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Deficiência como materialidade cênica:
a Tecnologia Assistiva e suas possibilidades poéticas
José Flávio Gonçalves da Fonseca
Para citar este artigo:
FONSECA, José Flávio Gonçalves da. Deficiência como
materialidade cênica: a Tecnologia Assistiva e suas
possibilidades poéticas.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 55, ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0206
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Deficiência como materialidade cênica: a Tecnologia Assistiva e suas possibilidades
poéticas1
José Flávio Gonçalves da Fonseca2
Resumo
O artigo explora o uso de tecnologia assistiva no teatro focando nas possibilidades
criativas que surgem da integração dessa tecnologia na cena teatral, uma vez entendida
enquanto materialidade cênica. São discutidas as experiências dos espetáculos "Feliz
Ano Novo" e "Nicole Wolfman" e do trabalho desenvolvido pelo grupo “Signatores”, que
utilizam a deficiência como materialidade cênica através da presença das tecnologias
assistivas em cena. A pesquisa sugere que a deficiência pode ser uma potência criativa,
contribuindo para práticas artísticas para/com/por pessoas com deficiência na
perspectiva da Acessibilidade Cultural.
Palavras-chave:
Acessibilidade cultural. Materialidade cênica. Tecnologia assistiva.
Disability as scenic materiality: assistive technology and Its poetic possibilities
Abstract
The article explores the use of assistive technology in theater, focusing on the creative
possibilities that arise from integrating this technology into the theatrical scene, once it
is understood as scenic materiality. It discusses the experiences of the shows “Happy
New Year and “Nicole Wolfman” and the work developed by the group “Signatores”,
which use disability as a scenic materiality through the presence of assistive technologies
on stage. The research suggests that disability can be a creative power, contributing to
artistic practices for/with/by people with disabilities from the perspective of Cultural
Accessibility.
Keywords:
Cultural accessibility. Scenic materiality. Assistive technology.
La deficiencia como materialidad escénica: la tecnología asistiva y sus posibilidades
poéticas
Resumen
El artículo explora el uso de la tecnología de asistencia en el teatro, centrándose en las
posibilidades creativas que surgen de la integración de esta tecnología en la escena
teatral, una vez entendida como materialidad escénica. Se analizan las experiencias de
los espectáculos «Happy New Year» y «Nicole Wolfman» y el trabajo desarrollado por el
grupo «Signatores», que utilizan la discapacidad como materialidad escénica a través de
la presencia de tecnologías de apoyo en escena. La investigación sugiere que la
discapacidad puede ser un poder creativo, contribuyendo a las prácticas artísticas
para/con/por personas con discapacidad desde la perspectiva de la Accesibilidad
Cultural.
Palabras clave
: Accesibilidad cultural. Materialidad escénica. Tecnología asistiva.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Franck Wirlen Quadros dos Santos.
Doutorando em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB). Graduação em Letras-Francês pelo Instituto
de Ensino Superior do Amapá (IESAP). Mestrado em Letras pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
2 Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). Doutorado em Artes pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduação em Teatro pela UFC.
Professor Adjunto do Curso de Licenciatura em Teatro e do Curso de Especialização em Estudos Teatrais
Contemporâneos da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Professor permanente do Programa de Pós-
graduação em Artes Cênicas/Mestrado em Artes Cênicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
flaviofonseca@unifap.br
http://lattes.cnpq.br/0944302482820547 https://orcid.org/0000-0001-7631-2607
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O seguinte artigo apresenta os resultados obtidos a partir da pesquisa
realizada no âmbito de estágio pós-doutoral realizado no Programa de Pós-
graduação em Artes Cênicas da Universidade de Brasília PPGCen/UnB, tendo
como recorte temático a Acessibilidade Cultural, com delimitação nas
possibilidades criativas decorrentes do uso de tecnologia assistiva na cena.
A princípio a investigação propunha:
A realização de um levantamento de materiais dramatúrgicos que
utilizam na sua estrutura elementos de Tecnologia Assistiva, objetivando
a fruição de pessoas com deficiência, tanto em relação ao texto escrito,
como aos espetáculos resultantes da montagem nica dessas obras
(Fonseca, 2024, p.141).
No decorrer do processo de pesquisa, a relação da tecnologia assistiva e a
cena teatral se ampliou para além do aspecto dramatúrgico e passou-se a
considerá-la enquanto tecnologia cênica, onde a deficiência se mostra não como
um desafio a ser superado, mas como materialidade cênica a ser explorada na
criação.
Nesse sentido, a pesquisa analisou algumas obras cuja deficiência se
apresenta enquanto materialidade cênica, através do uso da Tecnologia Assistiva,
a fim de favorecer a experiência estética de pessoas com deficiência.
Alguns apontamentos sobre o conceito de Tecnologia assistiva
A noção de tecnologia assistiva a ser considerada nesta investigação vai ao
encontro das mais recentes discussões acerca de um modelo pautado em uma
abordagem social sobre a deficiência que contrapõe o modelo biomédico ao
admitir que pessoas com deficiência vivenciam um processo de construção social
que menos tem a ver com uma relação de restrição sensorial, física ou intelectual
individualizada e mais se aproxima da ideia de que as restrições e os
impedimentos vivenciados pelos corpos com deficiência são fruto de um processo
socialmente instaurado.
A partir desta perspectiva, podemos considerar que a ideia de tecnologia
assistiva, amparada pelas discussões sobre a abordagem social sobre a deficiência
opera em desdobramento ao conceito de desenho universal, uma vez que este
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pode ser entendido como “ambientes, meios de transporte e utensílios (que)
devem ser projetados para todos” (Sassaki, 2013, p.11).
As origens do termo advêm de estudos da Arquitetura e do Design, em
específico a partir do manifesto intitulado
Barrier Free Design
(Design Livre de
Barreiras), surgido a partir da necessidade de adequações às barreiras sociais
geradas após a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista o aumento significativo
de pessoas com deficiência e a necessidade de inserção social desses indivíduos.
O desenho universal no geral está pautado, segundo o Centro de Design
Universal, em 7 princípios a saber: Princípio 1 - Uso igualitário: O design é eficiente
e vendável a pessoas com habilidades diversas; Princípio 2 - Flexibilidade no uso:
O design acomoda uma ampla gama de preferências e habilidades individuais;
Princípio 3 - Uso simples e intuitivo. Uso de um design de fácil compreensão,
independente da experiência do usuário, repertório, domínio de linguagem ou nível
de concentração; Princípio 4 - Informação perceptível: O design comunica
efetivamente a informação necessária ao usuário, independente de condições
ambientais ou das habilidades sensoriais do usuário; Princípio 5 - Tolerância ao
erro: O design minimiza perigos e consequências adversas de ações acidentais ou
não intencionais; Princípio 6 - Mínimo esforço físico: O design pode ser usado
eficientemente e confortavelmente com um mínimo de fadiga; Princípio 7 -
Tamanho e espaço para acesso e uso: tamanho e espaço apropriados são
fornecidos para acesso, busca, manipulação e uso, independentemente do
tamanho do corpo do usuário, postura ou mobilidade.
Em consonância às premissas do Desenho Universal, surgem as discussões
acerca da Tecnologia Assistiva, que se originam de um longo debate de caráter
interdisciplinar que no Brasil foi regulamentado pela Lei Brasileira de Inclusão,
sendo considerado como:
[…] produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade,
relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou
com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão social (BRASIL, 2015, online).
Outro importante documento que reforça o caráter interdisciplinar da
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Tecnologia Assistiva e que a equipara ao conceito de “Ajudas Técnicas” é a Portaria
142/2026, que institui o CAT - Comitê de Ajudas Técnicas, que considera a
Tecnologia Assistiva como sendo:
[…] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que
engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços
que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e
participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade
reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e
inclusão social (BRASIL, 2007).
A Tecnologia Assistiva, segundo Thiago Santana (2023) pode ser dividida entre
recursos (produtos, sistemas computacionais ou eletrônicos, equipamentos ou
parte deles, que servem para ampliar as potências funcionais do corpo em sua
relação com o mundo) e serviços (auxílios técnicos aplicados, por exemplo, na
tradução de línguas, de imagens em palavras, no fortalecimento físico - corporal
e vocal, bem como no planejamento de estruturas e recursos, que possibilitam
uma maior autonomia do indivíduo em sua relação com todas as dimensões da
sociedade, possibilitando o exercício da cidadania). Em uma perspectiva prática
poderíamos tomar como exemplo de tecnologia assistiva de produto, uma bengala
para uso de pessoas com deficiência visual e como tecnologia assistiva de recurso,
a Legenda para Surdos e Ensurdecidos – LSE.
A partir da definição da Lei Brasileira de Inclusão, anteriormente citada,
podemos ainda elencar Tecnologia Assistiva de Recurso e estratégia, por exemplo,
a Comunicação Aumentativa e Alternativa CAA3, Tecnologia Assistiva4 de Serviço,
por exemplo, o Atendimento Educacional Especializado AEE e Tecnologia
Assistiva de Prática e serviço, por exemplo, a Audiodescrição5 e a Tradução e
3 Nunes (2003), define a CAA como uma das áreas da Tecnologia Assistiva que envolve o uso de sistemas e
recursos diversos que podem oferecer pessoas sem fala funcional e com fala funcional possibilidades para
se comunicar. Os recursos são elaborados com sinais ou símbolos pictográficos ideográficos e arbitrários, a
fim de proporcionar ou complementar a fala humana, com novas maneiras de comunicação.
4 O atendimento educacional especializado (AEE), de acordo com o Artigo 1º da Resolução nº 4/2009, é aquele
“ofertado nas salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado
da rede pública ou de Instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos” e tem
como função complementar ou suplementar a formação dos alunos em todos os níveis, etapas e
modalidades de ensino. Bondezan e Goulart (2013).
5 Atividade de mediação linguística que transforma o visual em verbal. É um recurso de acessibilidade
comunicacional que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual por meio de informação
sonora. Permite a equiparação de oportunidades, o acesso ao universo imagético e a eliminação de barreiras
comunicacionais no contexto cultural, educacional e social (Motta; Romeu Filho, 2010, p. 11).
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Interpretação em Libras - TILS6.
Estes exemplos citados abrangem uma diversidade de deficiências e
contemplam diversas dimensões da acessibilidade cultural, como a arquitetônica,
a metodológica, a instrumental, a programática e a atitudinal, contudo, para esta
investigação, que se no campo das Artes Cênicas, será feito um recorte na
dimensão comunicacional. Contudo, esta abordagem reconhece que a
comunicação, no âmbito das Artes Cênicas opera por meio da interlocução dos
corpos, seja o corpo posto em cena, seja o corpo do espectador. Assim:
[...] O corpo que cria informações e o corpo que as recebe. Porém, ainda
se evidencia na discussão o questionamento sobre as características
deste corpo, ou corpos, que são diversos e singulares, e suas formas de
perceber e estabelecer a comunicação no ato cênico.
Esta problemática nos leva a optar pelo recorte da dimensão da
acessibilidade comunicacional no conceito de Acessibilidade Cultural, a
partir de uma abordagem de comunicação sensorial que reconhece que
todos os sentidos do corpo estabelecem potencialmente a comunicação,
não somente a visão e a audição, como tradicionalmente se percebe na
maior parte das obras dramáticas e encenações construídas a partir de
uma herança cultural hegemônica (Santana, 2023, p.39).
A tecnologia assistiva no âmbito da acessibilidade comunicacional no campo
das Artes Cênicas, no geral, diz respeito aos processos de tradução intersemiótica
que se dão por meio da tradução e interpretação em Libras (Língua Brasileira de
Sinais), responsável por fazer a ponte comunicativa entre surdos e ouvintes e da
audiodescrição, que traduz imagens em palavras para que pessoas cegas e com
baixa visão possam ter acesso ao seu conteúdo.
Da tecnologia assistiva à tecnologia cênica
Apesar da abordagem dada nesta pesquisa à dimensão comunicacional da
tecnologia assistiva, é importante levar em consideração que esta não pode ser
entendida como mero suporte informativo. O professor Jefferson Fernandes Alves
(2016) ao discutir a audiodescrição, uma das tecnologias assistivas de caráter
comunicacional utilizada nas Artes Cênicas, afirma que:
6 Os Tradutores Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais TILS, são os profissionais que atuam na
acessibilidade linguística das pessoas surdas em diferentes espaços sociais. (Núcleo de Acessibilidade e
Inclusão NAI/UFPEL, 2019).
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O caráter intersemiótico da audiodescrição coloca-nos diante da própria
natureza interativa e intersubjetiva das linguagens humanas, as quais
podem ser acompanhadas e comentadas pela palavra, cuja mediação
possibilita um movimento tradutório que permite um trânsito entre
imagens visuais e mentais, favorecendo a apropriação de conteúdos
imagéticos por parte das pessoas com deficiência visual (Alves, 2016,
p.45).
Nesse sentido, a partir do que nos é apresentado pelo pesquisador acima
citado, a tecnologia assistiva, neste caso, da audiodescrição, assume um papel
estético na obra acessibilizada. Outras tecnologias assistivas, também se colocam
dentro desta perspectiva, a exemplo da Tradução e Interpretação de espetáculos
cênicos para a Língua Brasileira de Sinais, que deixa de servir simplesmente
enquanto uma tradução verticalizada entre dois idiomas e se apresenta também
enquanto experiência estética propiciada às pessoas com deficiência auditiva.
Assim, tanto no caso da audiodescrição, como da tradução e interpretação
em Libras, a tecnologia assistiva ultrapassa a mera transmissão de informações,
seja de imagens ou de significados linguísticos não acessíveis a pessoas com
deficiência e considera a dimensão estética da cena.
Pelo caráter estético que a tecnologia assistiva assume na cena, é possível
equipará-la aos demais elementos que compõem a narrativa cênica, como traje
de cena, cenário, iluminação, maquiagem e sonoplastia que, por conseguinte, diz
respeito ao que é entendido enquanto tecnologia cênica, que:
Abrange qualquer linguagem das artes que utilize a cena como meio de
comunicação estética/artística. Cabe aqui salientar que o fato de essas
áreas estarem reunidas no mesmo campo de conhecimento não tira as
suas independências como disciplinas específicas do teatro (Costa, 2010,
p.89).
Nesta mesma direção, podemos considerar que a tecnologia assistiva
colocada enquanto tecnologia cênica se apresenta a partir da relação da
deficiência enquanto materialidade. No dicionário da Performance e do Teatro
Contemporâneo, Patrice Pavis (2017) apresenta a definição de materialidade teatral
como “aquilo que existe no palco, no corpo dos atores, no espaço público onde se
inscreve a representação” (Pavis, 2017, p. 189).
A tecnologia assistiva, portanto, entendida como tecnologia cênica considera
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a deficiência não enquanto uma limitação a ser corrigida, mas com parte
integrante da materialidade cênica, que compõe a estética do espetáculo, sem
deixar com isso de possibilitar o acesso das pessoas com deficiência ao conteúdo
comunicacional da obra.
Deficiência como materialidade cênica: alguns exemplos
Uma vez delimitados os aspectos conceituais da pesquisa, a seguir serão
apresentadas as obras que foram catalogadas levando em consideração o uso da
tecnologia assistiva em cena (tecnologia cênica) como possibilitadora da
deficiência enquanto materialidade.
Traremos para análise os trabalhos
Feliz Ano Novo (2010),
de autoria de Paula
Wenke e o espetáculo
Nicole Wolfman (2020)
, oriundo de pesquisa prática de
Talita Alves, com direção coletiva, ambas obras da linguagem do Teatro com foco
na deficiência visual. Além desses espetáculos, apresentaremos as séries de
montagens do grupo
Signatores
, de Porto Alegre, que tem nas suas obras
espetáculos teatrais com foco na deficiência auditiva7.
Os trabalhos relacionados acima se intercruzam, no âmbito desta pesquisa,
ao se valerem de recursos, metodologias, estratégias e práticas de Tecnologia
Assistiva para produzir poeticamente a partir da deficiência enquanto
materialidade cênica, ou seja, a deficiência enquanto potência dramatúrgica, visual,
do âmbito das ações, do espaço e do corpo.
Feliz Ano Novo (2010),
é concebido a partir do que sua diretora, Paula Wenke,
denomina enquanto o método do
Teatro dos Sentidos
. O espetáculo narra a
história de um homem viúvo que conhece uma mulher na noite do réveillon, ou
seja, não há, como pode ser identificado na sinopse, a deficiência enquanto
temática. A questão da deficiência toma destaque exatamente na encenação da
peça. Este trabalho:
Subverte a lógica visual do Teatro e propõe uma experiência sensorial
para pessoas com e sem deficiência visual. Neste método, entendido
7 O levantamento destas obras foi feito com base na dissertação de mestrado intitulada “Memória nas pontas
dos dedos: sistematização de Práticas de Teatro com Surdos” (2014), de Adriana de Moura Somacal, que
propôs investigar o potencial cênico da Língua Brasileira de Sinais LIBRAS como ferramenta para uma
dramaturgia corporal nos processos de construção cênicos em Teatro com surdos.
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nesta pesquisa enquanto Tecnologia Assistiva, os atores/atrizes
estimulam sensorialmente os espectadores, atuando como guias ou
provocadores da imaginação, gerando uma dramaturgia, não somente da
palavra, mas dos sentidos (Fonseca, 2024, p.144).
Além disso, o trabalho dissolve a relação “palco/plateia”, propondo o “trânsito
dos artistas em meio ao público, no intuito de aguçar os sentidos do tato, olfato e
paladar, de acordo com o que a narrativa dramatúrgica sugere” (Fonseca, 2024,
p.144-145).
É possível identificar neste espetáculo o uso da deficiência enquanto
materialidade cênica, uma vez que a privação do sentido, nesse caso a visão, não
é encarada como uma limitação, mas como uma possibilidade poética a ser
explorada, especialmente no que tange os aspectos da sensorialidade.
Uma lógica não-visual é instaurada na cena e os atores e atrizes assumem
múltipla função, ora representando um papel, ora agindo enquanto provocadores
dos sentidos, transitando pelo espaço cênico, acionando junto aos espectadores,
nesse caso, pessoas com deficiência visual ou não, aromas, sons e texturas,
construindo assim uma espacialidade criada a partir da provocação por via dos
sentidos.
A experiência com o método “Teatro dos sentidos” vem sendo replicada para
além do trabalho realizado pela sua criadora, tendo sido aplicado não somente na
perspectiva das pessoas com deficiência visual enquanto espectadores, mas
também com a participação ativa delas enquanto artistas da cena, em trabalhos
produzidos não somente para, mas também com pessoas cegas.
Esse trabalho se aproxima das experiências do Teatro Cego, um formato
teatral, desenvolvido pela C-Três Projetos Culturais desde 2012, em que
a peça acontece completamente no escuro e que propõe que o público
frua a obra através de outros sentidos, por meio de estímulos táteis,
olfativos e sonoros (Fonseca, 2024, p.145).
O espetáculo
Nicole Wolfman (2022),
produzido a partir das investigações de
trabalho de conclusão de curso prático de Talita Alves, egressa do Curso de
Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Amapá UNIFAP,
incorpora a
tecnologia assistiva na cena, por meio do uso de alguns elementos da
audiodescrição enxertados na dramaturgia original, de autoria de Adélia Carvalho.
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No texto original, um monólogo, uma jovem narra ao público parte de seus
conflitos pessoais. Como a obra não foi concebida na perspectiva de trabalhar a
materialidade da deficiência visual, na montagem em questão, Talita Alves inseriu
novos elementos à estrutura dramatúrgica pré-existente, utilizando recursos da
audiodescrição aberta a fim de orientar as pessoas com deficiência visual na
compreensão das ações realizadas em cena.
Para tanto, a diretora se valeu de estratégias de adaptação do texto, tanto
com a escrita de novas falas, de caráter descritivo, bem como a criação de um
novo personagem, para ampliar o uso das descrições no decorrer do texto:
Nessa peça em particular, ao adaptar o texto, foram exploradas
alternativas para proporcionar acessibilidade ao público com deficiência
visual, sem depender do uso de tecnologias de alto custo. A
audiodescrição foi incorporada à peça por meio do personagem Doutor,
que audiodescrevia a localização dos personagens, suas ações e
expressões por meio de frases, buscando criar uma experiência sensível
para esse público (Dantas et al., 2024, p.67).
O espetáculo explora a materialidade das vibrações, sons e ruídos emitidos
pelo corpo dos atores, além de jogar com a relação de luz e a escuridão. A
audiodescrição aberta que é realizada na cena é incorporada ao texto dramático e
também se estabelece enquanto materialidade cênica, indo além de mero recurso
de tecnologia assistiva que tenta dar conta de traduzir as imagens em palavras em
um processo unilateral, mas se desafia a se portar enquanto um elemento da cena
que se estabelece por meio da descrição e da narração.
as montagens do
Grupo Signatores
, que teve sua formação em 2010 na
cidade de Porto Alegre/RS, “foram realizadas a partir da experiência de ensino de
Teatro para pessoas com deficiência auditiva, que se desdobrou na montagem de
trabalhos cênicos oriundos da prática pedagógica realizada” (Fonseca, 2024, p.145).
A experiência teatral foi realizada nas línguas Libras e o Português.
No decorrer do processo das aulas de teatro que culminaram em
espetáculos, foram elaboradas estratégias, recursos e metodologias para a plena
comunicação entre os partícipes. Dentre as Tecnologias Assistivas que foram
elaboradas e implementadas no processo estava, por exemplo, a criação de um
glossário de sinais em Libras de termos teatrais.
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Este glossário surgiu da percepção do grupo de que alguns termos teatrais
não tinham ainda seus correspondentes na Libras, gerando com isso, ruídos de
comunicação durante a realização de jogos. Alguns sinais de termos teatrais
criados foram, por exemplo, “foco”, “atenção”, “jogar” e etc.
Primeiro, pergunto para o grupo se existe sinal correspondente, depois
explico o sentido da palavra por meio de classificadores ou sinais com
significados próximos. Não encontrando um sinal, peço que o Augusto
(surdo e professor/ pesquisador) e a Celina (intérprete de LIBRAS), em
conjunto com os alunos, criem um sinal. A partir daquele momento,
sempre nos remetemos a cada palavra “nova” com o sinal criado para ela
(Somacal, 2014, p.114).
na montagem dos espetáculos, foram realizadas adaptações
dramatúrgicas como a criação de um personagem ouvinte, que no papel de
narrador, cumpre a função de traduzir para o português o texto que é sinalizado
em Libras. Outra estratégia utilizada foi a tradução do texto dramatúrgico por meio
da metodologia da “glosa”, que diz respeito a um sistema de transcrição dos sinais
em Libras para palavras da língua oral. Escritos em letras maiúsculas, a “glosa” é
uma tradução simplificada dos morfemas da língua de sinais para morfemas da
língua oral.
Para elaborar a dramaturgia, convidei para participar da equipe o ator e
dramaturgo Jéferson Rachewsky. Primeiro, Rachewsky e eu
conversávamos sobre o texto do livro, e ele escrevia os diálogos com base
no texto de Carroll. Paralelamente a essa etapa, Celina Xavier, responsável
pela tradução/interpretação em LIBRAS durante a primeira produção de
O ensaio de Alice, transcrevia as cenas para a glosa em LIBRAS, gravava
em áudio e se escutava para sinalizar. Celina e eu nos encontrávamos
para gravar um vídeo da tradução do texto para LIBRAS e o postávamos
no site de vídeos Youtube, com acesso restrito aos participantes. Por
último, era entregue aos alunos uma cópia impressa do texto em
português e um DVD com os vídeos em LIBRAS (Somacal, 2014, p.107).
É importante salientar que os espetáculos do grupo
Signatores
tratam-se de
Teatro para surdos e nesse sentido a tradução em LIBRAS, enquanto tecnologia
assistiva/cênica, possibilita que a deficiência auditiva se estabeleça como
materialidade cênica. Outro aspecto relevante sobre os espetáculos do grupo é
que apesar de serem obras de Teatro surdo, eles podem ser assistidos por
qualquer pessoa, inclusive aquelas sem deficiência auditiva, propondo com isso
uma verdadeira “inversão da lógica comum em que a Tecnologia Assistiva serve a
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pessoas com deficiência, e nesse caso, o uso, por exemplo, do personagem
narrador, pode ser considerado a ‘acessibilidade para pessoas sem deficiência’”
(Fonseca, 2024, p.146).
Conclusões
A pesquisa de pós-doutorado em questão buscou realizar um levantamento
de obras ou grupos que têm na tecnologia assistiva a possibilidade de trabalhar a
materialidade cênica da deficiência. Para tanto, foi feito um recorte no âmbito da
acessibilidade comunicacional, com foco em trabalhos concebidos para/com/por
pessoas com deficiência visual e auditiva.
Neste sentido, a partir de uma amostragem de dois espetáculos e de um
grupo de teatro, foi possível verificar que novas abordagens vêm sendo praticadas
no âmbito do trabalho com pessoas com deficiência em cena, onde a deficiência
deixa de ser entendida enquanto uma barreira a ser vencida através do uso da
tecnologia assistiva e passa a ser concebida enquanto materialidade no âmbito do
que pode ser entendido enquanto tecnologia cênica.
Desse modo, passa-se a considerar que a cena para/com/por pessoas com
deficiência são terrenos férteis para a criação, sem que para isso seja a deficiência
necessariamente tratada como a temática central das obras. Pelo contrário, o
Teatro feito para/com/por pessoas com deficiência pode tratar de qualquer
assunto, pois neste caso, a deficiência não será encarada como um pretexto para
um jogo de autorreferenciação, mas como elemento potente à criação cênica. A
deficiência, portanto, sendo encarada enquanto materialidade cênica, se desloca
para um patamar poético.
Vislumbra-se, com isso, perceber como a Tecnologia Assistiva vem sendo
usada na cena para além do seu aspecto meramente técnico, entendendo a
contribuição poética que esta pode dar à obra. Os espetáculos e o grupo trazidos
para discussão, são apenas exemplos de uma grande quantidade de iniciativas que
vêm trabalhando nesta perspectiva no Brasil, especialmente motivados pelos
movimentos dos artistas com deficiência, Arte DEF e amparados pelo que
preconiza os princípios da acessibilidade cultural.
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Recebido em: 31/10/2024
Aprovado em: 04/07/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
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