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Uma pedagogia para atores narradores:
práticas e estratégias criativas
Francimara Nogueira Teixeira
Para citar este artigo:
TEIXEIRA, Francimara Nogueira. Uma pedagogia para
atores narradores: práticas e estratégias criativas.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e104
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Francimara Nogueira Teixeira
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Uma pedagogia para atores narradores: práticas e estratégias criativas1
Francimara Nogueira Teixeira2
Resumo
Este artigo apresenta estratégias épico-narrativas para uma atuação política, a partir de
uma experiência docente com o componente curricular Ator Narrador no curso de
Licenciatura em Teatro do Instituto Federal do Ceará (IFCE), componente cujo programa
inspira-se no projeto estético-pedagógico de Brecht com as peças didáticas. Essas
estratégias são analisadas em dois exercícios centrados na descoberta de princípios para
a criação de uma comunidade de atuantes como cofabuladores. Como terceira
experiência é relatado o estudo da adaptação de Um homem é um homem com os
estudantes, tomando o texto como modelo de ação, a fim de refletir sobre uma possível
pedagogia para atores narradores.
Palavras-chave: Ator narrador. Práticas épico-narrativas. Modelo de ação.
A pedagogy for narrator actors: creative practices and strategies
Abstract
This paper presents epic-narrative strategies for theatrical performance, based on a
teaching experience with the Actor Narrator curricular component in the Theater Degree
course at the Federal Institute of Ceará (IFCE), a component whose program is inspired
by Brecht's aesthetic-pedagogical project with learning plays. This text analyzes these
strategies in two exercises focused on discovering principles for creating a community
of actors as co-fabulators. As a third experience, the study of the adaptation of A Man’s
A Man with students is reported, taking the text as a model of action, in order to reflect
on a possible pedagogy for narrator actors.
Keywords: Actor Narrator. Epic-narrative practices. Model action.
Una pedagogía para actores narradores: prácticas y estrategias creativas
Resumen
El artigo presenta estrategias épico-narrativas para la actuación política, a partir de una
experiencia docente con el componente curricular Actor Narrador de la Licenciatura en
Teatro del Instituto Federal de Ceará (IFCE), componente cuyo programa se inspira en el
proyecto estético-pedagógico de Brecht con obras didácticas. El texto analiza estas
estrategias en dos ejercicios enfocados a descubrir principios para crear una comunidad
de actores como cofabuladores. Como tercera experiencia, se relata el estudio de la
adaptación de Un hombre es un hombre con estudiantes, tomando el texto como
modelo de acción, con el fin de reflexionar sobre una posible pedagogía para los actores
narradores.
Palabras clave: Actor narrativo. Prácticas épico-narrativas. Modelo de acción.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Elisângela Nogueira Teixeira. Doutorado
em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Mestrado em Estudos da Linguagem pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará.
2 Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Artes Cênicas pela
Universidade de São Paulo (USP). Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Profa.
da Licenciatura em Teatro e da Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do
Instituto Federal do Ceará (IFCE). franteixeira00@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7620297672950598 https://orcid.org/0000-0002-4191-5309
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vinte anos conduzo um componente curricular que se chama Ator
Narrador. São aulas de quatro horas semanais nas quais me dedico a tentar
descobrir com a turma estratégias épico-narrativas para uma atuação política em
teatro. Ao final das oitenta horas de aula, uma cena com todos os alunos é
apresentada publicamente, tomando como norteadora a noção de modelo de
ação3. A grande maioria da turma de vinte e cinco alunos cursa o terceiro semestre
da Licenciatura em Teatro no Instituto Federal do Ceará (IFCE). O exercício final de
criação consiste na composição de uma cena de até trinta minutos em que toda
a turma participa atuando.
Esse componente curricular é frequentemente atualizado e faz parte do eixo
de práticas de atuação da Licenciatura em Teatro do IFCE. O projeto pedagógico
do curso defende e estimula o fomento à formação de um artista-docente e uma
carga horária expressiva é distribuída para as aulas de interpretação, dramaturgia,
direção e montagem de espetáculo no currículo do licenciando em teatro.
O programa de Ator Narrador tem forte inspiração no projeto estético-
pedagógico que Bertolt Brecht (1898-1956) experimentou de forma intensiva
aproximadamente entre 1928 e 1934 com as peças didáticas4 e sobre o qual me
detive na minha pesquisa doutoral. As dramaturgias trabalhadas em sala são
abordadas como modelo de ação, aproximando-as de questões sociais e políticas
discutidas com a turma. O protocolo5 é um dos principais instrumentos de
avaliação e o jogo entre atuantes é central para os exercícios propostos. Assim
objetivo experimentar com os alunos as noções associadas de narração e
demonstração, bem como explorar gestos de base a partir de improvisações e
proposições dramatúrgicas, além de conhecer, compreender e aplicar as técnicas
3 Modelo de ação (Handlungsmuster) é um dos instrumentos para o trabalho com as peças didáticas ou peças
de aprendizagem (Lehrstück) de Bertolt Brecht, defendidos na pesquisa publicada por Reiner Steinweg (1972),
cuja divulgação no Brasil se deve ao trabalho de tradução e experimentação de Ingrid Dormien Koudela (1991,
1992).
4 Peça didática é a tradução mais difundida no Brasil para o termo Lehrstück. Essa tradução tem sido revista
e autores como Luciano Gatti (2015), por exemplo, tem utilizado a tradução peça de aprendizagem. Opto por
usar peça didática neste texto.
5 O protocolo é um instrumento avaliativo. Indico a leitura do artigo Protocolos e a Pedagogia do Teatro da
tradução dos protocolos de estudantes sobre Aquele que diz sim aos protocolos do “trabalho alegre” (2019),
escrito por Vicente Concilio e Ingrid Koudela.
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e conceitos gestados na poética brechtiana para explorar formas de atuação e
encenação que valorizem o ator em sua qualidade de narrador.
Para atingir esses objetivos, ou pelo menos persegui-los, venho
desenvolvendo o que posso chamar de uma pedagogia para atores narradores,
através da proposição de exercícios e da condução de estratégias criativas que
passam, fundamentalmente, pela investigação de um corpo que se permita todo
ele narrar, mobilizado o mais amplamente possível a partir do interesse em contar
determinada história, compreendendo de forma expandida o lugar do narrador,
porque estou interessada também em refletir sobre “a prática pedagógica
estruturada por procedimentos para a formação atorial na atuação rapsódica”,
como a pesquisadora Nara Keiserman (2011, p.81) indica em seu trabalho.
Há uma dimensão política na decisão por narrar. Um ator que narra não cria
necessariamente uma oposição à representação, antes a enfrenta e com ela
digladia bravamente, em um suave combate. Mais que a polarização entre regimes
de tratamento épico ou dramático da fábula, venho compreendendo que a
narração é um espaço para a autoria. Neste artigo trato, portanto, de refletir sobre
as possibilidades pedagógicas que tenho formulado a partir do trabalho de
investigação de formas narrativas com os alunos da Licenciatura em Teatro do
IFCE, com a criação de exercícios advindos especialmente do estudo do projeto
artístico brechtiano.
Para tanto, destaco aqui três dimensões dessa investigação nas seguintes
seções: 1. Corpo atento e crítico: Preste atenção!; 2. Atuantes como cofabuladores:
o acidente de rua e 3. Texto como modelo de ação: uma cena coletiva. Nas duas
primeiras exponho dois exercícios criados por mim e na terceira reflito sobre as
decisões compositivas para a construção com os alunos de uma cena coletiva, a
partir da peça Um homem é um homem.
Corpo atento e crítico:
Preste atenção!
Logo nas primeiras aulas, apresento uma situação improvisacional que
consiste em criar uma fábula a partir das seguintes orientações:
- ouve-se um som forte que vem de fora;
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- o personagem precisa descobrir de onde vem esse som;
- o personagem vai até a porta e abre;
- o narrador conta o que o personagem viu e o motivo do barulho, situando
para os espectadores a implicação social do acontecido;
- o narrador escolhe um momento para usar a expressão Preste atenção!;
- a cena acaba, mas o problema trazido permanece aberto à co-fabulação.
Nesse improviso com etapas e regras, os alunos precisam narrar a situação
que criaram em terceira pessoa e no passado, atentos ao que Brecht indica em
Breve descrição de uma nova técnica de atuação que produz um efeito de
estranhamento, quando trata de apresentar três recursos que podem ser úteis
para “uma atuação sem transformação completa: 1. A transposição para a terceira
pessoa. 2. A transposição para o passado. 3. Falar as rubricas e os comentários em
voz alta” (Brecht, 2022, p.99).
A atividade da narração convive, portanto, com a interpretação da situação e
o aluno precisa se desafiar a intercalar de forma precisa em sua criação os tempos
dramático (o ator realiza como personagem a ação de escutar, por exemplo) e
épico (o ator narra no tempo passado a ação de escutar do personagem). Cada
aluno cria e improvisa individualmente.
A sala foi dividida em palco e plateia e não estabeleci uma ordem para as
improvisações. O acordo feito foi o de que ao decidir levantar-se da plateia para ir
para a cena, o aluno começa a narrar, pela simples atitude de dirigir-se ao palco.
Desde o primeiro momento, o aluno se compromete com a narração e, para tanto,
precisa incluir seus colegas como espectadores da sua história. Uma vez no palco,
antes de começar a narrar propriamente, lembro os alunos de praticar o olhar
franco para cada um dos colegas, como parte de uma cultura construída desde a
primeira aula. O exercício de olhar francamente para cada um faz parte dos
treinamentos mobilizadores de um corpo atento e crítico, um corpo que expressa
o interesse pelo outro e o observa, colocando-se à disposição para o jogo. Resumo
aqui algumas das instruções que utilizo para a descoberta e o exercício desse
olhar:
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- olhar para ver o que ainda não tinha visto;
- deixar o olhar descansar calmamente sobre quem se mostra à sua frente
e, sem pressa, mas firmemente, anunciar que tem algo a dizer;
- se a vontade de sorrir aparecer, sorria. Se a vontade de começar de novo
aparecer, comece;
- descobrir a possibilidade de olhar gentil e sabiamente, porque o narrador já
sabe o que está fazendo ali. Sua atividade é antiga, está ancestralmente
relacionada aos anciãos, aos mestres populares, aos xamãs, às benzedeiras, aos
professores, aos palhaços, aos artistas de rua, às testemunhas de um acidente;
- descortinar o espaço com o olhar, mostrar e reduzir os limites entre palco
e cena, aproximando-os, sobretudo.
O aluno ocupa então o campo de jogo (Brecht, 2022) e através do olhar franco
e da narração convoca seus colegas como co-fabuladores da situação que criou.
Em um movimento que transita dialeticamente entre o épico e o dramático, entre
interpretar e demonstrar, escolhe o momento ideal para usar a expressão Preste
atenção!. Esse é o ponto em que na sua improvisação será ressaltada a implicação
social e política do motivo que causou o forte som que vem de fora. Em uma das
improvisações, uma aluna fechou a porta e, diante da plateia de colegas, evitou
contar logo o que tinha acabado de testemunhar. Essa interrupção na sequência
narrativa gerou uma forte carga de expectativa para a cena. Com controle,
modulando bem o tempo dramático, mas ainda emocionada, contou o que havia
provocado aquele som tão forte: uma explosão em um poste de luz. E, tranquila,
seguiu contando: “- Esse som todo veio de um poste, um poste sobrecarregado
de ligações clandestinas.” E então introduziu a expressão Prestem atenção!,
completando a frase recorrendo a um procedimento que se serve da repetição
como elemento narrativo e crítico: “- Prestem atenção! Esse som todo veio de um
poste, um poste sobrecarregado de ligações clandestinas.”
Com esse exercício, o aluno passa a se reconhecer como narrador no trânsito
entre a criação de uma identificação parcial como personagem da fábula que ele
também narra (Costa, 2012), ou seja, com a fábula que ele concomitantemente
interpreta e como narrador que a apresenta para seus colegas, preservando a
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história sem desfecho. O recurso à expressão Preste atenção! reforça o convite à
escuta e circunscreve enfaticamente a perspectiva crítica da narração.
Atuantes como co-fabuladores:
o acidente de rua
Considero A cena de rua um dos principais textos para o estudo da atuação
no teatro épico e sempre indico sua leitura como fundamental para a
compreensão dos princípios poéticos brechtianos. Neste texto Brecht (2005)
estabelece, a partir do acidente de rua, um modelo básico para o teatro épico,
com um exemplo simples, mas que contém os elementos essenciais para o teatro:
uma testemunha ocular diante de um acontecimento conta para um conjunto de
pessoas o que pôde ver. Nessa ação de relatar o que ocorreu, aquele que conta
recorrerá à descrição e também a alguma imitação, para que a atitude dos
envolvidos no acidente possa ser debatida. O poema Sobre o teatro cotidiano
(Brecht, 2000, p.235-236), escrito antes do texto teórico, apresenta essa ideia:
[...]
Vejam aquele homem na esquina! Ele mostra
Como ocorreu o acidente. Neste momento
Entrega ele o motorista ao julgamento da multidão. Como
Ele estava ao volante, e agora
Imita o atropelado, aparentemente
Um homem velho. De ambos transmite
Apenas o tanto para tornar o acidente inteligível, porém
O bastante para que apareçam claramente. Mas ele
Não mostra ambos como incapazes
De evitar um acidente. O acidente
Toma-se assim inteligível e também ininteligível, pois ambos
Podiam fazer outros movimentos; agora ele mostra como
Eles poderiam ter-se movimentado, para que o acidente
Não acontecesse.
[...]
A partir da cena de rua como modelo para o teatro épico, abordo em Ator
narrador os elementos centrais do acidente com proposições improvisacionais
que visam o envolvimento dos alunos em uma atividade tripartida.
Em um primeiro momento, depois da leitura e debate do texto, foi construída
coletivamente a situação do acidente, distribuindo os papeis principais entre
narrador, motorista e atropelado e criando também papeis secundários para
outros possíveis envolvidos. A criação coletiva da situação do acidente é fruto de
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um debate fervoroso entre os alunos e surge da colagem de diferentes
experiências que cada um viveu como testemunha ocular de um acidente.
Em um segundo momento conduzi o grupo para o jogo do culpado6. Na minha
versão adaptada, no início todos ficam em pé, em círculo e, diante uns dos outros,
cada aluno escolhe um colega para ocupar o lugar de culpado no jogo. Essa
escolha não é revelada a princípio. A partir de uma sequência numérica que vai de
1 a 6, vou criando com eles uma brincadeira de aproximação e distância entre
aquele que ataca e aquele que se esquiva, entre aquele que aponta o culpado e
aquele que disfarça. Quando digo 1: todos podem mudar e apontar um novo
culpado ou permanecer com o que haviam escolhido. Quando digo 2: cada um
se afasta o máximo que puder daquele que escolheu para culpado. No 3, acontece
a primeira aproximação, cada um se cerca de dois metros de distância de seu
objeto de denúncia. No número 4: cada um aproxima-se do acusado e tenta tirá-
lo da sala. No 5, cessa o contato físico, mas os alunos permanecem muito
próximos ainda, de forma dinâmica, na expectativa de um novo comando que
indique a retomada da ação ou uma trégua. No 6 afastam-se um pouco mais que
no 5. O jogo consiste em modular os participantes entre essas aproximações e
afastamentos e à medida que avança, os personagens são convocados e a palavra
vai ganhando espaço no jogo.
Em uma terceira e última parte, indico aos alunos que no jogo do culpado
atuavam como narradores que passem a sugerir que os demais se agrupem em
torno do que seria o local do acidente, posicionando seus colegas em pontos da
sala e assim recriando uma espécie de planta-baixa da situação. Os narradores
vão conduzindo toda a experiência que se dá, fundamentalmente, entre eles e
para eles, os alunos da turma. Voltam, então, à formação circular inicial, que
agora cada um defendendo os pontos de vista dos envolvidos no acidente. Como
professora, vou sugerindo a participação de um ou outro personagem e assim a
situação vai se tornando complexa e envolvente, que todos, de repente, se veem
como plateia e protagonistas de sua própria encenação e reconhecem naquela
6 Essa é uma adaptação de um jogo que conheci com o diretor argentino Guillermo Cacace quando foi tutor
entre 2013 e 2014 de um projeto do grupo de teatro que participo, o Teatro Máquina
(www.teatromaquina.com).
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formação o que Brecht nomearia de um “um novo instituto sem espectadores7
(Brecht, 1967 apud Koudela, 1991, p. 21).
Texto como modelo de ação: uma cena coletiva
Koudela (1992) no artigo A encenação contemporânea como prática
pedagógica situa o modelo de ação como um instrumento didático para o trabalho
com a tipologia dramatúrgica da peça didática. O trabalho com o texto como
modelo de ação pede uma atitude diante do texto, ou seja, pede que se aja sobre
o texto em jogo e em poesia. Em minha prática como professora, dramaturgista e
encenadora, compreendo que os procedimentos suscitados pelo modelo de ação
podem se expandir para outros textos e materiais, respaldada, inclusive, pelo que
a própria autora desenvolve em seu artigo:
De relevância decisiva para o leitor/encenador contemporâneo são as
perguntas que possam ser formuladas para o modelo, permitindo uma
relação dialógica. Os pontos de incerteza demarcam momentos nos
quais a ambiguidade e polissemia do texto literário é ressaltada. São
exatamente essas incertezas que fornecem sinais de sentido para a
encenação contemporânea. O infinito jogo de oscilações entre mostrar e
ocultar a construção de significado transforma o texto em uma espécie
de areia movediça e ao mesmo tempo em relógio de areia: se o leitor
quiser iluminar um lado, obscurece o outro. Na práxis do teatro esta
oscilação do texto é motor essencial: tanto os espectadores como os
atuantes brincam com o reconhecimento e destruição de sentido durante
a apresentação do espetáculo (Koudela, 2008, p.53).
A práxis do teatro se revela justamente no “infinito jogo de oscilações” que a
cena, o texto e seus elementos podem promover. Em Ator Narrador, na segunda
metade do semestre, me dedico a construir uma cena coletiva a partir de uma das
dramaturgias de interesse da turma, entre as possibilidades que foram
apresentadas anteriormente.
7 O projeto teórico da peça didática traz uma distinção entre Pequena Pedagogia e Grande Pedagogia, como
campo de exercício do teatro na transformação da sociedade capitalista. As peças didáticas, na fase
chamada de Pequena Pedagogia, ainda seriam experimentadas na separação palco-plateia, com a ressalva
do trabalho necessário com amadores, que deveriam permanecer amadores. Na Grande Pedagogia a
separação entre atuantes e espectadores seria superada. O teatro estaria a serviço de uma nova sociedade
sem classes. Aqui é possível antever um novo modelo para o teatro épico e uma reformulação profunda na
compreensão do fazer teatral, que a radicalidade da sua teoria propõe inclusive a supressão de um dos
polos fundamentais do espetáculo: o espectador. (Teixeira, 2013, p.13)
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Com os alunos de 2024.2 trabalhei a peça Um homem é um homem8, escrita
por Brecht em 1927, adaptando especificamente a cena 9, que se chama A Cantina.
Essa cena se divide em cinco números:
Número um: o negócio do elefante
Número dois: o leilão do elefante
Número três: o processo contra o homem que não quis que seu nome fosse
mencionado
Número quatro: o fuzilamento de Galy Gay nas barracas militares
Número cinco: funeral e oração fúnebre para Galy Gay.
Escolhi com a turma essa cena porque ela condensa em sub-cenas curtas a
transformação de Galy Gay e também funciona como um retorno a todos os
principais movimentos da peça. Como afirma Lamanno-Adamo (2020, s/p), “com
Galy Gay, (..) a morte aparece no fim do processo de uma vida fictícia. Num rito
avassalador e impiedoso, Galy Gay celebrou o próprio funeral, sem ter meios para
retroceder.”
Para situar o público antes da cena 9 e seus números, resolvemos incluir na
nossa criação o famoso interlúdio da peça, que transcrevo aqui:
O senhor Bertolt Brecht afirma: um homem é um homem.
E isso qualquer um pode afirmar.
Porém o senhor Bertolt Brecht consegue também provar
Que qualquer um pode fazer com um homem o que desejar.
Esta noite, aqui, como se fosse automóvel,
um homem será des-
montado
E depois, sem que dele nada se perca, será outra vez remontado.
Com calor humano dele nos aproximaremos
E sem dureza, mas com energia, a ele pediremos
Que saiba às leis do mundo se conformar
E que deixe seu peixe tranquilo nadar.
Não importa no que venha a ser transformado,
Para sua nova função estará corretamente adaptado.
Mas, se não o vigiarmos, ele poderá se tornar
8 Brecht criou para Um homem é um homem (Mann ist Mann) um subtítulo que diz: "A transformação do
estivador Galy Gay, nas barracas militares de Kilkoa, no ano de mil novecentos e vinte e cinco". A peça tem
Galy Gay como protagonista de uma situação inusitada, analisada por Walter Benjamim no texto O que é o
teatro épico? (1987) como uma investida de Brecht contra a dramaturgia de seu tempo, pela escolha por
apresentar as condições sociais, políticas e econômicas criticando-se dialeticamente.
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Da noite para o dia, um assassino vulgar.
O senhor Bertolt Brecht espera que observem o solo em que pisam
Como areia sob os pés se derreter.
E que, vendo Galy Gay, finalmente compreendam
Como é perigoso neste mundo viver.
(Brecht, 1987, p.181-182)
Passamos, eu e a turma, a tratar esse trecho como prólogo e epílogo por
compreendermos que em sua estrutura ele reúne o título da peça (Um homem é
um homem); a fábula (Esta noite, aqui, como se fosse automóvel, /um homem
será des-/montado/ E depois, sem que dele nada se perca, /será outra vez
remontado); e a referência ao autor em terceira pessoa (O senhor Bertolt Brecht),
além de finalizar com um aforismo dialético, que funciona como um convite à
aprendizagem.
Foi justamente quando movemos esse trecho, associando-o às funções de
abertura e encerramento da cena, que pudemos observar que estávamos ali
operando a partir da noção de modelo de ação. Concílio corrobora para o
entendimento do trabalho que a cena opera no texto como modelo de ação:
Ao encarar o texto como modelo de ação, explicitando a dificuldade de
manter o discurso do autor de um texto, quando na verdade o
discurso da cena pretende enfatizar outros aspectos, abre-se espaço
para uma pedagogia do teatro que finca raízes na cena
contemporânea e nas formas mais instigantes do fazer teatral
atual. Brecht, de certa forma, antevia a diluição do discurso do autor
no discurso do grupo que compõe a cena. Ao propor que os textos de
suas peças didáticas sofressem constantes reescrituras pelos grupos
de atuantes, ele ofereceu, às suas peças didáticas, a possibilidade de
serem eternamente atuais, porque imperfeitas e abertas à
constituição de uma solidez urdida no trabalho coletivo (Concílio, 2011,
p. 163).
Como epílogo, o texto do interlúdio reaparece com o tempo verbal no
passado. Os alunos assumem assim a autoria rapsódica na adaptação e na
encenação.
Na nossa criação, o texto do interlúdio-prólogo surge espontaneamente entre
as vozes da turma. Todos precisariam conhecer bem o texto, para que não fosse
preciso distribuí-lo como vozes definidas, estimulando o grupo a experimentar a
escuta e a fala em coro de forma livre, sem marcas prévias. A única marcação
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ficou para o trecho final, que deveria ser dito pelo mesmo aluno que anunciaria o
primeiro número. Assim que termina sua fala, este aluno usa um apito estridente
e todos os alunos vão ao chão em posição militar de preparação para o combate,
apoiados apenas sobre os cotovelos e sobre as pontas dos pés. Essa mudança
súbita de posição aciona comicamente a atenção para a cena e cria uma pretensa
unidade entre os alunos, todos como espécies de soldados atrapalhados, portando
sobre suas camisetas brancas plaquinhas de papelão provisórias nas quais se
Galy Gay.
Acredito que essa descrição do início da cena traga os elementos essenciais
que estruturam a criação coletiva, mobilizada pela operação com o texto como
modelo de ação. Essa abordagem do texto permitiu aos alunos a experiência da
autoria rapsódica compartilhada. Segundo Sarrazac, que reúne as vantagens do
termo rapsódico sobre o termo épico em seu artigo A partilha das vozes, “o sujeito
rapsódico tem como vantagem sobre o sujeito épico o fato de ser um sujeito
clivado, ao mesmo tempo dramático e épico. Ao mesmo tempo, personagem que
toma parte na ação e testemunha da ação” (Sarrazac, 2013, p.18). A pulsão
rapsódica que mobiliza o autor e o ator a se compreenderem como sujeitos
clivados não é uma técnica, nem um efeito que se pode reconhecer e repetir. A
pulsão rapsódica é parte fundamental do trabalho do ator, mas é sobretudo uma
decisão política.
Na sala de trabalho não coxias, não saídas secretas e nem interesse
em usar efeitos de luz para simular blackouts. Compreendemos que a principal
regra que partilhamos é a de que precisamos estar ali naquela sala durante as
aulas e experimentos cênicos diante uns dos outros de forma franca, tomando
uma determinada situação dramatúrgica como um material aberto para
experimentar e descobrir. Esse princípio ao mesmo tempo autoriza e anima os
alunos a se moverem no papel de narradores, compreendendo de forma
expandida o texto como modelo de ação e a cena como espaço coletivo de
criação.
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Considerações finais
Acredito que o projeto estético-pedagógico de Brecht com as peças didáticas
e todo o legado de seu teatro épico-dialético, mesmo bastante discutidos e
experimentados, ainda guardam infinitas possibilidades de criação e pesquisa,
dada sua atualidade e seu caráter provocador. Nesse texto escolhi apresentar dois
exercícios que criei e que venho reformulando a cada nova turma de Ator Narrador
na Licenciatura em Teatro do IFCE. As criações finais, que aqui tratei apresentando
alguns elementos do tratamento de Um homem é um homem como modelo de
ação, são espaços onde busco que a turma se reconheça como uma comunidade
de narradores-atuantes, entendendo as singularidades das criações coletivas, nas
quais me dedico a conduzir o encontro com o texto e com a cena como um
acontecimento, ao mesmo tempo produtivo, divertido e crítico.
Preciso mencionar que parte expressiva da minha pesquisa e das minhas
descobertas como professora são profundamente marcadas pelo encontro com
Ingrid Koudela e seu entusiasmo na transmissão da teoria e prática da peça
didática, além dos trabalhos de tradução de Büchner, Lessing, Brecht e Müller.
Minha prática como encenadora, que também compreendo como uma prática
pedagógica, vem sendo atravessada desde o começo pelas provocações que Ingrid
traz em seus textos e pela pluralidade e inventividade criativa de suas
investigações. Se hoje eu posso articular uma pedagogia para atores narradores,
isso se deve fortemente ao estudo das metodologias apresentadas por ela e
também às pesquisas que orientou e que continuam gerando materiais
inspiradores para o trabalho com estudantes de teatro.
A contínua investigação de uma pedagogia épico-dialética que se reconhece
em pulsão rapsódica aponta para o exercício investigativo de metodologias de
pesquisa e criação em diálogo com o teatro performativo, documental e de
investigação política, pela potência criativa e poética que a obra de Brecht ainda
pode produzir e inspirar, como ainda me inspira na minha prática como artista-
docente.
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Referências
BENJAMIN, Walter. Que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht. In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1987.
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Recebido em: 15/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
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