
Pesquisa em artes da cena: os dilemas do método, os desafios da escritura e a relação arte e dor na dança
Rafael Henrique Viana Sertori
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-24, abr. 2025
do conhecimento, desde as origens da Universidade na Idade Média, sempre
esteve vinculada não a uma organização corporativa do saber simplesmente, mas,
sobretudo, a “uma operação no pensamento, um tipo de funcionamento da razão,
um tipo de prática específica do saber” (Avelino, 2013, p. 25) que nos condiciona a
obedecer (voluntariamente) certa normatização do intelecto e a descartar tudo
aquilo que não for produzido por um discurso dito científico, ou seja, tudo aquilo
que for considerado como discurso retórico ou poético. Tal prática específica da
razão ou operação metodológica do pensamento é, precisamente, a
lógica,
isto é,
uma maneira de proceder que herdamos inteiramente da Escolástica5, a qual
instituiu métodos, regras e técnicas que invariavelmente deveriam ser seguidas e
cumpridas, a fim de organizarem e sistematizarem a produção de um saber
universitário fechado sobre si mesmo. Nesse sentido,
A Escolástica fez da lógica o princípio diretor, o princípio de autoridade
que impõe práticas de submissão, de respeito, de veneração, de
reverência. Em outras palavras, a lógica impõe práticas de vassalagem
toda vez que se estiver frente a certos textos, a certos autores, a certos
discursos, a certas verdades por ela consagradas. [...] toda vez que a
verdade estiver consagrada pela lógica, pelo método, seja quem for que
a sustente, o fará a partir de uma relação de vassalagem (Avelino, 2013,
p. 27).
No que diz respeito a essas práticas de submissão, de respeito, veneração e
reverência, ou seja, um modo específico, cultural, ideológica e historicamente
construído de lidarmos com o ambiente acadêmico e universitário, tenho
percebido, tanto como pesquisador quanto como professor, que o
medo
e o
excesso de receio têm sido afetos constantes na realização de novas pesquisas e
no exercício com a produção do conhecimento – afetos esses, aliás, muito difíceis
de serem enfrentados e superados nas mais diversas instâncias. Isso aparece nos
estudantes, por exemplo, como medo de errar, medo de pensar, como receio das
auctoritates,
receio de sentir-se convocado demais à atividade do pensamento e
5 De modo geral, “[...] a Escolástica é o exercício da atividade racional (ou, na prática, o uso de alguma filosofia
determinada, neoplatônica ou aristotélica) com vistas ao acesso à verdade religiosa, à sua demonstração ou
ao seu esclarecimento nos limites em que isso é possível, apresentando um arsenal defensivo contra a
incredulidade e as heresias. A Escolástica, portanto, não é uma filosofia autônoma, como, p. ex., a filosofia
grega: seu dado ou sua limitação é o ensinamento religioso, o dogma. Para exercer essa tarefa, não confia
apenas nas forças da razão, mas chama em seu socorro a tradição religiosa ou filosófica, recorrendo às
chamadas auctoritates. Auctoritas é a decisão de um concílio, uma máxima bíblica, a sententia de um padre
da Igreja ou mesmo de um grande filósofo pagão, árabe ou judaico. O recurso à autoridade é a manifestação
típica do caráter comum e supraindividual da investigação Escolástica, em que cada pensador quer sentir-
se apoiado pela responsabilidade coletiva da tradição eclesiástica.” (Abbagnano, 2007, p. 344).