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Aqueles que dizem sim:
reflexões brechtianas em práticas docentes de duas
professoras e um professor
Bárbara Tavares dos Santos
Bárbara Carneiro Maciel
Heitor Martins Oliveira
Para citar este artigo:
SANTOS, Bárbara Tavares dos; MACIEL, Bárbara Carneiro;
OLIVEIRA, Heitor Martins. Aqueles que dizem sim: reflexões
brechtianas em práticas docentes de duas professoras e um
professor. Urdimento Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e303
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Bárbara Tavares dos Santos | Bárbara Carneiro Maciel | Heitor Martins Oliveira
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-27, abr. 2025
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Aqueles que dizem sim: reflexões brechtianas em práticas docentes de duas professoras e um professor1
Bárbara Tavares dos Santos2
Bárbara Carneiro Maciel3
Heitor Martins Oliveira4
Resumo
Este artigo analisa experiências artístico-pedagógicas com o Teatro Épico de Bertolt Brecht. O
distanciamento crítico e o estranhamento estético são conceitos centrais em sua obra. O estudo dessas
noções fomentou a produção de um vídeo didático, a reflexão sobre elementos brechtianos em uma
montagem universitária de teatro musicado e a realização e avaliação de uma oficina-aula que
propunha a fricção de uma de suas peças didáticas com jogos do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.
As reverberações da obra de Brecht nas práticas docentes são fundamentais para a transformação
social e a formação crítica dos estudantes, destacando a importância do teatro como ferramenta de
reflexão e mudança.
Palavras-chave: Teatro Épico. Teatro do Oprimido. Práticas cênicas. Práticas docentes. Ensino-
aprendizagem.
They who say yes: Brechtian reflections on teaching practices of two female and one male teacher
Abstract
This article analyzes artistic and pedagogical experiences with Bertolt Brecht’s Epic Theater, where critical distance
and aesthetic estrangement play a central role. The study of these concepts fostered the production of an
educational video, reflections on Brechtian elements in a university musical theater production, and the
implementation and evaluation of a workshop-class that proposed the friction of one of his didactic plays with
games from Augusto Boal’s Theater of the Oppressed. The lasting impact of Brecht’s work in teaching practices are
fundamental to social transformation and the critical development of students, highlighting theater as a tool for
reflection and change.
Keywords: Epic Theater. Theater of the Oppressed. Performing arts practices. Teaching practices. Teaching-learning.
Los que dicen sí: reflexiones brechtianas sobre las prácticas docentes de dos profesoras y un profesor
Resumen
El artículo analiza las experiencias artístico-pedagógicas con el Teatro Épico de Bertolt Brecht. La distancia crítica y
el extrañamiento estético son centrales en su obra. El estudio de estos conceptos motivó la producción de un video
educativo, la reflexión sobre elementos brechtianos en una producción de teatro musical universitario y la
implementación y evaluación de una clase-taller que propuso la fricción de una de sus piezas educativas con juegos
del Teatro del Oprimido de Augusto Boal. Las repercusiones de la obra de Brecht en las prácticas docentes son
fundamentales para la transformación social y la formación crítica de los estudiantes, resaltando la importancia del
teatro como herramienta de reflexión y cambio.
Palabras clave: Teatro Épico. Teatro del Oprimido. Prácticas escénicas. Prácticas de enseñanza. Enseñanza-
aprendizaje.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Willian Moura. Doutorado em Estudos da Tradução
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestrado em Estudos da Tradução pela mesma instituição.
Graduação em Letras pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). willianmoura.tradutor@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2066832055572702 https://orcid.org/0000-0002-2675-6880
2 Doutorado em Artes pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestrado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Bacharelado em Interpretação Teatral pela Universidade de
Brasília (UnB). Licenciatura em Artes Cênicas (Proform) pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora adjunta da
Universidade Federal do Tocantins (UFT). barbara.tavaresreis@uft.edu.br
http://lattes.cnpq.br/7961447295287081 https://orcid.org/0000-0002-3628-555X
3 Graduação em Teatro pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Especialização em Docência na Educação Inclusiva
pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). Professora de Arte na Secretaria Estadual da Educação do Estado do
Tocantins (SEDUC-TO). barbaracarneiromaciel@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8815379296087447 https://orcid.org/0000-0002-5245-4931
4 Doutorado em Música (Composição) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestrado em Música
(Composição) - Texas State University - San Marcos (EUA) . Bacharelado em Música (Regência) e Licenciatura em Educação
Artística pela Universidade de Brasília (UnB). Professor adjunto da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
heitor_oliveira@uft.edu.br http://lattes.cnpq.br/2105146691371116 https://orcid.org/0000-0003-0211-2789
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Um processo formativo atravessado pelo Teatro Épico de Brecht
Este artigo apresenta uma análise teórico-prática de três experiências
artístico-pedagógicas: duas relacionadas ao Teatro Épico de Brecht e uma que
fricciona o uso de uma peça didática de Brecht com jogos do Teatro do Oprimido
de Augusto Boal. Essas experiências foram vivenciadas ao longo de um percurso
formativo e, posteriormente, refletidas nas práticas docentes de um professor,
uma professora e uma egressa do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade Federal do Tocantins (UFT).
As experiências foram desenvolvidas no âmbito de uma pesquisa vinculada
ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC 2021/2022) e a um
projeto curricular de montagem teatral (2021), resultando também em Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) de graduação (Maciel, 2022). Parte das experiências
artístico-pedagógicas ocorreu durante a pandemia de Covid-19, que assolou a
sociedade a partir de 2020, ocasionando reverberações metodológicas que
repercutiram fortemente no campo da educação formal, a qual passou a ser
amplamente mediada por telas entre os anos de 2020 a 2022.
O interesse em pesquisar o Teatro Épico surgiu em uma oficina on-line
intitulada
Apontamentos sobre o Teatro Épico: expedientes e manifestações
singulares
, realizada em novembro de 2020 pelo professor Dr. Alexandre Mate, a
convite do evento virtual Mosca na Janela 2020 (Ato 3)
5
, promovido pelo curso de
Licenciatura em Teatro da UFT. A eloquência afetivo-política das palestras
pedagógicas de Mate sobre a obra de Brecht revelou-se um convite sensível,
orgânico e mobilizador à militância e à transformação social.
O importante criador (“praxista” dialético nas artes da representação),
Bertolt Brecht, ao construir sua obra “desmontando” esteticamente,
uma a uma as engrenagens do (nomeado por Theodor Adorno) mundo
administrado , sobretudo, a partir da década de 1930, tinha clareza
quanto à linguagem teatral ter de contar, epicizadamente, seu tempo e
sua gente, imbricando beleza e denúncia para conseguir, no processo de
disputa simbólica, enfrentar as barbáries do capitalismo e do nazismo
5 A Mostra de Culturas, Artes e Teatro (Mosca) é um evento promovido periodicamente por estudantes e
docentes do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT), com programação
de apresentações artísticas, oficinas e outras atividades. O evento tem adotado diferentes formatos ao longo
dos anos, mesclando a apresentação de resultados de disciplinas e projetos do curso com a participação
de convidados externos. Durante a pandemia de Covid-19, foram realizadas edições on-line do evento.
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(Mate, 2020, p. 21).
Educador, artivista e pesquisador brechtiano, Alexandre Mate encontra no
trabalho coletivo da arte e nas teorias de Brecht um indício dialético, pedagógico
e desnaturalizador para a construção de uma vida mais justa, menos alienada e
pré-determinada. Nesse sentido, a oficina realizada por Mate ampliou o modo de
pensar o teatro a partir das possibilidades de usos do Teatro Épico na
contemporaneidade, relacionando o distanciamento épico ao contexto do
distanciamento social vivenciado pela sociedade durante a pandemia. Foi possível
compreender, a partir de exemplos narrativos na literatura e na música, como o
efeito de distanciamento de Brecht possibilita que a sociedade alcance um olhar
mais crítico sobre seus conflitos sociais, políticos e econômicos.
Motivada por essa experiência, a então estudante Bárbara Carneiro Maciel
realizou sua pesquisa de iniciação científica (2021-2022) intitulada
Brecht na
contemporaneidade: O Teatro Épico nas telas do ensino remoto
, sob orientação
da professora Bárbara Tavares dos Santos. O estudo analisou o Teatro Épico
Dialético de Brecht (1978), com foco nos recursos de distanciamento e
estranhamento, e suas possibilidades cênico-pedagógicas no contexto do ensino
remoto de teatro. O primeiro desdobramento prático da pesquisa foi a produção
de um vídeo didático em formato de oficina on-line, no qual a estudante assumiu
a função de professora. Esse trabalho foi contemplado como Projeto Cultural pelo
Edital Público 005/FCP/2021
Curte Arte em Casa
, realizado pela Prefeitura de
Palmas, Tocantins.
No segundo semestre de 2021, foi realizado um projeto de montagem teatral
curricular que resultou na peça de teatro musicado intitulada
Doble
6. A peça,
concebida por meio de um processo colaborativo, abordou a temática dos
relacionamentos a dois, com dramaturgia e canções autorais. Entendemos que a
proposta cênica da montagem dialoga com o Teatro Épico de Brecht na medida
em que elementos de sua estética perpassam as escolhas dramatúrgicas, como
o uso da música como forma de estilização e comentário da ação.
6 Direção de Heitor Martins Oliveira (professor), com atuação e co-criação de Bárbara Carneiro Maciel e
Matheus Henrique de Oliveira Santos (estudantes), co-criação e apoio técnico de Márcio Malta e Maria dos
Reis (estudantes) e cenografia de Fernanda Rodrigues (cenógrafa).
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Ao final do percurso da pesquisa de iniciação científica, em 2022, após dois
anos do início da pandemia, as aulas presenciais já estavam sendo retomadas nas
escolas e universidades de todo o país. Em função disso, optamos por uma
mudança de percurso por meio da realização de uma intervenção em formato de
oficina-aula presencial, para experimentar e friccionar jogos e práticas do Teatro
do Oprimido (Boal, 2005) com a peça didática
Aqueles que dizem sim e Aqueles
que dizem não
, de Brecht. O interesse em unir elementos das obras de Brecht e
Boal surgiu a partir dos pontos de congruência didáticos e estético-ideológicos que
existem entre o pensamento dos dois artistas, ambos teóricos, encenadores e
dramaturgos.
Algumas reflexões sobre a atualidade de Brecht
Parece-nos imprescindível, quase indelével, pensar e discutir um processo
formativo em teatro que vivencie, ao menos, um encontro com a obra de Bertold
Brecht. Ainda que hoje recebamos os fecundos, disruptivos e reparadores sopros
da educação decolonial e do empoderamento das Epistemologias do Sul7, a obra
de Brecht representa, não apenas para o teatro ocidental no século XX, mas
também para o teatro como fenômeno estético-histórico-político mundial, uma
das importantes revoluções de paradigmas cênicos produzidos até hoje.
Poeta, dramaturgo e pedagogo-encenador, Brecht concebia o teatro,
fundamentalmente, como uma arte de desnaturalização da vida e das relações
humanas que é capaz de transformar o meio social e melhorar a nossa existência.
Seus poemas, espetáculos e textos dramáticos sempre se mantiveram em torno
da produção político-dialética. Por meio da antítese, Brecht provoca o diálogo e o
debate entre teses contrárias, em que um posicionamento é defendido ou
afirmado para, logo depois ser contrariado.
Nesse sentido, o distanciamento crítico, e o estranhamento estético que
vemos na dramaturgia de Brecht, geram efeitos disruptivos tanto para os
espectadores quanto para os encenadores e demais artistas cênicos. Isso
7 Proposta epistemológica que rompe com a dualidade mente-corpo do pensamento científico eurocêntrico,
promovendo a valorização dos saberes produzidos por lutas sociais contra a opressão (Santos; Meneses,
2010).
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acontece porque, para criar, refletir e materializar no palco o efeito de
estranhamento, é necessário um exercício coletivo de pensar, dialeticamente,
gestos, arquiteturas, cores, luzes e sons não apenas para poetizá-los, mas,
sobretudo, para desnudá-los e revelar as ínfimas camadas que compõem as
microfísicas do poder8 nas reações humanas.
Nessa perspectiva, o modelo de encenação brechtiano exige dos criadores e
dos espectadores da cena um perene exercício de diagnosticar, avaliar e reinventar
o social. Nesse sistema cênico, o maior peso do efeito de distanciamento recai
sobre os atuantes, pois Brecht compreendia que na arte do teatro os atuantes
precisam impor à sua atuação uma função histórica. É preciso desmontar
ideologias e dissolver a aparência de naturalidade e de imutabilidade dos fatos
para que, pedagogicamente, os espectadores também possam se colocar no
mundo na função de analistas e revisores da sociedade.
Alguns críticos e estudiosos da obra de Brecht9 chamam esse
modus
operandi
teatral de “sociologia da forma”, ou seja, mudança ou adaptação de
formas ou gêneros literários para atingir no palco o aspecto político social. Anatol
Rosenfeld (2008) argumenta que a obra de Brecht é, acima de tudo, um
experimento estético social. Segundo o pesquisador, a estética brechtiana é
“transfuncionada estilisticamente”, pois, embora mantenha traços cênicos que a
ligam às raízes do teatro naturalista, “os efeitos de “anti-ilusionismo e o seu
marxismo atuante separam-no radicalmente do ilusionismo e passivismo daquele
movimento” (Rosenfeld, 2008, p. 146). Por sua vez, o anti-ilusionismo e o
antipsicologismo brechtiano, inspirados no expressionismo alemão, se mostram
também radicalmente redimensionados no palco porque aparecem despidos do
idealismo e subjetivismo dessa corrente. Com o amadurecimento de sua arte,
Brecht acreditava na constante renovação das formas, no surgimento de novas
ideias para lutar e sobrepujar verdades antigas e arcaicas. É nesse contexto que
se discute a atualidade de sua obra.
8 O poder não é uma posse, mas uma ação que se exerce e/ou se sofre em diferentes estruturas da sociedade
e inter-relações pessoais (Foucault, 2016).
9 Gerd Bornheim, Anatol Rosenfeld, Ingrid Koudela figuram entre os(as) críticos(as) que apontam e discutem
o aspecto político da obra brechtiana.
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7
Sérgio de Carvalho, dramaturgo e encenador brechtiano, ao narrar o batismo
de nascimento da Companhia do Latão, relembra
uma palestra proferida por
Roberto Schwarz, no ano de 1997, durante a abertura de portas do Teatro de Arena:
“A brilhante palestra daquele advogado do diabo foi nosso batismo de água gelada”
(Carvalho, 2006, p. 168). Isso porque, ao som dos ecos da crítica brechtiana de
Theodor Adorno, Roberto provocou a plateia a refletir que, diante da falência do
socialismo histórico e do capitalismo como a grande força movente da sociedade
contemporânea, qual seria o sentido de um método artístico dialético que
pressupõe em sua estrutura a luta de classes quando ela não mais está na
ordem do dia. Além disso, questionou a finalidade de um teatro que faz uso de
uma técnica sofisticada de representação o distanciamento tão
desvirtuada a ponto de ter sido, segundo a opinião do Roberto, incorporada pela
publicidade e pelos meios de mercantilização da arte. “Um exemplo célebre seria
o anúncio com o garoto da Bombril, que expõe os recursos narrativos da
propaganda para se pôr ao lado do comprador na observação adesionista ao
produto” (Carvalho, 2006, p. 169). Mas, Schwarz, como intelectual brechtiano,
respondeu dialeticamente, não encerrando a questão em uma verdade definitiva,
sugerindo ao público o argumento que: “O que é, dentro do negativo a
possibilidade de encontrar uma brecha que nos permita ver o quão negativo é esse
negativo no qual chafurdamos” (Schwarz
apud
Carvalho, 2006, p. 170).
Embora a plateia de artistas ali presentes tenha se sentido confusa e
frustrada com aquele discurso, pois estavam ávidas(os) e desejosas(os) pela
fundação de um grupo de teatro brasileiro dialético brechtiano, segundo o próprio
Sérgio, todos tomaram para si aquela crítica como um conselho estético, e
refletiram que a fala de Roberto Schwarz era (e ainda é) permeada por profunda
lucidez. Mais adiante no mesmo artigo, Carvalho (2006) problematiza um aspecto
crucial que escapou à fala e ao pensamento crítico de Schwarz, e que é justamente
o que mantém a teoria e a prática de Brecht tão viva e tão atual, mesmo décadas
após esse encontro-debate.
O método-Brecht é também um método negativo (tal como o
exemplificava o próprio palestrante, Roberto, quando punha em
contradição seu gesto intelectual com o sentido das palavras), com a
diferença de que o teatro épico-dialético oferece materiais ao espectador
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para que o Não se converta num trabalho em aberto fora do palco
(Carvalho, 2006, p. 172).
Portanto, a obra de Brecht produz efeitos que vão além da imagem no palco,
propiciando uma intervenção conceitual nos acontecimentos da vida e da
sociedade. Isso acontece porque o teatro trabalha com a matéria viva de seu
tempo. O ofício do teatro é uma práxis que se na passagem do palco para a
plateia e que ressoa na audiência para muito além da forma e do estilo. Então, é
preciso remodelar a forma, adulterar as peças e historicizar Brecht, para, assim,
manter viva sua força dialética e capacidade de gerar transformação social. Sobre
a importância de historicizar Brecht e de sua perene atualidade, Alexandre Mate
nos areja a memória com um alerta crítico.
Do permanente perigo representado pelo retorno [real e cabal] das
ditaduras e de todos os tipos de fascismos, vive-se na atualidade
brasileira um processo de desmanche na totalidade das áreas ditas
sociais. Portanto, ao considerar este momento histórico e a necessidade
de se ter alguma clareza quanto ao lugar em que qualquer democrata
precisa se colocar e agir em tempos de perigo, tendo em vista o imenso
ringue/rinha em que se transformou o país, a linguagem teatral, sem abrir
mão a sua beleza emocionante, é preciso pensar as suas obras, também,
como um experimento histórico-estético-social sensível ao seu tempo, à
sua gente de agora (e daquelas que lutaram antes) (Mate, 2020 p. 21).
Dito isso, é preciso sempre, e, em cada época, insuflar o dom de despertar
no passado as centelhas de esperança. Atualizar a obra de Brecht é um
gestus
político que nos possibilita apropriar as reminiscências e lutas estético-políticas já
travadas, não como elas foram, mas como elas podem relampejar nos momentos
de perigo e de retrocessos humanos, tais como os que foram vividos
recentemente no Brasil, e, que novamente estamos revivendo em diversas partes
do mundo.
Curta Arte em Casa
: produção de material didático
O produto audiovisual
Um pouco sobre o Teatro Épico
é um vídeo-didático
de 19 minutos10 voltado para jovens estudantes do ensino médio, de cursos
técnicos ou do ensino superior. O objetivo da produção foi minimizar os impactos
10 Vídeo disponível em: https://youtu.be/QXEqHxKxU3A. Acesso em: 04 abr. 2025.
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da pandemia de Covid-19 no segmento artístico de Palmas, apoiando profissionais
das artes e da cultura, além de proporcionar mecanismos para o desenvolvimento
de novos trabalhos artísticos, geração de renda e promoção do acesso aos bens
culturais produzidos no município, por meio de plataformas digitais.
A criação desse vídeo levou em conta o contexto da pandemia. Para isso,
adotamos a utilização de métodos voltados ao ensino remoto de teatro, como a
palestra-narração mediada por telas de computador. O material apresenta uma
breve introdução ao Teatro Épico Dialético e à peça didática
Aquele que diz sim,
aquele que diz não
. Em seguida, propõe jogos de improvisação, exploração de
objetos, criação e teatralização de histórias, destacando o uso do efeito de
distanciamento na representação de personagens, cenários, enredo e demais
elementos cênicos.
Figura 1 - Captura de tela do vídeo didático
Um pouco sobre o Teatro Épico
(2020).
Fonte: YouTube, canal Um Pouco de Teatro.
Posteriormente, para a defesa do TCC, o referido vídeo foi reeditado11 com o
objetivo de apresentar, de forma mais prática, usos do efeito de distanciamento
por meio das categorias: 1) narração-comentário; 2) musical, coro e canções; 3)
cartazes e projeções; 4) efeitos de quebra da quarta parede. Nessa segunda versão
do vídeo didático, foram utilizados como referência recursos do Teatro Épico
presentes em trechos em vídeo de espetáculos da Companhia do Latão, da Kiwi
Companhia de Teatro, da montagem
Doble
, de espetáculos corais realizados por
11 Vídeo disponível em: https://youtu.be/pGHKJWnfo04. Acesso em: 04 abr. 2025.
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10
estudantes do ensino médio e de séries de TV de canais fechados.
Concluímos que a produção do material didático em formato de vídeo dialoga
com práticas e teorias do próprio Brecht, que também trabalhou com o cinema,
explorando ferramentas de manipulação de tempo e de espaço para revelar
diferentes aspectos de um conflito. Esses recursos, amplamente utilizados na
montagem fílmica, foram apreendidos pela estudante tanto do ponto de vista da
contextualização histórica da obra e do método dialético de Brecht, quanto da
fruição estética envolvida na seleção de espetáculos, séries e filmes de influência
épica brechtiana. Do mesmo modo, o processo de criação, roteirização, edição e
montagem do vídeo didático configurou-se como um exercício fundamental para
a futura atuação docente.
Doble
: montagem cênica
Doble
é uma peça de teatro musicado intimista, realizada a partir de uma
abordagem colaborativa que sintetiza explorações e contribuições da estética
épica. A apresentação ocorreu presencialmente para um público reduzido, com
registro audiovisual que está disponível na plataforma digital YouTube, no canal
TeatroUFT
12
. A dramaturgia do espetáculo foi construída a partir da junção de várias
histórias de casais, reunindo momentos díspares e multifacetados. O espetáculo
é apresentado por um ator e uma atriz, que se caracterizam e encenam tramas,
encontros, relacionamentos à distância, relações desgastadas e conturbadas,
provas de amor, diversão, discussões, preocupações, cuidado e perda.
Embora o processo criativo não tenha sido iniciado e conduzido a partir de
um compromisso estrito com a estética dialética brechtiana, alguns aspectos,
como a pontuação da estrutura cênica com números musicais, conferem ao
espetáculo um caráter épico. Entende-se que, na representação épica, “a música
intervirá com efeito exibindo-se enquanto música de teatro”. [...] A música não se
funde mais na continuidade do espetáculo. Ela se manifesta sob a forma de
números
isolados
(Roubine, 1998, p. 161, grifo no original). Esse isolamento é
destacado por uma série de escolhas envolvendo elementos da encenação e
12 A peça está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8wy-cnewjaU&t=432s. Acesso em: 04 abr.
2025.
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11
atuação.
Em
Doble
, os números musicais consistem em canções autorais criadas
especificamente para o espetáculo, apresentadas com acompanhamento de piano
tocado ao vivo, com o canto feito pelo ator e pela atriz de forma frontal ao público.
Além disso, na interpretação das canções, atriz e ator frequentemente transitam
entre a fala falada e a fala cantada, em oposição de significados, uma vez que o
canto em cena implica uma espécie de suspensão de qualquer efeito de
naturalidade.
Assim, a inserção de canções nas cenas de
Doble
dialoga com a compreensão
de que “Brecht grande importância ao discurso musical quanto à sua
característica de
gestus
social” (Maletta, 2016, p. 147). Em suas próprias palavras:
“Dado o caráter desta música, que é, a bem dizer, uma música do ‘gesto’, explicá-
la é salientar a finalidade social de suas inovações” (Brecht, 1978, p. 186). A ideia de
gestus
social remete à significação das ações cênicas voltadas para o
desvelamento e a crítica das relações humanas em sociedade. Dessa forma, na
concepção brechtiana, as canções devem possuir uma estrutura musical acessível,
que permita ao atuante interpretar diferentes atitudes ou ideias, conforme a
natureza do texto.
Em
Doble
, enquanto experiência formativa, a criação autoral das canções
envolveu a escolha de sonoridades, tonalidades, ritmos e registros vocais
acessíveis à atriz e ao ator da montagem, possibilitando o desenvolvimento do
canto em cena de forma coerente com a atuação e suas significações. Como
afirma Brecht (1978, p. 28), “Importa, especialmente, que, ao cantar, o ator mostre
que está mostrando algo”. Em
Doble,
a interpretação das canções busca mostrar
estereótipos associados a relações românticas ou assumir uma postura
elucidativa, de coro, cantando palavras-chave que resumem ou explicam os
sucessivos momentos da dramaturgia, como no trecho transcrito a seguir.
Cena Netflix
HOMEM e MULHER (cantando)
Apaixonar, Elogiar
Acompanhar, Compartilhar
Compreender, Permanecer
Contradizer, Enlouquecer
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12
Sobre os usos da música, coros e cantores, Anatol Rosenfeld afirma que se
trata de um dos recursos de distanciamento mais importantes, pois “geralmente
a música assume nas obras de Brecht a função de comentar o texto, de tomar
posição em face dele e acrescentar-lhe novos horizontes” (Rosenfeld, 2008, p.
160). Ou seja, a composição musical é um elemento autônomo que transmite
impulsos e contra-impulsos coreográficos ao invés de apenas interpretar e apoiar
o texto.
Para além das canções, a dimensão sonora de
Doble
, como um todo,
caracteriza-se pela heterogeneidade e pela justaposição de materiais sonoros
díspares, que também eram preconizados por Brecht em suas encenações. “O
caráter heterogêneo da música
épica
está portanto ligado à multiplicidade de
referências justapostas, mas também à relação que ela mantém com um conjunto
de ruídos, esses também, por sua vez, significantes” (Roubine, 1998, p. 163,
destaque no original). Uma das canções utiliza um acompanhamento percussivo
em ritmo de piseiro13 (pré-gravado), junto ao acompanhamento de piano (ao vivo).
Enquanto a letra da canção remete às diferenças do casal, com jogos de palavras
e ponderações sobre a situação, o ritmo popular dá à cena um caráter divertido e
irônico, permitindo aos atuantes explorar movimentos e interações que
potencialmente modificam o sentido da canção.
Em outros momentos, os ruídos de eletrodomésticos, sobrepostos às falas
da atriz e do ator, transmitem a ideia de domesticidade como o som suave da
cafeteira —, e também de perturbação como o som intenso e crescente da
pipoqueira. Narrativas gravadas, sobrepostas ao piano tocado ao vivo e ações
realizadas no palco, expandem o escopo da dramaturgia e sugerem que as
relações apresentadas em cena ecoam múltiplas outras vivências a dois, reais ou
ficcionais.
Dentre outros usos épicos na encenação, destaca-se o efeito do
distanciamento, presente desde a estrutura textual dramática, uma vez que a peça
13 Piseiro é uma variante da pisadinha, gêneros musicais derivados do forró e popularizados por artistas como
Barões da Pisadinha e Vitor Fernandes. Também é conhecido pela coreografia cômica com passos
arrastados e mãos junto ao corpo.
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não tem uma localização e nem uma época determinada, e os personagens não
têm nomes próprios, sendo apresentados como tipos sociais como
Mulher e
Homem.
Ademais, as situações entre casais são apresentadas e, por vezes,
imediatamente ironizadas, como na cena inicial em que uma série de elogios
rapidamente se transforma em uma sucessão de reclamações e acusações,
enquanto a pipoca estoura em cena.
A ironia, a paródia e o cômico são importantes recursos literários associados
ao efeito de distanciamento: “Ao lado da atitude narrativa geral associada à própria
estrutura da peça, Brecht emprega, para obter o efeito desejado, particularmente
a ironia” (Rosenfeld, 2008, p.156). O resultado da ironia permite ver em
Doble
o
revés das relações amorosas. Decepcionados com o amor, os casais se encontram
e se apaixonam enquanto fingem ser outras pessoas. Quando ambos se dão conta,
quando são honestos um com o outro, qualquer vestígio de afeto se dissipa — ou
talvez nada realmente tenha começado. Cada um com sua máscara social, mas
incapazes de enganar um ao outro ou a si mesmos por muito tempo.
O espetáculo apresenta ainda outros elementos da estética épica, e do efeito
do distanciamento, notadamente o recurso do atuante como narrador(a).
Por meio de uma representação viva, o ator narra a história da sua
personagem, mostrando saber mais do que ela, e apresentando o ‘agora’
e o ‘aqui’ não como uma ficção que é possível devido às regras de
representação, mas, sim, tornando-os distintos do ontem e do ‘em outro
lugar’ [...]” (Brecht, 1978, p. 120).
Em
Doble
, há cenas em que as personagens se deslocam do papel ficcional,
permanecendo em um meio termo entre atuante e personagem, narrando, de
frente para a plateia, os seus pensamentos e suas próprias ações ou comentando
suas decisões diante da situação ficcional posta em cena. Outra variante deste
recurso é o uso de narrativas pré-gravadas, como na cena discutida a seguir.
Cena Cabaré
(Narrador reconta cena de Plínio Marcos, enquanto os personagens
interagem em etapas: primeiro com um jogo de tabuleiro e depois em
dança
pasodoble
.)
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NARRADOR
Era uma tarde como outra qualquer. Um sórdido quarto de hotel de
quinta classe, havia um casal: Neusa Sueli e Vado. Vado está sentado na
cama de casal lendo um gibi. Então entra Neusa Sueli e pergunta: “Oi,
você está aí?” Vado responde: “O que você acha?” Logo em seguida,
Neusa Sueli fala: “Porque você nunca chega tão cedo...” “Não cheguei,
sua vaca? Ainda nem saí!”, responde Vado grosseiramente. O clima fica
hostil dentro daquele quarto. São grosserias e grosserias partindo de
Vado para Neusa Sueli. [...]
A cena se desenvolve em três planos, apresentando contrapontos entre o
que está sendo narrado e as ações realizadas pelos atuantes. A discussão
acontece em meio ao duelo de um jogo de tabuleiro e à narração de um trecho
da peça
Navalha da Carne
, de Plínio Marcos. Todas as personagens o casal de
Doble
e o casal Vado e Neusa Sueli (respectivamente, cafetão e prostituta) — são
resultados de forças que oprimem os indivíduos. Mesmo entre esses seres
oprimidos também se estabelecem formas de opressão. Portanto, não
solidariedade na desilusão e na miséria. Entretanto, a cena é apresentada de forma
parodística e, como consequência, o drama se converte em reflexão crítico social
sobre as mazelas da convivência a dois. Anatol Rosenfeld argumenta que a paródia
é um recurso de distanciamento literário muito usado por Brecht “que se pode
definir como o jogo consciente com a inadequação entre forma e conteúdo” (2008,
p. 156). Assim, por meio do cômico parodístico, “certos contrastes são colocados
lado a lado, sem elo lógico e mediação verbal. Conexões familiares, de outro lado,
são arrancadas do contexto familiar” (Rosenfeld, 2008, p. 157).
Sobre os recursos cênicos, a cenografia utilizada no espetáculo, semelhante
ao Teatro Épico, é minimalista e com estruturas de bastidores (coxias) e troca de
cenas expostas. A visão da cenografia épica preconiza o papel minimalista e
narrativo que a arquitetura e os objetos cênicos devem conter: “andaimes de
montagem muito fácil, que se podem transformar rapidamente, que são belos e
úteis à representação e que ajudam, em cada sessão, a narrar a história com
eloquência” (Brecht, 1978, p. 199).
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Figura 2 - Cena “Chamada”, do espetáculo
Doble
(2021).
Fonte: Acervo pessoal. Foto: Ronalda Pinto.
Em
Doble
, alguns objetos do cenário são ressignificados para apresentar,
minimamente, a espacialidade sugerida pelo texto. Na cena da Figura 2, o ator
desloca um cubo do fundo para a frente do palco, e os personagens passam a
dialogar como se estivessem em uma chamada à distância, mediada por
tecnologia. O resultado cenográfico é uma cena não realista-naturalista,
assumindo a estilização e ressignificação dos cubos como objetos de uma casa,
em outros momentos, como um bar, um hotel, um carro, entre outros espaços
cênicos onde o casal interage. Acerca da concepção cenográfica em Brecht, Anatol
Rosenfeld explica que “o cenário é anti-ilusionista, não apoia a ação, apenas a
comenta. É estilizado e reduzido ao indispensável; e pode mesmo entrar em
conflito com a ação e parodiá-la” (Rosenfeld, 2008, p. 159).
Outro recurso épico é o uso de um discurso elevado que transcende a
narrativa apresentada nas cenas. Na Cena 6, “Cuidado”
,
a atriz faz um monólogo,
apresentando abstrações e considerações diretamente para a plateia.
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Cena Cuidado
MULHER (falando para a plateia)
Quem planta, colhe. O resgate é compensado. O cuidado é recíproco. A
vida é feita de encontros e desencontros e a intensidade de um momento
vale mais que a duração de uma era. Pela ordem natural das coisas, as
coisas entram naturalmente em desordem.
Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o
ritmo é a compensação.
[...]
Toda ação gera uma reação. Tudo que vive, um dia parece. Tudo que
morre, permanece.
O todo é mente, o universo é mental.
Com essa e outras cenas, nas quais ator e atriz adotam um discurso reflexivo
e digressivo, fecha-se o círculo dos três tipos de vocalizações preconizadas por
Brecht: “o discurso prosaico, o canto e o discurso elevado constituem três estratos
distintos, que sempre devem permanecer distintos entre si” (Brecht, 1978, p. 27).
Em
Doble
, o discurso prosaico está presente nos diálogos coloquiais que retratam
situações entre casais; o canto, nas canções autorais; e o discurso elevado, em
falas como a transcrita anteriormente. A oposição entre esses três estratos
impede que a ficção assuma um caráter totalizante, sendo constantemente
analisada e relativizada.
É preciso salientar que o processo criativo de
Doble
não teve como ponto de
partida a problematização dialética das condições econômicas e da luta de classes
premissa filosófica e política do pensamento de Brecht sobre o teatro.
Entretanto, a aproximação com elementos da estética épica possibilitou que o
processo de montagem explorasse diferentes camadas da temática dos
relacionamentos a dois. Assim, as cenas convidam criadores e espectadores a uma
reflexão crítica conjunta sobre essas relações e sobre a realidade socioeconômica
em que estão inseridas. Como afirma Carvalho (2006, p. 173), “se Brecht avançou
tanto no que se refere a uma politização produtiva da forma é porque considerava
que sua unidade não está no palco, mas na relação com a plateia”.
Oficina-aula de Teatro do Oprimido e peças didáticas: equívocos,
aprendizados e desdobramentos
O interesse em reunir as referências de Brecht e Boal surgiu diante do desafio
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de concluir a pesquisa de iniciação científica, iniciada em período pandêmico, e,
ao mesmo tempo, retornar práticas presenciais do ensino de teatro. Até aquele
momento, havíamos nos debruçado nos estudos da obra de Brecht relacionadas
ao efeito de distanciamento, às diferenças entre a forma dramática e a épica e à
escrita e encenação no modelo de ópera. Isso, conforme discutido, em função
dos experimentos com a produção do vídeo didático e da montagem cênico-
musical do espetáculo
Doble
.
No entanto, ao longo da pesquisa mesmo em sua reta final —, ainda
nutríamos o desejo e o interesse de estudar as peças didáticas. Paralelamente,
tínhamos uma larga experiência com as metodologias do Teatro do Oprimido, e
conhecíamos a convergência estético-ideológica entre as obras de Brecht e Boal.
Brecht (1978, p. 48) afirma que “o teatro passou a oferecer aos filósofos uma
excelente oportunidade, oportunidade, aliás, aberta apenas àqueles que desejam
não só explicar como também modificar o mundo”. Boal (2005, p.19), por sua vez,
destaca que “o Teatro do Oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a
transformação da sociedade no sentido da libertação dos oprimidos. É ação em si
mesmo, e é preparação para ações futuras”.
É notória, nos discursos de Brecht e Boal, uma convergência dialética no
exercício de distanciar-se dos acontecimentos para revelar as contradições que
existem nos fatos e nas ações humanas, permitindo que os sujeitos aos quais o
teatro popular se destina ocupem o palco para realizar suas revoluções. Então,
resguardadas as diferenças de contextos geográficos, históricos e de práticas
cênicas, as peças didáticas e o Teatro do Oprimido, podem ser entendidos como
metodologias de teatro popular pensadas com/para grupos amadores, corais
estudantis e comunidades diversas. A diferença fundamental reside no fato de
que, na teoria de Brecht, a quebra da quarta parede e o efeito de estranhamento
são produzidos pelos atuantes, dentro do próprio sistema de
representação/encenação, por meio de dispositivos gestuais, literários, sonoros e
visuais. Boal, por sua vez, um passo além da quebra da quarta parede, ao
colocar no palco os
espec-atores
como sujeitos da transformação social. De todo
modo, a convergência entre as duas obras está tanto na luta pelo esclarecimento
dos meios de produção quanto no exercício real e coletivo da experiência de
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aprendizagem e domínio desses meios estético-políticos de criação cênica.
A partir desse pressuposto, vislumbramos a proposição de um experimento
que tensionasse e friccionasse os jogos do Teatro Oprimido com uma das peças
didáticas. Passamos, então, a estudar as obras de Brecht e de Boal considerando
semelhanças e diferenças entre as metodologias com a finalidade de elaborar uma
intervenção em formato de aula-oficina. Com isso, poderíamos alcançar dois
objetivos diferentes com uma única ação: trabalhar, de forma concomitante, com
a desmecanização do corpo e dos sentidos enferrujados por conta da pandemia
e das aulas on-line e, ao mesmo tempo, experimentar o modelo de ação da
peça didática.
Contudo, em função do tempo escasso para a conclusão da pesquisa e da
pouca familiaridade com as peças didáticas, a intervenção em formato de aula-
oficina apresentou alguns equívocos, que, posteriormente, se mostraram como
aprendizados importantes no processo de formação e na prática docente.
Figura 3 - Momentos da aula-oficina (2022). Fonte: Arquivo pessoal.
Nesse sentido, entendemos que a grande questão na obra de Brecht reside
na finalidade do teatro, que, em última instância, esbarra no público. Para Brecht,
não era aceitável que as instituições teatrais estabelecidas com artistas,
produtores e espectadores permanecessem devotadas ao teatro como
mercadoria. “O indivíduo é cada vez mais fortemente impelido a comprometer-se
nos grandes sucessos que transformam o mundo” (Brecht, 1978, p. 13). Por isso, “o
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palco principiou a ter uma ação didática” (Brecht, 1978, p. 48).
É nesse contexto crítico-político da mercantilização da arte que surgem as
peças didáticas. Na utopia de Brecht, as peças didáticas materializam uma nova e
radical configuração cênica, propondo a abolição do público tradicional, a quem
ele apelidou de
culinário
. De imediato, essa proposição brechtiana nos levou a
questionar se as peças didáticas, enquanto texto dramático e mapa cênico de
criação, conteriam procedimentos e expedientes muito distintos daqueles que
havíamos estudado e experimentado.
Ao nos debruçarmos sobre a leitura e análise do texto
Aqueles que dizem
sim, e aqueles que dizem não
, percebemos que se tratava de um modo de escrita
que mostrava dois pontos de vista divergentes sobre um mesmo assunto,
explorando as causas e consequências de ambos os lados, instigando a plateia a
refletir e a decidir qual lado apoiaria. A partir dessa análise, entendemos que “as
peças didáticas são modelos que visam ativar a relação entre teoria/prática,
fornecendo um método para intervenção do pensamento e da ação no plano
social” (Koudela, 2010. p. 36).
Como decorrência desse modo de escrita, os atuantes, o público, o texto e o
espaço cênico todos os elementos que compõem o Teatro Épico passam a
operar por outros modos de experimentação, e, consequentemente, por um troca
de função. Para isso foi necessário propor que o teatro fosse feito por todas as
camadas sociais, sobretudo, por grupos amadores, corais estudantis e
trabalhadores de fábricas. Ou seja, se não era possível instaurar a radicalidade de
um teatro sem público, então que se criasse e se educasse uma nova audiência
para o teatro dialético. Nesse sentido, “o ato artístico coletivo com peça didática
realiza-se por meio da imitação e da crítica dos modelos de atitudes,
comportamentos e discursos. Ensinar/Aprender tem por objetivo gerar atitude
crítica e comportamento político” (Koudela, 2010, p. 36). Portanto, “A peça didática
ensina quando nela se atua, não quando se é espectador” (Brecht,
apud
Koudela,
2010, p. 16). Todavia, conforme o próprio Brecht registrou, os princípios do Teatro
Épico se aplicam igualmente para as peças didáticas. “A forma da peça didática é
árida, mas apenas para permitir que trechos de invenção própria e do tipo atual
possam ser introduzidos; Para forma de atuação valem as instruções do Teatro
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Épico; O estudo do efeito de estranhamento é indispensável” (Brecht,
apud
Koudela, 2010, p. 16-17).
Elementos como o(a) narrador(a), a quebra da quarta parede, o efeito de
estranhamento, a presença do coro, os usos de cartazes e letreiros visam criar um
teatro que questiona, provoca e, acima de tudo, estimula uma resposta ativa do
público. Na peça épica tradicional, o texto, como mapa da criação, está
circunscrito. De fato, o processo de criar, tal como acontece em diferentes gêneros
teatrais, é permeável a mudanças inclusive na própria dramaturgia original. O
texto cênico, com suas marcas e ações, é construído no percurso da encenação
épica e parte de um roteiro que, mesmo sendo episódico, precisa dar conta de
uma narrativa já concluída.
Em contraste, a peça didática, tal como é discutida por Koudela (2010) e
Concilio (2016), é pensada como um “jogo de aprendizagem”, aberto tanto aos
atuantes, criadores da cena, quanto ao público. Assim, “o princípio da improvisação
é contraposto à forma ‘árida’ da peça didática, ou melhor, justifica a estrutura
dramatúrgica dessas peças” (Koudela, 2010 p. 17). Portanto, o foco da metodologia
é o jogo e a improvisação. Por isso, Ingrid Koudela sugere trabalhar as peças
didáticas em articulação com os Jogos Teatrais de Viola Spolin.
O processo tal qual foi considerado por Brecht, precisa ser reinventado.
O texto da peça didática não objetiva realizar valores literários, enquanto
obra acabada o princípio do jogo teatral propõe que o próprio processo
de criação, que deu origem ao texto, seja refeito (Koudela, 2010, p. 165).
Vicente Concilio, por sua vez, sugeriu e experimentou trabalhar as peças
didáticas a partir de
Viewpoints
, dança teatro e do depoimento pessoal.
Os jogos teatrais forneceram os princípios reguladores da nossa prática
com a improvisação, sobretudo, a presença constante da avaliação com
o grupo, e, portanto, a participação dos jogadores no papel de plateia
crítica. os
Viewpoints,
por se tratar de aspectos mais diretamente
ligados à construção cênica, forneceram a abordagem para o trabalho
com as imagens [...] e na exploração dos espaços [...] (Concílio, 2016,
p.275-276).
Essa multiplicidade de usos e diálogos com diferentes gêneros e
metodologias de criação teatral é pertinente, porque as peças didáticas são
modelos de ação inteiramente abertos. Abertos para que os(as) criadores(as) da
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cena decidam, coletivamente, quais gestos, cenas, partes do texto, músicas,
cenários e iluminação serão colocados no palco. Portanto, no modelo de ação
aberto que é a própria natureza da peça didática todos(as) os(as)
jogadores(as) se colocam, simultaneamente, como atuantes e encenadores(as).
Sobre essa abertura à coralidade no percurso da criação, Vicente Concilio pontua
que “A proposta é de que o fazer teatral, instaurado a partir da análise crítica dos
textos erigidos para fins de análise social e política abre campo para um projeto
de aprendizado em grupo e em ação cênica” (2016, p. 60).
Nessa direção, vislumbra-se que as peças didáticas, assim como as práticas
cênicas de Vsevolod Meyerhold, são metodologias precursoras, na Europa, da
irrupção do processo colaborativo de criação teatral que décadas depois,
expandiu-se pelo mundo e ganhou visibilidade no Brasil a partir de 1990,
assumindo características estéticas locais peculiares e sendo amplamente
praticado por diversos coletivos do país.
O Teatro do Oprimido, por sua vez, é um método teatral estético-dialético
criado por Boal e influenciado pelo teatro de Brecht. Esse aspecto pode ser
percebido no pensamento dialético marxista comum a ambos os artistas. “Brecht
deseja que o espetáculo teatral seja o início da ação, o equilíbrio deve ser buscado
transformando-se a sociedade e não purgando o indivíduo de seus justos reclamos
e de suas necessidades” (Boal, 2005, p. 149). Sobre o vigor marxista em Boal, Sérgio
Carvalho pontua que “como bom dialético, Boal sabe que exercer a imaginação, o
senso crítico e a sensibilidade são também atividades produtivas” (Carvalho, 2014,
p. 167) capazes de desentorpecer os sentidos, aguçar a investigação e a análise
avaliativa da sociedade.
Tanto Brecht quanto Boal alcançaram, em seus projetos artístico-políticos,
uma democratização do teatro como um caminho de transformação social e de
educação estética e política dos próprios produtores e criadores da cena e,
sobretudo, do público. A partir das metodologias do Teatro Fórum, Teatro do
Invisível, Teatro Jornal, Boal avança para envolver o público em um potente debate
e ensaio coletivo de modificação concreta dos acontecimentos da cena e do palco.
São muitas, portanto, as afinidades entre eles. Na peça didática, de Brecht, o(a)
diretor(a) é um(a) comentador(a) da peça teatral, pois o processo de criação é
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calcado no improviso e no modelo de ação aberta em que uma perene
mediação do(a) encenador(a). No Teatro do Oprimido, de Boal, a figura do coringa
exerce uma função semelhante, provocando a criação de atuantes e mediando o
debate do fórum junto ao público. Boal, tal como Brecht, também trabalha a
encenação com a presença marcante do coro e da musicalidade executada
pelos próprios atores ou por uma pequena orquestra que acompanha, ao vivo, a
representação.
A improvisação com imagens é outro ponto de proximidade entre as
metodologias. Em seu trabalho de recontextualização das peças didáticas de
Brecht, Vicente Concilio trabalhou coletivamente com a produção de fanzines, que
podem se desdobrar também na produção de quadrinhos, vídeos, cartazes, e
outros elementos ligados à visualidade e à imagem cênica. Na metodologia do
Teatro Imagem, Boal estimula e oportuniza que os atuantes percebam a cena, as
ações e os
gestus
produzidos nos improvisos corporais com imagens, como obras
que são modificadas e aperfeiçoadas durante o processo de criação e debate junto
ao público. Por meio de jogos, sequências de espelhos e manipulações lúdico-
dialógicas do corpo dos(as) jogadores(as), é proporcionada uma interatividade
coletiva e uma modificação, em tempo real, das imagens que são colocadas no
palco.
As aproximações entre Boal e Brecht fundamentam a opção de trabalhar, no
experimento da aula-oficina, com os jogos do Teatro do Oprimido, e não com os
jogos sistematizados por Viola Spolin. Nos jogos teatrais, durante os improvisos de
criação, trabalha-se com a ludicidade e com a avaliação daquilo que está no palco
por meio da separação entre atuadores e espectadores do jogo. Contudo, os jogos
do Teatro do Oprimido são, ao mesmo tempo, um treinamento e uma preparação
corporal e intelectual para uma visão e raciocínio dialético de mundo. Ou seja,
constituem uma metodologia para entender a dinâmica da contradição (tese,
antítese e possíveis sínteses) de forma que atuantes e público possam, juntos,
analisar, avaliar e escolher dizer sim ou dizer não diante de determinada situação
e/ou conflito. O método do Teatro do Oprimido cumpre as funções dos jogos
teatrais de Spolin e, ao mesmo tempo, fomenta a reflexão dialética social.
Entretanto, conforme explicamos no início desta seção, o tempo para a
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realização do experimento da aula-oficina friccionando peças didáticas e Teatro
do Oprimido foi curto. Como consequência, na avaliação da experiência,
constatamos alguns equívocos. O primeiro deles foi a percepção de que a obra de
Brecht não pode ser entendida e enfeixada em fases estanques e distintas. Na
verdade, as fases da obra de Brecht são experimentos de idas e vindas, desvios e
desdobramentos de uma totalidade e de uma unidade de pensamento estético-
dialético, político e pedagógico teatral.
Nesse sentido, as peças didáticas estão a meio caminho do percurso que
Brecht atinge no final de sua carreira. Sua contribuição para a sistematização
cênica brechtiana é pensar um modelo de ação em que a criação artística seja
integralmente democrática. E essa forma colaborativa de trabalhar a criação
cênica também pode se aplicar ao modo de produção das óperas e textos mais
fechados de Brecht.
O segundo equívoco foi que o formato compacto da oficina não permitiu
amadurecer e refletir sobre como as peças didáticas podem ser produtivas para
os processos contemporâneos de teatro. Essa reflexão foi realizada por Vicente
Concilio (2016) de forma bastante fecunda. Em encenações com coletivos de
estudantes do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), os grupos produziram experimentos com diversos
formatos de encenação, a partir de metodologias cênicas híbridas inclusive
aplicadas aos textos fechados e tradicionais de Brecht tendo como base de
criação o modelo de ação das peças didáticas. Isso demonstra a força da
contemporaneidade da obra brechtiana.
Tal abordagem teria sido extremamente fecunda para nossa pesquisa, uma
vez que a aula-oficina foi realizada em uma disciplina de encenação. Todavia,
como não houve tempo hábil para o trabalho com protocolos de análises cênicas
mais aprofundadas, também não foi possível que o experimento se desdobrasse
diretamente nos resultados das encenações produzidas pelos(as) estudantes da
disciplina. De todo modo, considerando que o processo de pesquisa também se
aperfeiçoa e, sobretudo, aprende com os equívocos consideramos o percurso
de estudos enriquecedor para nossas práticas artísticas e docentes.
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Reverberações brechtianas nas(das) práticas docentes
O Épico Dialético proposto por Brecht, assim, busca explicitar o jogo político,
e não apenas os efeitos e recursos de distanciamentos utilizados por teatros mais
remotos. Rosenfeld (2008) reitera o debate de Brecht em favor da presença das
tendências épicas e dos efeitos e recursos de distanciamento nos teatros antigos
ao longo da história teatral. Destaca, por exemplo, o uso das máscaras, marcantes
nas tragédias e comédias gregas, assim como a presença de palcos simultâneos,
e de elementos textuais peculiares presentes nas obras dramáticas barrocas e
renascentistas. Tais elementos e expedientes podem ser observados na função
cênica do coro, nos prólogos e epílogos, nos palcos-cenários simultâneos da Idade
Média, nos recursos textuais estilísticos de elocuções intermediárias e didáticas
dirigidas ao público, assim como no teatro que tematiza a si mesmo (metateatro).
Em conclusão, ainda que nos momentos de experimentação com o Teatro
Épico a proposição dialética nem sempre tenha se consubstanciado plenamente,
revisitamos espetáculos e práticas cênicas, retomando os fios e as muitas marcas
cênico pedagógicas que perpassam nossas trajetórias profissionais. São raízes
brechtianas que entrevemos em nossos percursos formativos e que se perpetuam
no ofício da docência.
Na prática docente de formação de professores de teatro entre ensino,
pesquisa e extensão — a primeira autora coordena processos de criação coletiva,
recorrendo frequentemente a diálogos com elementos das teatralidades
populares. Essas linguagens se afirmam na cena não realista e reúnem, de forma
orgânica, dança, música e artes plásticas, sobretudo por meio de relações mais
estilizadas com a cenografia, a customização de figurinos e adereços cênicos. Ela
percebe nos trabalhos de encenação que orienta sempre que interesse da
turma de estudantes o apreço pelo trabalho com a narração, com o coro e com
a música ao vivo, pensada como um tema autônomo ao texto teatral, capaz de
instaurar na performance cênica efeitos de distanciamento, estranhamento,
sobreposição, saturação ou esgarçamento de signos, ideias e sentidos.
Na educação básica, entendemos que é imprescindível pensar na formação
integral dos estudantes. Conforme a BNCC: “A arte, como conhecimento,
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possibilita a reflexão crítica sobre o mundo e sobre si mesmo, promovendo a
ampliação da percepção, a imaginação, a criatividade e a construção de sentidos”
(BNCC, 2018, p. 177). Assim, as práticas docentes da segunda autora nesse contexto
têm sido fortemente influenciadas pela didática e pelas teorias do teatro de
Brecht. O uso do Teatro Épico fortalece sua prática docente, ao transformar as
aulas de artes em um espaço de experimentação e diálogo críticos. As experiências
vividas em sala de aula proporcionam não apenas uma formação estética dos(as)
estudantes, mas também o desenvolvimento de práticas colaborativas e cidadãs,
constituindo-se como uma abordagem voltada para a transformação social
individual e coletiva.
O terceiro autor atua também na formação de professores de teatro e, desde
a perspectiva de músico-compositor, desenvolve suas práticas docentes de
ensino, pesquisa e extensão nas interfaces entre criação cênica e criação musical.
Ele tem desenvolvido uma metodologia interartística que busca pensar a poética
corporal da atuação a partir da ação sonora, compreendendo o fluxo sonoro como
aberto a significações e fricções. Frequentemente, conduz exercícios de criação
cênica a partir do rearranjo de repertórios musicais propostos pelos(as)
estudantes. Nesses exercícios, as canções são ressignificadas e extraídas de seu
contexto social original, para servir a narrativas imagéticas de sentido ambíguo.
Entendemos que essas práticas atualizam princípios brechtianos em nossos
trabalhos cênico-pedagógicos e, como próprio Brecht aponta, contribuem para
ampliar os horizontes do que está em porvir:
Como o ato de distanciar-se significa também conferir celebridade a um
acontecimento, é possível, desta forma, apresentar certos
acontecimentos simples como se fossem célebres, como se fossem
universais e conhecidos há muito, e como se nos esforçássemos por não
infringir, em ponto algum, a tradição. Em suma, são possíveis muitas
formas de narração, algumas conhecidas, outras ainda estão por serem
inventadas (Brecht, 1978, p. 129).
Como desdobramento desta pesquisa, entendemos que as reverberações
brechtianas seguem presentes em nossas práticas docentes, e que a análise e o
aprofundamento dessas marcas constituem um horizonte fecundo para os futuros
desenvolvimentos da reflexão apresentada neste trabalho.
Um Aqueles que dizem sim: reflexões brechtianas em práticas docentes de duas professoras e um professor
Bárbara Tavares dos Santos | Bárbara Carneiro Maciel | Heitor Martins Oliveira
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-27, abr. 2025
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Recebido em: 14/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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