1
Brecht e a experiência da incongruência
construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira
Stephan Arnulf Baumgärtel
Para citar este artigo:
CARREIRA, André Luiz Antunes Netto; BAUMGÄRTEL,
Stephan Arnulf. Brecht e a experiência da
incongruência construtiva: dizer sim, dizer não.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e109
Este artigo passou pelo Plagiarism Detection Software | iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
2
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não1
André Luiz Antunes Netto Carreira2
Stephan Arnulf Baumgärtel3
Resumo
Neste artigo, propomos um olhar sobre Bertolt Brecht como referência central na conformação de
nosso imaginário de um teatro político e de uma pedagogia engajada; discutindo a dimensão reificada
ou mitificada dessa figura; sugerimos como linhas de fuga leituras das experiências brechtianas com
o teatro político das vanguardas russas, assim como das reflexões e críticas de Heiner Müller à peça
de aprendizagem. O reconhecimento de um Brecht mais subversivo que revolucionário não diminui a
importância do mito Brecht como uma ideia-força que impulso a diversos processos políticos de
criação cênica, mas a situa fora da função de ser modelo de uma esperança forçosamente positiva.
Palavras-chave: Teatro político. Vanguardas russas. Poéticas menores. Peças de aprendizagem.
Pedagogia.
Brecht and the experience of constructive incongruity: saying yes, saying no
Abstract
This article proposes a revision at Bertolt Brecht as a central reference in the conformation of our
imaginary of a political theater and an engaged pedagogy. Starting from a discussion of the reified or
mystified dimension of this figure, it proposes as lines of flight readings of Brechtian experiences with
the political theater of the Russian avant-garde, as well as of Heiner Müller's reflections and criticisms
of the learning play. The recognition of a Brecht who is more subversive than revolutionary does not
diminish the importance of the Brecht myth as an idea-force that gives impetus to various political
processes of scenic creation, but rather places it outside the function of being a model of a
necessarily positive hope.
Keywords: Political theatre. Russian vanguards. Minor poetics. Learning plays. Theatrical pedagogies.
Brecht y la experiencia de la incongruencia constructiva: decir si, decir no
Resumen
Este artículo propone una mirada sobre Bertolt Brecht como referencia central en la conformación
de nuestro imaginario de un teatro político y de una pedagogía comprometida. Discutiendo la
dimensión reificada o mitificada de esa figura, propone como líneas de fuga lecturas de las
experiencias brechtianas con el teatro político de las vanguardias rusas, así como de las reflexiones y
críticas de Heiner Müller a la obra de aprendizaje. El reconocimiento de un Brecht más subversivo
que revolucionario no disminuye la importancia del mito Brecht como una idea-fuerza que da
impulso a diversos procesos políticos de creación escénica, pero la sitúa fuera de la función de ser
modelo de una esperanza forzadamente positiva.
Palabras clave: Teatro político. Vanguardias rusas. Poéticas menores. Piezas de aprendizaje.
Pedagogía.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Janete Gheller. Graduação em Letras-
Português pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Caxias do Sul.
ghellerjanete@hotmail.com
2 Pós-doutorado na Universidade de Évora (EU), Portugal. Pós-doutorado Consejo Superior de
Investigaciones Científicas, Espanha (CSIC). Pós-doutorado em New York University (NYU), Estados Unidos.
Doutorado em Teatro pela Universidad de Buenos Aires (UBA), Argentina. Graduação em Licenciatura em
Educação Artística pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador 1A Produtividade Pesquisa CNPq.
Professor titular da graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) em Artes Cênicas da Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC). andre.carreira@udesc.br
http://lattes.cnpq.br/4224540229202107 https://orcid.org/0000-0003-1846-4551
3 Pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado na Universidad Nacional de Colômbia
Bogotá. Doutorado em Literaturas da Língua Inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mestrado na Ludwig-Maximilians-Universität Munich, Alemanha. Professor titular da graduação e pós-
graduação (mestrado e doutorado) em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). stephao08@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/8439378198120294 https://orcid.org/0000-0002-7769-1108
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
3
Uma confrontação é mais importante
do que a tentativa de esclarecer ou de criar uma única lógica.
(Matthias Langhoff, entrevista com Sérgio Carvalho)
Apresentação
A figura do dramaturgo, poeta, diretor e teórico Bertolt Brecht parece ser a
primeira referência quando se pensa a ação política no teatro, e suas peças
didáticas ou peças de aprendizagem estimulam aproximações com projetos
educacionais que se entendem como engajados. No entanto, por motivos que
têm a ver tanto com as negociações poético-políticas do próprio autor, quanto
com o ruir da proposta socialista existente no campo de domínio da antiga União
Soviética; a utilidade das propostas poéticas desse autor e diretor não pode ser
reduzida à ilustração cênica de uma formação político-partidária, visando
encontrar soluções cênicas para uma discussão política, cujas linhas de conflito
e de soluções estão claras de antemão na cabeça dos criadores. Ressaltar
esse perigo não nos parece algo supérfluo, mesmo que o problema fosse posto
em 1997, quando Roberto Schwarz explicou para a Companhia do Latão e outros
presentes4, que a atualidade de Brecht precisava ser repensada ante os últimos
desdobramentos do capitalismo que confundiram com êxito as configurações da
sociedade em duas classes opostas. Vale citar alguns trechos da palestra de
Schwarz (1999, p.36):
Enquanto na técnica de Brecht você sai de um ponto determinado e se
alinha noutro, hoje não dá pra fazer isso. o problema de reinventar o
distanciamento de maneira a transformá-lo numa potência crítica. Que
ele tem essa virtualidade, nós todos sentimos. é que está o ponto:
cavoucar no que é que o distanciamento a ver e não mistificar
essa direção.
Schwarz, ainda, identifica como um cúmplice subversivo do distanciamento
a atenção de Brecht às matrizes mentirosas ou enganosas presentes nas
maneiras como figuras individuais e coletivas se apresentam. Diz Schwarz
(1999, p.36):
4 Palestra proferida depois de apresentação de Santa Joana dos Matadouros pela Cia do Latão (in
Schwarz,1999).
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
4
Brecht […] trabalha com matéria negativa. […] gosta de trabalhar com o
lixo da sociedade, com tudo o que ela tem de pior. Então ele procura
compor uma ideia verdadeira do mundo contemporâneo através da
articulação inteligente de tudo o que é mais mentiroso na sociedade.
Essa operação com a matéria negativa é quase uma especialidade, para
não dizer uma perversão do Brecht. Quanto mais escandalosamente
mentiroso e lamentável for o discurso, mais ele vai ficar atento a ele.
Em outras palavras, Brecht preza as potências de um material que hoje se
chama “gatilho”, pois parece reconhecer que a verdade sobre a sociedade
reside, nem nas declarações de princípios sociais e nem nas relações concretas
entre as pessoas, em suas tentativas ilusórias e não, raramente, patéticas, de
resolver na própria vida as contradições que possuem um cunho objetivo,
econômico e social, mas não por isso podem se seguimos Schwarz ser
tratados como transparentes e óbvias. A verdade pode ser encontrada na
maneira como as duas esferas se atravessam.
A “transformabilidade” revolucionária do mundo, entretanto, nos padrões do
marxismo da época de Brecht está em crise hoje, e essa corrente de
pensamento não encontra alternativas às estratégias capitalistas de
modernização acelerada da tecno economia, enquanto o empobrecimento de
enormes setores sociais se aprofunda.
Os altos e baixos dos diferentes modos de trabalhar com Brecht, talvez,
tenham a ver, não de forma secundária, com as tentativas (próprias dele e
daqueles que trabalham com suas propostas) de tornar a negatividade
empírica5 uma força poética produtiva em sua condição subversiva e,
simultaneamente, fazê-la algo ainda palatável às forças hegemônicas do
momento. Ou seja, aceitar (ou não) que o horizonte positivo aquele que
permita que se apresente com facilidade lógica o caminho de transformação
dessa sociedade capitalista injusta seja acessível como força estruturante do
trabalho poético e da construção cênica. Mas essa convicção pode exercer,
segundo Schwarz (1999, p. 116), uma “força hipnótica” que sustenta a “técnica
do distanciamento” como “pretensão revolucionária” num “didatismo [que se
5 A negatividade empírica é uma forma de representar a realidade mostrando suas contradições de modo
que o público possa realizar sua própria experiência de reflexão sobre as condições sociais e políticas
apresentadas.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
5
torna] princípio formal” (1999, p. 133). Assim, a compreensão do trabalho de
Brecht é facilmente focada na busca por procedimentos que permitem
transmitir um ensinamento no fundo sabido, em detrimento do foco
investigativo para o qual a possibilidade de um ensinamento, isto é, a didática, é
algo a ser questionado pelo jogo do dispositivo cênico.6 Nessa perspectiva, o
objetivo “didático” das técnicas de estranhamento e da apresentação paradoxal
de uma “matéria negativo” não está tanto em iluminar positivamente a situação
tratada, mas de explorar e explicitar as contradições e aporias presentes dentro
dela e dentro de nós, à medida que precisamos agir dentro dela.
O que nos interessa, neste artigo, é discutir a presença de três elementos
nas propostas brechtianas que ajudam a questionar um achatamento não
poético e pedagógico do trabalho brechtiano, mas também de suas táticas de
manter suas convicções políticas e conseguir ser um autor, institucionalmente,
bem-sucedido, primeiro em uma sociedade capitalista e, posteriormente, na
sociedade socialista da República Democrática da Alemanha (RDA).
O primeiro ponto tratado é a própria complexidade de Brecht como sujeito
político, em suas múltiplas facetas e contradições em correspondência aos
diferentes contextos históricos, que configura um elemento que deve ser
levado em conta na hora de estudar a relação entre poéticas e política em sua
produção artística. Segundo, buscamos recuperar experiências da vanguarda
russa como forças propulsoras de um teatro político diferente do brechtiano,
mas obviamente em afinidade com o diretor alemão. E terceiro, discutimos as
peças de aprendizagem de Brecht na perspectiva da crítica de Heiner Müller.
Reunidos esses elementos, buscamos situar Brecht como uma ideia-força (no
sentido que George Sorel a esse termo) que nos provoca a criar obras que
irrompam como forças (taticamente) desestruturantes nos horizontes de
expectativa de seu público pretendido.
6 Sobre essa a diferença enquanto diferenciação entre uma pequena e uma grande pedagogia, ver Koudela
(1992). Nessa perspectiva não surpreende que a pequena pedagogia, com suas intenções revolucionárias,
é aquela que se tornou eficaz, enquanto a grande pedagogia luta em inventar procedimentos para o
contexto político atual que permitem aos participantes experimentar nas forças estruturantes da cena e
da ficção na situação de urgência as possibilidades de um passo intelectual e afetivo emancipativo.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
6
A mitificação de Brecht
Discutir o mito Brecht é um exercício de treinamento do olhar que permite
aprofundar os estudos do modelo e, particularmente, a compreensão do que
seria um teatro dialético. Schwarz (1999, p. 117 e p. 217) diz que:
A paixão despertada pelo teatro e pelas teorias de Brecht sempre teve a
ver com este estatuto híbrido, como recordam os seus admiradores. Na
década de 50, contudo, sobretudo vista de hoje, parte dessa aura
possivelmente fosse ideologia. [...] Com a morte do escritor, em 1956,
a consagração mundial dispara. Segundo as circunstâncias, prevalece o
estímulo do mais inovador dos artistas da esquerda ou a exploração de
seu prestígio com finalidade apologética.
Estabelecer alguns elementos, que nos permitam uma crítica que faça
visível um Brecht com o qual se possa dialogar e não apenas reverenciar, foi
também algo que buscou Hanna Arendt, quem disse no seu ensaio “Bertolt
Brecht: 1898–1956”, que: “agora, quando sua fama é sólida, pode ter chegado o
momento em que é possível levantar certas questões sem ser mal entendidas”
(2008, p. 151). Então, atualmente, deveríamos discutir Brecht de maneira franca.
No entanto os mal-entendidos têm sido perpetuados de uma forma
permanente, muitas vezes, porque a crítica a Brecht é rechaçada como
discurso conservador. Um exemplo é a Introdução da edição brasileira do livro
Sobre a profissão do ator7 que atribui às críticas feitas a Brecht sobre sua
suposta carência de atenção à teoria e prática da atuação, à “prevalência de
critérios burgueses [...] tomados como verdades absolutas e a-históricas”
(Brecht, 2022, p. 12).
Reafirmar, genericamente, Brecht como paradigma do artista revolucionário,
parece oferecer poucos elementos à compreensão da complexidade do ato de
fazer arte, lutando contra as diversas camadas opressivas do capitalismo e de
sua lógica cultural. Justamente por isso, é apropriado discutir a dimensão
mítica8 que o consolidou como referente de um teatro comprometido com a
7 Laura Brauer e Pedro Mantovani.
8 Para Barthes: “[...] no mito existem dois sistemas semiológicos, um deles deslocado em relação ao outro:
um sistema linguístico, a língua (...) linguagem-objeto, porque é a linguagem de que o mito se serve para
construir o seu próprio sistema; e o próprio mito, " (1989, p. 137).
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
7
mudança do mundo, ou seja, com ‘todas’ as mudanças. Neste sentido, discutir
a relação de Brecht com o projeto político autoritário do stalinismo, é um
primeiro passo para romper com as ideias simplificadas sobre o artista9.
A construção da condição mítica de Brecht se deveu tanto aos seus
próprios esforços, como ao impacto de sua produção intelectual e artística e,
também, à ação de seus seguidores. José Antonio Pasta no seu livro Trabalho
de Brecht, comentando o texto “Organização da Glória”, diz:
Não resta dúvida que o zelo de Brecht pela distribuição e colocação de
seus trabalhos o aproxima perigosamente do cinismo e das manobras
de mercado, cujos métodos promocionais ele, como se vê, realmente
observou e incluiu nos seus cálculos. [...] Outros, [como Martin Esslin]
tomando [essa atitude] exclusivamente pelo seu aspecto promocional,
chamaram isso de “cinismo”, “defeito de caráter”, “filosofia de lúcida
autopromoção” baseada na convicção de que a sobrevivência e o
sucesso são muito mais importantes do que qualquer gesto heroico”
(Pasta, 2010, 54).
Mas, o mito Brecht se consolidou principalmente a partir do uso de sua
imagem pelos aparelhos políticos e culturais relacionados às correntes
stalinistas em âmbito mundial nos anos 50/60. O fato é que a ação militante no
campo da cultura o elegeu como paradigma de teatro político em detrimento
de outras linhas estéticas e ideológicas, talvez por desconhecimento de outras
práticas ou por conveniência política dentro das tramas de poder do sistema
das artes no campo da esquerda. Afonso Sastre diz:
Ciertamente, la relación de Brecht con Piscator fue muy fructífera para
ambos; pero me inclino a creer, a pesar del gran olvido de la figura de
9 Essa discussão demanda um conhecimento sobre as posições de Brecht com relação à política autoritária
e repressiva do aparato burocrático stalinista. Este tema é pouco abordado no Brasil, apesar de ser
discutido internacionalmente. Zizek se refere ainda aos documentos que atestam que publicamente
“Brecht apoiou as medidas tomadas pela RDA contra o levante do povo em 1953, ano da morte de Stalin.
Essas medidas incluíram o envio de forças russas para serem usadas contra o povo que era considerado
uma ameaça à lei e à ordem soviética” (Zizek, 2007, p. 177). Por outro lado, conhecemos o poema satírico
“A solução” em que Brecht sugeriu “Que o governo dissolvesse o povo/ E elegesse outro”, para solucionar
os motivos do descontentamento operário (ver também Clark, 2007). Ou seja, encontramos um Brecht
que admitiu dentro de si sua fascinação para com a violência dos gestos de soberania (impondo sacrifícios
trágicos, se seguimos as problemáticas de suas peças de aprendizagem), e outro que também se mostrou
ciente da dimensão patética, ridícula e horrenda, do exercício burocrática dessa mesma soberania. Se não
queremos falsificar a imagem de Brecht, precisamos aprender a lidar com essa e outras contradições: um
autor anti-fascista, mas fascinado com o gesto violento e ditatorial de uma teologia política como
fundamentação de qualquer política que merece esse nome, ou seja, capaz de instaurar outra realidade
social. Um autor chocado e amedrontado ante o fuzilamento de amigos como Tretiakov (ver o poema O
povo é infalível?, 1939) durante a limpeza política stalinista, mas que nunca se pronunciou publicamente
contra esse regime, seja por medo, lealdade verdadeira ou ambição oportunista. A questão é como sua
poética e pedagogia teatral foi atravessada por essa ambivalência.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
8
Piscator, particularmente durante la época de mayor gloria de Brecht,
que la relación fue más beneficiosa para este último, es decir, que
Brecht le debe más a Piscator que el segundo al primero, en términos
estrictamente teatrales. [...] Señalo esto porque para cierta crítica
paramarxista (en otras palabras: para los idólatras de Brecht durante los
últimos años 50, y gran parte de los 60), Piscator era absolutamente
invisible. Parecía como si Brecht hubiera salido directamente -por obra
de su genio- de la nada, mezclado (esta nada) con unas gotas de teatro
chino. Así, la trayectoria de Brecht de su anarco-expresionismo primitivo
se habría producido volando (2001, p. 30).10
É interessante compreender que o aparelho político-cultural dócil às
orientações do regime stalinista esteve conformado por uma complexa rede de
instituições oficiais e para-oficiais, bem como por organizações de parte do
movimento político de esquerda e por intelectuais associados ideologicamente
a esta linha política11.
A dedicação desse aparelho político-cultural – que não deve ser confundido
com todo o campo marxista ou mesmo com “a esquerda”- foi tamanha que se
omitiu do campo do ‘teatro político’ boa parte da experiência da vanguarda
russa, sobrando apenas algumas sombras do teatro de agitprop do modelo do
Proletkult e fracos ecos do trabalho de Piscator.12
Lógico que podemos supor que a obra de Brecht foi insistentemente
divulgada enquanto os trabalhos de Meyerhold, Piscator entre outros, foram
quase esquecidos pelas suas qualidades intrínsecas e por que Brecht era um
dramaturgo com uma vasta produção. Não se pode esquecer que na tradição
teatral quem escreve peças costuma prevalecer como referência.
No entanto, é mais provável que a preferência pelo nome de Brecht seja um
fenômeno decorrente de todos esses componentes combinados, porque é
assim que os processos das artes cênicas ocorrem, pois muitos fatores
simultâneos se interferem mutuamente nesse complexo sistema de poderes.
10 Sobre Brecht com quem trabalhou, Piscator disse: “O Teatro Épico foi inventado por mim na cena, e por
Brecht na dramaturgia”. (Piscator, 1968, p. 187)
11 Essa estrutura política se refletiu nos anos 30 e 40 do séc. XX, e também já bem avançada a década de
60, em uma atitude de cumplicidade de publicações de esquerda, editoras e intelectuais que não
questionaram o desaparecimento de Meyerhold, e sua ausência dos registros da história do teatro russo
a partir do seu fuzilamento.
12 Ver relatos de Beatriz Picon-Vallin, Mark Clark e Katherine Eaton.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
9
Matrizes do teatro político da vanguarda russa
Considerando a brevidade deste texto, não pretendemos, aqui, fazer um
recorrido histórico exaustivo sobre as origens do teatro político, pois isso nos
levaria até a ágora grega e às inúmeras formas cênicas, que tinham como
objetivo incidir diretamente no âmbito político e formativo. Como diz Patrice
Pavis:
...a expressão [teatro político] designa ao teatro de agitprop, ao teatro
popular, ao teatro épico, brechtiano e pós-brechtiano, ao teatro
documento, e ao teatro de “político terapia” de Boal. Estes gêneros têm
como características comuns a vontade de fazer triunfar uma teoria,
uma crença social, um projeto filosófico. A estética fica, assim,
subordinada ao combate político, até o ponto de diluir a forma teatral
no debate de ideias (1998, p. 459). A Lehrstück (peça didática que
constitui uma forma “sofisticada” de agitprop e da qual Brecht se
converteu no mais célebre fabricante) também responde a estes
critérios simples ou simplistas” (1999, p. 441).
Schwarz diz que:
Embora se considerasse criador e teórico de um teatro novo, Brecht
insistia na antiguidade do teatro épico. Este fora praticado por chineses
e japoneses, por elisabetanos e espanhóis do Século de Oro, sem
esquecer os autos medievais e o didatismo dos padres jesuítas. Assim,
as técnicas da representação anti-ilusionista não eram originais ou
melhor, elas se tornavam modernas em sentido forte quando
retomadas - como foram - no horizonte revolucionário à volta da
Primeira Guerra Mundial, com seu movimento operário, antiburguês e
anticapitalista, que fazia a diferença. (1999, p. 129).
O moderno teatro político se estrutura a partir de formas cênicas populares
que foram articuladas com iniciativas do movimento organizado dos
trabalhadores europeus ao longo do século XIX. Este teatro tem como
elemento chave a construção de uma cena que afirma o mundo como algo
transformável, pois apresenta a realidade como histórica e supõe a intervenção
política como ação transformadora. As experiências teatrais, associadas à
Revolução Bolchevique, são uma referência chave, porque se produziram como
ferramenta da luta direta. A vanguarda russa havia experimentado diferentes
formas de realizar esta tarefa imposta pela urgência do processo
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
10
revolucionário.
A tomada de poder pelo partido de Lênin e Trotsky desatou diferentes
processos nas artes, e o teatro - forma artística de grande tradição na Rússia -
ocupou um espaço particular como aliado das iniciativas de invenção de um
novo país socialista. Durante os dez anos que durou o período triunfante da
revolução interrompido pela ascensão de Josef Stalin ao poder depois da
morte de Lênin (1924) -, múltiplas formas teatrais e as mais diversas práticas
experimentaram com a ideia de uma arte revolucionária. Tais experiências se
deram no seio de um processo radical de transformação que comprometeu
toda a sociedade que vivia um momento onde tudo podia e devia ser
reinventado13.
As experiências cênicas e as propostas de Vsevolod Meyerhold, Serguei
Tetriakov, Vladimir Maiakovski, Ljubov Popova, Alexander Bogdanov ou Mikhail
Gerasimov, entre outros, podem ser consideradas apesar das suas diferenças
- referências de uma cena revolucionária que se desenvolveu dentro de um
processo revolucionário, estando diretamente comprometidas com as lutas que
desencadearam a tomada do poder e a construção do governo proletário.
Em 1921, o grupo Outubro Teatral de Meyerhold começou a publicar Vestnik
Teatra que definiu as características do teatro da revolução:
El Octubre de las artes significa superar la hipnosis de la pseudo
tradición, detrás de la cual se esconde la oposición a la nueva forma,
hostil a la construcción comunista; El Octubre de las Artes significa
luchar contra la tendencia puramente educativa que pone al
proletariado a merced de la ideología feudal y burguesa. El Octubre de
las artes significa buscar formas adecuadas al contenido volcánico de
nuestro tiempo” (Apud Hormigón, 1992, p. 202).
Estas propostas não apenas sonhavam a revolução, elas estavam imersas
na revolução, e a realizavam ensinando, questionando, aprendendo e
inventando a própria revolução. Os modelos que a vanguarda russa
13 Agitprop foi uma técnica política de mobilização através das artes que convocava para a ação. Em 1920, o
PC russo criou o Departamento de Agitação e Propaganda para utilizar a arte com o fim de ensinar às
massas os ideais da Revolução, e explicar as mudanças que se produziriam então.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
11
experimentou estavam totalmente interferidos pela acelerada e, até certo
ponto, caótica dinâmica da revolução. Disse Meyerhold em 1922:
En el pasado, el actor siempre adaptaba su obra a la sociedad a la que
iba a estar destinada su obra. En el futuro, el actor tendrá que coordinar
aún más su interpretación con las condiciones de la producción del
trabajo social (Apud Hormigón, 1992, p. 229).
Esta vanguarda sentou as bases do teatro político que atravessaria o século
XX, ou seja, aquele teatro que busca uma relação com os trabalhadores,
situando-se no campo das classes oprimidas e tratando de estabelecer um
diálogo direto com sua audiência, utilizando referentes da cultura popular e
elementos complexos das linguagens cênicas14. O diretor Evgeny Vakhtangov
disse, em 1919, sobre o eixo do teatro da revolução:
A linha vermelha da Revolução dividiu o mundo em "velho" e "novo"... Se
o artista quiser criar o "novo" depois que a Revolução chegou, então ele
deverá criar "junto" com o povo, nem para o povo, nem em seu nome,
nem separado dele. Para criar o novo e obter a vitória, o artista deve
firmar-se solidamente... E de que povo estamos falando? Todos nós
somos o povo. Falamos do povo que é o criador da Revolução15 (apud
Rudnistky, 1988, p. 52).
O teatro político russo compreendia a necessidade da experimentação
cênica e a conexão com a cultura proletária. Talvez, por isso se negou a ser
condescendente do ponto de vista da linguagem, e a partir dessa plataforma
buscou ao mesmo tempo a radicalidade da ação política16.
14 Ver Cavalieri 2017.
15 The red line of Revolution divided the world into the “old” and the “new”… If the artist wants to create a
the “new” after the Revolution has arrived, then he must create “together” with the people. Neither for
them, nor on their behalf. In order to create the new and to obtain victory, the artist needs to firm ground
of Anteus… And of what people do we speak? All of us are the people. We speak of the people who are
the creators of the Revolution. (Tradução nossa)
16 Um elemento chave neste caso, como disse Katherine Bliss Eaton, são: “As diferenças em suas teorias
dramáticas são insignificantes. Na questão da prática, as diferenças estão na área de alcance
experimental; quase não há nenhum dispositivo usado por Brecht ou seu reconhecido mentor Piscator que
não tenha sido explorado primeiro por Meyerhold. Por outro lado, embora Brecht tenha usado rampas no
palco como uma técnica épica, ele parece não ter se interessado pelo palco com plataformas que se
movessem vertical e horizontalmente de forma "ativa". Brecht também não compartilhava do profundo
interesse de Meyerhold com o problema da construção do edifício teatral, cuja arquitetura impactasse na
realização de princípios estéticos e sociais importantes. (1985: 121) [Differences in their dramatic theories
are insignificant. In the matter of practice, the differences lie in the area of experimental range; there is
hardly any device used by Brecht or his acknowledged mentor Piscator which had not been tried first by
Meyerhold. On the other hand, though Brecht used the treadmill as an epic technique, he seems not to
have been interested in the thrust stage, vertically and horizontally moving platforms, and “active” scenery.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
12
Um interessante exemplo foi a montagem de Meyerhold de O Amanhecer
de Emile Verhaeren de 1920 que, segundo Chklovsky tinha dois gêneros
extremos: a tragédia revolucionária e a bufonearia revolucionária. Chklovsky
também disse: “o teatro assemelha-se a um sobretudo com a gola de casaco
rasgada. Não era alegre nem luminoso”17 (apud Rudnitsky, 1988, p. 60). Isso se
encaixava no espirito do teatro militante do período, pois segundo Konstantin
Rudnitsky (1988, p. 60):
O espetáculo, concebido ao estilo de um comício político, encaixava
naturalmente numa sala que não era nem confortável nem
minimamente cerimonial [...] Meyerhold jogou os velhos cenários do
Teatro Zon num barracão, despojou o palco e expôs os tijolos das
paredes do edifício. Destruiu os projetores de luz. O palco foi unido ao
auditório por tábuas. As paredes dos corredores estavam cobertas de
cartazes, slogans e caricaturas [...]. A esperança de encontrar uma
linguagem comum com a massa de soldados e trabalhadores do
Exército Vermelho que enchiam o teatro levou Meyerhold a ser ousado
ao subordinar a base literária da produção às exigências da “experiência
atual”.18
Influências como os novos estudos da psicologia e da linguística, que
estavam em curso nos círculos intelectuais de Moscou e São Petersburgo,
estimularam a experimentação com os mais diferentes elementos do teatro.
Nesse sentido, o artigo de Chklovsky “A arte como procedimento” (1917), no qual
o crítico estabeleceu, de forma clara, a noção do estranhamento como
elemento chave do fazer artístico, sentou as bases de projetos que
funcionaram como estrutura medular das encenações de Maiakovsky e
Meyerhold e até influenciou o Proletkult. Chklovsky propondo a ideia de
estranhamento (ostranenie), porque:
Nor did Brecht share Meyerhold’s profound interest in the problem of constructing a theater building
which would, through its architecture, help to realize certain important aesthetic and social principles.
(Tradução nossa)
17 “The theater resembles an overcoat with a torn collar. It is neither cheerful nor bright”. (Tradução nossa)
18 “The spectacle, conceived in the style of a political rally, fitted naturally into a hall which was neither
comfortable nor in the least bit ceremonial […] Meyerhold threw the old scenery of Zon Theatre into a
shed stripped the stage and exposed the building’s brick walls. He destroyed the footlights. The stage
was joined to the auditorium by boards. The walls of the corridors were covered with posters, slogans an
cartoons […] The hope of finding a common language with the mass of Red Army soldiers and workers
who filled the theatre prompted Meyerhold to be bold in subordinating to literary basis of the production
to the demands of ‘present experience’”. (Tradução nossa)
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
13
...a automatização engole os objetos, os hábitos [...]. E eis que para
devolver a sensação de vida, para sentir os objetos para provar que
pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a
sensação do objeto. Como visão e não como reconhecimento; o
procedimento da arte é o procedimento do estranhamento dos objetos,
pelo procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a
dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção na arte é um
fim em si mesmo e deve ser prolongado; a arte é um meio de
experimentar o devir do objeto, o que é “passado” não importa para a
arte (Chklovsky, 2013, p. 27).
Para Chklovsky, o estranhamento era o elemento chave do reconhecimento
do procedimento artístico como foco da linguagem artística, sendo aquilo que
permitiria estabelecer um diálogo do público com o objeto e suas diversas
dimensões. Portanto, podemos dizer que não obra de arte sem o fenômeno
do estranhamento, através do qual se percebe o gesto artístico. Então, se para
Chklovsky o estranhamento é estrutural, Brecht usa o conceito como
ferramenta tática da sua encenação.
A incorporação de tecnologias na cena (como projeções), utilizadas por
Meyerhold e Evreinov, também, formulou modelos cênicos que tinham o
diálogo direto mediante a explicitação da linguagem cênica com a audiência,
como um valor importante para fazer com que a cena se conectasse ao
momento político vivido pelas plateias. Meyerhold introduziu os elementos de
textos e notas sobre a cena e buscou reforçar as informações que considerava
imprescindíveis para o impacto político de suas montagens.
As experiências da Revolução e da Guerra Civil (1919-21) pediam um vínculo
estreito com o momento político para oferecer um teatro que pensasse a
Revolução, educando a população dentro do processo revolucionário19. No
entanto, o triunfo da fração stalinista interrompeu os processos de
experimentação de linguagens.
O vigor e a complexidade desses processos foram abandonados pelas
políticas conservadoras de Stalin, sobrevivendo, assim, apenas as iniciativas que
atendiam ao controle do aparato do estado burocratizado. Isto implicou uma
simplificação da própria ideia de um teatro político, pois se antes o político era
19 Proletkult foi um movimento foi criado por Alexander Bogdanov e Mikail Gerasimov, e existiu entre 1917 e
início dos anos 20.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
14
também relativo à própria linguagem teatral e aos modos de criação, o que
passou a delimitar o papel político do teatro foi apenas o elemento temático e
a vinculação institucional das produções.
Apesar do retrocesso que o pensamento stalinista significou às artes
deve-se recordar que a vanguarda acusada de formalista foi banida e
perseguida20, e o “realismo socialista” foi imposto como estética oficial -; as
bases deste teatro político continuaram reverberando como estímulo à
experimentação em outros países. Isso aponta para uma dimensão política
fundamental de experimentação enquanto tal: a de não se conformar ou não
estar de acordo com a percepção estabelecida do status quo.
Esta influência se deveu, principalmente, ao impacto que a vitória
bolchevique teve sobre a política e a cultura europeia. Se por um lado os
governos europeus, alarmados pelo triunfo da primeira revolução proletária a
tomar o poder, interviram na guerra civil para derrotar os revolucionários, a
classe trabalhadora e a intelectualidade de esquerda estava animada e
interessada pelos mais diferentes aspectos da experiência russa. Inúmeros são
os relatos sobre como a influência da Revolução repercutiu nos meios culturais
da Alemanha e França. A própria eclosão da Revolução Alemã, com seus
incipientes “sovietes”, é um eco imediato de tal impacto.
Ainda que o próprio Brecht não tenha escrito sobre seu contato com esse
processo, sabemos, por meio do material levantado por Eaton (1985), sobre
suas viagens a Moscou e São Petersburgo e seu contato com o teatro de
Meyerhold e sua relação de amizade com Tetriakov, quem o apresentou ao
conceito de estranhamento de Chklovsky.
O teatro de Erwin Piscator, principalmente o “Teatro Documento”,
experimentou elementos que a cena russa utilizou, desenvolvendo a ideia de
uma cena como documento da realidade a partir da qual se convocava à ação.
Segundo Philippe Ivernel, esse teatro era um “documento dialetizado” (Sastre,
2001, p. 20), focalizado na documentação da realidade, que não abandonava o
20 A perseguição a Meyerhold começou com as acusações de formalismo, evoluiu para traidor da
Revolução, e culminou com a acusação de espião alemão, o que o levou da tortura ao fuzilamento em
1940.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
15
elemento “lírico-emotivo” nas palavras do próprio Piscator.
As peças de aprendizagem e seu núcleo ardente: a violência
Talvez, a situação dos artistas revolucionários russos, de fato, seja mais
distante da nossa do que a situação de Brecht. Afinal, o Brecht dos anos 20 até
o início dos anos 30, testemunhava nas ruas de Berlin os massacres de
operários pela polícia do governo social-democrata. A revolução socialista não
era mais uma possibilidade real concreta na Alemanha, e na União Soviética
aumentaram os sinais de que havia uma ditatura “sobre o proletariado”21. Brecht
não podia trabalhar “com” o povo, como podiam afirmar os vanguardistas
russos ou apenas por um momento muito restrito geográfica- e
temporalmente, quando no início dos anos 20, dispunha em Berlin de grandes
corais de operários e no rádio um aparato técnico de alcance de massa. Mas,
mesmo nesse contexto pesava o avanço da repressão e a ascensão do
fascismo e seu “público” era outro.
Foi nessa situação em que parecia impossível manter uma posição a)
abstratamente humanista e b) ideologicamente ‘pura’, exigindo a subordinação
cega dos corpos aos ditames da política do partido que Brecht optou, nas
chamadas peças de aprendizagem, por criar uma dramaturgia que deslocava o
ensinamento da montagem para a experiência de montar um texto,
entrelaçando doutrina e ação prática (em nível ficcional e cênico). Quem estava
presente, não como figura ficcional, mas como esse conjunto heterogêneo de
participantes no processo de montagem, não era “o povo”, mas “o movimento
da esquerda”. Koudela apresenta essa dramaturgia em palavras, hoje, bem
conhecidas:
Brecht sublinha que a principal função da peça didática é a educação
dos participantes através do ato artístico coletivo. O aprendizado se
através da atuação e não da recepção estética passiva. […] A revisão do
texto é parte integrante dessa tipologia dramatúrgica, sendo prevista
pelo “escrevinhador de peças” a alteração do texto dramático pelos
jogadores. As peças didáticas geram método enquanto
Handlungsmuster (modelos de ação) para a investigação das relações
dos homens entre os homens (Koudela, 2003, p. 24).
21 Palavras de Brecht, conforme Benjamin (1991, p. 538).
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
16
Koudela ainda afirma que a Lehrstück foi renovada por Heiner Müller, na
medida em que ele
realiza, através de um conteúdo totalmente novo, de forma exemplar, o
modelo da Lehrstück […] através da qual representa também uma
alternativa séria para a pedagogia, como também inaugura uma nova
tipologia de dramaturgia que se diferencia da dramaturgia tradicional
(Koudela, 2003, p. 23).
Ora, há, no mínimo, duas leituras “hipnotizantes” dessa atitude que trata a
peça didática. A primeira acredita que se trata de um mero processo formal
onde cabe qualquer tipo de conteúdo e enfoque moral e, a segunda, a que trata
como simples inovação metodológica para poder ainda passar aos
participantes como “descoberta própria” aquilo no qual devem ser, sim,
educados. Ambas não levam nem Brecht nem Heiner Müller muito a sério.22
Para salvar tanto Brecht quanto Müller dessa calcificação entusiasmada,
talvez seja útil perguntar o que Brecht queria dizer, quando afirmou no interior
de uma das peças de aprendizagem como princípio estruturante, a necessidade
de “introduzir […] o costume de refletir novamente perante cada nova situação”
(2004, p. 231), e como essa afirmação se realiza no nível da performatividade
cênica.
Recorrer à leitura de Müller é interessante, não por que a escritura de
seus textos realizou na prática a própria máxima de que “usar Brecht sem
criticá-lo é traição” (Koudela, 2003, p. 55), mas também por que essa crítica
ressalta como o núcleo incandescente dos procedimentos brechtianos a
capacidade de Brecht de configurar as contradições e aporias do engajamento
político, no que tem de doloroso e chocante, como fundamentação para sua
produtividade.
Não um trabalho criativo honesto, nem no campo poético nem no
campo político, sem investigar essas fissuras como incongruências
potencialmente produtivas. Trata-se, em Brecht e Müller, de uma investigação
22 Sobre a relação entre Müller e as peças de aprendizagem de Brecht, ver Gatti, 2015. Em Müller ressoa,
sob outras condições, a problemática apontada por Schwarz de como recuperar os procedimentos
cênicos brechtianos de uma formalização mumificante cujo horizonte duradouro é o reconhecimento de
que tudo pode ser modificado, menos a estrutura econômica estabelecida.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
17
que se articula por meio da criação de um jogo teatralizado com antinomias e
contradições, seja esse entre posições políticas ou no interior da mesma
posição política; entre os discursos, entre texto e cena ou no interior de cada
camada. Por isso nessas propostas uma metateatralidade que levava a uma
superação provisória da separação entre personagem, ator e espectador.
É esse jogo que nos permite (e convoca), nas situações políticas atuais, a
investigar as contradições e os princípios fundantes de nossas rebeldias e
recusas, o preço a pagar por estar ou não estar de acordo com uma política de
transformação. Sim, não como usar criticamente Brecht ou Müller em seus
usos da peça de aprendizagem, sem cruzar os seus procedimentos com esse
núcleo nevrálgico da fissura e contradição interna. Para Brecht, inclusive, residia
nessa prática experimental uma finalidade central de sua pedagogia teatral.
Refletindo, em 1932/33 sobre potência e fracasso do Partido Comunista de
“tornar-se o órgão executivo das massas”, Brecht constatou que o centro do
problema era sua incapacidade de lidar com as “divergências de interesses das
massas” e concluiu: “Para que as oposições não rachem a organização, faz-se
preciso a habilidade de operar com antinomias” (apud Haug, in Koch et al., 1998,
p. 36). Nesse contexto de cena como laboratório da divergência, não se pode
argumentar apenas em prol de uma única solução. De fato, a argumentação
pode e deve ser expressa nas duas direções possíveis. No momento da
exposição da contradição interna, as fronteiras entre inimigo e amigo dentro do
movimento, simultaneamente, evidenciam-se e borram, e se percebe nessa
abertura ao outro a dimensão teórica arbitrária da decisão.23 É a prática que
exige e justifica como um mero cálculo de eficácia a medida tomada. Por isso
as peças de aprendizagem de Brecht se centram sobre a figura da decisão, do
juízo e da problemática de estar de acordo com essa decisão e revelam que
uma relação intrínseca entre violência e decisão política.
Sua estrutura, longe de apresentar um ensinamento sacrificial edificante,
mostra a necessidade de sacrificar-se de uma maneira que a injustiça ou a
23 O que junta amigo e inimigo nas situações extremas é uma dependência mútua sobretudo na
vulnerabilidade corpórea, o terror compartilhado perante a própria morte e a pergunta sem resposta
argumentativa, apenas “teológica”, como essa morte pode ter sentido. Ver a relação entre agitadores e o
jovem camarada em “A decisão”.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
18
futilidade dessa violência fique exposta para quem queira ver.24 A violência
triunfa na prática, mas não pode ganhar incólume na teoria, na percepção dos
fatos pelos participantes. E a peça de aprendizagem traduz essa confrontação
de dois níveis de análise a abstração dos princípios e a concretude das
relações sociais entre os seres humanos em um jogo cênico investigativo: a
peça dentro da peça em A decisão, a confrontação de uma decisão, seus
fundamentos e objetivos, com uma outra decisão em “Aquele que diz sim,
aquele que diz não”, e outros textos que giram ao redor de um jogo com
oposições, antinomias e contradições. O foco está na impossibilidade de chegar
a uma solução não violenta, não trágica. De fato, se analisamos com esse foco
peças de Heiner Müller como A missão, Mauser, e até Hamletmáquina,
percebemos que o ponto nevrálgico, também, é a questão da violência
instituinte, daquilo que podemos chamar junto com Carl Schmitt (que tanto
Brecht quanto Müller conheciam bem) uma “teologia política”, tanto do Estado
quanto do trabalho revolucionário que visa a um Estado novo. Não tem como
levar a sério a poética e pedagogia das peças de aprendizagem sem reconhecer
e incluir na própria prática essa problemática que aproxima as peças às
tragédias antigas ou às peças de paixão cristãs.
Entretanto, onde Brecht ainda parece acreditar na possibilidade de entender
essa morte sacrificial como justificável, pois sua visão da sociedade comunista
como justa ofereceu um possível contexto referencial transcendental, nada nos
textos de Heiner Müller aponta para essa possibilidade iluminadora da história.
E por causa dessa descrença, não na revolução como algo necessário ante a
exploração capitalista, mas por causa de incapacidade coletiva da construção
de um horizonte histórico de transformação, que Müller enfatiza a
superioridade das parábolas kafkianas sobre as de Brecht. Diz Müller, a partir de
comentários de Benjamin:
[S]urge a questão de saber se a parábola kafkiana não é mais ampla e
capaz de compreender a realidade do que a parábola de Brecht. Esta
representaria gestos sem sistema referencial e não é orientada para
24 Fundamental para esse efeito é não é apenas o gesto de “mostrar” (o jogo dentro do jogo em A decisão,
as oposições das reações em relação ao mesmo ponto de partida em “aquele que diz sim, aquele que
diz não”, etc.), mas sua submissão a uma tensão entre rigidez argumentativa e flexibilidade e dúvida
cênicas interpretativas, ou vice-versa.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
19
uma práxis, irredutível a um significado, antes estranha que alienante,
sem moral. Os desmoronamentos da história moderna causaram
menos estragos ao modelo da Colônia Penal do que à construção
dialética ideal da Lehrstück. A cegueira da experiência de Kafka é a
legitimação de sua autenticidade (Apud Koudela, 2003, p.50).
Müller consegue elaborar um núcleo kafkiano no material negativo de
Brecht, porque no dispositivo brechtiano a verdade histórica da fábula não pode
ser externa às situações cênicas que, entretanto são construídas de tal modo a
impedir a possibilidade de uma verdade objetiva. Ora, não é que ao tomar essa
impossibilidade como ponto de partida que Müller estabelece o ponto da
cegueira histórica como um novo momento transcendental? Tudo nesse
redemoinho histórico se dirige ao fracasso, a uma morte com sentidos sempre
traídos,25 perigo presente nas peças de aprendizagem brechtianas. Presente,
mas não afirmado!
Onde Müller arrisca fechar o mundo de sua obra pelo juízo da futilidade do
projeto transformador socialista, ainda que sempre o tenha apoiado
discursivamente,26 Brecht nos mostra que o mundo “do ponto de vista da
obrigação de proferir uma sentença, nessa constelação dilacerante, está aberto.
A sentença sempre poderia ser outra” (Haug, 1998, p. 38).
Voltar a esse arranjo brechtiano de aprendizagem, talvez, permita usar
Müller e criticá-lo numa perspectiva do sul global, ou seja, trazer experiências
de um mundo pós-colonial que reconhece que sentenciar é inevitável. Mas, que
discute se o preço a pagar para sobreviver vale mais que o valor a ganhar por
morrer.
Vista assim, a pedagogia de aprendizagem torna audível nossa dor e nosso
medo, nosso pesadelo e nosso desejo, que se pronunciam no silêncio desse
momento no qual a sentença ainda não está sendo proferida e a violência da
política suspensa, mas se tornam iminentes. Podemos trabalhar com a peça
de aprendizagem de Brecht, se soubermos orbitar junto com suas figuras ao
redor desse núcleo ardente.
25 Ver, por exemplo, o fim da peça A missão, no qual um narrador faz o revolucionário Debuisson esquecer
de todas as lembranças revolucionárias para entregar-se à felicidade da traição com céu aberto do
progresso.
26 Nisso consiste sua “utilidade” acrítica para a esquerda da situação.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
20
Breves conclusões
A reflexão sobre os modelos do teatro político, tendo implicações
pedagógicas, exige conhecimento das referências políticas e da inserção de
seus criadores nos respectivos processos históricos.
Neste sentido é interessante observar como David Davis e Carmel O’Sullivan
discutem o trabalho de Boal e o abandono de seus referentes marxistas em
favor do trabalho sobre as opressões individuais. Consideram, então, o teatro
fórum um trânsito para uma opção terapêutica que implica o esforço para
adaptar o sujeito às opressões do capitalismo (Davis e O’Sullivan, 2000, p. 30). O
mesmo olhar agudo deveria atravessar a obra de Brecht.
Comparar a experiência política de Brecht com a da vanguarda russa,
destacando por um lado a inserção no processo revolucionário (caso da Rússia),
e no caso de Brecht a experiência no período de refluxo, permite pensar o
projeto brechtiano como um teatro de resistência27.
A urgência do trabalho didático de Brecht respondia exatamente às
adversidades políticas. Note-se que as peças didáticas foram escritas nos
tempos do crescimento do Nazismo. O foco desse teatro era instrumentalizar
os trabalhadores para a identificação da opressão do capitalismo.
Identificar o modelo brechtiano como uma modalidade de ação política de
resistência, permite compreender qualidades e potências do modelo. Neste
sentido, vale à pena citar, ainda que de forma episódica, um exemplo da
experiência brasileira quando nos anos da ditadura, a dramaturgia de Brecht
funcionou como instrumento de resistência ao regime. As encenações de suas
obras cumpriam uma função progressista e estimulante às pessoas que
buscavam resistir através do teatro. Nas condições impostas pela ditadura,
montar uma peça brechtiana implicava um ato de resistência,
principalmente, porque estas montagens convocavam um público que se
27 Schwarz sugere que: “a luta pela transformação política da sociedade conferia à literatura de Brecht um
tipo peculiar de pertinência, para não dizer autoridade. Pelas mesmas razões, ela ficaria mais vulnerável
que outras ao desmentido que a história infligiu a suas expectativas” (1999, p. 125). Essa “vulnerabilidade
frente ao desmentido” poderia estar relacionada com a condição de um teatro de resistência,
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
21
encontrava em oposição ao regime e que carecia de canais de reunião e
manifestação. Elencos e plateias produziam, então, momentos que eram
menos processos de educação política e muito mais oportunidades de
resistência e autorreconhecimento.
Passados os anos da ditadura, o teatro brechtiano continuou sendo, junto
ao Teatro do Oprimido, a principal referência de uma dramaturgia politicamente
comprometida com a ideia de revolução, representando o bastião da luta
contra o capitalismo. Atualmente, a reivindicação das peças didáticas de Brecht
tem impulsionado práticas de um teatro político e pedagógico, ao mesmo
tempo que serve de instrumento para se reivindicar o, aparentemente decaído,
método marxista. Todavia, tal se sem uma profunda revisão de suas
matrizes e do seu contexto social e político.
Considerando isso, podemos tomar a ideia do mito Brecht, fazendo
referência ao conceito de Ideia-força proposto por Sorel e que, segundo Luis
Felipe Miguel, centra-se no caráter de força motriz do mito político, por isso ele
seria:
...uma arma na luta política; seu sentido é mobilizar, empurrar para a
ação. De certa forma, essa característica de levar à prática está
presente também nas diferentes narrativas de origem e nas
mistificações que incluem tanto a moda e a publicidade comercial
quanto os livros escolares e as descobertas científicas. Sorel apenas
realça sua centralidade absoluta no caso dos mitos políticos. [...] Para
Sorel, o mito é a força impulsionadora básica de qualquer grande
movimento histórico (Miguel, 1998, p. 5).
Situar o mito Brecht como ideia-força não é afirmar que ele seria uma
mentira, mas sim redimensionar o lugar do autor no universo do teatro político. A
partir disso, observar como ele continua impulsionando práticas e discursos que
buscam se enfrentar com os regimes de opressão e discutir a questão da
violência, intrinsecamente, presente na vida social e ou política. O foco não é
desmascarar Brecht produzindo um escândalo, mas sim tratar de dimensioná-lo
e o entender dentro de um tempo de projetos políticos em pugna. É chave
conhecer a relação entre suas ideias e seus processos de trabalho de criação,
relacionando relatos sobre sua forma de trabalhar e sua plataforma teórica, para
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
22
refletir sobre como suas ideias e práticas podem influenciar nossas práticas, e
como nos apropriamos do seu modelo, discutindo noções tais como: revolução,
história e pedagogia e ética.
Sem esse elemento o trabalho com formas de atuação política corre o risco
de ficar associado somente às aparências da rebeldia, mas sem bases
consistentes. A compreensão de como este artista se posicionou sobre os
eventos de seu tempo e como fabricou sua obra28, pode e deve ser instrumento
na leitura desta obra, bem como à reflexão sobre como procedemos em
nossas práticas. Como diz Iná Camargo Costa:
Quem não faz acerto de contas com a herança, não avança, está
condenado a repetir o que foi feito. E isto vale em todas as esferas
que nos interessam, a saber, na prática textual, na prática cênica e nos
estudos teóricos (2005, p.3).
Esse acerto de contas que sugere a pesquisadora nos permitiria colocar em
crise dispositivos que funcionam no nosso ambiente artístico, como saberes
consolidados que, eventualmente, são responsáveis por ações pouco dialéticas
na hora de relacionar os processos de criação cênica com o desejo de colocar
nossa arte a serviço das transformações sociais e políticas.
Porque é importante discutir as posições políticas de Brecht hoje? O exercício
da crítica entre as pessoas do campo da esquerda, não é compatível com o
próprio calor da luta, como necessário para o desenvolvimento de projetos
artísticos, educacionais e políticos que pretendam transformar o mundo. A crítica
não precisa invalidar, anular, ou para usar um termo da atualidade, ‘cancelar’ o
artista, mas ela pode ser frontal e sincera. Ela é chave para que se possa
elaborar projetos criativos e atuar, politicamente, renovando os modelos,
aprendendo com a história.
28 A biografia de Brecht mostra que ele reivindicava o trabalho em equipe. Mas, do registro de sua obra
dramatúrgica publicada, emerge um autor solitário. Chama a atenção a ausência dos nomes das suas
colaboradoras. John Fuegi, (fundador da Internacional Brecht Society) questionando as relações de BB
com suas colaboradoras, destaca o caso de A Ópera dos Três Vinténs no qual Elisabeth Haupmann
apareceu no programa da estreia peça como tradutora, e Brecht como adaptador, para logo na primeira,
e subsequentes, publicações do texto, consta apenas Brecht como autor. É conhecido o comentário do
jornalista Kurt Tuchovsky, que se perguntava: “De quem é essa peça? Resposta: De Bertolt Brecht. Sim,
mas quem a escreveu?” (apud Saénz, 2016). No entanto, os biógrafos o registram reclamações por
parte das diferentes mulheres que trabalharam com Brecht com relação às questões de autoria.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
23
Referências
ARENDT, Hanna. “Bertolt Brecht: 1898–1956”, publicado em Homens em Tempos
Difíceis. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 1989.
BENJAMIN, Walter. “Tagebuchnotizen 1939”. Gesammelte Schriften VI,
Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1991.
BRECHT, Bertolt. Sobre a profissão do ator. Werner Hecht (org.). Trad. Laura
Brauer e Pedro Mantovani. São Paulo: Editora 34, 2022.
BRECHT, Bertolt. “Aquele que diz sim. Aquele que diz não.” Trad. L. Martinez
Corrêa e Marshall Netherland. In Teatro Completo 3. São Paulo: Paz e Terra, 2004,
p. 213 - 232.
BRECHT, Bertolt. “A alma boa de Setsuan”. Trad. Geir Campos e Antônio Bulhões.
In Teatro Completo 7. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
CAVALIERE, Arlete. “Vanguardas Russas: a arte revolucionária”. RUS 8 -10, 19-35.
2017
COSTA, Iná Camargo. “Brecht e o Teatro Épico”. Palestra realizada no Teatro
Fábrica em 03/05/2005 [mimeo].
CHKLOVSKY, Viktor. “A arte como procedimento”. In TODORV, Tvvetan (org.)
Teoria da literatura: formalistas russos. São Paulo: Editora UNEPS, 2013.
CLARK, Mark. “Herói ou vilão? Bertolt Brecht e a crise de junho de 1953”. In
Estudos Avançados, 21 (60), 2007.
DAVIS, David e O’SULLIVAN, Carmel. “Um salva-vidas apolítico”. Trad. André
Carreira. In Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas. Florianópolis, n. 3,
2000.
EATON, Katherine. The Theater of Meyerhold and Brecht. Westport: Greenwood
Press, 1985.
GATTI, Luciano. A Peça de Aprendizagem. Heiner Müller e o Modelo Brechtiano.
São Paulo: Edusp, 2015.
HAUG, Wolfgang Fritz. “Kritik ohne Mitleid?” In KOCH, Gerd et al. Massnehmen.
Kontroverse Perspektive Praxis Brecht/Eislers Lehrstück. Berlin: Theater der Zeit,
1998.
Brecht e a experiência da incongruência construtiva: dizer sim, dizer não
André Luiz Antunes Netto Carreira | Stephan Arnulf Baumgärtel
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
24
HORMIGON, Jose Antonio. Meyerhold: textos teóricos. Madrid: ADEE, 1992.
KOUDELA, Ingrid D., (org.) Heiner Müller. O Espanto no teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2003.
LANGHOFF, Matthias. “Entrevista” In Vintém, No. 1. São Paulo: Hucitec, 1998.
MIGUEL Luis Felipe. “Em Torno do Conceito de Mito Político”. In Dados vol. 41 n. 3
Rio de Janeiro, 1998.
PASTA, José Antonio. Trabalho de Brecht. São Paulo: Editora 34, 2010.
PAVIS, Patrice. Dicionário do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.
PICON-VALLIN, Béatrice. Meyerhold. Trad. Fátima Saadi, Isa Kopelman, J.
Guinsburg e Marcio Honorio de Godoy. São Paulo: Perspectiva, 2013.
PISCATOR, Erwin. Teatro Político. Trad. Aldo Della Nina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968.
RUDNITSKY, Konstantin. Russian and Soviet Theatre: tradition and avant-garde.
London: Thames & Hudson, 1988.
SASTRE, Afonso. “Ante Piscator, 1975”. In Teatro Político (Erwin Piscator).
Hondarribia: Hiro, 2001.
SCHWARZ, Roberto. “Altos e baixos da atualidade de Brecht”. In Sequências
brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SESC. Programa do Seminário República de Weimar: Cultura e Política em Tempo
de Crise, 2019.
https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/atividade/republica-de-
weimar-cultura-e-politica-em-tempo-de-crise.
ŽIŽEK, Slavoj. “Brecht: a grandeza interna do stalinismo”. Trad. André Carreira)
Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas. Florianópolis, n.9, 2007.
Recebido em: 13/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes CênicasPPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br