1
Entre teatro e política:
A e e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira
Rayla Dias
Para citar este artigo:
MOREIRA, Carina Maria Guimarães; DIAS, Rayla. Entre
teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena
brechtiana. Urdimento Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e112
Este artigo passou pelo Plagiarism Detection Software | iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
2
Entre teatro e política:1 A mãe e a mudança de função na cena brechtiana2
Carina Maria Guimarães Moreira3
Rayla Dias4
Resumo
Este artigo se propõe a analisar o texto dramatúrgico A mãe, de Bertold Brecht, datado de
1931, tendo como referência o conceito de mudança de função desenvolvido pelo próprio
autor. A partir da análise preliminar do texto e do diálogo com o materialismo histórico, foram
identificadas categorias de análise como narratividade, educação e dialética, que permitiram
compreender as estratégias empregadas por Brecht para subverter a função dos elementos
teatrais e apresen-los ao público de forma que a experiência cênica se tornasse útil à luta
política da classe trabalhadora.
Palavras-chave: Brecht. Mudança de função. A mãe. Dialética. Narratividade.
Between theater and politics: The Mother and the change of function in the Brechtian scene
Abstract
This article aims to analyze the dramaturgical text The mother, by Bertolt Brecht, dated 1931,
using as a reference the concept of change of function developed by the author himself.
Based on a preliminary analysis of the text and its dialogue with historical materialism,
categories such as narrativity, education, and dialectics were identified. These categories
allowed for an understanding of the strategies employed by Brecht to subvert the function
of theatrical elements and present them to the audience in a way that made the theatrical
experience useful to the political struggle of the working class.
Keywords: Brecht. Change of function. The mother. Dialectics. Narrativity.
Entre teatro y política: La Madre y el cambio de función en la escena brechtiana
Resumen
Este artículo se propone analizar el texto dramatúrgico La Madre, de Bertolt Brecht, fechado
en 1931, tomando como referencia el concepto de cambio de función desarrollado por el
propio autor. A partir del análisis preliminar del texto y del diálogo con el materialismo
histórico, se identificaron categorías de análisis como narratividad, educación y dialéctica,
que permitieron comprender las estrategias empleadas por Brecht para subvertir la función
de los elementos teatrales y presentarlos al público de manera que la experiencia escénica
se volviera útil para la lucha potica de la clase trabajadora.
Palabras clave: Brecht. Cambio de función. La madre. Dialéctica. Narratividad.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Maria Helena de Oliveira Torres, jornalista, cadastrada
no Serviço de Emprego da DRT sob o número 12.367 em 18 de julho de 1970.
2 O presente artigo articula questões da pesquisa em andamento “Gambiarra Teatral: a socialização dos meios de produção
cênicos nos territórios da Nuestra América”, financiada pelas agências CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (National Council for Scientific and Technological Development) e Fapemig Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Foi também redigido a partir da dissertação desenvolvida por Rayla Dias,
com bolsa Fapemig, na Linha de Pesquisa em Cultura, Política e Memória do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
da Universidade Federal de São João del-Rei.
3 s-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). s-doutorado pela Università di Bologna (Unibo). Pós-doutorado pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutorado e Mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Professora
doutora na graduação e na Pós-graduação em Artes Cênicas na UFSJ. carinaguimaraes@ufsj.edu.br
http://lattes.cnpq.br/9370475068494976 https://orcid.org/0000-0001-9144-2581.
4 Doutoranda em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFSJ). Mestrado em Artes Cênicas pela Universidade
Federal de São João Del Rei (UFSJ). Graduação em Teatro pela UFJS. rayladias19@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3208820327755695 https://orcid.org/0000-0002-0593-0229
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
3
Introdução
No início do século XX as perspectivas artísticas estavam em evidente
transformação. No contexto do teatro moderno, Bertolt Brecht se destacou por,
entre outros aspectos, propor uma transformação ampla e radical na forma
como a experiência teatral se organizava. O teatro épico por ele desenvolvido
desafiava as convenções estabelecidas e inaugurava, naquele momento, um novo
paradigma estético e potico para as artes da cena. Um dos elementos mais
significativos de sua proposta é o conceito que nos propomos discutir neste
trabalho, a mudança de função (
Umfunktionierung
), que, segundo Benjamin (2017,
p. 91), pode ser entendida como a "transformação de formas e instrumentos de
prodão no sentido de uma inteligência mais progressista por essa razão
interessada na libertação dos meios de prodão e atuante na luta de classes".
Em outras palavras, a mudança de função é a busca pelo deslocamento e/ou
subversão dos elementos teatrais no sentido da exposição dos mecanismos
sociais que determinam as formas de produção e reprodução da vida, além da
exposição dos meios de prodão do próprio fenômeno teatral. A mudança de
função se apresenta, nesse sentido, como alternativa que preconiza não o
abastecimento dos aparelhos de prodão burgueses com conteúdos
revolucionários, mas se propõe a transformar de fato esses aparelhos, de forma
que eles se tornem úteis à luta da classe trabalhadora. No teatro, essa premissa
se estabelece a partir de diversos mecanismos que têm como fim transformar o
palco em espaço crítico, útil à formação potica dos espectadores. Com base na
peça
A e
, abordamos neste trabalho alguns desses mecanismos e o modo
como eles se apresentam na dramaturgia do espetáculo.
Datada de 1931, essa peça é uma adaptação de romance homônimo, de
Máximo Gorki (2006), e se localiza em um momento muito específico da trajetória
artística de Brecht. Escrita enquanto o dramaturgo ainda residia na Alemanha,
pouco antes da ascensão do nazismo, mas não é costumeiramente classificada
como peça didática, podendo, antes, ser entendida como obra construída em um
período de transição entre o teatro didático e o teatro dialético (Willett, 1967, p.
148-149). Além disso, a peça em questão trata de um tema absolutamente
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
4
relevante para a história do culo XX: a Revolução Soviética. A escolha por
discutir no palco a história de uma vitória revolucionária real, no momento em
que o nazismo começa a ganhar espaço na sociedade alemã, traz à tona
contornos profundos e complexos de um teatro que pretendia se apresentar
como alternativa artística na luta cultural em prol da perspectiva revolucionária.
Devido, portanto, a sua localização temporal na trajetória artística de Brecht e à
relevância da temática para a luta política daquele momento histórico,
entendemos que
A e
nos oferece pistas significativas sobre a inserção do
conceito de mudança de função na obra de Brecht. Destacamos, a partir da
análise da dramaturgia dessa obra, de que maneira essa categoria se apresenta
na peça em questão.
A família e o papel social da mãe
No contexto do senso comum, é usual observarmos a ideia de família como
um conceito universal, a-histórico e até mesmo sacralizado. A configuração que
se estabelece como hegemônica hoje difere, entretanto, às vezes radicalmente,
de outras que se configuraram ao longo da história. E mesmo no nosso tempo,
diferentes culturas praticam diferentes formas de se relacionar e, portanto,
compreendem a ideia de família de forma diversa também. O capitalismo,
sistema potico-econômico ao qual estamos submetidos, organiza a família
como instituição de extrema importância para a sua manutenção. A família
pelo menos aquela ancorada na lógica liberal burguesa tem como função
primordial conservar e reproduzir as funções sociais de seus membros. Desde a
educação infantil até a moral cristã, toda a lógica civilizatória que nos organiza
hegemonicamente até aqui converge para esse mesmo objetivo. A primeira e
talvez a mais evidente pista sobre a mudança de função tem relação intima com
a instituição familiar e se apresenta no título da obra:
A e
. A peça que aqui
analisamos trata, fundamentalmente, da formação potica e intelectual de uma
mulher proletária. Proletário é, por definição, o sujeito que não tem nada mais do
que a sua prole (seus filhos), causa única de sua utilidade (Dicio, 2021). Por ser
mãe (e mãe proletária), a função social historicamente reservada a Pelagea
Wlassowa, personagem principal da peça, é a de produzir e reproduzir a força de
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
5
trabalho dentro do sistema capitalista. Assim, ela é explorada duplamente: como
mulher e como mãe. Primeiro ela à luz o filho; depois amamentando-o,
cuidando dele, alimentando-o –, ela contribui para a manutenção de sua vida e,
consequentemente, de sua força de trabalho.5
A função social reservada às mulheres proletárias é elemento central dessa
obra, e Brecht trata de nos apresentar essa condição em sua primeira página:
PELAGEA WLASSOWA Quase me envergonha, oferecer esta sopa ao
meu filho. Mas eu não posso pôr mais gordura, nem ao menos meia
colher. na semana passada ele foi descontado em um copeque por
hora de seu salário, e isso com nenhum esforço posso compensar. Ele
precisa de um alimento mais forte, eu sei, seu trabalho é duro. É muito
ruim que eu o possa oferecer uma sopa melhor ao meu único filho; ele
é jovem, agora se faz homem. É tão diferente do pai. o tempo todo
e nunca ligou muito para comida. Agora eno, com esta sopa ainda pior,
não de ficar satisfeito.
Leva para o filho uma marmita com sopa.
Observa como este, sem tirar os olhos do livro, destapa a marmita, cheira
a sopa e volta a tampá-la, afastando-a
. Está cheirando a sopa de novo.
Eu o posso fazer nada melhor. Daqui a pouco ele vai ver em mim um
estorvo em lugar de uma ajuda. Para que divido a sua comida, moro em
sua casa e me visto com o seu salário? Ele vai acabar indo embora. Que
posso eu fazer, Pelagea Wlassowa, viúva de um operário e mãe de um
operário? (Brecht, 1990, p.165).
Nitidamente Pelagea assume como seu trabalho o cuidado e a manutenção
da vida do filho, ainda que não seja por isso remunerada.
O primeiro problema que se apresenta de forma imediata a Pelagea é a falta
de ingredientes para a sopa que ela cozinha para o filho. A personagem se de
mãos atadas, dado que o salário do filhoque a sustenta também – está sendo
constantemente diminuído, o que a impossibilita de oferecer-lhe uma sopa mais
encorpada. Num primeiro momento, seu sentimento em relação a esse problema
é de desespero e desorientação, o que reflete um tipo de entendimento sobre a
realidade que experimenta; entretanto, ao longo da peça, essa compreensão da
realidade vai se modificando à medida que Pelagea se aproxima mais firmemente
da luta política. Nesse sentido, é a própria concretude da vida que apresenta à
protagonista os elementos mais fundamentais para a compreensão da realidade
5 É importante observar que força de trabalho e trabalho são conceitos diferentes. O marxismo entende que,
dentro do capitalismo, a força de trabalho é uma mercadoria como qualquer outra e diz respeito à capacidade
que um trabalhador tem de produzir outras mercadorias a partir de seu trabalho. Dessa forma, o que o
trabalhador vende ao patrão em troca de seu salário é sua força de trabalho, o o seu trabalho.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
6
que ela vivencia, e não para a compreensão, mas também para a
transformação dessa realidade.
A luta política da personagem se inicia o a partir de uma iluminação divina,
de uma lógica moral ou de uma compreensão filosófica, situações apartadas da
concretude da vida; pelo contrário, Pelagea parte para sua primeira tarefa
revolucionária (distribuir aos trabalhadores da fábrica panfletos informativos
sobre a greve geral) com o objetivo único de proteger seu filho, sua prole. Durante
a distribuição, a mãe não sabe nem ao menos sobre o que falam os panfletos,
pois até esse momento Pelagea ainda não sabe ler.
Nesse aspecto, é interessante perceber como Brecht joga com as próprias
dinâmicas sociais que alicerçam a sociedade capitalista e suas instituições. O
ingresso de Pelagea na luta não se a partir da negação de sua função social
(como mãe); na verdade é a reorganização, que contempla um entendimento
radicalizado desse papel social, o mote de sua primeira ação na luta.
É a partir desse primeiro movimento que o lugar de Pelagea começa a ser
reconfigurado: o se trata mais de observarmos qual é o comportamento de
Pelagea diante da luta dos trabalhadores; Brecht nos apresenta, agora, a função
da mãe dentro da luta, como revolucionária e agente ativa da luta pela libertação
do povo trabalhador, que é o seu povo.
A entrada de Pelagea na luta revolucionária tem repercussões objetivas na
sua vida e na vida de seu filho, mas repercussões subjetivas também podem ser
observadas, e Brecht não hesita em nos apresentar tais repercussões. No canto
que Pelagea recita, denominado “Elogio da terceira coisa”, vemos a refundação
da família a partir da terceira coisa”.
ELOGIO DA TERCEIRA COISA
Sempre se ouve, quão depressa
As mães perdem os filhos, mas eu
Preservei o meu. Como o preservei? Através
Da terceira coisa.
Ele e eu éramos dois, mas a terceira
Coisa comum, a causa comum, foi ela
Que nos uniu.
Eu mesma ouvi, às vezes,
Conversas entre filhos e pais.
Mas como eram melhores as nossas conversas
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
7
Sobre a terceira coisa, que nos era comum
Grande e comum para tantos homens!
Que perto nos encontrávamos, perto
Dessa coisa: Que bom era pra nós, essa
Boa coisa perto!
(Brecht, 1990, p. 219)
No início da obra, o relacionamento de Pawel e Pelagea se encontra abalado
pelas dificuldades materiais que impedem à mãe cumprir seu papel”
plenamente, dado que, devido à contínua diminuição do salário dos operários,
faltam os ingredientes necessários para a mãe cozinhar para o filho uma sopa
capaz de dei-lo forte o suficiente. E o filho se afasta, pois não encontra na mãe
uma companheira de fato, alguém que compreenda e apoie a luta que se torna
cada vez mais central em sua vida. A terceira coisa, a luta revolucionária, a
reivindicação e a persistência na construção de uma sociedade nova, ancorada
na justiça social e na igualdade entre os seres humanos, estabeleceu, porém,
entre eles, mãe e filho, um vínculo novo.
Percebemos assim a preocupação de Brecht em demonstrar não as
consequências materiais imediatas e objetivas da ação dos homens e mulheres
sobre a terra para ele, a complexidade da vida não poderia ser respondida
apenas pelas sensações e sentimentos que os seres humanos experimentam ao
longo da vida; entretanto, seria igualmente superficial negar tais sentimentos e
não levar em conta dentro de um teatro de cunho potico as dimensões da
subjetividade, da emoção e das paixões humanas. Tais dimensões, todavia,
devem também ser analisadas a partir de um olhar crítico.
A entrada de Pelagea na luta política reorganiza, de forma processual, mas
definitiva, não apenas seu relacionamento com Pawel, mas toda a lógica familiar
que no início da peça apresenta os papéis sociais da mãe e do filho muito bem
delimitados e rigidamente articulados.
Benjamin (2017) faz uma reflexão interessante a respeito das relações
familiares e mostra que o sistema capitalista é radical, pois assume e promove a
rigidez desses papéis sociais. Essa rigidez de determinações sociais, entretanto,
não poderia ser própria do comunismo, que entende não apenas essas, mas
todas as relações sociais como um processo histórico e, portanto, passíveis de
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
8
modificações conforme a necessidade e a vontade dos seres humanos. De
acordo com o filósofo alemão, o comunismo
Não pretende simplesmente eliminar os laços familiares. Ele apenas
verifica a capacidade de eles se alterarem. Ele se pergunta: a família pode
ser desmontada para que seus componentes recebam outra função
social? Esses componentes, entretanto, são menos os membros do que
as relações sociais entre eles. Está claro que não nenhuma mais
importante do que aquela entre mãe e filho (Benjamin, 2017, p. 39).
Brecht, de fato, mostra esse questionamento a respeito da possibilidade de
alteração das funções sociais dentro da peça. Após o ingresso de Pelagea no
movimento revolucionário, os papéis sociais desempenhados por mãe e filho se
tornam mais flexíveis. Uma cena em especial ilustra esse processo de forma
sensível: quando Pawel, revolucionário e filho de Pelagea Wlassowa, retorna à sua
terra, ele encontra sua mãe junto a seus companheiros revolucionários. Ela, que
antes lhe servia a sopa rala e criticava os trabalhadores que se organizavam na
construção da luta política, tem agora um novo papel:
PAWEL
corta um pedaço de o, enquanto os outros imprimem
As
folhas o ser tiradas pela mãe do revolucionário Pawel Wlassow, a
revolucionária Pelagea Wlassowa. Ela se preocupa com ele? De jeito
nenhum! Ela lhe traz chá? Prepara-lhe um banho? Mata uma vitela? De
jeito nenhum. Fugindo da Sibéria para a Finlândia sob as rajadas glaciais
do vento do norte, com os tiros da guarda nos ouvidos, não encontra
outro lugar onde pousar a sua cabeça senão em uma tipografia
clandestina. E sua mãe, em vez de lhe afagar os cabelos, tira as folhas da
máquina.
PELAGEA WLASSOWA Se quer nos ajudar, venha cá. Andrej te um
lugar.
PAWEL aproxima-se da impressora e toma um lugar em frente à e.
Recitam
PELAGEA WLASSOWAFoi muito ruim para você, não?
PAWEL WLASSOWTudo ia bem até pegar o tifo.
PELAGEA WLASSOWAVocê pelo menos comeu sempre bem?
PAWEL– Até não haver mais coisa alguma, sim.
PELAGEA WLASSOWA Você precisa se cuidar. Vai ficar fora muito
tempo?
PAWEL – Se vocês aqui trabalharem bem, não.
PELAGEA WLASSOWAVocês também vão se empenhar?
PAWEL – Com certeza. E o trabalho é tão importante como aqui
(Brecht, 1990, p. 217-218).
Não nessa cena, mas ao longo da peça, Brecht se propõe a desnaturalizar
essas funções sociais, especialmente a figura da mãe. O autor nos apresenta não
Pelagea de forma individual, mas as mães proletárias de forma coletiva em
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
9
sua potência revolucionária. É interessante notar, nesse sentido, que o primeiro
ato da peça é dedicado às Pelageas” de todo o mundo.
Essa não é a única obra na qual o autor alemão faz uso dessa estratégia de
chamar a atenção do espectador para um sujeito coletivo muito mais do que
para a personagem em suas complexidades individuais; a especificidade desse
texto, entretanto, concentra algo de muito potente, não exatamente pela riqueza
poética do autor, mas principalmente pela riqueza política que a figura social da
mãe carrega.
Ontem e hoje, o trabalho exercido pelas mulheres e mães que geram e criam
seres humanos, embora seja um trabalho invisibilizado na maioria das vezes, é
de extrema importância tanto para a manutenção quanto para a ampliação da
base material que sustenta o sistema político-econômico hegemônico em
nossos dias.
A reflexão que Brecht nos incentiva a elaborar a partir dessa obra vai no
sentido de apresentar outros olhares sobre esse grupo social que, se, por um
lado, é duplamente explorado,6 por outro, carrega em si uma potência material
única de transformação social. Benjamin (2017, p. 39), no início do culo
passado, declara: se as mães forem revolucionadas, nada restará a revolucionar”.
Narratividade
Ainda investigando os elementos que compõem a mudança de função na
peça
A e
, deparamo-nos ao longo da obra com as manifestações narrativas
das quais Brecht se utiliza nessa construção artística. A primeira delas aparece
logo no início da dramaturgia: Pelagea se dirige diretamente ao blico e o faz
conhecedor da angústia e frustração de não poder servir uma sopa melhor a
Pawel, seu filho.
Além de contextualizar o leitor a respeito da problemática inicial da peça e
da cena em questão, a escolha pela narratividade da ação, nesse momento,
6 Pelagea Wlassowa, [...] viúva de trabalhador e mãe de trabalhador”, é duplamente explorada: primeiro como
pertencente à classe trabalhadora; depois como mulher e mãe. Aquela que pariu, duplamente explorada,
representa os explorados em seu mais profundo aviltamento (Benjamin, 2017, p. 39).
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
10
aproxima o blico da personagem; leva-o a perceber não a situação que se
expressa em cena, mas também apresenta o entendimento de Pelagea a respeito
daquela situação o que é fundamental para a compreensão do
amadurecimento da personagem no decorrer da trama.
Esse amadurecimento é também expresso ao longo da peça pelas próprias
reflexões de Pelagea e de seus companheiros de luta que, no entanto, são
práticas e se constituem em ação política na realidade; não são meros discursos
internos, mas transformações reais que se desencadeiam a partir da
materialidade da vida. Tais reflexões são apresentadas a partir de duas
perspectivas que se complementam: as situações concretas vividas pela
personagem e as canções que ela canta em seus momentos de dor ou de espera.
As músicas evidenciam as reflexões de Pelagea de forma muito sensível,
revelam sua trajetória ao longo da peça e a aproximam do público. Pelas canções
ela aprende e ensina. Depois de participar de uma manifestação dos
trabalhadores e presenciar a violência policial empregada contra operários que
reivindicavam pacificamente o fim dos cortes de salários, percebe que a luta do
povo trabalhador é boa e justa. Ao ouvir de uma mulher do povo que o
comunismo é um crime, Pelagea Wlassowa intervém com uma canção que
defende o regime:
Elogio do comunismo
Ele é razoável, todos o compreendem. Ele é simples.
Você, por certo, não é nenhum explorador. Você pode entendê-lo.
Ele é bom para você. Informe-se sobre ele.
Os idiotas dizem-no idiota e os porcos dizem-no porco.
Ele é contra a sujeira e contra a estupidez
Os exploradores dizem-no um crime
Mas nós sabemos
Que ele é o fim dos crimes
Ele não é uma loucura e sim
O fim da loucura
Não é o caos e sim
Uma nova ordem.
Ele é a simplicidade
O difícil de dizer
(Brecht, 1990, p. 192).
Por se alicerçar em um método materialista e dialético, Brecht o opta pela
alternativa corrente de estabelecer um herói ou heroína que conduz ou orienta
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
11
as ações de um dado grupo de personagens a partir de sua genialidade, de sua
generosidade ou de sua força, direcionamento a partir do qual a situação
concreta é alterada. O que se apresenta em
A e
é exatamente o oposto dessa
dinâmica. Pelagea é a personagem central da peça, mas não é uma heroína
comum que o tom e a direção da ação; é, antes de tudo, produto de seu
tempo, e suas reflexões são reflexo das ações que a luta dos trabalhadores
constrói.
Seus pensamentos, transformações e reflexões são também revelados a
partir da narrativa ela canta cada descoberta, cada dor e cada vida. As
canções são uma forma de organizar suas reflexões, que se deram na prática.
Dessa forma, Brecht mostra a oposição entre teoria e prática, mas de forma a
evidenciar seu caráter dialético, a partir do diálogo constante entre a reflexão
cantada e as situações concretas experienciadas por Pelagea. Benjamin (2017, p.
40) declara:
É da natureza do teatro épico que a oposição o dialética entre forma e
conteúdo da consciência (que faz com que a personagem dramática
possa se referir a sua ação por meio de reflexões) seja substituída pela
oposição dialética entre teoria e prática (que faz com que a ação, em
seus pontos de ruptura, permita vislumbrar a teoria). Por essa razão o
teatro épico é o teatro do hei surrado. O herói o surrado não se
transforma em pensador: eis a reescrita possível, pelo dramaturgo, de
uma máxima pedagógica dos antigos épicos.
Brecht retoma a narratividade no final de sua peça; esse fim é conduzido
também por uma fala de Pelagea dirigida ao público. Nesse momento, a
personagem não apresenta nem a situação dramática, nem seus sentimentos e
frustrações como o fez no início da peça; transformou-se a personagem ao
longo da trama, bem como sua narrativa. O que nos é oferecido na fala final da
obra é uma perspectiva de ação sobre o mundo, um discurso de mobilização; é
ao mesmo tempo questionamento e chamamento. Não se trata, entretanto, de
forma alguma de um manual ou uma diretriz normativa, mas, na verdade, nada
mais do que uma narrativa pautada no aconselhamento, tal como observa
Benjamin (1987, p. 200): Aconselhar é menos responder uma pergunta que fazer
uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada”.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
12
Brecht, a partir da fala de Pelagea, delega ao leitor a função de continuar a história
que ele conta em A mãe.
Educação
De todas as contribuições que essa obra traz, tanto do ponto de vista artístico
quanto do político, o processo de formação de Pelagea ao longo da trama talvez
seja a movimentação mais importante e mais atual.
De acordo com a perspectiva marxista, educação é concepção bastante
ampliada e que não se restringe ao universo escolar/institucional, mas se refere
à própria construção do ser humano enquanto tal. Manacorda (2017, p. 82)
discorre a respeito:
O homem o nasce homem: isto o sabem hoje tanto a filosofia quanto
a psicologia. Grande parte do que transforma o homem em homem
forma-se durante a sua vida, ou melhor, durante o seu longo treinamento
por tornar-se ele mesmo, em que se acumulam sensações, experiências
e noções, formam-se habilidades, constroem-se estruturas biológicas
nervosas e muscularesnão dadas a
priori
pela natureza, mas fruto do
exercício que se desenvolve nas relações sociais, graças às quais o
homem chega a executar atos, tanto humanos quanto não naturais”,
como o falar e o trabalhar segundo um plano e um objetivo. Ou talvez o
homem nasça homem, mas apenas enquanto possibilidade, que, para se
atualizar, requer, sem dúvida, uma aprendizagem num contexto social
adequado.
Entendemos que o percurso formativo apresentado por Brecht nessa peça
se vincula a essa perspectiva ampliada de educação. Nesse sentido, antes de
ingressar especificamente na análise do texto, é importante evidenciar que, de
acordo com nosso entendimento, toda a trajetória de formação da personagem
é apresentada a partir de uma perspectiva materialista da realidade.
Isso significa dizer que a compreensão primeira de Pelagea sobre as situações
expostas é imediata, caótica e não estabelece as mediações necessárias para um
entendimento mais aprofundado das causas e das consequências de tais
situações. Ao longo da peça, entretanto, a personagem começa a ter contato com
uma realidade material e uma apropriação intelectual e cultural que lhe foi
negada a então, fosse pelo medo da repressão institucional (no caso da luta
política organizada), fosse pelo não oferecimento de uma educação de qualidade
e historicamente referenciada por parte do Estado aos trabalhadores (o processo
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
13
de alfabetização de Pelagea se dentro da luta política e com ela se relaciona
profundamente). O contato com essas duas dimensões da vida humana, aliado a
um tempo histórico de ebulição popular, transforma de forma ineqvoca as
compreensões de Pelagea a respeito de quase tudo, incluído seu entendimento
do próprio processo formativo, da educação da classe trabalhadora.
Numa canção Brecht nos informa sobre a grandeza desse movimento:
Elogio da aprendizagem
Cantado pelos operários estudantes
Aprende o simples, para quem
é chegada a hora
Nunca é tarde demais!
Aprende o ABC, não basta, mas
Aprende! Não desanime
Começa! Você tem de saber tudo!
Você tem de assumir o poder.
Aprende, homem no asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenário!
Você tem de assumir o poder.
Procura a escola, desabrigado!
Procura o saber, se tens frio!
Faminto, agarra o livro: é sua arma.
Você tem de assumir o poder.
Não tema a pergunta, camarada!
Não se deixe convencer
Veja com seus olhos!
O que você mesmo não
Você não sabe.
Verifique a conta.
Você terá que pagá-la.
Coloque o dedo em cada parcela
E pergunte: como apareceu?
Você tem de assumir o poder
(Brecht, 1990, p. 197).
Dessa forma, o que Brecht apresenta nesse processo formativo é um
movimento que sai da realidade imediata, da pseudoconcreticidade, passa pelas
mediações e apropriações que se desenvolvem na práxis7 e retorna à realidade,
agora com condições de analisá-la de forma mais organizada e aprofundada,
chegando à concreticidade, de fato.
7 A palavra práxis corresponde à relação dialética entre a teoria e a prática. De forma sucinta a práxis diz respeito
à teoria que informa e se atualiza pela prática e à prática que se orienta pela teoria.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
14
Deus
A percepção da mãe a respeito da interveão divina na realidade também
toma rumos bastante diferentes, se compararmos o início e o fim da obra. No
começo da peça, os operários revolucionários trabalham na organização de uma
greve pela não redução de seus salários. Seu objetivo de montar uma grande
manifestação unificada no dia 1o de maio, Dia do Trabalhador. Pelagea recém-
ingressada na luta e ainda sem entender completamente os sentidos, os desafios
e as possibilidades dessas movimentações apoia a manifestação com
ressalvas: ainda com olhar idealista, acredita que em uma manifestação não
violenta dos trabalhadores a polícia não interviria e as reivindicações dos
operários seriam ouvidas. O trecho a seguir evidencia esse olhar de Pelagea:
IWAN Isso é o que vamos fazer, sra. Wlassowa. No dia 1o de maio, dia
internacional da luta dos trabalhadores, em que todas as fábricas de Twer
se manifestam pela causa operária, levaremos cartazes convidando todas
as fábricas a aderirem à nossa luta pelo copeque.
PELAGEA WLASSOWA Se vocês marcharem ordeiramente pelas ruas,
apenas com cartazes, ningm poderá censurá-los.
ANDREJNós não acreditamos que o sr. Suchlinow permitir.
PELAGEA WLASSOWAMas ele tem que permitir.
IWAN – A polícia com certeza irá impedir a manifestação.
PELAGEA WLASSOWA Mas o que tem a polícia a ver com esse
Suchlinow? A polícia está acima de nós, mas também está acima destes
senhores Suchlinow.
PAWEL Vo acredita, e, que a polícia não irá interromper uma
manifestação pacífica?
PELAGEA WLASSOWA Acredito. Não se trata de violência. Nunca
estaremos de acordo com violência.
Vo sabe que um Deus no céu
em quem eu acredito. Eu o quero saber de violência. Durante quarenta
anos eu aprendi que nada se pode fazer contra ela. Mas quando eu
morrer, quero pelo menos nunca ter recorrido à violência
(Brecht, 1990, p. 186, grifos nossos).
É importante enfatizar que Pelagea nesse momento ainda parte de um
entendimento idealista a respeito do Estado (e da polícia que a ele se vincula).
Segundo sua compreensão, as forças policiais são uma instituição independente,
que não toma partido nos conflitos de classe nem trabalha em prol dos
interesses das classes em luta o que se prova falso não durante o próprio
desenrolar da peça, mas ainda em nossa perceão na atualidade.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
15
No tempo da peça, a polícia é truculenta, cruel e se utiliza do monopólio da
força para invalidar as lutas e a organização dos trabalhadores; além disso, as
forças de segurança que, idealmente, deveriam proteger a população trabalham
constantemente no sentido de assegurar a manutenção da exploração dos
operários e dispersar todas as iniciativas revolucionárias por eles organizadas. Há,
ainda, na fala de Pelagea, uma lógica de aversão à violência, típica do senso
comum e que acreditamos ser necessário observar melhor.
Mesmo depois de ter sua casa invadida, seus móveis destruídos e suas coisas
quebradas por policiais à procura de qualquer movimentação subversiva”,
Pelagea acredita ser plausível supor que a polícia não interferiria numa ação
pacífica de trabalhadores; ela presume que a não interferência da polícia vai se
dar exatamente pelo caráter pacífico da manifestação. Sua esperança, seu
respeito e seu apoio ao ato se baseiam exatamente na pacificidade. Pelagea, até
então, se mostra profundamente contrária à violência de forma abstrata.
A confiança na independência da instituição policial; o elogio da pacificidade
mesmo em meio ao caos, ao medo do desemprego e da fome; a aversão à
violência de maneira abstrata e indefinida, todos esses elementos que compõem
a compreensão idealista de Pelagea sobre o Estado burguês se encontram na
confiança que a mãe deposita em Deus. É à justiça divina que ela recorre
primeiramente.
Seus companheiros de luta e até mesmo seu filho não guardam
compreensão igual à de Pelagea. Durante a manifestação, Smilgin, um dos
operários revolucionários, que segura a bandeira e de forma pacífica se manifesta,
é assassinado pela pocia. A violência surge, novamente, pelas mãos da polícia.
Nesse momento, Pelagea se reconhece na luta e, em alguma medida, reconhece
a complexidade dessa luta. Sua compreensão muda radicalmente a partir de
então.
Essa mudança se verifica ao longo da peça e especialmente em um diálogo
entre Pelagea e três outras senhoras logo após a morte de seu filho, Pawel
Wlassow, assassinado pelos soldados do Tzar enquanto tentava atravessar a
fronteira. Levando uma blia e uma sopa, as três mulheres vão ao quarto de
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
16
Pelagea para lhe prestar condolências. Travam então um diálogo em que a mãe
demonstra sua compreensão da realidade, compreensão essa modificada em
relação à que demonstra no início da peça.
As visitantes tentam confortá-la, primeiramente alegando que a morte de
Pawel se devia à soberana e perfeita vontade de Deus observação com que
Pelagea não concorda. Ela então silencia. Logo depois, uma das mulheres (a
senhoria, que tem posses) lhe oferece a Bíblia como leitura reconfortante; a mais
pobre das três lhe oferece uma sopa para que ela não precise se preocupar em
cozinhar nesse momento. A mãe recusa a bíblia e aceita a sopa.
Incomodada com o comportamento de Pelagea, a senhoria a repreende:
A SENHORIA Sra. Wlassowa, o homem necessita de Deus. Ele é
importante contra o destino.
PELAGEA WLASSOWA Nós costumamos dizer: o destino do homem é
o homem.
A SOBRINHAQuerida sra. Wlassowa, nós do campo...
A senhoria aponta para a sobrinha A minha sobrinha está aqui apenas
de visita.
A SOBRINHA Nós do campo pensamos de maneira diferente. Aqui a
senhora não tem a semente na terra, mas o pão no cesto. apenas o
leite, não a vaca. Não passam a noite sem dormir quando a trovoada
percorre o céu, e para a senhora o que é o granizo?
PELAGEA WLASSOWA Eu compreendo, e nessas situações rezam a
Deus?
A SOBRINHASim.
PELAGEA WLASSOWA E depois vem a trovoada e o granizo. E a vaca
também adoece. Ainda não para as suas bandas, nenhum camponês
que esteja seguro contra as más colheitas e contra a peste do gado? O
seguro ajuda quando as rezas o adiantaram. Portanto vocês não
precisam mais rezar a Deus quando a trovoada correr o céu, vocês
precisam estar segurados. Isso os ajudará. Se Deus é o pouco
importante, pior para ele. Ainda resta a esperança de que, depois de
desaparecer dos campos, desapareça também de suas cabeças. Na
minha juventude as pessoas ainda acreditavam piamente que ele fosse
um velho que habitava em algum lugar do céu. Depois apareceram os
aviões e nos jornais colocaram que no céu tudo podia ser medido.
Ninguém mais falou de um Deus que habitava no céu. Em compensação
agora se ouvia a opinião de que Deus era como um gás que não estava
em parte alguma e, no entanto, estava em todas as partes. Mas ao ler a
composição dos gases, o constava Deus, e nem como ar pode manter-
se, pois o ar se conhecia. Assim ele foi sempre se rarefazendo, e por
assim dizer como que se volatizou. Agora -se, de vez em quando, que
ele nada mais é que uma concepção espiritual, e isso é ainda bastante
suspeito.
A MULHER POBRE Então a senhora acha que ele não é mais tão
importante, que a gente nem nota?
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
17
A SENHORIA Não se esqua nunca sra Wlassowa, porque Deus levou
seu Pawel.
PELAGEA WLASSOWA O Tzar o levou e não esquecerei nunca o porquê
(Brecht, 1990, p. 224).
Essa cena ilustra a transformação na perceão da realidade por parte de
Pelagea. Sua esperança e seu consolo não vêm de crenças espirituais, de
observações morais ou de qualquer conteúdo ou dimensão que se aparte da
realidade concreta. É na materialidade, a partir da razão que a personagem opera
e elabora sua dor, uma dor que, ao longo da peça percebemos, não é apenas
sentimento, mas também ação de transformação na realidade.
A forma como Pelagea experimenta tanto seu amor quanto sua e sua dor
nos remete à discussão de Brecht (1999, p. 38) a respeito da manipulação dos
sentimentos no palco:
Queríamos mobilizar também aqui todos os pressentimentos,
expectativas, simpatias com que encaramos as pessoas na realidade. Não
devem ver-se figuras que o apenas os autores de seus actos, quer dizer
que possibilitem à justa as suas estradas em cena, mas sim homens:
matérias-primas em transformação, por formar e por definir ainda,
capazes de surpreender. perante figuras destas se praticará um
pensar verdadeiro, quer dizer um pensar interessado, induzido e
conduzido por emoções, um pensar que passa por todas as fases da
consciência, clareza e efectividade.
Ou seja, o que o dramaturgo alemão defende, tanto em sua obra teórica
quanto na peça que analisamos aqui, é que a crítica que um teatro político deve
promover tem que passar, necessariamente, pelas dimensões sensíveis do ser
humano.
Luta proletária
A impressão de Pelagea sobre a luta política dos trabalhadores também
muda radicalmente ao longo da peça e segue o caminho comentado: parte da
realidade superficial, apreende na luta as noções mais profundas que
compreendem aquele universo e volta à realidade, observando-a de forma
organizada, levando em conta as diversas dimensões que a compõem.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
18
No início da peça, Pelagea não teme por seu filho, como cultivava um certo
preconceito contra os trabalhadores que se organizam politicamente para
reivindicar pautas e direitos coletivos:
PELAGEA WLASSOWA
à parte
Não gosto de ver meu filho na companhia
desta gente. Eles vão acabar prejudicando-o. Ficam enchendo a cabeça
do rapaz e em alguma vão metê-lo. Não vou servir chá nenhum pra essa
gente (Brecht, 1990, p. 168).
Pelagea não conhece o movimento revolucionário de fato e se orienta pelo
senso comum que julga os revolucionários inimigos da sociedade, sujeitos
baderneiros e influência”. Por medo de que seu filho seja preso ou demitido,
ela desaprova seu relacionamento com os trabalhadores revolucionários. À
medida, porém, que ela se aproxima da luta revolucionária e começa a entender
os propósitos daquela movimentação, sua compreensão se transforma: ela
começa a se enxergar como parte daquela comunidade, além de perceber que
as reivindicações dos trabalhadores são justas, legítimas. Quanto mais ela
entende, mais ela quer entender. Quanto mais próxima ela fica da luta, mais
íntima vai se tornando sua relação com os trabalhadores. Quanto mais respeito
ela dedica à iniciativa revolucionária, mais respeitada ela se torna dentro do
partido. É nesse caminho de tropeços e descobertas que Pelagea Wlassowa vai
se tornando uma revolucionária.
Seu entendimento sobre as pautas revolucionárias vai se intensificando, e o
espaço que a luta política ocupa em sua vida vai tomando dimensões antes
inimagináveis. Um marco nessa trajetória que evidencia o caminho percorrido por
Pelagea é mais uma canção, essa intitulada “Elogio do revolucionário”. A mãe, que
antes carregava consigo o preconceito e o medo frente ao envolvimento de sua
prole no movimento político radical, hoje se orgulha de seu filho e da sua luta em
prol da revolução:
Elogio do revolucionário
Alguns são demais.
Se estão longe, é melhor
Mas se ele não está faz falta
Quando a pressão aumenta
Muitos se acovardam
Nele cresce a coragem.
Ele organiza-lhes a luta
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
19
Por mais um tostão, pela água do chá
E pelo poder do Estado.
Ele pergunta ao capital:
De onde você vem?
Às ideias indaga:
A quem estão servindo?
Onde sempre se calam
Ali ele falará
Onde a repressão aumenta e por destino
É chamada
Ele chamará repressão.
Onde se senta à mesa
se senta a insatisfação.
A comida se torna pior
E pequeno o espaço.
Aonde o perseguem, ali
Chega a revolta e de onde o expulsam
Resta sempre a inquietação
(Brecht, 1990, p.198-199).
A luta pela libertação dos trabalhadores se torna central na vida de Pelagea,
pois ela descobre que sem essa vitória nenhuma conquista será permanente.
Depois de compreender isso, Pelagea entende que é necessário construir a paz
entre os trabalhadores, mas é também fundamental declarar guerra aos
senhores.
É importante observar que o que se passa com Pelagea é de fato um
processo formativo, uma vez que ela vai progressivamente deixando o senso
comum e caminha em direção a uma compreensão crítica da realidade que ela
experimenta. Esse processo não se de forma imediata; Brecht vai
desenvolvendo esse movimento ao longo de toda peça. O fim da obra não
coincide com o fim de processo formativo de Pelagea: a peça se encerra, mas a
construção política individual e coletiva que ali é apresentada não.
Esse processo de formação tem duas dimensões muito bem demarcadas ao
longo da obra. A primeira e mais evidente é o próprio ingresso de Wlassowa na
luta política; seu contato próximo com as dificuldades, as esperanças e as lutas
construídas e vivenciadas pelos trabalhadores revolucionários certamente o
fundamentais para a transformação de sua compreensão a respeito do mundo e
das relações sociais que a cercam.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
20
Mas ainda uma outra dimensão que é também extremamente relevante
na sua trajetória: Pelagea é alfabetizada. O contato de uma mulher trabalhadora
na idade adulta, mãe, com o conhecimento que foi historicamente
construído pela humanidade é algo de crucial importância na construção política
e revolucionária. Mais do que um ideal abstrato, a possibilidade de ler e apreender
histórias, experiências e conhecimentos à classe trabalhadora representada
na peça também por Pelagea o poder de criticar tudo a sua volta e,
consequentemente, de contribuir na construção de uma nova forma de
sociabilidade.
Estamos diante, portanto, de mais um elemento fundamental para a
estratégia política e pedagógica utilizada na peça. A trajetória da personagem
Pelagea Wlassowa convida o leitor a observar não a realidade social e histórica
ali desenhada, mas também o incentiva a investigar o processo que possibilita a
apreensão dessa realidade. A mudança de função está também, nesse
caminho de constante e incansável apreensão das diversas camadas que
compõem a realidade social e histórica que nos rodeia. Para Brecht, a
transformação do mundo passa necessariamente por sua correta e profunda
compreensão – e a peça confirma essa preocupação.
Dialética
A dialética é conceito central para o marxismo e talvez para a modernidade
como um todo. Desde que Hegel constituiu um sistema que leva em conta não
uma posição (tese) ou outra (antese), mas também a relação entre essas
posições e o produto dessa relação (síntese), a forma como se pensa e se produz
conhecimento foi alterada significativamente.
Marx incorpora essa ideia ao próprio pensamento, mas propõe uma
modificação fundamental. Ele compreende que não são as ideias que produzem
a realidade ou a si mesmas, mas, ao contrário, é a materialidade a dimensão
primária e fundadora da vida; a teoria não faz mais do que transporde forma
mais ou menos organizada para o campo do pensamento a realidade que se
manifesta na materialidade primeiramente.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
21
É dessa compreensão que Marx parte para elaborar seu trabalho máximo,
construindo nesse processo um método de compreensão que se vincula
especificamente a seu objeto de estudo não por acaso denominado
materialismo histórico-dialético. A concepção de Marx é materialista, o que quer
dizer que sua análise parte da realidade e a ela retorna. É histórica porque
entende que a compreensão do mundo atual pressupõe o conhecimento dos
fatos e das circunstâncias anteriores; circunstâncias essas significativamente
interferentes na realidade a ser experimentada no futuro. E, por fim, sua
concepção é dialética porque se orienta a partir de perspectivas múltiplas que
compõem uma certa totalidade. Dessa forma, a dialética, dentro de uma
perspectiva marxista, é o que nos possibilita observa e tentar apreender mais o
movimento social e histórico do que a verdade” como noção abstrata, estática
e universal. Brecht se utiliza da dialética nesse sentido.
Ele não es comprometido com a inovação acima de tudo, e seu teatro
como adverte está ancorado em perspectivas teatrais antigas e amplamente
utilizadas (Brecht, 1978).8 A forma como Brecht organiza e modifica os elementos
teatrais em prol de uma encenação crítica, entretanto, carrega consigo a novidade
que seu tempo histórico também apresenta. O teatro brechtiano e, talvez
especialmente, a peça
A e
se desenham a partir de uma nova gica teatral:
uma lógica dialética.
Se pensarmos, por exemplo, em William Shakespeare, importante
representante do teatro ocidental, observaremos que a lógica formal estrutura a
perspectiva teatral construída por esse autor. Em um dos monólogos mais
famosos da história do teatro, Hamlet se questiona: Ser ou não ser? eis a
questão” (Shakespeare, 2000, p. 81).
Do ponto de vista da apreensão histórica, faz sentido sinalizar que
Shakespeare produz sua obra entre o final do século XVI e o início do XVII,
momento imediatamente anterior à ascensão definitiva do liberalismo na Europa.
Visando a uma noção temporal, John Locke, que ficou conhecido como pai do
8 No que respeita ao estilo, o teatro épico nada apresenta de especialmente novo. Assemelha-se ao antiquíssimo
teatro asiático, pelo seu caráter de exposição e pelo realce dado ao aspecto artístico. E os mistérios
medievais, o teatro clássico espanhol e o teatro jesuíta evidenciavam tendências didáticas.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
22
liberalismo”, nasceu em 1632. As movimentações políticas e econômicas que
organizavam as dinâmicas europeias, especialmente a inglesa, determinaram em
grande medida a produção artística daquela época. Isso demonstra que o teatro
produzido e pensado por Shakespeare respondia a seu tempo.
Da mesma forma, as dinâmicas políticas e sociais que envolviam a Europa
nos inícios do século XX são absolutamente fundamentais para o caminho
artístico que Brecht e os outros dramaturgos de seu tempo percorreram.
Nesse sentido, a frase e a peça de Shakespeare se tornam referência no que
diz respeito à arte dramática, atravessam o culo XVII, o teatro elisabetano e
seguem na modernidade oferecendo ao leitor e ao espectador a lógica formal
como perspectiva de compreensão da realidade, ainda que os dilemas evocados
pela obra proponham reflexões muito profundas.
A peça
A e
, seus diálogos e suas canções oferecem ao leitor e ao
espectador uma perspectiva diametralmente oposta, o que é possível observar,
por exemplo, na canção que os trabalhadores da fábrica cantam para Pelagea
Wlassowa quando seu filho, Pawel Wlassow, é assassinado pelos soldados do
Tzar, na tentativa de atravessar a fronteira entre a Rússia e a Finlândia:
Coro
Cantado pelos trabalhadores revolucionários a Pelagea Wlassowa
Camarada Wlassowa, seu filho
Foi fuzilado. Mas
Ao dirigir-se ao paredão de fuzilamento
Era a um paredão feito por seus iguais que se dirigia.
E as armas que lhe apontavam o peito e as balas
Eram feitas por seus iguais. tinham partido
Ou sido expulsos, mas para ele ali permaneciam
Na obra de suas mãos. Nem sequer
Os que sobre ele atiraram eram diferentes ou eternamente
Irrecuperáveis
Além disso, acorrentavam-no cadeias
Forjadas por camaradas para acorrentar os camaradas.
As fábricas se adensavam, ele via pelo caminho,
Chaminés e chaminés, e como era man
Pois costumavam le-los sempre de man
Estavam vazias, mas ele as via repletas
Com aquela multidão, que sempre crescera
E ainda crescia.
Mas agora seus iguais o levavam ao paredão
E ele, que entendia, também o entendia
(Brecht, 1990, p. 220, grifo nossos).
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
23
Essa passagem diz muito sobre a obra de Brecht; a compreensão de que a
realidade se estabelece a partir de camadas, de diversos pontos de vista, é um
dos elementos fundamentais da peça que estamos analisando. É importante
observar que Brecht não caminha no sentido vulgar de apresentar como falsas
as primeiras compreensões de Pelagea sobre Deus, sobre a família, sobre a
polícia e sobre os patrões; isso porque ele compreende que a realidade não é e
não poderia ser apreendida de forma total e profunda apenas pela experiência
imediata dos sujeitos.
Nesse trecho da peça, no qual os trabalhadores contam a Pelagea sobre a
morte de seu filho Pawel, o que fica evidente é que, na concepção de Brecht, a
contradição não é um erro ou uma exceção, ela é o próprio movimento da
história. Pawel, que lutava por si, pelos seus companheiros de fábrica e também
por todos os trabalhadores do mundo (incluídos os que o fuzilavam naquele
momento), não é pintado como um herói redentor nem como uma figura cujo
sofrimento nos inspire as mais profundas emoções; muito menos como um
homem perfeito e infalível. Brecht faz questão de mostrar as vidas, as
hesitações interiores de Pawel, e nos apresenta, a partir desse personagem, as
contradições que alicerçam a própria realidade:
Pawel entendia, mas também
o entendia
.
Em outro momento de grande importância da peça (quando Pelagea dialoga
com a senhoria a respeito da morte de seu filho), essa dimensão da dialética
também fica evidente. A senhoria se incomoda com o comportamento de
Wlassowa, pois acredita que o sofrimento causado pela morte de seu filho a faria
mudar de opinião em relação à luta da classe trabalhadora e à fé, no que,
entretanto, ela não poderia estar mais enganada:
A SENHORIA – E agora por acaso não mudou de opinião?
PELAGEA WLASSOWA Não, Wera Stepanowna.
A SENHORIA Então continua convencida de que o homem com a
razão, pode fazer tudo?
A MULHER POBRE Eu bem lhe disse, Wera Stepanowna, que a sra.
Wlassowa, com certeza, não ia mudar de opinião.
A SENHORIA Mas eu ouvi durante a noite, do outro lado da parede,
como a senhora tem se lamentado.
PELAGEA WLASSOWADesculpe.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
24
A SENHORIA A senhora o precisa se desculpar, não falei com essa
intenção. Mas diga: foi a razão que a fez chorar?
PELAGEA WLASSOWANão.
A SENHORIA Então a senhora pode ver até onde se pode ir com a razão.
PELAGEA WLASSOWA Não foi a razão que me fez chorar. Mas quando
eu parei de chorar foi a razão que me fez parar. Porque a razão estava
com Pawel. Foi bom o que Pawel fez.
A SENHORIAEntão por que ele foi fuzilado?
A MULHER POBRE – Estavam todos contra ele?
PELAGEA WLASSOWA Sim, mas todos que estavam contra ele estavam
também contra si próprios (Brecht, 1990, p. 223, grifos nossos).
É importante perceber que Brecht apresenta, por intermédio da personagem
Pelagea, uma compreensão da realidade que não está mais deturpada nem pelas
emoções puramente, nem pela entrega ao senso comum. Nem a dor, nem o
desamparo conduzem Pelagea a um entendimento superficial de sua tarefa
como revolucionária e das vitórias e derrotas de sua classe como um todo.
Quando ela diz que todos que estavam contra Pawel estavam também contra
si próprios, Pelagea direciona sua dor para alvo mais distante, porém, mais
assertivo. A complexidade que a personagem da mãe adiciona ao debate é
fundamental, pois apresenta ao leitor um ensinamento fulcral para a construção
de qualquer luta política: sem a análise correta da situação concreta, nenhuma
ação revolucionária é efetiva.
Nesse sentido, a trajetória da protagonista em seu caminho de formação
político-intelectual, que envolve a discussão, a flexibilização e a consequente
desnaturalização das funções sociais reservadas à mãe e ao filho, somada à
utilização da dialética como lógica organizadora da compreensão da realidade
dos personagens, é pista que podemos seguir para observar o processo pelo qual
Brecht nos apresenta a mudança de função. Todas essas estratégias são formas
de destacar e ensinar sobre a própria forma e técnica que Brecht utiliza em sua
prodão artística, o que provoca a mudança de função.
Referências
BENJAMIN, Walter [1934].
Ensaios sobre Brecht
. São Paulo: Boitempo, 2017.
BENJAMIN, Walter.
Magia e Técnica, arte e política
: Ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Entre teatro e política: A mãe e a mudança de função na cena brechtiana
Carina Maria Guimarães Moreira | Rayla Dias
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2025
25
BRECHT, Bertolt.
A compra do latão.
Lisboa: Vega, 1999.
BRECHT, Bertolt.
Teatro completo
. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1990. 4v.
BRECHT, Bertold.
Estudos sobre teatro
. Rio de Janeiro: Nova Fronteiro, 1978.
DICIO.
Dicionário Online de Portugs
. Porto: 7Graus, 2021. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/proletario/. Acesso em: 28 dez. 2020.
GORKI, Máximo.
A e
. São Paulo: Editora 34, 2006.
MANACORDA, Maria Alighiero.
Marx e a pedagogia modern
a. São Paulo: Alínea
Editora, 2017.
SHAKESPEARE, William.
A trágica história de Hamlet, príncipe da Dinamarca
(1603). [s.l.]: Ridendo Castigat Mores, 2000.
WILLETT, John.
O teatro de Bertolt Brecht
: um estudo a partir de oito aspectos.
Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
Recebido em: 14/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes CênicasPPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br