1
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica
em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Para citar este artigo:
FIGUEIREDO, Ricardo Carvalho de. Lidar com o (im)possível:
a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de
Covid-19.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 2, n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0208
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
2
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de
Covid-191
Ricardo Carvalho de Figueiredo2
Resumo
Esse texto buscou refletir ações do Residência Pedagógica Artes, pensadas durante o Ensino
Remoto Emergencial (ERE) adotado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Registramos
e analisamos ações, necessárias para a continuidade na formação acadêmica de
profissionais de Artes. As experiências trazidas revelam o quanto pode ser frutífero
pensarmos que as Tecnologias Digitais podem estar a favor do processo de criação artística
e nos auxiliar a manter a chama artística latente em cada um dos envolvidos no processo.
Percebemos que foi possível recriarmos modos outros de exercitarmos a formação docente
em Arte tal como a mediação pedagógica, lidando com o (im)possível.
Palavras-chave
: Residência Pedagógica. Ensino de Arte. Pandemia. Formação de professores.
Dealing with the (im)possible: the pedagogical residency in arts during the covid-19
pandemic
Abstract
This text seeks to reflect on the actions of the Arts Pedagogical Residency, designed during
the Emergency Remote Education (ERE) adopted by the Federal University of Minas Gerais.
We recorded and analyzed actions that are necessary for continuity in the academic training
of arts professionals. These experiences reveal how fruitful it can be to think that Digital
Technologies can be in favor of the process of artistic creation and help us to keep the artistic
flame burning in each of those involved in the process. We realized that it was possible to
recreate other ways of exercising teacher training in Art, such as pedagogical mediation,
dealing with the (im)possible.
Keywords:
Pedagogical residency. Art teaching. Pandemic. Teacher training.
Lidar con lo (im)possible: la residencia pedagógica en artes durante la pandemia de
Covid-19
Resumen
Este artículo busca reflexionar sobre las acciones de la Residencia Pedagógica de Artes, que
fueron ideadas durante el programa de Emergencia de Enseñanza a Distancia (ERE) adoptado
por la Universidad Federal de Minas Gerais. Registramos y analizamos acciones necesarias
para la continuidad en la formación académica de los profesionales de las artes. Estas
experiencias revelan lo fructífero que puede ser pensar que las Tecnologías Digitales pueden
estar a favor del proceso de creación artística y ayudarnos a mantener encendida la llama
artística en cada uno de los implicados en el proceso. Nos dimos cuenta de que era posible
recrear otras formas de ejercer la formación docente en Arte, como la mediación pedagógica,
lidiando con lo (im)posible.
Palabras clave
: Residencia pedagógica. Enseñanza del Arte. Pandemia. Formación de
profesores.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Adélia Aparecida da Silva Carvalho.
Doutorado em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestrado em Letras pela UFMG.
Licenciada em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
2 Pós-doutorado pela Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo) Argentina. Doutorado e Mestrado em Artes
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialização em Arte-Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Graduação- Licenciatura em Artes Cênicas pela
Universidade Federal de Ouro preto (UFOP). Prof. graduação em Teatro e da Pós-Graduação em Artes na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). ricaredo@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/9728770669406605 https://orcid.org/0000-0001-7106-3592
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
3
Introdução
Esse texto buscou refletir sobre duas ações do Residência Pedagógica Artes,
a partir do olhar de um coordenador, pensadas durante o Ensino Remoto
Emergencial (ERE) adotado tanto pela Universidade Federal de Minas Gerais,
quanto pelo governo do Estado de Minas Gerais. Registramos e analisamos essas
ações e suas respectivas adaptações, necessárias para a continuidade na
formação acadêmica de profissionais de artes visuais, dança, música e teatro
cursos de graduação envolvidos no RP Artes. As experiências trazidas para
compartilhar com o leitor revelam o quanto pode ser frutífero pensarmos que as
Tecnologias Digitais podem estar a favor do processo de criação artística e nos
auxiliar a manter a chama artística latente em cada um dos envolvidos no
processo. Se olharmos pela lógica convivial, sabemos que deixamos de
experimentar muitos processos que, até então, dominávamos. Mas com a
desestabilização da vida, acelerada pela pandemia COVID-19, vimos que é possível
recriarmos modos outros de exercitarmos a formação docente em Arte tal como
a mediação pedagógica, lidando com o (im)possível.
Além do susto inicial e da esperança de que a retomada presencial
aconteceria em breve, com o passar do tempo e o agravamento da pandemia, o
número cada vez mais expressivo de mortes, vidas perdidas, rotas alteradas,
fizeram com que nos adaptássemos ao “novo normal”. Esse texto também é uma
forma de registro para que gerações futuras saibam desta pandemia e dos
esforços de cada um(a) para manter a formação de profissionais em Arte viva, sem
perdermos a oportunidade de continuidade de um trabalho necessário à
sociedade brasileira. Daí, advém dois questionamentos: De que modo é possível
conceber a criação em Arte no contexto das mídias digitais? E como assegurar a
excelência na formação docentes em Artes quando se recorrer, quase
exclusivamente, às Tecnologias Digitais como mediadoras do processo
pedagógico? Trata-se de refletir sobre os limites e as potências do digital na
tessitura do sensível, em que o fazer artístico e o ato de ensinar se entrelaçam em
novas paisagens de sentido. Realizamos uma análise das situações vivenciadas e
experenciadas pelos licenciandos em Artes no RP.
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
4
O nosso subprojeto contou com a participação de 4 docentes orientadores3,
cada um representando uma das licenciaturas em Artes da UFMG (Artes Visuais,
Dança, Música e Teatro); 3 preceptores4, 24 residentes5. Desde o início do programa
estabelecemos reuniões semanais com quatro horas/aula de duração às sextas-
feiras, das 14h às 17:40h, para as reuniões do programa. Nessas reuniões todos
estávamos incluídos, totalizando 31 pessoas.
Destacamos dois objetivos presentes no edital do RP, que nos auxiliaram no
alinhamento do trabalho:
Fortalecer e ampliar a relação entre as Instituições de Ensino Superior e
as escolas públicas de educação básica para a formação inicial de
professores da educação básica; fortalecer o papel das redes de ensino
na formação de futuros professores (Brasil, 2020, p.01-02).
Esses objetivos do RP foram desenvolvidos ao longo dos anos de 2020 a 2022,
totalizando os 18 meses de vigência do programa. Para tanto, escolhemos realizar
uma análise com um enfoque teatral, inicialmente pela formação dos autores do
presente artigo.
Fundamentação para pensar a prática
Nos apoiamos no pensamento de que a cultura convivial (Dubatti, 2020),
baseada ancestralmente na presença física e compartilhada no mesmo tempo-
espaço físico, se mesclava com a cultural tecnovivial (Dubatti, 2020) definida
como “aquellas acciones en soledad o en reunión desterritorializada que se
realizan a través de recursos neotecnológicos (de audio, visuales y audiovisuales),
en presencia telemática que permite la sustracción del cuerpo físico.” (Dubatti,
2020, p. 10), com o agravamento da pandemia e a necessidade do isolamento
social, acelerou nossa migração, ainda que temporária, do teatro convivial para o
teatro tecnovivial.
3 “Docente da Instituição de Ensino Superior (IES) responsável por planejar e orientar as atividades dos
residentes de seu núcleo de residência pedagógica estabelecendo a relação entre teoria e prática”. (Brasil,
2020, p.02).
4 Professor da escola de educação básica responsável por planejar, acompanhar e orientar os residentes nas
atividades desenvolvidas na escola-campo.” (Brasil, 2020, p.02)
5 “Discente com matrícula ativa em curso de licenciatura que tenha cursado o mínimo de 50% do curso ou
que esteja cursando a partir do 5º período.” (Brasil, 2020, p.02)
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
5
Conforme nos recorda Lea Freyre (2020), a presença, o convívio e o contato
eram, até então, o que singularizava a experiência do teatro em nossa concepção
convivial. O que nos foi retirado com o isolamento social. Mas se não podemos
mais estar juntos, compartilhando o mesmo tempo-espaço, demos início a novos
modos de jogar com essas noções.
Se a noção de espaço havia se dilatado ao longo das transformações
estéticas ao longo do século XX, a ampliação da presença física em um mesmo
lugar foi intensificada com a pandemia. Ao mesmo tempo em que estamos em
busca de novos modos de conceber o teatro, também tem se intensificado o
modo de interação do espectador, que tendo o teatro e as outras artes na palma
da mão, quando o assiste via
smartfone
, o pausa, avança, muta etc., criando
também sua coedição da obra e, conforme nos lembra Cornargo (2008), o
espectador tem cada vez mais um comportamento “midiatizado, essencialmente
estético, isto é, mais subordinado a esses meios (de percepção)” (Cornargo, 2008,
p.187).
Ou, conforme aponta Farah Salaverry (2020, p.53):
La ficción que usualmente nos permite escapar de nuestra realidad en la
actualidad adquiere un sentido más potente, pues el público necesita
olvidar por un momento el contexto en el que se encuentra. Por otro lado,
las próximas creaciones que se realicen a partir de lo que estamos
viviendo servirán como archivo escénico. Serán fuentes históricas que
relaten lo que sucedió, para que futuras generaciones tengan
conocimiento de lo que significó vivir en este tempo.
Se por um lado, tal como apontado por Salaverry (2020), o teatro, enquanto
exercício ficcional, auxilia o ser humano a suspender a realidade aterrorizante na
qual estávamos imersos, por outro lado é um modo de auxílio das denúncias
necessárias e vitais de nossos corpos, políticos e históricos.
É nesse sentido que entendemos que a formação em Arte tem seu início
antes do ingresso à carreira universitária, dada a aproximação do teatro e das
outras artes com manifestações espetaculares presentes em diversas ações da
cultura brasileira, também advindas desde a infância. Além disso, vias formais de
ensino de Arte têm oportunizado com que crianças e jovens tenham o teatro como
componente curricular na educação básica e em projetos na educação não-
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
6
formal.
O teatro e seu modo de ensinar-aprender antes da pandemia se apresentava
como “quase indestrutível”, conforme nos aponta Roland Schimmelpfennig (2020,
p.05):
El teatro parecía casi indestructible, no necesita prácticamente nada, no
necesita techo ni electricidad. A diferencia de la radio, la televisión, el cine
e Internet, el teatro es algo así como un dinosaurio analógico y pájaro del
paraíso al mismo tiempo, encantador, brusco, maleducado, vanidoso, a
veces presuntuoso y vacío, en ocasiones también espantosamente
sincero y honesto y necesario, en su diseño básico muy old school, pero
también decisivo en la permanente reinvención de la modernidad.
Porém, essa capacidade “quase indestrutível” foi, momentaneamente,
destruída ou inviabilizada com a necessidade de isolamento social para a
manutenção da nossa saúde e sobrevivência.
“Para el teatro, la COVID-19, además de una catástrofe, es un apasionante
campo de pruebas para seguir explorando otras posibilidades” (Cornargo, 2021,
p.15). Muitos de nós começamos a temporada da quarentena com cara boa,
sabendo que o teatro já precisou se reinventar com as diversas ameaças sofridas
ao longo de sua história, tal como com o advento do cinema, da televisão, da falta
de público etc.; o que encheu alguns de esperança e motivação para encarar as
incertezas da melhor maneira possível. E, como nos lembra Oscar Cornago (2021),
começamos buscando novos modos de explorar as possibilidades teatrais.
Foi interessante observar, no primeiro momento da pandemia, como artistas
da cena responderam às adversidades do momento. A câmera amadora ou
profissional, o espaço real da casa do artista, o corte, as edições, as telas divididas
entre os atores, a adaptação de obras presenciais para a tela, adentraram as
encenações.
Conforme salienta Jorge Dubatti (2020, p. 16):
La reclusión ha puesto al desnudo la condición precaria de los
trabajadores teatrales en la Argentina: hay hambre y no se pueden dar
funciones ni clases. Se cortó el ecosistema económico teatral que a
muchos artistas les permite vivir (o sobrevivir) de la profesión.
E isso também ocorreu com os profissionais em formação, pois ainda sem a
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
7
profissionalização e, muitas vezes, sem a relação com o trabalho, se viram
desamparados. A participação no RP, nesse sentido, auxiliou muito os estudantes
a terem uma fonte de renda, que a bolsa era, para muitos, a única fonte
monetária.
E, de algum modo, também provocou jovens artistas em formação a se
lançarem nos meios tecnológicos possíveis para realizar ações teatrais,
participando de uma frente de experimentação de um teatro tecnovivial. O que se
aproxima do que nos trouxe Oscar Cornago (2021) ao dizer que o teatro ao invés
de:
poner al día su currículum para demostrar su utilidad ante esta
emergencia, como tampoco negarse a aceptar lo que ya está pasando,
sino aprovechar, como ha hecho siempre, la anormalidad de lo
aparentemente normal, bautizada por algunos por si quedara alguna
duda como la “nueva normalidad”, para tomar conciencia de que no
hay normalidades que no sean las que una determinada sociedad se
concede a sí misma (Cornago, 2021, p.14).
Se o ensino do teatro tem se estruturado historicamente a partir de um
modelo hegemônico o teatro-matriz –, o que se observou nas propostas
desenvolvidas pelos profissionais em formação foi um movimento de
questionamento, ainda que por vezes inconsciente, desse paradigma. Tal
movimento incidiu tanto sobre os modos de conceber a cena teatral quanto sobre
as práticas pedagógicas no contexto presencial. Emergiram, nesse processo,
outras competências trazidas pelos jovens, como a habilidade de transmutar
experiências cotidianas em matéria poética, roteirizando cenas ancoradas em seu
universo imediato para compartilhá-las com o mundo. Destaca-se, ainda, a criação
de materiais didáticos em teatro com o potencial de circulação entre públicos
especializados e não especializados, ampliando os horizontes de acesso e fruição
da linguagem cênica (Gasperi; Figueiredo, 2023) .E como nos lembra Farah
Salaverry (2020, p.53):
Muchos utilizamos como fuente de inspiración el día a día, la naturaleza
y distintos eventos que acontecían en nuestra cotidianeidad. Sin
embargo, la ansiedad, el estrés y los demás límites del encierro nos
generan rechazo a la creación sobre nuestra realidad actual, por lo que
buscamos mediante la ficción una forma de escape.
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
8
Não podemos deixar de mencionar o contraponto de cada uma dessas ações,
que para o neoliberalismo é muito mais econômico multiplicar e reproduzir
hologramas do que pensar na formação de artistas em escolas com estrutura e
docentes qualificados, em universidades públicas. E não podemos perder de vista
o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde encontramos que
todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios. Logo, negar a possibilidade de acesso aos meios de produção simbólico
de um povo na universidade pública é alijar a formação artística de novas gerações.
No âmbito das propostas desenvolvidas pelo coletivo do Programa de
Residência Pedagógica (RP), os residentes foram instigados a conceber e
implementar exercícios de criação voltados a estudantes do Ensino Médio. Tais
atividades buscaram explorar a criatividade por meio da virtualidade, utilizando as
Tecnologias Digitais (TDs) como mediadores do processo formativo e expressivo.
(Gasperi; Figueiredo, 2023.) Essa virtualidade também será analisada enquanto
aquilo que existe como potência, do devir próprio das artes.
Uma leitura das atividades interartes
O RP precisou seguir as Resoluções vigentes da UFMG referentes ao processo
de ensino-aprendizagem nos cursos de graduação. Desse modo,
No contexto da pandemia da Covid-19, o Ensino Remoto Emergencial
(ERE) apresenta-se como uma possibilidade concreta para garantir a
continuidade do processo ensino-aprendizagem dos estudantes nos 91
cursos de graduação da UFMG. No entanto, a adoção dessa solução
temporária demanda, além da garantia dos meios e das condições
materiais para implementação da proposta, reflexões sobre os processos
pedagógicos que constituem as práticas de ensino e de avaliação nas
diferentes atividades acadêmicas curriculares dos cursos de graduação
(UFMG, 2020, p.05).
Para toda a comunidade acadêmica, a necessidade de adaptação foi grande
e para muitos, sem nenhuma referência anterior com aulas no formato não-
presencial, diversas modificações precisaram acontecer. Logo, a ideia não era
transpor as ações previstas para o RP do formato presencial para o remoto. Cada
um de nós precisou rever seu modo de pensar o ensino de Arte mediado pelas
TDs, extrair o essencial e criar estratégias para o novo formato de ensino.
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
9
Destacamentos que os encontros semanais do grupo assumiram um caráter
marcadamente experimental. Em um primeiro momento, buscou-se compreender
a complexa dinâmica de reunir, em um mesmo ambiente virtual, 31 participantes
com formações, realidades socioculturais e condições de acesso às tecnologias
bastante heterogêneas incluindo variações no tipo de conectividade, nos
dispositivos disponíveis e nos espaços físicos utilizados para participação remota.
Em uma etapa subsequente, foram realizados seminários temáticos que
atravessaram as vivências do coletivo, abordando questões como os processos de
inclusão e exclusão de estudantes sem acesso aos meios digitais; as relações de
cuidado e violência nos contextos domésticos; a arte como refúgio diante da
solidão e do medo da morte; e as práticas de uma arte negra, indígena engajada,
pensadas para a escola do século XXI (Gasperi; Figueiredo, 2023).
Após essa etapa de prepararmo-nos para discussões que se apresentavam
como latentes na educação básica, veio o momento de elaborar ações que
pudessem alcançar os jovens do Ensino Médio.
Foi nesse contexto que escolhemos falar de uma proposta dos residentes: a
criação e execução de um sarau virtual, enquanto ação de extensão do fazer
artístico.
Diante da impossibilidade de realizar aulas síncronas uma vez que o
Governo do Estado de Minas Gerais não implementou políticas efetivas para
garantir os acessos dos estudantes a equipamentos e à internet –, tornou-se
necessário repensar as estratégias pedagógicas. Neste contexto, optou-se pelo
desenvolvimento de ações formativas em formato assíncrono, voltadas aos
estudantes do Ensino Médio, como forma de mitigar desigualdades de acesso e
assegurar a continuidade do processo educativo (Gasperi; Figueiredo, 2023).
O projeto Sarau poesia na tela foi concebido como uma estratégia de
aproximação entre a produção artística dos residentes compreendidos aqui
como professores-artistas em processo de formação e a comunidade escolar.
Esta foi convidada a participar do evento não apenas como espectadora, mas
também como agente produtora de bens culturais e simbólicos. Aos estudantes
foi oferecida a possibilidade de apresentar manifestações artísticas integradas
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
10
ao seu repertório expressivo, bem como de fruir das criações dos colegas,
promovendo, assim, um espaço de troca estética e valorização da diversidade de
linguagens presentes no ambiente escolar (Gasperi; Figueiredo, 2023). O evento
aconteceu em um único dia, 27 de janeiro de 2021, sendo transmitido pelo canal
do
YouTube
, conforme imagem de divulgação abaixo.
Figura - Material de divulgação do Sarau poesia na tela. 2021.
Fonte: Acervo do Residência Pedagógica da UFMG.
Três jovens se encorajaram a participar do sarau enquanto artistas. Neste
momento, o grupo de residentes pode se aproximar dos jovens e auxiliá-los a
preparar o número que iriam apresentar, criando, assim, um espaço de
colaboração na criação ao mesmo tempo que encorajando os jovens a viabilizarem
seu modo de ser e estar no mundo, naquele contexto vivido, através da forma
artística.
Um preceptor pode fazer o elo entre os estudantes do Ensino Médio e os
residentes que auxiliavam os jovens, problematizando as escolhas estéticas, a
veiculação da imagem pela internet através da autorização dos responsáveis, além
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
11
de cuidar da estética do sarau como um evento da escola e do RP Artes/UFMG.
Há, no depoimento dos residentes que estiveram envolvidos diretamente
nesse processo, um sabor especial, dado o envolvimento com os jovens e a
desmistificação sobre o papel do artista na sociedade.
A participação dos jovens estudantes no projeto possibilitou que se
reconhecessem como produtores de bens culturais, compartilhando o mesmo
espaço artístico com discentes da UFMG. Tal aproximação entre estudantes da
educação básica e professores-artistas em formação no contexto de uma
universidade pública brasileira reveste-se de significativa relevância política.
Ressalta-se, nesse sentido, o papel do RP como mediador de experiências
formativas que tensionam as fronteiras entre escola e universidade, promovendo
o diálogo entre saberes e a democratização do acesso à produção cultural
(Gasperi; Figueiredo, 2023).
Se grande parte dos estudantes da escola pública não almejam um curso
superior por desconhecer que a universidade pública além de ser gratuita é (ou
deveria ser) para todos, essa ação abriu para os jovens estudantes a porta para
entenderem que sim, um jovem de periferia pode estar onde quiser.
A viabilidade do sarau se deu de forma bastante tranquila por parte de
membros do RP, que muitos acadêmicos estavam habituados em realizar
lives, sabendo operacionalizar plataformas digitais que são de acesso livre e
gratuito para o público mais amplo.
Os ensaios realizados com os estudantes assumiram um caráter
marcadamente experimental, uma vez que, a partir de seus próprios contextos
domiciliares, os participantes elaboraram estratégias de enquadramento das
cenas a serem apresentadas, incorporando posteriormente efeitos visuais e
sonoros por meio da edição digital. O processo criativo foi marcado por idas e
vindas, por transformações sucessivas de ideias até a constituição de uma
materialidade estética não previamente delineada. A criação mediada pelas mídias
digitais única via possível no contexto vivenciado revelou-se, assim, não apenas
viável, mas também fértil e provocadora de novas formas de elaboração artística,
mobilizando saberes próprios da cultura digital (Gasperi; Figueiredo, 2023).
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
12
O poema Pátria que pariu foi escrito pela estudante Taís Gabriele. Se colocou
diante da câmera do celular, devidamente posicionado para captar a sua imagem,
entremeou momentos de leitura do poema com gestualidade precisa e forte,
enfatizando a força política de sua escrita e presença diante da tela.
A jovem mulher negra, consciente de seu papel político no mundo, declamou
um poema escrito a partir de sua própria vivência, colocando em ação sua
experiência vivencial, que ecoa as experiências de tantas outras jovens pretas.
Aproximamos o escrito da estudante do termo escrevivência, cunhado por
Conceição Evaristo e aqui, “escrevivência torna-se uma estratégia escritural que
almeja dar corporeidade a vivências inscritas na oralidade ou a experiências
concretas de vidas negras que motivam a escrita literária” (Fonseca, 2020, p.66).
Maria Nazareth Soares Fonseca (2020) cita um trecho retirado de entrevista
concedida por Conceição Evaristo à jornalista Ivana Dorali com as seguintes
palavras:
os sentidos que quis reiterar no termo ‘escrevivência’, uma marca do seu
gesto criativo, quando se elabora puxando os fios de sua própria história
e da história de seus ancestrais, mas também de experiências vividas por
negros e negras na sociedade brasileira (Fonseca, 2020, p.62).
Um dos preceitos do termo escrevivência trazido por Fonseca (2020) é que a
escrita literária de Evaristo, mesmo quando baseado em caso individual, produz
um sentido coletivo. É também por esse viés que lemos a apresentação da
estudante, que ao contar parte de sua vivência enquanto mulher negra, escancara
o descuido do governo da época frente a mitigação de COVID-19, principalmente
perante à população negra e pobre.
Considerações finais
A pandemia acelerou algumas discussões. Se até então a formação do artista
da cena e do professor de teatro estava calcada no teatro convivial, a pandemia
nos convocou a repensar a formação também para o teatro tecnovivial.
Entendemos que pensar formação, pesquisa e ensino na escola é um tema
emergente e urgente na (e para a) escola. Para os docentes orientadores a
aproximação e atualização com a educação que está sendo praticada nos tempos
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
13
que correm. Para os professores preceptores, na medida em que pode sair de sala
de aula (ainda que virtual) e encontrar novos espaços para criação artística e para
o seu processo de formação continuada com os docentes orientadores da
universidade e os professores em formação. Para os residentes, vivenciando o
contato de encontrar vieses entre a educação e a arte, olhando para o jovem com
toda a sua potência criativa, questionadora e latente por um mundo outro, passível
de mudanças. E para jovens estudantes, a ampliação de seu repertório cultural,
em ações dialógicas e artísticas, além da inserção em um ambiente em que a
universidade está próxima e desejosa de parcerias.
As experiências trazidas para compartilhar com o leitor revelam o quanto
pode ser frutífero pensarmos que as TDs podem estar a favor do processo de
criação artístico e nos auxiliaram a manter a chama artística latente em cada um
de nós. Se olharmos pela lógica convivial, sabemos que deixamos de experimentar
muitos processos que, até então, dominávamos. Mas com a desestabilização da
vida, vimos que é possível recriarmos modos outros de exercitarmos a formação
docente tal como a mediação pedagógica. As perguntas que ecoam, a partir de
nossa experiência, é: Quais práticas, desenvolvidas durante a pandemia, serão
incorporadas ao nosso exercício docente? O currículo irá se alterar com o uso e
domínio das TDs na formação?
Percebemos, por fim, a importância que existe em valorizar a arte e os artistas
locais, bem como levar essa vivência para alunos interessados em compreender
mais sobre arte, incluindo a possibilidade de profissionalização no campo artístico,
junto aos cursos de graduação em Artes. Para escaparmos da efemeridade do
virtual-digital, adentramos ao virtual relacional. Ainda que a pandemia tenha feito
nossas convivências se tornarem digitais, as experiências do RP nos mostram que
é possível encontrarmos material criativo quando essa digitalização não seja
apenas midiatizada, mas vivida.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior. Edital nº 01/2020 CAPES. Programa Residência Pedagógica. Brasília:
CAPES, 2020. 13 p. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-
conteudo/06012020-edital-1-2020-resid-c3-aancia-pedag-c3-b3gica-pdf. Acesso em: 20 abr. 2022.
Lidar com o (im)possível: a residência pedagógica em artes durante a Pandemia de Covid-19
Ricardo Carvalho de Figueiredo
Florianopolis, v.2, n.55, p.1-14, ago. 2025
14
CORNARGO, Óscar. O corpo invisível: teatro e tecnologias da imagem.
Urdimento
-
Revista de Estudos em Artes Cênicas. Florianópolis, v.2, n. 11, p. 177-189, 2008.
Acesso em: 15 jul. 2019. DOI: https://doi.org/10.5965/1414573102112008177
CORNARGO, Óscar. Sobre la naturaleza del teatro.
Revista de artes escénicas y
performatividad
. V. 11, n. 18, p.13-16. Marzo 2021.
DUBATTI, Jorge. Experiencia teatral, experiencia tecnovivial: ni identidad, ni
campeonato, ni superación evolucionista, ni destrucción, ni vínculos simétricos.
Rebento
, São Paulo, n. 12, jan. - jun. 2020, p. 8-32.
FONSECA, Maria Nazareth Soares. Escrevivência: sentidos em construção. In:
DUARTE, Constância; NUNES, Isabella (org.).
Escrevivência
: a escrita de nós:
reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação
e Arte, 2020, p.58-72.
FREYRE, Lea. Cuando el conflicto es el contacto. Teatro, distancia y coronavirus.
In: LUQUE, Gino
. ¿La función debe continuar?
(Re)pensando el teatro en tiempos
de coronavirus desde el curso de Dramaturgia 2. Pontificia Universidad Católica del
Perú – Facultad de Artes Escénicas, 2020. (p.35-38).
GASPERI, Marcelo Eduardo Rocco de; FIGUEIREDO, Ricardo Carvalho de. O PIBID-
Artes e o residência pedagógica em Minas Gerais: breves aproximações artísticos-
pedagógicas entre a UFOP e a UFMG. Anais do IX ENALIC
IX Encontro Nacional
das Licenciaturas
. Lajeado: RS: Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES, 2023.
SALAVERRY, Farah. El teatro en los tiempos del COVID-19. LUQUE, Gino.
¿La
función debe continuar?
(Re)pensando el teatro en tiempos de coronavirus desde
el curso de Dramaturgia 2. Pontificia Universidad Católica del Perú Facultad de
Artes Escénicas, 2020, p.51 – 55.
SCHIMMELPFENNIG, Roland. La función no puede continuar. [Trad. A. Jacome]. El
País. 2020. Disponível em:
https://elpais.com/cultura/2020/05/13/babelia/1589378593_908757.html. Acesso em: 31 maio 2020.
Universidade Federal de Minas Gerais.
Ensino Remoto Emergencial (ERE) nos
cursos de graduação da UFMG
. Belo Horizonte, Pró-Reitoria de graduação, 2020.
Recebido em: 14/01/2025
Aprovado em: 14/07/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e ModaCEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br