
Bertolt Brecht: muito além do teatro didático
Júlio César dos Santos
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
alguma coisa a aprender lá, o que eu espero, só poderia ser que, em nossa
situação, nós temos que voltar. E, quanto ao antigo grande costume, não
vejo nele o menor sentido. Preciso é de um novo grande costume, que
devemos introduzir imediatamente: o costume de refletir novamente
diante de cada nova situação (Brecht, 1988, p. 231).
Nesse pequeno trecho, Brecht deixa evidente o seu pensamento quanto ao
que considera aprendizagem: cada diferente situação exige reflexões também
diferentes, o que denota tanto sua historicidade quanto, como ele propõe, sua
constituição dialética, em busca de romper com o pensamento conservador de
que as leis são naturais e devem ser seguidas a qualquer custo. Essa compreensão
pode ser aplicada ao próprio conhecimento, que, não sendo estático e inflexível,
demanda transformações de acordo com as condições, as situações e as
circunstâncias nas quais se constrói, é ensinado e aprendido, ou seja,
dialeticamente. Desse modo, Brecht aponta para uma reflexão contínua,
compondo um procedimento que se articula diretamente ao “efeito de
distanciamento” (Verfremdungseffekt). Nesse sentido, Dort (1977) assinala:
O distanciamento brechtiano é um método rigoroso: supõe, para ser
compreendido e utilizado de maneira fecunda, uma visão de conjunto da
concepção que Brecht tem do teatro, e, mais amplamente, da arte como
meio específico de representar a vida dos homens (Dort, 1977, p.315).
Como para Brecht prática e teoria estão imbrincadas, suas teorizações
nascem fundamentalmente das suas experiências empíricas, incluindo todas as
circunstâncias nas quais o seu trabalho foi desenvolvido.
Assim, a prática teatral e a reflexão teórica, em Brecht, não estão ligadas
apenas pelo fato de se referirem ao mesmo assunto: são as duas faces
inseparáveis de um mesmo trabalho. É impossível isolar uma da outra:
juntas constituem a atividade teatral brechtiana (Dort, 1977, p. 316).
Trata-se, portanto, da práxis, ou seja, da unidade que se produz dialeticamente entre
teoria e prática, mas não apenas isso, pois se incluem nela as condições, as situações e
as circunstâncias em que o trabalho se dá, partindo da realidade e retornando a ela
mediante a ação concreta conscientemente elaborada. Constitui-se, assim, a “práxis
intencional”, revolucionária, apresentada por Vasquez (1977) como o cerne do
materialismo histórico-dialético de Karl Marx:
A obra de Marx, no que diz respeito à transformação revolucionária da
sociedade, tem por base uma justa relação entre o espontâneo e o reflexivo.
Os proletários só podem subverter a ordem econômica e social que os