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Brecht e a gangorra capitalista: rastros
pedagógicos em
A Santa Joana dos Matadouros
João Paulo Wandscheer
Tiago Silva
Para citar este artigo:
WANDSCHEER, João Paulo; SILVA, Tiago. Brecht e a
gangorra capitalista: rastros pedagógicos em A Santa
Joana dos Matadouros. Urdimento Revista de Estudos
em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e110
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Brecht e a gangorra capitalista: rastros pedagógicos em A Santa Joana dos Matadouros
João Paulo Wandscheer | Tiago Silva
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
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Brecht e a gangorra capitalista: rastros pedagógicos em A Santa Joana dos Matadouros1
João Paulo Wandscheer2
Tiago Silva3
Resumo
Este artigo se propõe a discutir como o sistema capitalista é tensionado a partir dos rastros
pedagógicos contidos na metodologia épica da peça teatral A Santa Joana dos Matadouros
(1929-1931), do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. O conceito de “gangorra capitalista”
encontra inspiração nas palavras da protagonista Joana Dark. No entanto, mais do que
criticar um sistema em que, para poucos estarem em cima, muitos precisam estar embaixo,
Brecht contribui para a formação de sujeitos-objetos da história, que formam suas próprias
reflexões perante a experiência com o teatro e se deparam com uma poética pedagógica
que intervém e deixa rastros na política, na economia e na educação.
Palavras-chave: Brecht. Teatro épico. Pedagogia. Capitalismo. Rastros.
Brecht and capitalist seesaw: pedagogical traces in Saint Joan of the Stockyards
Abstract
This article aims to discuss how the capitalist system is tensioned through the pedagogical
traces contained in the epic methodology of the play Saint Joan of the Stockyards (1929-
1931), by the German playwright Bertolt Brecht. The concept of “capitalist seesaw” finds
inspiration in the words of the protagonist Joan Dark. However, more than criticizing a system
in which, for a few to be at the top, many need to be at the bottom, Brecht contributes to
the formation of subject-objects of history, who form their own reflections on their
experience with theater and come across a pedagogical poetics that intervenes and leaves
traces in politics, economics and education.
Keywords: Brecht. Epic theater. Pedagogy. Capitalism. Traces.
Brecht y el balancín capitalista: rastros pedagógicos en Santa Juana de los Mataderos
Resumen
Este artículo tiene como objetivo discutir cómo se tensiona el sistema capitalista a través de
los rastros pedagógicos contenidos en la metodología épica de la obra Santa Juana de los
Mataderos (1929-1931), del dramaturgo alemán Bertolt Brecht. El concepto de “balancín
capitalista” se inspira en las palabras de la protagonista Joan Dark. Sin embargo, más que
criticar un sistema en el que, para que unos pocos estén arriba, muchos necesitan estar
abajo, Brecht contribuye a la formación de sujetos-objetos de la historia, que forman sus
propias reflexiones sobre su experiencia con el teatro y encuentran una poética pedagógica
que interviene y deja rastros en la política, la economía y la educación.
Palabras clave: Brecht. Teatro épico. Pedagogía. Capitalismo. Rastros.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Camila Alexandrini. Doutorado em Letras
(PUCRS). camilalexandrini@gmail.com https://orcid.org/0009-0000-4639-2853
2 Doutorando em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mestrado em Comunicação Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Graduação em Comunicação Social, com
habilitação em Jornalismo, pela PUCRS. Diretor, roteirista e ator. wjoaopaulo@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/3470950687776414 https://orcid.org/0009-0007-3197-8465
3 Doutorando em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Graduação em História pela
Universidade Feevale. Bacharelado em Direção Teatral pelo Departamento de Arte Dramática da UFRGS.
Dramaturgo, diretor, pesquisador e professor de Teatro. thyagocenico@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2855962888550878 https://orcid.org/0000-0002-3249-0740
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Introdução
Este artigo propõe uma discussão sobre os tensionamentos em relação ao
sistema capitalista no que tange os rastros pedagógicos contidos na metodologia
épica brechtiana e seus desdobramentos na peça teatral A Santa Joana dos
Matadouros (1929-1931), do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
Interligando o conteúdo e a forma do teatro brechtiano com a educação, Rodrigues
(2010) e Andrade e Costa (2017) constituem a base teórica que fundamenta a
concepção do que compreendemos por rastros pedagógicos, enquanto
disseminação de um pressuposto de pedagogia aplicada no caso de Brecht, no
teatro. Já as críticas voltadas ao capitalismo que Brecht articula serão conduzidas
pelo conceito de “gangorra capitalista”, o qual encontra inspiração nas palavras
proferidas por Joana Dark, protagonista da peça em questão, com o objetivo de
descrever o sistema em que está inserida: uma gangorra onde, para poucos
estarem em cima, muitos precisam estar embaixo.
A metáfora é um dos diferentes artifícios que Brecht utiliza em A Santa Joana
dos Matadouros com a finalidade de colocar em evidência as injustiças do sistema
capitalista, bem como de aproximar o público da compreensão de que os salários
insuficientes, as condições de trabalho insalubres que colocam em risco a vida da
classe trabalhadora e a fome só terão fim a partir da luta e da união dos próprios
trabalhadores. Estes são temas precípuos que compõem a peça, a qual inicia
quando o personagem Pedro Paulo Bocarra, conhecido como “rei dos frigoríficos”,
testemunha o abate de um bezerro e alega decidir abandonar a indústria das
carnes após presenciar este evento. Paralelamente, o desemprego leva os
trabalhadores ao desespero e, consequentemente, a organizarem manifestações
contra a instabilidade que se propaga em Chicago, nos Estados Unidos.
Entre aqueles que lutam contra a miséria, está Joana Dark, pertencente ao
“exército dos soldados de Deus”. Em virtude do chapéu que utilizam como adorno
coletivo, o grupo ao qual a protagonista pertence é chamado de Boinas Pretas. Não
por acaso, a personagem Joana consiste em uma referência à figura histórica
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francesa Joana D’arc, canonizada em 1920 pelo Vaticano e que se tornou uma
heroína nacional devido à sua participação na Guerra dos Cem Anos (1337-1453)4,
conquistando a admiração do povo francês por vitórias militares contra a Inglaterra
e pela liberação de territórios franceses durante a Baixa Idade Média (Campos,
2023). A Santa Joana, em Brecht, também se envolveria em uma luta. Neste caso,
porém, a sua batalha é ao lado dos trabalhadores em meio a um conflito no cerne
do sistema capitalista.
Joana inicia a peça buscando conciliação com os grandes empresários da
indústria da carne e abomina qualquer tipo de violência na reivindicação por
direitos e melhores condições de trabalho. No entanto, ao final da peça, Joana não
atinge os objetivos pelos quais lutava: um terço dos trabalhadores irão perder seus
empregos, enquanto a outra parcela terá seus salários reduzidos e o preço da
carne irá aumentar. Ao morrer, Joana é canonizada, sendo vista tanto como uma
heroína, quanto uma santa, mesmo que as transformações que ela tanto almejava
para o mundo não tenham sido concretizadas. Os trabalhadores seguem em
condições de vida precárias e essa é uma reflexão e uma indignação que Brecht
pretende provocar no público com este desfecho específico: não um desenlace
ideal sem uma luta consciente e organizada por todos.
Deste modo, para se compreender a forma como A Santa Joana dos
Matadouros articula pedagogia e as suas críticas ao sistema capitalista, este artigo
será dividido em três etapas. Na primeira, será abordada a dialética como um
método pedagógico da obra brechtiana que estabelece tensionamentos em
relação ao capitalismo. na segunda etapa, será apontado o modo em que as
críticas tecidas na peça apresentam o elemento pedagógico como um aspecto
intrínseco não somente à sua dramaturgia, como também ao teatro épico
proposto por Brecht. Por fim, a terceira etapa dará atenção à maneira em que a
didática brechtiana busca articular politicamente os trabalhadores através de um
distanciamento dos personagens em cena. Para tanto, as nossas análises serão
amparadas pela dramaturgia da peça e conduzidas pelas cenas em que a
4 Conflito travado entre Inglaterra e França que durou 116 anos, entre 1337 e 1453. Seus motivos consistiram
em questões políticas e econômicas e teve como consequência principal o fortalecimento da monarquia na
França, em um período de ascensão e estabelecimento das monarquias nacionais europeias. Sobre este
assunto, ver: Minois, 2008.
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crueldade e a desigualdade do sistema capitalista se tornam evidentes pela
perspectiva da protagonista Joana.
Conceitualmente, as discussões propostas por este artigo encontram
embasamento teórico no pensamento de autores como Rosenfeld (2012),
Benjamin (2017), Jameson (1998), Freire (2004 e 2018), Barthes (1999), Pavis (2005),
Szondi (2001), Marx e Engels (2007 e 2021) e do próprio Brecht (1967, 1976, 1986 e
2005). Outro aspecto que estabelece as diretrizes das análises elaboradas neste
estudo é a hipótese de que o pressuposto pedagógico do teatro épico vem a ser
um preceito basilar no entendimento do teatro brechtiano, pautando, deste modo,
a análise da peça por meio deste imbricamento teórico, em uma conjugação das
referências apresentadas na discussão.
Dialética e pedagogia no teatro brechtiano
A peça brechtiana A Santa Joana dos Matadouros inicia em meio a uma crise
na indústria da carne. Conhecido como “rei dos frigoríficos”, Pedro Paulo Bocarra
alega que está buscando afastamento do setor depois de ver um bezerro sendo
abatido. Lennox, seu concorrente e um dos magnatas da carne em conserva, fecha
as portas de suas indústrias, o que resulta em desemprego e uma sensação de
instabilidade. Em frente às Indústrias Lennox, os trabalhadores gritam: “Ai de nós!
O próprio inferno nos fecha as suas portas! Estamos perdidos. O sanguinário
Bocarra aperta a garganta de nosso explorador e quem sufoca somos nós!” (Brecht,
2001, p. 20). As reivindicações dos trabalhadores nos permitem notar que o teatro
brechtiano não se restringe a conflitos individuais e coloca no palco o que
Rosenfeld (2012, p. 31) descreve como as “determinantes sociais”, que configuram
as relações inter-humanas.
Neste aspecto, muito se falou sobre Bertold Brecht, importante
dramaturgo, poeta, pedagogo e encenador alemão do século XX. Sua obra
tensionou teórica, artística e politicamente a produção teatral da primeira metade
do século XX, reverberando nos postulados inerentes ao teatro contemporâneo5.
5 Para aprofundar-se no assunto, sobretudo no que tange o contexto brasileiro, indica-se como leitura a tese
de doutorado de Rodrigo de Freitas Costa, intitulada Brecht, nosso contemporâneo? O engajamento como
prática intelectual e como opção artística da Companhia do Latão e o livro Traços épico-brechtianos na
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E, ainda que não fosse de todo uma unanimidade, uma vez que, como observou o
teórico Roland Barthes, por certo que “as ideias de Brecht colocam problemas e
suscitam resistências” (Barthes, 1999, p.131), sua produção estabeleceu parâmetros
teórico-artísticos que se refletiram na pluralidade de suas criações ao longo de
sua trajetória no teatro, bem como no seu próprio agenciamento crítico como um
“encaminhador de propostas” (Brecht, 1986, p. 319), atestando o caráter dialético
de seu método no âmbito de seu pensamento propositivo e criador.
Assim, ainda que a teoria teatral de Brecht apareça um tanto quanto difusa
no decorrer de sua obra, podemos entender, ao inferir acerca dela por meio de
autores distintos como Hannah Arendt (1987), Gerd Bornheim (1992), Fredric
Jameson (1998), Iná Camargo Costa (2010), e Anatol Rosenfeld (2012), que o
elemento de cunho pedagógico se configura como uma variável constante no
plano de suas ideias e no exercício de sua criação dramatúrgica. E, pensando o
elemento pedagógico segundo Debesse e Mialaret (1974), para quem os processos
de aprendizagem funcionam através de métodos compatíveis com os resultados
pretendidos, os rastros pedagógicos – que são as marcas de seu intento dialético-
pedagógico no plano da arte no teatro épico brechtiano estariam, sob este
prisma, diretamente ligados ao exercício da dialética, tanto na estrutura da
dramaturgia, quanto na relação entre obra e espectador.
A partir do pensamento de Rodrigues (2010) e Andrade e Costa (2017) e em
conformidade com os aspectos supracitados, podemos pensar estes rastros
pedagógicos em A Santa Joana dos Matadouros como mecanismos que, no
decorrer da dramaturgia, educam o olhar do público para as contradições,
paradoxos, desigualdades e demais situações de opressão que são naturalizadas
e que sustentam a “gangorra capitalista”. Não por acaso, a educação do olhar em
relação a este emaranhado de ações e discursos que amparam a conduta dos
personagens da peça não é arbitrária, como se verá, pois o teatro brechtiano visava
atingir uma transformação a partir de um teatro que é pedagógico e que envolve,
mas vai além da questão formal. Os aspectos contidos no teatro brechtiano se
alastram para outros âmbitos da sociedade e podem ser rastreados à medida que
dramaturgia portuguesa: o render dos heróis, de Cardoso Pires, e Felizmente há luar!, de Sttau Monteiro, de
Márcia Regina Rodrigues.
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este teatro passa “a atingir a verdadeira função do teatro, sua função social”
(Brecht, 1967, p.62).
Rosenfeld (2012, p. 34) ressalta que os processos utilizados por Brecht “visam
suscitar no público uma atitude crítica”, de modo que o espectador passe a
estranhar o que se tornou banal e corriqueiro. Em A Santa Joana dos Matadouros,
por exemplo, proletários passam a exigir melhoria salarial em frente às Indústrias
Lennox e, durante um protesto, expõem a sujeira das cozinhas onde trabalham e
ressaltam que preparam restos de animais para “bocas mais endinheiradas
comerem” (Brecht, 2001, p. 20). Assim, a “gangorra capitalista” e as condições
históricas, antes naturalizadas, revelam-se para a plateia como passageiras e
mutáveis. O método de Brecht, no entanto, não se propõe meramente a guiar o
público, mas sim lhe provocar reflexões em um aspecto tanto crítico quanto
didático, colocado em prática por meio da dialética, pois, como observa Rosenfeld
(2012, p. 35), “através do choque do não conhecer, é suscitado o choque do
conhecer, a negação é negada”. Assim, o espectador, construindo uma reflexão
própria, é instigado a se dirigir à práxis, conforme destaca Rosenfeld (2012). Para
Brecht, o teatro não se limita ao teatro.
Todavia, o teatro brechtiano não consiste na imposição de uma doutrina,
tampouco é um conhecimento a ser meramente transmitido, mas, antes, em um
aprendizado que surge a partir de uma experiência (Correia, 2017). Da experiência
relacional perante o teatro. Embasado no marxismo, Brecht engendra,
dramaturgicamente, política e rastros, marcas, de uma pedagogia transformadora
que aposta na luta de classes como vetor de transformação da sociedade. Ronna
(2019), inclusive, nos lembra que rastros não são apreendidos em uma condição
de totalidade. Cada vez que nos deparamos com eles em uma obra artística, novas
associações surgem: associações que permitem ao sujeito olhar tanto para si
quanto para a sociedade. Paulo Freire, no campo da pedagogia, aponta que uma
análise crítica permite ao sujeito reconhecer as dimensões significativas da sua
realidade, bem como o reconhecimento e a interação das partes com o todo
(Freire, 2004, p.96).
No teatro dialético e pedagógico de Brecht, os atores encontram-se afastados
de seus personagens, tornando-se porta-vozes do pensamento pedagógico do
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próprio autor, conforme explica Rosenfeld (2012). Esse distanciamento instaura a
crítica da qual o ator é emissário, possibilitando que o personagem seja um mentor
de sua articulação. Um exemplo deste aspecto em A Santa Joana dos Matadouros
é quando, em seus últimos momentos de vida, Joana fala que “os de baixo estão
presos embaixo para que os de cima permaneçam em cima. E a baixeza destes é
sem limite” (Brecht, 2001, p. 174). É possível notar o uso de paradoxos para levar
ao público consciência em relação aos problemas da estrutura de classes da
sociedade: existem aqueles que estão embaixo, enquanto outros estão em cima,
e estes de cima não poderiam ser mais baixos, mais inescrupulosos. Encontra-se
aqui novamente a lógica referente à “gangorra capitalista”, que configura e institui
o cerne crítico e didático da peça. São rastros que indicam a intervenção
pedagógica da obra sobre o espectador.
Joana acreditava poder dialogar com os grandes proprietários da indústria da
carne para resolver a falta de trabalho e a fome. Contudo, as boas intenções de
Joana não seriam suficientes e mal sabia ela, naquele momento, que a crise
econômica em vigência havia sido desencadeada pelo próprio Bocarra. Conforme
ressalta Cridle, personagem que compra ações das indústrias do “rei dos
frigoríficos” e se encontra endividado por causa da crise no setor, Bocarra passou
a se incomodar com a morte de um bovino porque não havia mais quem
comprasse carne. Esta ausência de percepção política de Joana neste momento,
contudo, nos possibilita rastrear o pleito pedagógico-dialético na obra: o conflito
posterior, em que Joana torna-se um símbolo da luta anticapitalista, mostra o
sentido de oposição em relação ao que está dado, anteriormente, como natural.
Ademais, a jornada de Joana é repleta de dor. Ela costumava trabalhar com
fertilizantes sintéticos, mais especificamente na trituração de ossos, mas estava
sem emprego desde que desenvolveu um problema no pulmão e teve uma
inflamação nas pálpebras. Seus ideais também a levam a ser expulsa do Boinas
Pretas, depois que entra em confronto com industriais que passariam a apoiar
financeiramente o grupo. Ela é julgada por beber uísque, é chamada de fraca – ao
buscar emprego pelo também trabalhador Gloomb e, depois de ter procurado
Bocarra, surgem boatos de que os dois haviam dormido juntos, quando na
verdade o interesse que ela tinha em procurar Bocarra era o de auxiliar os
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trabalhadores.
Para Jameson (1998), A Santa Joana dos Matadouros é uma peça brechtiana
particularmente fundamental em relação à representação do capitalismo.
Jameson (1998) destaca que, além do confronto entre trabalhadores e capitalistas,
há embates entre os próprios capitalistas. Uma história que – conforme Jameson
(1998) retrata os trabalhadores como uma classe dominada, explorada e
oprimida e os capitalistas como um grupo repleto de desavenças. Porém, um
ponto crucial: no fim das contas, os burgueses irão tentar resolvê-las para se
manter na parte de cima da gangorra, termo que Joana utiliza para descrever o
que é capitalismo:
…este sistema todo é uma gangorra cujas extremidades são relativas uma
à outra, os de cima estão porque e enquanto os demais estão
embaixo e não estariam em cima se acaso os outros deixando o seu
lugar subissem, de sorte que necessariamente os de cima desejam que
os de baixo não subam e fiquem embaixo para sempre. É necessário
também que os de baixo sejam em número maior que os de cima, para
que estes não desçam. Senão não seria uma gangorra (Brecht, 2001, p.
124).
Neste panorama, além de injusto, o mercado capitalista também é volátil e,
baseando-se novamente nos conselhos de seus amigos de Nova York que o
aconselham voltar a comprar carne – Bocarra, inclusive, sugere uma solução para
que o preço da carne voltasse a ser atraente para criadores e industriais: “queimar
um terço dos rebanhos existentes” (Brecht, 2001, p. 161). Um paradoxo da dialética
brechtiana aqui se evidencia: Bocarra, que antes dizia estar sensibilizado com o
abate de um bezerro, agora não hesita em exterminar bois para que o mercado
volte a se tornar lucrativo para a burguesia. As questões sociais, percebidas pelo
público, podem provocar transformações concretas na realidade social e a jornada
de Joana, inclusive, consiste em uma transformação: inicialmente, a personagem
associava a pobreza à falta de e, ao longo de sua luta política, percebe as
injustiças do sistema capitalista e encerra a peça ao lado do proletariado.
Entretanto, ao escolher o marxismo e o “materialismo dialético como a
convicção da sua vida”, o dramaturgo alemão continua fazendo poesia e mantém
o “alto padrão do seu ofício”, aponta Rosenfeld (2012, p. 52). Evidente que, quando
falamos de teatro épico brechtiano, nos referimos a um tipo específico de
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teatralidade, na qual elementos como a presença do ator narrador, o
distanciamento crítico, os paradoxos sociais e a perspectiva multidimensional dos
fatos apresentados em cena devem ser levados em consideração (Rosenfield,
2012). Assim sendo, pensando nas múltiplas denúncias arquitetadas na
dramaturgia de Brecht, podemos notar que, além de tensionar a “gangorra
capitalista”, A Santa Joana dos Matadouros evidencia o cinismo da burguesia ao
mostrar que Bocarra, na verdade, decidiu abandonar a indústria de carnes devido
aos conselhos contidos em uma carta enviada por seus amigos de Nova York, que
lhe alertavam sobre as dificuldades no setor.
As denúncias, todavia, também estão na estética a qual potencializa a
didática e o caráter dialético do teatro de Brecht. Portanto, é igualmente
importante se ater aos propósitos do pensamento épico, tanto na composição
quanto na narrativa6 brechtiana, essa influenciada diretamente pelo teatro
documentário e político de Erwin Piscator7 na primeira metade do século XX
(Borges, 2024). É mister, portanto, definir o que se entende por teatro épico e como
Brecht o percebia, bem como a sua conexão com o viés didático do dramaturgo.
Pedagogia e o teatro épico de Brecht
A pedagogia dialética brechtiana não se restringe a evidenciar e a explicar ao
público as injustiças e crueldades contidas na lógica da “gangorra capitalista”.
Rancière (2002) diferencia um explicador de um mestre, este último sendo uma
figura que reconhece a distância entre a matéria a ser ensinada e o sujeito a ser
instruído. A partir dessa lógica, é possível compreender que o mestre abre espaço
para o sujeito instruído construir a matéria junto a seu mentor: ele não o sujeito
instruído como um mero alvo de informações. A distância também revela um
aspecto presente no teatro e na pedagogia de Brecht, a qual consistia na ideia de
6 Lukács aponta, neste sentido, que a forma dialética do épico promove um “compromisso entre o homem e
o mundo”, na medida em que engendra uma relação e não uma oposição com a história narrada, como
acontece no caso da tragédia. É nesta perspectiva que a obra de Brecht opera. Acerca desta questão, ver:
Lukács, 2000, p. 26.
7 Erwin Friedrich Maximilian Piscator (1893-1966) foi um importante dramaturgo, diretor e produtor teatral
alemão, responsável por peças de agitação e propaganda política. Para saber mais a respeito da relação
entre o teatro de Piscator e o teatro épico brechtiano, indica-se, além da referência presente no corpo do
texto, o artigo de Leo Kerz intitulado Brecht and Piscator. Consultar: Kerz, 1968, p. 363369. Disponível em:
www.jstor.org/stable/3205177 Acesso em: 09 fev. 2025.
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que, para entender algo, era necessário afastar-se desse algo a fim de lê-lo e
criticá-lo, como destaca Campos (2023).
É crucial compreender, portanto, que Brecht formulou dramaturgicamente o
teatro épico no contexto histórico8 de sua aplicação, como um vetor que visava
despertar o espírito crítico dos espectadores. Nesta conjuntura e nas situações
circunscritas em A Santa Joana dos Matadouros, as contradições do capitalismo
são lançadas aos olhos do espectador. Um exemplo desta afirmativa é o momento
em que a fama das ações filantrópicas de Bocarra esbarra no destaque que
jornaleiros dão aos Hospitais Bocarra serem não apenas os maiores, mas os mais
caros do mundo: lança-se, então, o paradoxo para a intervenção da própria leitura
crítica do público em relação ao que é apresentado. Todavia, é importante ressaltar
que, apesar da importância dos temas e situações, o teatro épico também se
caracteriza pela maneira como é estruturado. Em relação a este aspecto,
Rosenfeld (2012, p. 29) ressalta que o teatro épico não está restrito a moldes mais
rigorosos, pois:
Distingue-se pela sua estrutura mais aberta, repleta de episódios que não
se integram na linha de uma ação uma, contínua, de tempo reduzido e
lugar fixo (ou seja, o teatro épico rompe com as chamadas unidades de
ação, tempo e lugar). Abre-se a um mundo maior pela própria variedade
de tempos, lugares e episódios que apresenta e, dessa forma, ultrapassa
o diálogo interindividual pela riqueza cênica, pela multiplicidade de
elementos visuais e imaginários que tendem quase a se sobrepor à
exposição puramente verbal, declamada.
É mister, portanto, compreendermos que é por meio desta concepção de
épico que Brecht estrutura a sua obra. Para Brecht, era fulcral que o espectador
tomasse distância da história apresentada, pois isso lhe permitiria observar, refletir
e julgar o que estava sendo apresentado em cena. O dramaturgo buscava romper
com a passividade, como destaca Frederico (2010), para que, deste modo, fosse
possível atingir seus fins didáticos, educando para a crítica ao sistema no qual os
8 A obra foi escrita no momento em que a Alemanha vivia o período histórico chamado de República de
Weimar (19191933), que sucedeu o período do Império. Frederico (2010) menciona que este período
republicano não foi uma conquista que contou com participação popular, logo, possuía um teor político
autocrático. Dessa forma, as contradições sociais se afloraram e a ascensão do nazismo foi o desfecho
desse momento da história alemã, conforme ressalta Frederico (2010). O autor ainda menciona que este
pano de fundo nos auxilia a compreender a radicalização revolucionária que ocorria nesta época e os reflexos
que reverberaram na vida cultural alemã.
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sujeitos estão incursos. Assim, Brecht rompe definitivamente com a estrutura do
teatro aristotélico, na qual a arte dramática é mimética e apresenta-se como um
todo organizado no tempo e no espaço (Aristóteles, 1979, p. 24-31), sem recursos
de distanciamento que problematizam a ação dos sujeitos na representação
efetuada. Neste caso, segundo Brecht, não haveria espaço para a crítica do
espectador.
Segundo Rosenfeld (2012), no drama aristotélico, a ação se desenrola no
agora. Enquanto os personagens vivem o seu destino pela primeira vez, os atores
os representam novamente noite após noite. A ação se movimenta, se desenrola
e se alinha por si mesma. O autor também aponta que, nessa estrutura narrativa
rigorosamente arquitetada, fechada em si mesma, cada cena precisa motivar a
próxima, para que assim o público se enrede no enredo, o que levaria a uma “ilusão
da realidade”, causada pela “verossimilhança máxima” e pela “lógica interna” da
peça (Rosenfeld, 2012, p. 29). A lógica do teatro épico brechtiano, no entanto, é a
do paradoxo, da ruptura, da contradição, ou seja, diametralmente oposta a esta
lógica.
Diante dos preceitos aristotélicos, Brecht não via possibilidade de aprimorar
uma leitura crítica da realidade através das contradições existentes na sociedade,
uma vez que a concepção tradicional de drama levaria a plateia a uma
“identificação emocional” com os personagens de modo que o público “sairia do
teatro satisfeito e iria para casa convenientemente conformado, passivo,
encampado no sentido do status quo (Rosenfeld, 2012, p.31). Assim, em
contraponto ao engendramento aristotélico, Brecht traz momentos inclusive de
interrupção da cena. Em A Santa Joana dos Matadouros, uma das formas que
Brecht encontra de se dirigir ao público é através de jornaleiros que cruzam o palco
e que lançam à plateia um tema recorrente e muito criticado nas obras de Brecht:
o capitalismo. De acordo com Rosenfeld (2012, p. 84), os jornaleiros e os títulos
que eles cantam são instrumentos que permitem caracterizar o “clima social” da
cena, convidando o público a tomar parte na análise dos fatos.
Uma das manchetes do dia apresentadas na peça é: “Fechadas as indústrias
do rei da carne Lennox! Setenta mil trabalhadores sem pão nem teto! Lennox
vítima da implacável guerra de preços do rei da carne e da filantropia de Pedro
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Paulo Bocarra” (Brecht, 2001, p. 20). Neste cenário, os jornaleiros são paradoxais
ferramentas que servem ao objetivo pedagógico do teatro épico brechtiano:
embora fossem tão corriqueiros e presentes no dia a dia, colocam em evidência
aquilo que passou a ser compreendido como algo comum. A interrupção dos
jornaleiros em meio a uma cena de protesto dos trabalhadores traz um efeito de
surpresa que distancia o espectador dos personagens em cena e apresenta ao
público a relevância do que está ocorrendo no palco, pois, se não fosse relevante
e urgente, não seria notícia.
O teatro épico brechtiano recusa, deste modo, o ponto de vista aristotélico
de uma ação concluída em si mesma, tendo em vista que através das estruturas
tradicionais o público abandona o teatro “aliviado e serenado, purificado das
tensões e paixões excessivas” (Rosenfeld, 2012, p. 29). Não à toa, peças como O
vôo sobre o oceano, uma peça didática destinada a estudantes (1928-1929), Terror
e Miséria no Terceiro Reich (escrita entre 1935 e 1938), A vida de Galileu Galilei
(1937-1938), Mãe Coragem e seus filhos: uma crônica da guerra dos 30 anos (1941)
e a própria Santa Joana dos Matadouros (escrita entre 1929 e 1931) são marcadores
de uma estrutura narrativa que rompe com a linearidade e as limitações de um
drama absoluto que exclui o acaso e a possibilidade de diálogo com o espectador,
em uma alocução dramática que não é a expressão do autor e tão pouco dirigida
ao público, como aponta Peter Szondi (2001, p. 31).
Para Brecht, portanto, era necessário eliminar “a ilusão, o impacto mágico do
teatro tradicional” (Rosenfeld, 2012, p. 31), sem, contudo, rejeitar o uso da emoção.
Neste sentido, no teatro épico brechtiano um mecanismo poético e reflexivo
que se instaura no plano da retroalimentação, pois, como observa Barthes (1999,
p. 136), “não é de modo algum enfraquecer o valor criativo desse teatro [épico
brechtiano] considerá-lo como um teatro pensado”. Ou seja, mesmo com o
indubitável uso da emoção, o mecanismo poético brechtiano “tinha o intuito de ir
além de uma mera efusão irracional e elevar a emoção ao raciocínio, canalizá-la
num sentido inteligente, lúcido”, esclarece Rosenfeld (2012, p. 32). A dialética, o
campo poético e o exercício da pedagogia, no que tange à instrumentalização
crítica do público, são, no teatro brechtiano, inseparáveis.
Brecht (2005), inclusive, entendia que o teatro não deixa de ser teatro quando
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é didático e que o teatro épico pode divertir e ser agradável, não necessariamente
se restringindo a ser penoso e triste. Em A Santa Joana dos Matadouros, a ironia
se revela como um artefato que pretende incitar no público tanto reflexões quanto
lhe tirar risadas. Joana, por exemplo, sabia quem era Bocarra, sem mesmo
nunca tê-lo visto antes. Na primeira vez que o encontra, o rei dos matadouros
tenta enganá-la, dizendo que Bocarra, na verdade, era o corretor Slift, que também
estava no mesmo ambiente. Joana, no entanto, não se deixa enganar e afirma
saber quem era Bocarra. Quando questionada do motivo, ela responde: “Porque a
sua cara é a mais sanguinária” (Brecht, 2001, p. 39). O deboche da protagonista é
um momento não apenas cômico da peça, mas que também nos possibilita notar
que a obra não é somente composta por elementos penosos, mesmo
evidenciando a crueldade da burguesia e do que compreendemos como “gangorra
capitalista”.
Brecht compreendia que a aprendizagem nas instituições escolares é
indubitavelmente penosa e a associava à preparação profissional, atrelando
também a educação a um caráter de mera mercadoria. Brecht (2005) ainda
destacava que, quando se ultrapassa a idade escolar, a busca por instrução acaba
sendo colocada em estado de sigilo, pois quem confessar que precisa aprender
algo se encontrará em um contexto de inferioridade, uma vez que, no sistema
capitalista, o mercado de trabalho é o ponto máximo no processo de
aprendizagem. Para o dramaturgo, entretanto, não é necessário haver uma
oposição entre aprender e se divertir. E podemos ainda acrescentar: não é
necessário haver oposição entre se emocionar e refletir, e essa é uma premissa
que tangencia as condições de aprendizagem intermitente em seu teatro.
Nesta direção, a perspectiva de Brecht (2005) também nos leva a
compreender que o teatro pode ser uma forma de dar continuidade a uma busca
por conhecimento, por construção de reflexões, bem como a encontrar agência
em meio a esses processos em um contexto que, de fato, não deixa de ser
individual, mas que também irá reverberar coletivamente. Na esteira desta
questão, Brecht (2005) também criticava a falta de acesso à cultura e defendia a
transformação das estruturas políticas, sociais e econômicas na medida em que
determinadas formas de cultura são acessadas por meio do acesso ao poder.
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Vale ainda ressaltar que a estrutura capitalista transforma a educação em
mercadoria, afastando-a de uma prática transformadora (Marx e Engels, 2007, p.
537-538).
Ao analisar A Santa Joana dos Matadouros, Vianna (2012, p. 123) destaca que,
no capitalismo, tal como na peça, “a mercadoria é sagrada, ela não se encontra
disponível para o uso coletivo, apenas para quem pode consumir”. É nesse
contexto que a carne se encontra como um elemento simbólico na dramaturgia,
uma mercadoria que está disponível apenas para quem pode consumi-la. Os
trabalhadores, nesta conjuntura, passam fome, enquanto bois são queimados para
regular o preço da carne. Ou seja: o que importa é o lucro. Essa é uma inquietação
constante que Brecht tenta provocar. A compreensão de que, no capitalismo, o
alimento se torna uma mercadoria que muitos não conseguem acessar possui um
estatuto de educar o público a perceber e subverter as injustiças e as contradições
presentes na lógica do capital.
Em vista disso, através do teatro épico, Brecht também buscava afastar-se
da perspectiva fatalista da tragédia e apresentar as injustiças do mundo como
situações possíveis de serem transformadas, naquilo que Iná Camargo Costa
(2010) observa como o pressuposto central do teatro épico brechtiano: a ascensão
do proletariado à cena histórica, observando-a e transformando-a. Em A Santa
Joana dos Matadouros, a personagem Dona Luckerniddle, que passa fome depois
do desaparecimento do marido, revela estar desesperançosa em relação às
mudanças no mundo e diz que ouviu conversas demais sem nenhuma
perspectiva franca de modificação. Joana pergunta se há alguém disposto a fazer
alguma coisa e um trabalhador também presente na cena responde: os
comunistas. Assim, Brecht evidencia não apenas a luta de classes, mas também
quem está disposto a lutar. Neste sentido de transformação dialética, Rosenfeld
(2012, p. 32) explica que o ser humano:
...não é regido por forças insondáveis que lhe determinam, para sempre,
a situação metafísica. Ele depende, ao contrário, da situação histórica
momentânea que pode ser transformada. O fito principal do teatro épico
tal como concebido por Brecht é a “desmistificação”, a revelação de
que as desgraças do homem não são necessárias e eternas, mas sim
históricas, podendo por isso ser superadas.
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De modo equivalente, com a intenção de promover distanciamento crítico e
convocar o espectador ao pensamento concreto, Brecht utiliza recursos como “a
ironia, a paródia, o estilo caricato e grotesco, a elocução paradoxal e,
principalmente, o desempenho específico que transforma o ator em 'narrador' da
personagem”, como aponta Rosenfeld (2012, p. 34). Inclusive, neste aspecto, o
próprio ator não deveria se identificar com o personagem, uma vez que a distância
em relação a ele faria com que o artista se aproximasse do público. Para Benjamin
(2017), o espectador não é levado a sentir empatia pelas situações vivenciadas pelo
personagem do teatro épico: o que ocorre é um sentimento de estranhamento,
uma interrupção do que parecia normal e naturalizado. Esta acepção, atravessada
por um intuito pedagógico de rastrear as mazelas existentes no capitalismo para
transformá-lo, está presente na passagem da peça A Santa Joana dos Matadouros
que será abordada a seguir.
Distanciamento e a pedagogia brechtiana
Em A Santa Joana dos Matadouros, Dona Luckerniddle não tinha
conhecimento de que seu marido estava desaparecido quatro dias devido a um
acidente que ele sofreu em uma das máquinas da fábrica, levando-o à morte.
Entretanto, ao se dirigir até o local para procurá-lo, não obtém respostas concretas
sobre o acontecido, apenas a informação de que ele teria ido viajar a São Francisco
o que não fazia o menor sentido para ela. Com o objetivo de fazê-la ir embora,
Slift a oferece uma proposta que por lei, como ele diz, não é obrigado a dar: três
semanas de almoço gratuito na cantina da fábrica.
Nesse momento, Brecht se utiliza de uma situação cuja crueldade nos faz
refletir sobre o poder que a classe burguesa tinha sobre os proletários: um
trabalhador da fábrica havia sumido e sua vida valia três semanas de almoço.
Embora essa situação se mostre imediatamente absurda, Dona Luckerniddle
que revela estar dois dias sem comer aceita a proposta por necessidade.
Joana tenta alertá-la de que, se desistir, ninguém irá procurar o seu marido
desaparecido. Todavia, Dona Luckerniddle “arranca-lhe o prato e come com
avidez” (Brecht, 2001, p. 53). A seguir, afirma estar convencida de que o marido, de
fato, viajou para São Francisco. A maneira abrupta em que Dona Luckerniddle tira
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o prato da mão de Joana e o desespero com que come são gestos que, conforme
Benjamin (2017, p. 19) demonstram o “significado social e a aplicabilidade da
dialética”.
A ânsia de Dona Luckerniddle por comida é o desespero das classes famintas
e esmagadas pelos grandes empresários. De acordo com Benjamin (2017, p. 31), os
gestos utilizados no teatro épico “são encontrados na realidade”, configurando “o
material”. Os gestos também compõem a multiplicidade de possibilidades para o
ator no âmbito do teatro épico e Benjamin (2017, p. 25) ainda afirma que “a
dramaturgia de Brecht descartou a catarse aristotélica” e não se ocupou tanto em
desenvolver ações, “mas em apresentar situações” e a fazer o público se espantar
com tais situações, através de um olhar distanciado. Para Brecht, essas situações
não devem ter compromisso com uma abordagem naturalista e sim com a
reflexão: suas peças têm, portanto, um fim didático e estes rastros são percebidos
em A Santa Joana dos Matadouros como aspectos da transformação que o teatro
épico suscita.
Segundo Benjamin (2017, p. 23), Brecht “não perde de vista as massas”. O
público, enquanto coletivo, é conclamado “para um posicionamento imediato”. O
teatro épico é uma ferramenta para a construção do que Benjamin (2017, p. 23)
conceitua como “vontade política”. Um sentimento que se propõe a confrontar a
“gangorra capitalista” que a personagem Joana aponta. Pensando nisso, cabe
ressaltar que, de acordo com Freire (2018), a História não é constituída por
determinações e sim por possibilidades. Indivíduos são capazes de reinventar o
mundo para uma direção ética e distantes das estéticas hegemônicas quando
podem se reconhecer cada vez mais como “sujeitos-objetos” da História, segundo
destaca Freire (2018, p. 40).
A intervenção no mundo, inclusive no campo da educação, é uma premissa
do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, que estabeleceram as diretrizes
dos movimentos comunistas a partir do século XIX. Este pensamento fomentou
as ideologias políticas de Brecht, impactando na forma como ele compreendeu o
teatro e a pedagogia presente em suas obras, como se vê em A Santa Joana dos
Matadouros. Para Marx e Engels (2021), a educação também é determinada pelas
condições sociais sob as quais um indivíduo educa, sendo que os comunistas se
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propõem a resgatar a educação da influência da classe dominante, a burguesia,
bem como de seus valores ético-morais.
Em A Santa Joana dos Matadouros, a metáfora e o paradoxo são utilizados
para descrever e elucidar o público não apenas acerca da distância entre
burgueses e proletários, mas também que a maior parte da sociedade é controlada
pelos interesses dos capitalistas. Neste sentido, Joana afirma: “E no alto e embaixo
são duas línguas e a medida usada não é a mesma. E a despeito de o semblante
humano ser em comum. Os humanos se desconhecem” (Brecht, 2001, p. 174). Se,
conforme Paulo Freire, a educação constrói tanto objetos quanto sujeitos da
História, a poética e a pedagogia de Brecht se revelam como uma instância que
mantém viva a luta para que a sociedade se liberte da burguesia o que acaba
por reverberar também na luta para que a educação venha a cumprir um papel
de libertação. Conforme o próprio Brecht sugere, o seu teatro se insere em um
contexto de transformação social:
Necessitamos de um teatro que não nos proporcione somente as
sensações, as ideias e os impulsos que são permitidos pelo respectivo
contexto histórico das relações humanas [...], mas, sim, que empregue e
suscite pensamentos e sentimentos que desempenhem um papel na
modificação desse contexto (Brecht, 2005, p. 14).
Sendo assim, Brecht não pretende, através da proposta chocante que Dona
Luckerniddle recebe (e aceita), gerar comoção por parte do público, tampouco
julgá-la, mas sim fazê-lo se espantar com a situação assistida e com a estrutura
do mundo ao seu redor. A partir do teatro épico, o olhar do espectador é incitado
a desnaturalizar os problemas da sociedade, ou seja, seu objetivo é pedagógico.
Desta forma, Brecht não busca o envolvimento puramente emocional do público
com a personagem. O que Brecht propõe é causar um estranhamento que
desbanaliza aquilo que “se tornou familiar e 'invisível' pelo hábito e, por isso,
vedado à intervenção revolucionária”, conforme explica Rosenfeld (2012, p. 81).
Esse é o recurso conhecido do efeito V, nome que surge da expressão alemã
Verfremdungseffekt9, e que, conforme Rosenfeld (2012), seria explicado como um
efeito que quebra a ilusão do teatro e acaba por causar um afastamento por parte
9 Rosenfeld (2012, p.61) associa a tradução do termo a “efeito de alienação”, no sentido de que o público é
impedido de se identificar com o “mundo poético do palco”.
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do espectador em relação à peça. Brecht (1967) destaca dois aspectos desse efeito
de distanciamento: o espectador está situado em um ponto de vista social e o
objetivo do efeito é possibilitar o espectador a construir uma crítica construtiva
acerca do que é apresentado. Uma concepção de distância que se difere da
distância entre conteúdo e sujeito instruído proposta por Rancière (2002), mas que
igualmente nos auxilia a compreender o caráter didático do teatro brechtiano e as
suas reverberações na luta contra a “gangorra capitalista”.
Sob este prisma, o espectador, na concepção brechtiana, não recebe
passivamente uma informação: ele irá construir uma crítica e, desse modo, poderá
participar e contribuir com agência para as transformações do mundo. Em
concordância a este ponto, Pavis (2005) observa que o efeito do distanciamento
crucial no teatro épico brechtiano é a tomada de distância da realidade,
alterando drasticamente a postura do espectador, transformando-a de
identificadora para crítica. Para Jameson (1998, p. 84), o efeito V é o “instante de
invasão no cotidiano”10. Em ambas as leituras, contudo, o objetivo crítico da
dialética pedagógica brechtiana permanece.
Deste modo, mesmo que o elemento pedagógico possa ser rastreado
também nos escritos teóricos e poéticos de Brecht, autoras como Rodrigues (2010)
e Costa (1996) observam que é, sobretudo nas suas peças didáticas, em vinculação
com o épico, que estes rastros pedagógicos da metodologia épica podem ser mais
bem balizados. O próprio dramaturgo apontava para o fato de que o teatro épico
vem a ser mais rico e mais complexo “sem precisar fundamentalmente de nada
além do que se passa numa cena de rua para ser grande teatro” (Brecht, 1976, p.
148). Inclusive, é em uma cena que se passa na rua em A Santa Joana dos
Matadouros que Brecht evidencia que os trabalhadores são dotados de
consciência das injustiças que enfrentam. Diante das Indústrias Lennox,
trabalhadores avistam durante a noite a janela do escritório com luz acesa,
concluindo ali estavam sendo calculados os lucros da empresa, enquanto a
situação dos trabalhadores seguia penosa. Na peça, como mencionado, ocorre a
vitória dos burgueses e a manutenção da “gangorra capitalista”. O proletariado, de
fato, é retratado em uma condição de miséria e alienação, mas ele não se limita a
10instant of intrusion into the everyday” (Tradução nossa).
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essa abordagem, pois podemos perceber que ele também é abordado enquanto
grupo no qual estão inseridos indivíduos que estão atentos às injustiças do
capitalismo e que lutam contra este sistema. A própria Joana explicita, ao longo
da peça, que conhecia o sistema “por fora” (Brecht, 2001, p 123), mas o que não
percebia era o funcionamento do que descrevemos como “gangorra capitalista”.
Não obstante, mesmo com as greves dos trabalhadores, com a agitação dos
jornaleiros e a luta de Joana, os capitalistas vencem. Conforme mencionado
anteriormente, com o preço da carne, o salário de parte dos trabalhadores irá
diminuir e muitos seguirão sem emprego. Enquanto se fala em superação da crise,
a situação segue precária e instável para os trabalhadores. Atrelando-se a isso, a
morte de Joana encerra a peça. A moça “de vinte e cinco anos de idade, derrubada
pela pneumonia ao defender a palavra de Deus nos matadouros de Chicago,
combatente e mártir” falece nos braços de suas companheiras, conforme
descreve Snyder, o chefe do Boinas Pretas (Brecht, 2001, p. 175).
Vale lembrar que Joana inicia a peça com a crença de que “somos soldados
de Deus” e que devemos “disputar um bom lugar lá em cima, e não aqui embaixo”
(Brecht, 2001, p. 24). Ela também tinha a ideia de que a pobreza estava ligada à
“falta de espiritualidade” (Brecht, 2001, p. 25). Entretanto, passa a entender que, se
os pobres contribuem para as maldades no mundo, isso ocorre por causa das
péssimas condições de vida que levam no sistema capitalista. Segundo ela mesma
descreve, “transformam num inferno a vida dos homens, até que estes se
transformem em diabos” (Brecht, 2001, p. 64).
Nos últimos instantes da vida de Joana, os personagens passam a cantar em
um coral, abafando o discurso crítico que a protagonista da peça profere.
Conforme Jameson (1998, p. 39), a música consiste em uma das técnicas de
Brecht para causar o efeito de estranhamento, com a finalidade de o público
jamais esquecer que está no teatro. Assim, à medida que o elenco canta, a voz de
Joana vai desaparecendo até o momento em que ela morre. Desta forma, a
sociedade dentro da narrativa permanece em um estado hipnótico, alienada à
realidade algo que Brecht tenta modificar no mundo a partir do teatro,
mostrando as particularidades intrínsecas a esta alienação.
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Pensando neste aspecto pedagógico do teatro brechtiano, de acordo com
Freire (2018), nenhum indivíduo nasce feito, ninguém nasce marcado para ser nada:
são as práticas sociais que experienciamos que vão nos fazendo ser quem somos.
O teatro, portanto, pode ser uma dessas experiências de transformação. O teatro
brechtiano, em específico, pode ser visto como uma experiência que nos leva a
questionar o capitalismo. Se ninguém nasce para criticar e contestar “a gangorra
capitalista”, determinadas experiências que vivenciamos podem nos levar a essa
crítica. Esse é um objetivo e um legado do teatro de Brecht.
Considerações finais
Através de A Santa Joana dos Matadouros, percebe-se que o pressuposto
pedagógico do teatro épico brechtiano se insere como um elemento que confere
endosso à estrutura da peça analisada, uma vez que se reflete no modo como o
dramaturgo se colocava diante do mundo. A aproximação do dramaturgo alemão
com a ideologia marxista se revela não apenas em relação aos temas que
permeiam suas narrativas, mas também na forma como constrói suas obras
teatrais através da dialética. O teatro épico brechtiano ainda se afasta das
características do teatro aristotélico por meio da ironia, dos gestos, dos paradoxos
e do efeito V que, além de causarem distanciamento crítico, conferem ao teatro
brechtiano um caráter nitidamente pedagógico, assim como a metáfora da
gangorra que descreve o sistema capitalista.
Joana, ao final da peça, morre, assim como a figura histórica Joana D’arc, que
foi capturada e julgada em uma região onde aqueles que apoiavam o pleito inglês
detinham poder político (Campos, 2023). Aos 19 anos de idade, Joana D’arc teve
como sentença morrer queimada em uma fogueira. Entretanto, a sua morte não
foi em vão, pois “desencadeou o anúncio de alguma nova ordem”, conforme
destaca Campos (2023, p. 384), inspirando o patriotismo francês e a luta da França
contra invasores. A Santa Joana, em Brecht, também é uma personagem cuja
jornada se propõe a proporcionar inspiração, mudança e ruptura ao dar combustão
à luta dos trabalhadores. Neste sentido, o didático em Brecht não se restringe a
potencializar apenas críticas e conscientização, mas também agência, inspiração
e transformação para além do teatro.
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Em A Santa Joana dos Matadouros, Brecht incita o espectador a repensar
não somente a sociedade, mas também a linguagem teatral. Através das críticas
e tensões que levanta, o dramaturgo pretende instigar o público a construir suas
próprias reflexões e levá-lo à práxis. A trajetória de Joana, de acordo com Santos
(2018), seria fundamental para a didática da peça do dramaturgo alemão, uma vez
que a alienação das personagens no início da montagem se transforma em
inquietação e estranhamento do público, alicerçando, dessa maneira, a práxis
política, conforme destaca Santos (2018).
Mesmo que grande parte dos trabalhadores encerrem a peça em um
contexto de alienação e aceitando o pouco que os capitalistas se dispõem a
oferecer, o público passa a perceber que o fim da crise é uma farsa e as injustiças
do capitalismo se tornam evidentes, mesmo com a sua vitória. O espectador,
agora, leva consigo as provocações que Brecht lhe lança no palco. Sem a
imposição de doutrinas, a dialética e a pedagogia presentes no teatro brechtiano
consistem em proporcionar ao espectador uma experiência a partir da qual irá
construir suas próprias ideias, para que elas possam alicerçar as ações e as
intervenções futuras na sociedade.
Em A Santa Joana dos Matadouros, o sistema capitalista é descrito pela
protagonista Joana como uma gangorra. A peça de Brecht, contudo, não retrata a
busca pelo equilíbrio da gangorra e sim a destruição desta, uma vez que o diálogo
com os capitalistas não se revela uma possibilidade para transformar o jugo da
opressão. Brecht desacomoda o olhar do espectador perante o teatro e a
sociedade com a esperança e a vontade de que tais questionamentos
transformem-se em ações, e que o teatro venha a ser uma forma de contribuir
para o confronto do poder de poucos sobre muitos. Eis, portanto, os rastros
pedagógicos que percebemos em sua dramaturgia, naquilo que a peça analisada
nos revela: educar para perceber as contradições, os imbróglios e as armadilhas
do capitalismo e do agenciamento de suas marcas, injustiças e exclusões.
Cabe salientar que os estudos sobre o teatro de Brecht são vastos, bem como
a obra e teoria brechtiana, podendo as análises deste artigo abrir espaço em
relação aos rastros pedagógicos presentes em outras peças do dramaturgo, bem
como em diferentes delimitações da peça A Santa Joana dos Matadouros. Há, a
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propósito, outros aspectos da trajetória da protagonista que podem ser analisados
com maior enfoque como, por exemplo, a sua condição enquanto mulher na
sociedade em que vive e nas lutas políticas que trava. Ou, ainda, outros
personagens que estão ou não presentes nas análises deste artigo, que também
poderão vir a ser objeto de estudo a partir de outros focos, uma vez que os rastros
pedagógicos em Brecht buscam proporcionar experiências para que “sujeitos-
objetos” (Freire, 2018, p. 40) possam intervir no mundo, bem como construir
reflexão, conhecimento e ação.
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Recebido em: 15/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
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