, iniciava a conversa de maneira radicalizada, indignado com a
decisão. Aos poucos, surgiam suspeitas sobre quem teria passado informações
que inviabilizaram o evento. Em dado momento, um aluno questionava outro
sobre uma possível conversa com um professor sionista. O segundo aluno
negava, mas a suspeita aumentava quando um terceiro colega mencionava que
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
21
aquele aluno, considerado mediano academicamente, havia tirado a nota
máxima em uma prova em que a maioria dos estudantes teve dificuldades.
Pequenos ataques começavam a surgir entre eles. Um dos alunos permanecia no
celular e falava pouco. Em determinado momento, ele era questionado sobre o
que estava fazendo e respondia que conversava com sua namorada, ao que
outro colega ironizava: "Aquela pelega?". O debate continuava, e um dos alunos,
progressivamente, ia abandonando a radicalidade, chegando ao ponto de retirar
um dos cartazes pró-Palestina da parede do centro acadêmico, argumentando
que talvez não fosse necessário mantê-lo ali. Pouco depois, percebem que o
aluno que estava no celular havia saído da sala e começam a especular que ele
poderia ter ido à reitoria ou chamar a segurança do campus. De repente, ele
retorna, e todos silenciam. Perguntam onde ele estava, e ele responde
mostrando uma embalagem: "Fui comprar uma pizza para dividirmos, alguém
quer?". O grupo respira aliviado, mas antes do encerramento da cena, um dos
alunos cochicha para o colega ao lado: "Mas será que ele foi comprar a
pizza?".
Outra oficina foi realizada no Brasil, em um contexto de atendimento em
saúde. A cena se iniciava com um casal levando seu filho a um hospital. O pai
usava um adesivo de um candidato de esquerda, e a mãe sugeria que talvez
fosse melhor retirá-lo, considerando o grande número de médicos bolsonaristas.
O pai não via necessidade, mas, no trajeto até o hospital, durante a corrida de
Uber, o motorista fazia declarações em defesa de Bolsonaro e era extremamente
rude com o casal. Antes de entrar no hospital, o pai decidiu retirar o adesivo.
Ao chegarem para o atendimento, eram recebidos por um médico sério e
de poucas palavras. Durante o exame, a criança perguntava: "Papai, cadê o seu
adesivo do...?". O médico, então, erguia os olhos e fixava o olhar no pai, que,
constrangido, tentava desconversar dizendo que o filho gostava de brincadeiras.
A mãe intervinha rapidamente, perguntando ao médico sobre as recomendações
e os sintomas da febre da criança. O médico saía da sala para buscar exames, e
o pai repreendia o filho, que não entendia o problema. O casal começava a
discutir, culpando-se mutuamente pelo episódio: um argumentava que não
deveriam sair de casa com adesivos, enquanto o outro defendia que não
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
22
deveriam expor essas questões ao filho. A discussão cessava com a entrada de
uma enfermeira, que fazia o casal se calar, enquanto a criança sorria. O médico
retornava e perguntava sobre as vacinas da criança. O casal hesitava, mas dizia
que o filho estava vacinado, embora tivessem dúvidas sobre uma vacina
específica. O médico reforçava a importância da vacinação, e a consulta chegava
ao fim. O casal saía do hospital aliviado.
Conclusão
A experiência da ETP evidencia a necessidade de articular teoria e prática
para a construção de uma pedagogia antifascista. A prática teatral não deve ser
apenas um meio de representação simbólica das contradições sociais, mas um
espaço de experimentação dialética que possibilite a compreensão dos
mecanismos do fascismo cotidiano e a organização para sua superação. Como
aponta Carvalho (2015), o teatro dialético não se define por formas ou temas
fixos, mas se constrói na tensão entre palco e plateia, na busca por contradições
que impulsionem um trabalho comum. Dessa forma, sua centralidade não está
na obra acabada, mas no processo de construção coletiva e na relação dinâmica
entre formas de expressão e política.
No entanto, a valorização da prática em detrimento da teoria tem se
tornado um problema recorrente na sociedade contemporânea. O anti-
intelectualismo, que antes se manifestava como desprezo pelo conhecimento
acadêmico, hoje assume uma nova roupagem ao absolutizar a experiência vivida
e rejeitar a reflexão teórica. Essa inversão não supera a lógica reducionista da
tecnocracia acadêmica, mas apenas substitui um dogma por outro, impedindo a
construção de uma práxis efetiva que una experiência e reflexão. Essa dicotomia,
no campo das artes, esteve presente nos debates sobre o Expressionismo nos
anos 1930. A abordagem expressionista, como bem observaram Brecht e Lukács,
ao enfatizar a subjetividade e o irracionalismo, frequentemente desconsiderava
as contradições materiais e as relações sociais concretas que estruturam a
realidade.
No Brasil, esse debate emergiu em momentos-chave da história da arte
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
23
engajada, como nas disputas entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, nos
anos 1960, e nos embates entre A. Boal e Anatol Rosenfeld. A radicalidade dessas
experiências não se limitava ao campo acadêmico, mas era aplicada diretamente
nas ruas, inserindo a arte na luta política concreta. No entanto, o golpe
empresarial-militar de 1964 interrompeu esse processo, desarticulando tanto as
vanguardas artísticas quanto os espaços de experimentação teórica e política.
Atualmente, o debate sobre a relação entre formas de criação artística e
transformação social está restrito a iniciativas pontuais de grupos culturais e a
setores isolados da academia, sem uma interlocução sistemática entre esses
campos.
A ETP, situada no campo marxista, reconhece a urgência de retomar esse
debate de forma articulada, promovendo uma investigação que atualize a
experiência brechtiana para o contexto contemporâneo. O desafio consiste em
sistematizar um modelo teatral que é também pedagógico que preserve sua
flexibilidade dialética, evitando reducionismos formais que o tornariam
incompatível com a abordagem crítica de Brecht. A interação permanente com
os movimentos sociais deve atuar como um antídoto contra o formalismo,
garantindo que a pesquisa sobre um modelo antifascista de teatro se mantenha
enraizada nas lutas concretas. Dessa forma, a ETP busca contribuir para a
construção de uma arte anticapitalista que não apenas represente o real, mas
impulsione a reconfiguração das relações sociais.
Ainda fica para a ETP o desenvolvimento do próprio uso da ideia brechtiana
de modelo. Nas cenas apresentadas neste trabalho, percebe-se que o uso dessa
ideia ainda é incipiente, praticamente reduzindo-se a uma coincidência temática
e de inspiração para o “clima” da cena. Os gestos que poderiam se reproduzir,
dadas situações com “climas” tão semelhantes, ainda não parecem ter sido
exaustivamente investigados.
A próxima etapa desse modelo na ETP é sua ampla experimentação nos
núcleos fixos que a compõem, assim como em oficinas realizadas em parceria
com movimentos sociais. Esta etapa apresenta boas expectativas, uma vez que a
atualidade das cenas tem se mostrado uma verdade cada vez maior,
especialmente no que se refere ao medo e ao terror vivenciados em diferentes
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
24
contextos no nosso “fascismo cotidiano” do Rio de Janeiro. Resta aos
investigadores da ETP identificarem quais gestos, mostrados por Brecht, se
repetem na realidade atual do grupo.
Referências
AMARAL, M. Bolsonaristas articulam na Europa criação de coalizão da extrema
direita internacional. Agência Pública, 11 jul. 2024. Disponível em:
https://apublica.org/2024/07/bolsonaristas-articulam-na-europa-criacao-de-
coalizao-da-extrema-direita-internacional/. Acesso em: 15 fev. 2025
BOAL, J. Sobre antigas formas em novos tempos: o Teatro do Oprimido hoje:
entre “ensaio da revolução” e técnica interativa de domesticação das vítimas. São
Paulo: Hucitec Editora, 2022.
BRECHT, B. Der Arbeiter. Nova Iorque, 23 nov. 1935.
BRECHT, B. The Private Life of the Master Race: a documentary play. Trad. Eric
Russell Bentley, com assistência de Elisabeth Hauptmann. New York: New
Directions, 1944.
BRECHT, B. Teatro dialético: ensaios. Seleção e introdução de Luiz Carlos Maciel.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
BRECHT, B. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
BRECHT, B. Diário de trabalho. v. 1: 1938-1941. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
BRECHT, B. On Arts and Politics. Edição de Tom Kuhn e Steve Giles. New
York; London: Bloomsbury, 2003.
BRECHT, B. Teatro Completo Bertolt Brecht. Vol. 4. São Paulo: Paz e Terra,
2014.
BRITTO, G. Augusto Boal e a Formação do Teatro do Oprimido. Mórula e
Expressão Popular: São Paulo, 2024.
CARVALHO, S. de. Brecht e a polêmica sobre o expressionismo. Marx e o
Marxismo, v. 3, n. 5, p. 313-324, jul./dez. 2015. Disponível em:
https://www.niepmarx.com.br/index.php/MM/article/view/144. Acesso em: 8 fev. 2025.
DIMITROV, G. Der Dramatiker Bertolt Brecht. Austro-American Tribune, 1 jul. 1945.
Disponível em:https://www.marxists.org/portugues/dimitrov/1935/fascismo/02.htm. Acesso
em: 15 fev. 2025.
MACHADO, C. E. J. (Org.). Um capítulo da história da modernidade estética:
debate sobre o expressionismo. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.
Um modelo antifascista para ser encontrado: uma experiência da Escola de Teatro Popular
Geraldo Britto Lopes (Geo Britto) | Daniel Leite de Nadai
Florianópolis, v.1, n.54,p.1-25,abr. 2025
25
NOLASCO, Amanda; BRITTO, Geo; BOAL, Julian. O teatro como forma de fazer
política: a Escola de Teatro Popular de Rio de Janeiro. Conjunto, Casa de las
Américas, Havana, Cuba, n. 206-207, jan.-jun. 2023. p. 46-57.
PARKER, S. Bertolt Brecht: a literary life. London: Bloomsbury Methuen Drama,
2014.
PEIXOTO, F. O melhor teatro do CPC da UNE. São Paulo: Global, 1989.
POSADA, F. Lukács. Brecht e a situação atual do realismo socialista. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
STAFF, ETP "Citizenship on Stage: A Project of the Popular Theatre School in Rio
de Janeiro", Pedagogy and Theatre of the Oppressed Journal, v. 5, Article 7. 2020.
Disponível em: https://scholarworks.uni.edu/ptoj/vol5/iss1/7 Acesso em: 15 fev. 2025.
UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Gleichschaltung: A
Coordenação do Estado Nazista. Enciclopédia do Holocausto. Acesso em: 15 fev.
2025.
WHITE, John J.; WHITE, Ann. Bertolt Brecht’s Furcht und Elend des Dritten
Reiches: a German exile drama in the struggle against fascism. New York:
Camden House, 2010.
Recebido em: 15/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes CênicasPPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br