Poéticas dos corpos pretos, do Brasil a Madri: reverberações
Marcos Antônio Alexandre
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-26, dez. 2024
e performático, como episteme, fecunda as cenas, expandindo os
escopos do corpo como lugar e ambiente de inscrição do conhecimento,
de memória, de afetos e ações. Um corpo pensamento. O corpo, assim
instituído e constituído, faz-se como um corpo-tela, um corpo-imagem,
acervo de um complexo de alusões e repertório de estímulos e de
argumentos, traduzindo certa geopolítica do corpo: corpo-polis, o corpo
das temporalidades e espacialidades, o corpo gentrificado, o corpo
testemunha e de registros (Martins, 2021, p. 162).
Já em relação ao “tempo espiralar”, entre outras considerações, ela aponta:
Espiralar é o que, no meu entendimento, melhor ilustra essa percepção,
concepção e experiência. As composições que se seguem visam
contribuir para a ideia de que o tempo pode ser ontologicamente
experimentado como movimentos de reversibilidade, dilatação e
contenção, não linearidade, descontinuidade, contração e descontração,
simultaneidade das instâncias presente, passado e futuro, como
experiências ontológica e cosmológica que têm como princípio básico do
corpo não o repouso, como em Aristóteles, mas, sim, o movimento. Nas
temporalidades curvas, tempo e memória são imagens que se refletem
(Martins, 2021, p. 23).
Outra pesquisadora que movimenta meus estudos sobre a negritude é
Fernanda Júlia Barbosa, Onisajé, por causa de seu olhar de dentro, profundamente
atrelado à cultura afrodescendente e que produz um teatro negro pautado a partir
de sua vivência como encenadora, diretora, dramaturga, pesquisadora e praticante
de candomblé. Um trabalho marcado pelas questões relacionadas com a
ancestralidade, realizado por uma “sacerdotisa-encenadora-preta”, como ela
mesma se autodeclara. Do pensamento crítico de Onisajé, é imprescindível
recorrer à sua definição de “teatro preto de candomblé”:
o projeto poético Teatro Preto de Candomblé, que para além do emprego
dos elementos sinestésicos, sinergéticos, sonoros, linguísticos,
mitológicos, intelectuais, rituais e plásticos inerentes à ritualidade do axé,
é um teatro que toma como paradigma para a construção da cena a
história de luta, resistência, ressignificação, representação e
reterritorialização construída pelo Candomblé. Objetiva ser um teatro
polissêmico, multilingual, que se apresenta como mais uma possibilidade
poética no vasto campo de possibilidades do Teatro Negro. Como um ebó
(oferenda, presente), ele oferta representatividade e igualdade de
presença negra, criatividade e memória, preserva a existência de um
universo negro, místico, mítico e espiritual na cena teatral atual.
Pretende-se um teatro de reunião de memórias. A memória ritual negra
encontra-se com as memórias ancestrais do teatro e deste encontro
nasce uma trama potente de linguagens, tecidas pela ancestralidade no
terreno das fronteiras identitárias (Onisajé, 2021, p. 35-36).