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Espaços urbanos em jogo:
percursos, olhares, sentidos
Liliane Ferreira Mundim
Igor Andrade Pinto da Cunha
Pedro Gaban Petindá Moreira
Beatriz Barbosa
Para citar este artigo:
MUNDIM, Liliane Ferreira; CUNHA, Igor Andrade Pinto;
MOREIRA, Pedro Gaban Petindá; BARBOSA, Beatriz.
Espaços urbanos em jogo: percursos, olhares, sentidos.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 54, abr. 2025.
DOI: 10.5965/1414573101542025e102
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Espaços urbanos em jogo: percursos, olhares, sentidos
Liliane Ferreira Mundim | Igor Andrade Pinto da Cunha | Pedro Gaban Petindá Moreira | Beatriz Barbosa
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-20, abr. 2025
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Espaços urbanos em jogo: percursos, olhares, sentidos1
Liliane Ferreira Mundim2 | Igor Andrade Pinto da Cunha3
Pedro Gaban Petindá Moreira4 | Beatriz Barbosa5
Resumo
O espaço da cidade como lócus poroso e fértil é potente indutor para teatralidades. O
presente artigo é fruto das experiências praticadas no espaço urbano que abriu brechas e
fissuras poéticas, estéticas e políticas, vivenciadas no IV Fórum Brecht e Educação. Jogar
com Brecht na cidade de Maceió, explorando seus materiais textuais, articulados aos
procedimentos dos Jogos Teatrais instaurou-se como processo colaborativo, fazendo
emergir possibilidades dramatúrgicas que a cidade ofereceu ao ser ocupada por um grupo
que propôs percorrê-la, olhá-la e senti-la.
Palavras-chave: Cidade. Jogos teatrais. Processo colaborativo.
Urban places at game: routes, views, senses
Abstract
The space of the city as a porous and fertile locus is a powerful inducer for theatricalities.
This article is the result of experiences practiced in the urban space, in which poetic,
aesthetic, and political gaps and fissures were opened, all experienced during the IV Brecht
and Education Forum. Utilizing Brecht on this space, exploring its textual materials,
articulated with the procedures of Theatre Games, was established as a collaborative
process, giving rise to dramaturgical possibilities that the city offered when occupied by a
group that proposed to walk through, observe, and feel it.
Keywords: City. Theater games. Collaborative process.
Espacios urbanos en juego: recorridos, miradas, sentidos
Resumen
El espacio de la ciudad como un locus poroso y fértil es un potente inductor de teatralidades.
Este artículo es fruto de las experiencias practicadas en el espacio urbano que abrió brechas
y fisuras poéticas, estéticas y políticas, vividas en el IV Foro Brecht y Educación. Jugar con
Brecht en la ciudad, explorando sus materiales textuales, articulados a los procedimientos
de los Juegos Teatrales, se instauró como un proceso colaborativo, haciendo emerger
posibilidades dramáticas que la ciudad ofreció al ser ocupada por un grupo que propuso
recorrerla, mirarla y sentirla.
Palabras clave: Ciudad. Juegos teatrales. Proceso colaborativo.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Mirna Juliana Santos Fonseca. Doutorado em Educação
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mestrado em Educação pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Especialização em Tradução. Graduação em Letras-Francês pela Universidade Federal
do Ceará.
2 Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mestrado em Artes Cênicas
pela UNIRIO. Graduação Licenciatura em Artes Cênicas pela UNIRIO. Profa. da graduação e pós-graduação em Artes
Cênicas da UNIRIO. liliane.mundim@unirio.br
http://lattes.cnpq.br/0974822504254521 https://orcid.org/0000-0001-7770-3861
3 Mestrando em Ensino das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação
Licenciatura em Teatro pela UNIRIO. igorandrade2805@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0062835304696204 https://orcid.org/0009-0007-5333-4556
4 Mestrando em Artes Cênicas na Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Bacharelado em Interpretação Teatral
e Licenciado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). petindapedro.contato@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/5995385421281929 https://orcid.org/0009-0007-8554-5710
5 Mestrado em Ensino de Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Licenciatura em
Teatro pela (UNIRIO). Profa.. da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro na disciplina de Artes.
beatrizcfreitasb@gmail.com http://lattes.cnpq.br/9039852472771521 https://orcid.org/0009-0007-0722-045
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Olhar para a cidade pode dar um prazer especial, por mais comum que
possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é uma
construção no espaço, mas uma construção em grande escala; uma coisa
só percebida no decorrer de longos períodos de tempo. O design de uma
cidade é, portanto, uma arte temporal, mas raramente pode usar as
sequências controladas e limitadas de outras artes temporais, como a
música, por exemplo. Em ocasiões diferentes e para pessoas diferentes,
as sequências são invertidas, interrompidas, abandonadas e
atravessadas. A cidade é vista sob todas as luzes e condições
atmosféricas possíveis (Lynch, 2011, p. 1).
Essa escrita é corporificada em múltiplos sentidos. Sonoridades, visualidades,
odores, ruídos, afetos, memórias, histórias em diálogos que atravessam fronteiras.
Percorrer os espaços com olhares ampliados, poros abertos e percepção aguçada.
Perceber a cidade em sua polifonia, suas fissuras e brechas de acesso, tentando
entender seu fluxo, suas dinâmicas, estruturas e imperfeições. Mas, acima de tudo,
observar que o espaço da cidade, o tempo todo, nos surpreende.
Para Michel de Certeau, mesmo sob a égide de um poder panóptico, a cidade
apresenta movimentos contraditórios com infinitas combinações que tentam
escapar desse poder. Tanto como balizadora ou marco totalizador, ela se torna
quase mítica para as estratégias socioeconômicas e políticas, visto que a vida
urbana vai além de projetos urbanísticos. Pode-se dizer que dificilmente a cidade
se torna dominada, programada ou controlada, pois apresenta-se de forma
rizomática, opera criando tramas de natureza multiforme, resistente, astuciosa,
teimosa e escapa à disciplina (Certeau, 1994).
Nesse sentido, ao tentarmos propor diferentes maneiras de ocupar o espaço
da cidade, a dimensão do inusitado e do imprevisível são fatores com os quais
teremos que conviver. “Jogar no espaço da cidade é estar disponível para essas
concepções, visto que esse é um espaço onde inúmeras situações serão
atravessadas, fugindo realmente a qualquer que seja a proposta de texto ou roteiro
prévio” (Mundim, 2016, p. 54).
Os relatos das experiências apresentados a seguir são um recorte de
percurso vivenciado no espaço urbano da cidade de Maceió-AL, especificamente
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na Praça Sinimbu, região central da capital. O trabalho fez parte do IV Fórum
Brecht e Educação, evento acadêmico realizado entre outubro e novembro de
20246. A oficina Jogo teatral e a cidade se configurou como uma proposta de
experimentação cênica que tem na cidade seu principal indutor para o
desenvolvimento do jogo7. De acordo com Ryngaert (2009, p. 126),
Corredores, salas de aula, refeitórios, ginásios, jardins, terrenos baldios,
prédios inteiros, são os espaços com os quais nos deparamos como
possibilidades para os experimentos, visto que a necessidade de fazer
teatro de tudo, por toda a parte, que, na maioria das vezes, faltam
instrumentos e equipamentos.
De antemão, vale ressaltar que tal experimento poderia ter sido realizado em
qualquer cidade e em qualquer espaço, ao considerar como princípio norteador o
jogo teatral e suas inúmeras possibilidades lúdicas, criativas, poéticas, estéticas e
políticas, sendo uma proposta aberta que tenta aproximar os sentidos em todas
as suas dimensões possíveis em diálogo com o espaço da cidade.
Nesse contexto ora apresentado, a perspectiva do pensamento de Bertolt
Brecht se insere como elemento fundante, fazendo com que o arcabouço das
provocações e reflexões sobre as principais questões da sociedade sejam
colocadas à flor da pele. Pode-se dizer que o pensamento de Brecht reflete, mais
do que nunca, a total conexão com a atualidade planetária. Os confrontos e
conflitos territoriais por conta dos quais muitos dos habitantes das cidades
acabam por serem expulsos da própria pátria, tornando-se nômades, emigrantes,
refugiados das guerras, desempregados em massa, demonstram o quão
importante e fundamental é o exercício da consciência política. Em suas
abordagens, o teatro faz esse papel de maneira a provocar e suscitar no sujeito-
cidadão uma reflexão crítica sobre o seu tempo e sua condição no mundo.
A professora e pesquisadora Ingrid Dormien Koudela, em seus profundos
6 O IV Fórum Brecht e Educação aconteceu entre os dias 29 de outubro e 1º de novembro de 2024 e foi
organizado em quatro eixos temáticos: Brecht: Autor Político; Brecht e a Pedagogia das Artes Cênicas; Brecht
e os Movimentos Sociais; Performance e Corpo Político na perspectiva brechtiana. O evento contou com a
participação de pesquisadoras/es das cinco regiões do Brasil, em comunicações de trabalhos acadêmicos,
apresentações artísticas e culturais, palestras e oficinas, entre as quais estava a oficina “Jogo teatral e a
cidade”, realizada na manhã de 30 de outubro.
7 “Indutor de jogo” é um conceito criado por Jean Pierre Ryngaert, que contribuiu para a pedagogia teatral
contemporânea, a qual propõe considerar outros indutores além de um texto dramatúrgico, como o espaço,
rituais cotidianos, imagens, etc.
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estudos e pesquisas sobre Bertolt Brecht e suas articulações com a aprendizagem
a partir das peças didáticas (Lehrstück) cita as pesquisas apresentadas por Reiner
Steinweg e Jehns Ihwe8 que apontam as ferramentas das abordagens do Jogo
Teatral como uma educação político-estética e como fundamento para uma
prática pedagógica e teatral que conduzem “a um modelo de ensino e
aprendizagem que aponta para um ‘teatro do futuro’ (Koudela, 1991, p. 36). Para
além das peças didáticas, os escritos de Bertolt Brecht (2000) também
demonstram como a poesia do autor é política, no sentido próprio da palavra que,
segundo Willi Bolle (2000, s/p.), propõe elucidar as leis de convivência entre os
homens na “pólis”, a metrópole contemporânea, que não é cidade-mãe, mas
praça mercantil “onde se negocia o ser humano”.
Em meio à vida contemporânea, cada vez mais veloz e ultraliberal, inseridos
em uma sociedade que luta para o fim da escala 6x19, na qual o tempo para lazer
e contemplação da própria vida e seu entorno estão cada vez mais escassos, parar
para perceber e jogar, em coletivo, com as cores, os contornos, os cheiros, os sons,
os movimentos e as pessoas de determinado espaço da cidade, torna-se uma
ação antissistema.
O espaço da cidade foi o protagonista da cena e todos os seus fatores
passaram a ser elementos provocativos de gestualidades, gestus e cenas que, aos
poucos iam se metamorfoseando em performances.
Como indutores para esse processo e baseados nos pressupostos do Jogo
Teatral, referendados em diversos pensadores desses procedimentos, o
planejamento da oficina se deu em um processo colaborativo que se iniciou com
encontros de conversas, pesquisas e elaboração do passo a passo da oficina.
8 Jehns Ishwe e Reiner Steinweg, Das Problem der Individualität in den Stücken Bertold Brechts, Kiel, 1964
(trabalho não publicado, encontra-se no Arquivo Bertold Brecht).
9 A escala 6x1 é um regime de trabalho que o profissional trabalha seis dias e folga um. Apesar de respeitar
o artigo 7° da Constituição Federal (Brasil, 1988), que prevê a jornada de trabalho de 44 horas semanais, este
regime tem se mostrado desumano, visto o alto desgaste físico e psicológico a que são submetidos/as
trabalhadores/as. Nos últimos anos, a população tem se organizado em diversas frentes de combate pelo
fim dessa escala e implementação de novos regimes de trabalho, como o 5x2 ou 4x3, presente em alguns
países da Europa. O Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que teve início nas redes sociais a partir da
organização de trabalhadores/as e ganhou as ruas nos anos de 2024 e 2025, além da PEC apresentada pela
deputada federal Érica Hilton (PSOL-SP), em 2024, são as articulações populares de combate mais
expressivas até o momento.
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Teóricos da Pedagogia do Teatro, como Viola Spolin, Ingrid Koudela, Jean
Pierre Ryngaert, Marcos Bulhões, articulados aos pensadores da arte, da
arquitetura, da educação e da filosofia, como Johan Huizinga (2019), Murray
Schaffer (1991), Kevin Lynch (2011), Michel de Certeau (1994), bell hooks (2020),
entre outros, criaram possibilidades conceituais estéticas, éticas e político-
culturais no sentido de embasar o experimento, criando fissuras e brechas de
acesso às inúmeras possibilidades de exploração do espaço da cidade em sua
polifonia, fazendo do jogo seu principal instigador.
O jogo, como posto por Huizinga, em Homo ludens (2019), representa um
papel fundamental para a formação da sociedade. Além do seu caráter voluntário,
está intrinsecamente ligado à cultura humana, permeando aspectos sociais e
culturais. Dessa forma, jogar com a cidade proporciona uma ampliação do olhar,
da consciência e da noção de pertencimento sobre aquele espaço. Perceber os
detalhes e os contrastes que estão postos no espaço em que habitamos,
questionar sobre isso, indagar, jogar e criar novos olhares, novas discussões sobre
a cidade tornam-se ações políticas que, por meio dos Jogos Teatrais, são vividas
e experimentadas em coletivo.
Os espaços públicos ou semipúblicos apresentam-se cada vez mais
organizados ou formatados de forma a não promover a interação coletiva e ao
invés de contribuir para a convivência de diferentes grupos, esses espaços estão
programados para um uso determinado e também para habitantes
determinados, impedindo muitas vezes a liberdade de opinar ou a ocupação de
forma livre e aleatória, ou seja, a invenção de novas utilidades para o espaço,
especialmente no que tange ao lazer, ao fazer artístico, político ou cultural. Desde
as obras urbanísticas que modificam sistematicamente os espaços de circulação
e convivência, passando pelos inúmeros eventos, modificações e intervenções
urbanas se configuram muitas vezes como territórios demarcados que se impõem
e interferem em diferentes espaços da cidade. O homem comum, habitante, acaba
ficando, na maior parte das vezes, alijado de uma participação mais efetiva,
tornando-se aos poucos, o apreciador passivo.
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A formação de um olhar crítico para a cidade prescinde de uma predisposição
para aguçar a percepção, desenvolver a atenção, ampliar a escuta, deixar-se afetar
por suas sonoridades, plasticidades e mudanças, mas também que essas
premissas se articulem com o conhecimento e a pesquisa sobre as políticas que
regem sua organização. Na construção do processo de urbanização, a participação
do cidadão é um desafio constante, visto que a cidade é transformação
permanente.
Nessa perspectiva, inseridos em uma realidade cada vez mais capitalista,
individualista e competitiva, é crucial, enquanto cidadãos e artistas-docentes,
construirmos comunidades de aprendizagem pautadas no pensamento crítico, a
fim de promover microrrevoluções contra essa realidade, visto que essas
comunidades são capazes de provocar microfissuras nas estruturas desse
sistema. Para bell hooks (2020, p. 92), “Uma das formas de nos tornarmos uma
comunidade de aprendizagem é compartilhar e receber as histórias uns dos
outros; é um ritual de comunhão que abre nossas mentes e nossos corações”.
Essa escrita crítica reflexiva de experiência trata o processo da oficina como
um resgate de memórias e uma reflexão da qual pôde ser tecida sob muitos
pés. Alguns pés que reconheciam aquele espaço, outros que os descobriam. E
assim, passo a passo, o coletivo do grupo participante, formado por maceioenses
sem vínculo com a universidade, discentes de licenciatura em teatro, mestrandos,
doutorandos e professores de teatro; uma diversidade de pessoas, vindas de
diversas regiões do Brasil, e outras residentes locais, juntaram-se em um grupo,
formando uma comunidade de aprendizado.
Referendados nas abordagens do “processo colaborativo”, proposto por
Antônio Araújo (2006), com seu Teatro Vertigem, é imprescindível que todos os
participantes de um processo desse tipo tenham disponibilidade e generosidade
em relação às propostas e às sugestões trazidas.
Nesse sentido, para a realização de uma oficina, em que um determinado
espaço específico da cidade servirá de palco para o jogo teatral, a escolha do lugar
para o desenvolvimento da proposta faz toda a diferença no processo. Apesar de
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primeiramente não conhecermos presencialmente o espaço a ser ocupado e
explorado para o jogo, tivemos um primeiro contato com esses locais de modo
on-line através do Google Maps, pois éramos de outros estados do Brasil10. Essa
escolha era de extrema importância porque o espaço seria um dos principais
indutores do jogo. Foram realizadas algumas reuniões on-line para planejar e
definir o local onde tudo aconteceria. Após investigarmos possibilidades que a
capital alagoana oferecia, decidimos começar o projeto pela praça Sinimbu,
localizada na região central de Maceió.
Vale ressaltar que, a princípio, nosso encontro aconteceria na praça Dom
Pedro II, mais próxima do centro urbano e do comércio local, por indicação do
professor Marcelo Gianini residente da cidade e docente da Universidade Federal
de Alagoas (UFAL) –, considerando o fácil acesso ao local.
No entanto, ao observarmos remotamente o espaço da praça D. Pedro II,
algumas características nos chamaram atenção e nos fizeram escolher pela praça
Sinimbu. Notamos que o fluxo das/os participantes seria dificultado pelas calçadas
estreitas e o grande movimento de carros e do volumoso comércio do entorno,
por um estacionamento fechado, além de identificarmos poucas árvores que as/os
protegessem do sol. Um dos aspectos da nossa oficina, definido previamente, era
chamar a atenção para a sensibilização do espaço e de si mesmo naquele lugar.
O nosso intuito era que os corpos presentes se propusessem a ouvir as
contradições do ambiente urbano, o som das árvores, dos pássaros e, ao mesmo
tempo, dos carros, das pessoas e de tudo que atravessasse aquele local. Outro
aspecto crucial que nos fez escolher a praça Sinimbu foi sua proximidade com a
praia e também com um museu aparentemente em atividade. Gostaríamos que
os participantes tivessem contato também com aqueles espaços, tendo em vista
a diversidade de estímulos que poderiam oferecer para a criação estética e a
pouca distância que os separavam. Então, definimos que a oficina passaria, em
algum momento, pelos três locais: a praça Sinimbu, a praia da avenida e o museu
Théo Brandão, localizado entre a praça e a praia.
10 A configuração do grupo de oficineiros foi organizada e elaborada pelos pesquisadores do projeto de
pesquisa Jogo Teatral no espaço da Cidade.
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Figura 1 Mapa da praça Sinimbu e arredores. Em destaque, as áreas que serviram de estações
da oficina Jogo teatral e a cidade. Fonte: Adaptação livre do Google Maps11
O material escolhido pelo grupo coordenador, que seria utilizado como
indutor e provocador para os jogos, foi selecionado dos Poemas de Bertold Brecht:
1913-1958 (Brecht, 2000) e da coletânea bilíngue Bertolt Brecht: Poesia, organizada
e traduzida por André Vallias (2024), como dito anteriormente, que mais se
articulavam ao tema cidade. Foram recortados em fragmentos mais significativos
com o intuito potencializar o jogo e suscitar diferentes possibilidades de criação
cênica, plástica e estética.
Nessa perspectiva de observar e investigar melhor o lugar/espaço onde o
trabalho será desenvolvido, foi fundamental chegar ao local com antecedência
para conhecer o lugar presencialmente. Observou-se de antemão que a praça
estava totalmente diferente do que havíamos visto no campo virtual. Tanto a
coloração das plantas, alguns equipamentos urbanos, como, por exemplo, a
escultura do “menino mijão” estava desgastada e os azulejos pichados. Aquela
praça, que havia sido reformada pouco tempo (no final de 2020 e durante 2021),
já apresentava sinais de descuidado e má preservação. Apesar disso, havia muitas
11 Disponível em: https://maps.app.goo.gl/tvXJNy2837273kJ56. Acesso em: 7 abr. 2025.
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árvores, como aparecia no Google Maps. O que mais nos chamou atenção ao
chegar naquele ambiente foram os acampamentos improvisados com lonas
plásticas e muitos ocupantes. Havia alguns varais, também improvisados, com
roupas estendidas. Mais tarde nos contaram que parte daquelas pessoas vivia em
situação de vulnerabilidade social e fazia parte do movimento agrário, e que eles
vinham ocupando aquela praça desde 2022. Com o intuito de não invadir e
incomodar o espaço dessas pessoas que estavam vivendo ali, escolhemos um
local no centro da praça, próximo à estátua do poeta Jorge de Lima. Tinha uma
enorme árvore perto dessa escultura e decidimos colocar nossa instalação-varal
nela, com alguns poemas fragmentados de Bertolt Brecht. Esses fragmentos
seriam utilizados mais tarde, no decorrer da oficina.
Figura 2 Exercícios de sensibilização no início da oficina. Ao fundo, a instalação de poemas
brechtianos na praça Sinimbu. Fonte: Acervo pessoal dos autores
Os participantes inscritos começaram a chegar e fomos nos reunindo
próximo à árvore. Iniciamos com uma grande roda, nos apresentando e pedindo
que todos também se apresentassem. Um aspecto interessante desse momento
foi descobrir que, assim como nós (ministrantes da oficina), alguns participantes
também não eram da cidade: haviam viajado para participar do fórum. Algumas
pessoas haviam crescido ali, no chão daquela praça, outros o pisavam pela
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primeira vez, formando assim um grupo muito diverso. Esse misto de experiências
guiaria as nossas práticas seguintes. Como relatado antes, o fato de adentrarmos
um espaço desconhecido nos fez querer abordar essa oficina, inicialmente, através
de estímulos sensoriais e, a partir disso, fomentar reflexões de cunho poético,
crítico e político. Gostaríamos de conhecer a história daquele lugar através das
memórias de quem o conhecia, mas também a partir das memórias que ali
seriam criadas pela primeira vez.
Como proposta iniciante, a preparação para o jogo foi a partir do exercício
Olhar 360°, que auxiliou nesse entendimento dos participantes enquanto um
grupo, além de conectá-los ao espaço de jogo. O Olhar 360° consiste em, como
um cardume, observar juntos o local disponível para o jogo. Esse exercício, que
pode ser visto como simples, é de suma importância para percebermos o espaço
em diferentes planos. Marcos Bulhões Martins (2004, p. 24) destaca três desses
planos:
[...] a atitude contemplativa do mundo circundante, no sentido utilizado
na filosofia zen, o olhar analítico voltado para os detalhes, as diferenças
e semelhanças e, por último, o olhar lúdico e poético que transforma
simbolicamente o que vê, refuncionalizando os objetos, subvertendo
atmosferas e transpondo o espaço real para o espaço da ficção.
Esses três planos: contemplativo, analítico e lúdico foram explorados pelos
participantes por meio do que chamamos aqui de “ferramentas para olhar”, que é
a base para que o participante vivencie plenamente a oficina, a fim desse olhar
estar mais aguçado e sensível, não às cores, aos cheiros, à temperatura e às
pessoas que ocupam aquele lugar, mas também à poesia, às metáforas e à
ludicidade.
Nesse viés, a palavra “olhar” ganha maiores dimensões, para além daquilo
que se vê, abrangendo também aquilo que se sente, que se ouve, que atravessa o
corpo, a mente e a criatividade. Dessa forma, essas ferramentas transformam a
maneira com que os participantes olham determinado espaço, possibilitando
àqueles que não são naturais ou não vivem no local onde a oficina está
acontecendo, retornar ao seu espaço habitual e olhá-lo por uma outra ótica, mais
aguçada, sensível, lúdica e poética.
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Os sentidos se ampliaram à medida que novos indutores foram inseridos ao
jogo. Fragmentos textuais de Bertolt Brecht vieram para, mais do que trazer a
camada textual, instaurar um distanciamento daquilo que havia se tornado
habitual ao olhar dos participantes da oficina. Como um “procedimento de tomada
de distância da realidade representada” (Pavis, 2003, p. 106), para Brecht, o
distanciamento é não somente um ato estético, mas principalmente político.
Pode-se perceber, portanto, que embora algumas pessoas não estivessem
habituadas àquele local, elementos presentes em diversas senão em todas – as
cidades do mundo ocupavam aquele espaço, como: pessoas em situação de rua;
trabalhadores cuidando da grama da praça, pintando meio fio; transeuntes;
crianças brincando na praça; locais que não podem mais ser espaço de lazer por
conta da degradação do meio ambiente, como a praia na qual encerramos a nossa
oficina. Tudo isso se tornou referência comum aos participantes, uma vez que eles
puderam fazer associações entre a cidade de Maceió e a cidade onde vivem.
Uma das associações feitas pelos participantes está relacionada à crise
ambiental provocada pela multinacional Braskem12. Apontado como o maior
desastre ambiental urbano do mundo, provocou o afundamento de cerca de 20%
do território da capital alagoana, devido à exploração de sal-gema pela Braskem,
causando evacuação de bairros inteiros. Além da degradação ambiental, no âmbito
social, isso extrai da população o pertencimento sobre aquele espaço em que
habita, o que percebemos estar se tornando comum em diversas cidades do Brasil.
Em muitos locais do país, empresas multinacionais se apropriam de territórios,
colocando em risco a vida da população que vive e pertence àquele lugar, em
nome da exploração e do lucro desenfreados. Esse é o caso das cidades de
Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, que sofreram com o rompimento de
barragens. É também o caso de Volta Redonda-RJ, que sofre constantemente com
a poluição do ar, do solo e das águas, em consequência das atividades da indústria
de siderurgia CSN.
12 A empresa Braskem é uma das maiores empresas petroquímicas do mundo. A exploração de sal-gema na
cidade de Maceió provocou tremores de terra, causando rachaduras em imóveis e no asfalto dos bairros da
cidade. Esse desastre ambiental levou ao afundamento do solo e à evacuação dos moradores de diversos
bairros da cidade, encadeando inúmeros problemas sociais e ambientais.
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Esse ponto despertou nos participantes da oficina, principalmente naqueles
que vivem em Maceió, a necessidade de falar, de narrar sobre esse acontecimento
que está assolando as cidades onde vivem. Dessa forma, essas questões
ambientais, sociais e políticas ganharam dimensões poéticas ao atravessarem a
construção do fragmento cênico que veio a ser construído e apresentado ao final
da oficina.
A proposta de interação e intervenção poética naquele espaço, através do
jogo, também auxiliou na conexão entre o grupo de jogadores e o lugar. Logo ao
se depararem com uma árvore no meio da praça, envolta de barbante com
poemas brechtianos pendurados, um estranhamento foi provocado, tanto para os
participantes da oficina, quanto para os transeuntes que passavam, olhavam e
liam alguns poemas.
A teatralidade foi tomando conta da atmosfera do local, com o surgimento
de uma nuvem sonora, à medida que líamos os poemas juntos, em voz alta,
ecoando Brecht. A marca deixada pelos participantes não foi apenas no âmbito
sonoro, mas também no âmbito visual, ao disponibilizarmos giz para que eles
pudessem elencar “marcos” dos pontos que mais chamaram a atenção deles
naquele local. Esse estímulo fez com que diversos “X” aparecessem pela praça,
ruas e na orla da praia, contribuindo para a criação do fragmento cênico ou
intervenção cênica.
Essa intervenção emergiu do jogo, por meio de indutores, como: os
fragmentos textuais, as partituras corporais, os “marcos” elencados por cada
participante e o espaço urbano como um todo, com seus sons, suas cores, suas
arquiteturas e suas histórias. Todos esses elementos serviram de indutores para
o surgimento de “materialidades dramatúrgicas” que possibilitaram a construção
do fragmento cênico.
Espaços urbanos em jogo: percursos, olhares, sentidos
Liliane Ferreira Mundim | Igor Andrade Pinto da Cunha | Pedro Gaban Petindá Moreira | Beatriz Barbosa
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-20, abr. 2025
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Figura 3 Fragmento cênico em um dos marcos elegidos por participantes, na avenida da Paz
Fonte: Washington da Anunciação
Outro aspecto desenvolvido na oficina girou em torno do aquecimento
corporal e criativo, articulando os conceitos musicais de ritmo e melodia como
provocadores de movimento e de sonoridades possíveis; sempre impulsionados
pelos estímulos sensoriais da praça Sinimbu e arredores, com especial atenção à
polifonia de sua música.
A partir da leitura de Murray Schaffer, compositor e educador musical
canadense que privilegia o desenvolvimento de uma audição qualificada para as
sonoridades cotidianas, temos o conceito de melodia como
[…] levar um tom a passeio. Para termos uma melodia, é preciso
movimentar o som em diferentes altitudes. Isto é chamado mudança de
altura. A fala usa o som em um deslizar contínuo, e chamamos a melodia
da fala de inflexão (Schaffer, 1991, p. 69).
A forma como Schaffer escolhe descrever o termo já nos convida a imaginar
um percurso, um caminho de investigação que confere ao som diferentes
roupagens, coloridos e texturas. Quais são os caminhos sonoros que a cidade
percorre em sua melodia polifônica? A partir dos trajetos que esses sons
inscrevem no meu corpo, quais as reverberações sonoras que ele devolve? Quais
sons me convidam a passear pela cidade?
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Todas essas questões carregam em si uma grande potência criadora,
provocando à experimentação corporal, incluindo o movimento e o som, sendo a
voz o mais versátil de todos eles, pensando um corpo integrado, onde um conceito
musical opera também composições visuais e cênicas. Avançando na leitura de
Schaffer, deparamo-nos com uma definição de ritmo que também é bastante
operativa para a composição cênica, quando o autor considera que “ritmo é
direção. O ritmo diz: ‘Eu estou aqui, e quero ir para lá’. Originalmente, ritmo e rio
estavam etimologicamente relacionados, sugerindo mais o movimento de um
trecho. No seu sentido mais amplo, o ritmo divide o todo em partes” (Schaffer,
1991, p. 75). Essa compreensão sobre ritmo coloca uma camada espacial sobre o
conceito. muitas vezes relacionado ao tempo (uma música mais acelerada, ou
mais ralentada), pelo senso comum, de forma que as escolhas de direção pelo
trajeto na cidade também têm algo de rítmico. Dessa forma, quais são as direções
que o corpo e a voz apontam quando se realiza um movimento rítmico? Por quais
rios podemos navegar pela cidade?
Ao lado da praça Sinimbu está o leito do rio Salgadinho ou pelo menos
estava. É que o rio foi desviado de seu trajeto, aponta para outra direção, outro
ritmo: hoje é esgoto de boa parte do centro da capital alagoana. Por desaguar no
mar, também é impedido o banho nas águas da Praia da Avenida, contaminadas
pelos rejeitos e dejetos humanos; ainda assim, seres humanos habitando as
areias da praia, em situação de extrema vulnerabilidade. Também há pessoas em
situação de rua na praça Sinimbu, famílias inteiras habitando barracos
improvisados entre as árvores e monumentos, como o mais majestoso de todos,
homenagem ao visconde que dá nome ao local, em contraponto àquele, a poucos
metros de distância, na mesma praça, de um menino nu, urinando, chamado de
“Mijãozinho”. outras crianças na praça, mas nenhuma delas brincava no
parquinho de madeira. Estavam no outro extremo do lugar, com sua família e, com
elas, a miséria. No dia da oficina, havia trabalhadores de manutenção e limpeza
urbana, com suas ruidosas máquinas de podar a grama, e havia moradores antigos
da cidade, que quando crianças, brincaram no parquinho de uma praça “mais
tranquila”.
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Um deles é Luizinho, artista plástico local que participou de grande parte das
atividades da oficina. A partir de uma pequena aproximação dele, lendo uma
poesia de Brecht, imediatamente o fez lembrar de um filme, no qual um rapaz
vestia óculos que lhe mostravam a verdade por trás das falácias dos anúncios, das
propagandas políticas e dos discursos de figuras públicas13.
Esses e outros momentos de troca e conexão com o outro se estenderam ao
longo dos jogos e exercícios propostos, o que possibilitou às pessoas ali presentes
estabelecerem microconexões de lugares. Ou seja, participantes de diferentes
estados do país encontravam afinidades ao compartilhar as dimensões e questões
de pertencimento entre as cidades onde nasceram, os locais onde vivem e o
espaço em que estavam vivenciando a oficina. Aquele lugar, que para alguns era
cotidiano e para outros totalmente novo, ganhava novas camadas ao ser tomado
pela teatralidade proposta por meio dos sentidos que foram ampliados com as
“ferramentas do olhar” através dos jogos que estavam sendo experienciados na
oficina.
Figura 4 Fragmento cênico no calçadão da Praia da Avenida
Fonte: Acervo pessoal dos autores
Dessa maneira, constatamos o que Marcos Bulhões Martins aponta:
[...] o espaço é o elemento que condensa em si o tempo da história, que
reflete as relações sociais, indissociável do humano. Por outro, o espaço
pode ser o trampolim da imagem poética, uma porta para os devaneios
da imaginação, um reflexo do interior, da subjetividade de cada indivíduo
13 Filme Eles Vivem (They Live, 1988) de John Carpenter.
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(Martins, 2004, p. 229-230).
Considerando que vivemos tempos de incertezas, liquidez de antigos
sentimentos e dissolução de vínculos, o exercício da cidadania e da vida em
sociedade pode estar pautado em construir novos sentidos, tentar escapar das
obviedades, inventar outros percursos, mais do que se instrumentalizar em
tecnologias ou métodos, potencializando canais sensíveis e perceptíveis.
Para Certeau (1994, p. 38), “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça
não autorizada”. Nesse sentido, o espaço da cidade se torna o lugar onde as
astúcias e combinações de poderes sem identidade são fatores impossíveis de
serem detectados, posto que são infinitas as variedades de práticas cotidianas.
Reinventa as maneiras de fazer cotidianas, age de forma inteligente, nas brechas
e fissuras dos espaços mais imprevisíveis (Certeau, 1994).
Por meio dos jogos vivenciados, os participantes conseguiram trazer, de
forma poética e cênica, muitas inquietações, impactos e reflexões geradas durante
o processo da oficina. Podemos afirmar que pequenos fragmentos dramatúrgicos
foram construídos, em coletivo, ao longo da apresentação dessas intervenções
cênicas e que, se tivéssemos mais tempo e fosse o objetivo da oficina, poderíamos
ampliar a construção de uma dramaturgia, caminhando mais ainda no processo
coletivo e colaborativo.
Figura 5 Máquina de Sons e Movimentos criada a partir dos fragmentos cênicos e reflexões
coletivas durante a oficina. Fonte: Washington da Anunciação
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O impacto desses procedimentos desenvolvidos durante a oficina saltou aos
olhos. Foi possível perceber como uma mudança de percepção e experimentação
estética sobre a cidade impulsiona perspectivas de problematização da ordem do
que é político, do que é social e do que é ambiental. Durante toda a oficina, os
exercícios e jogos teatrais, que buscavam provocar nos/as participantes uma
abertura sensível à cidade, a “olhá-la com outros olhos” através de lentes criativas,
ouvir a sua música polifônica, a sentir seu perfume e seu odor, seu sol e sua
sombra, ficou perceptível e interessante de notar nos participantes essa
sensibilização do olhar para o espaço urbano.
Sendo o formador de Teatro, antes de tudo, um educador do olhar, Lynch
afirma que,
A cada instante, mais do que o olho pode ver, mais do que o ouvido
pode perceber, um cenário e uma paisagem esperando para serem
explorados. Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação
aos seus arredores, às sequências de elementos que a ele conduzem e à
lembrança de experiências passadas. [...] Cada cidadão tem vastas
associações com alguma parte de sua cidade, e a imagem de cada um
está impregnada de lembranças e significados (2011, p. 1).
Diante dessas premissas, pode-se dizer que a potência do teatro e da força
política de suas estratégias e táticas, como ações metodológicas fundamentais,
perpassam também por perceber e pesquisar suas diferentes contribuições, no
sentido de que possam fortalecer o sujeito para o enfrentamento das adversidades
do ambiente, geralmente causticante e massificador da cidade, compreendendo
suas idiossincrasias, seu processo de formação cultural.
O jogo, definido por Koudela (1991, p.133) como o “eixo do processo de
desenvolvimento da representação dramática” e seus procedimentos, aliados a
indutores potentes como os poemas de Bertold Brecht e em diálogo aberto com
o espaço da cidade, permitiram que outros olhares, diferentes percepções e
significados ampliassem as camadas da sensorialidade e do plano sensório-
corporal.
Nesse sentido, o IV Fórum Brecht e Educação comprovou a potência do ato
artístico coletivo.
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Vejam bem o procedimento dessa gente
Estranhável, conquanto não pareça estranho
Difícil de explicar, embora seja tão comum.
Difícil de entender, embora seja a regra.
Até o mínimo gesto, simples na aparência
Olhem desconfiados! Perguntem
Se é necessário, a começar do mais comum”
E, por favor, não achem natural
O que acontece e torna a acontecer
Não se deve dizer que nada é natural
O que acontece e toma a acontecer
Numa época de confusão e sangue,
Desordem ordenada, arbítrio de propósito,
Humanidade desumanizada
Para que imutável não se considere
Nada! (Brecht, 1994, p. 132)
Referências
ARAÚJO, Antonio. O processo colaborativo no Teatro da Vertigem. Sala Preta, São
Paulo, v. 6, p. 127-133, 2006.
BOLLE, Willi. Orelha do livro. In: BRECHT, Bertolt. Poemas: 1913-1956. São Paulo:
Editora 34, 2000.
BRECHT, Bertolt. Teatro completo em 12 volumes. Trad. Geir Campos. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1994.
BRECHT, Bertolt. Poemas: 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2000.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes,
1994.
HOOKS, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante,
2020.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2019.
KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo:
Perspectiva, 1991.
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
MARTINS, Marcos Bulhões. Encenação em jogo: experimento de aprendizagem e
criação do teatro. São Paulo: Hucitec, 2004.
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MUNDIM, Liliane Ferreira. O espaço da cidade como indutor de jogo teatral. Tese
(Doutorado em Artes Cênicas) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2016.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Trad. Marisa Trench de O. Fonterrada,
Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1991.
VALLIAS, André. Bertolt Brecht: poesia. São Paulo: Perspectiva, 2024.
Recebido em: 11/02/2025
Aprovado em: 22/03/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
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