1
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e
fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Para citar esta resenha:
TELES, Adriana. Quais os sentidos de escola? Olhares
reais e fictícios sobre as (des) obediências na
escolarização. Urdimento Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e0802
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
2
Resenha da obra
GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência:
um
olhar para a escola a partir do teatro. São Paulo: Hucitec, 2023. 118p.
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
3
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na
escolarização1
Adriana Teles 2
Resumo
Resenha do livro
Qualquer semelhança não é mera coincidência
- um olhar para a escola a
partir do teatro de autoria de Jean Carlos Gonçalves. Esta obra constitui a Coleção
desEducar
,
trata-se de um selo da Hucitec Editora. O livro inaugura um espaço-tempo de quinze anos
entre a defesa de dissertação do autor e o revisitar da pesquisa. A obra contém um prefácio,
apresentação, nota introdutória e prólogo, seguida de três atos, que expressam os diálogos
entre o teatro e a escola, seus enunciados e conceitos retratados em materialidades
enunciativo-discursiva em formato de exercício cênico. Na sequência, um epílogo e uma
seção dedicada às memórias de escola.
Palavras-chave: Escola. Teatro. Linguagem. Bakhtin.
What are the senses of school? Real and fictional perspectives on (dis)obediences in schooling
Abstract
Review of the book
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola
a partir do teatro [Any resemblance is not mere coincidence: a look at the school through
the lens of theater] by Jean Carlos Gonçalves. This work is part of the
desEducar
Collection,
published by Hucitec Editora. The book inaugurates a fifteen-year period between the
author’s thesis defense and his revisitation of the research. It includes a preface, an
introduction, an introductory note, and a prologue, followed by three acts that convey the
dialogues between theater and school, with their statements and concepts portrayed in
enunciative-discursive materialities in the form of theatrical exercises. This is followed by an
epilogue and a section dedicated to school memories.
Keywords: School. Theater. Language. Bakhtin.
¿Cuáles son los sentidos de la escuela? Miradas reales y ficticias sobre las (des)obediencias en la
escolarización
Resumen
Reseña del libro Cualquier semejanza no es mera coincidencia: una mirada a la escuela desde
el teatro, de Jean Carlos Gonçalves. Esta obra forma parte de la Colección desEducar, un
sello de la Hucitec Editora. El libro marca el inicio de un espaciotemporal de quince años
entre la defensa de la tesis del autor y la revisita de la investigación. La obra contiene un
prefacio, una presentación, una nota introductoria y un prólogo, seguidos de tres actos que
expresan los diálogos entre el teatro y la escuela, sus enunciados y conceptos representados
en materialidades enunciativo-discursivas en formato de ejercicio escénico. A continuación,
se incluye un epílogo y una sección dedicada a las memorias escolares.
Palabras clave: Escuela. Teatro. Lenguaje. Bakhtin.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Fabíola Junghans, licenciada em Letras Inglês pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), pós-graduada em Tradução de Inglês pela Estácio de e
Graduanda de bacharelado Letras Português pelo Centro Universitário Internacional (Uninter).
fabiolajunghans@gmail.com http://lattes.cnpq.br/4117686301777567 https://orcid.org/0009-0007-3096-2568
2 Pós-doutorado pelo Instituto de Letras, Linguística e Artes da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutorado e
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduação em Artes Cênicas pela Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR/FAP), Arte pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Pedagogia pela
Universidade de Franca (UNIFRAN), e Psicopedagogia pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Membro
Pesquisadora no Labelit - Laboratório de Estudos da Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq), e da Diálogos
Rede Internacional de Pesquisa . Professora do Colégio Estadual do Paraná. adriana_teles3@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/2368836151896583 https://orcid.org/0000-0002-2885-5751
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
4
O livro
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola
a partir do teatro, escrito por Jean Carlos Gonçalves e publicado em 2023 pela
Editora Hucitec, na coleção desEducar, constitui a primeira edição e o primeiro
volume da coleção. Trata-se de uma obra que reflete e retrata os sentidos de
escola expressos nos corpos que compõem o espaço escolar: corpos gestores,
corpos que ensinam, corpos estudantes.
Corpos que se revelam no espaço da cena, em formato de improvisação
teatral, que são compreendidos nas tramas discursivas, nos enunciados de um
espaço escolar, que se encontram em seus processos quase que invariáveis dos
papéis sociais estabelecidos, do que é atuar como professora/professor, direção,
aluna/aluno; e as relações de poder que circulam na personificação desses papéis.
A obra é o resultado da dissertação de mestrado do autor, defendida em
2008, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Regional de
Blumenau (FURB), na linha de pesquisa: Discurso e Práticas Educativas. A intenção
de revisitar o estudo, transcorridos quinze anos da defesa é, antes de tudo, um
espaço-tempo de comemoração do itinerário de uma vida dedicada à educação e
à arte. Ancoram-se nesse espaço-tempo os reencontros com o passado de uma
escrita, de um autor, dos sujeitos do estudo, das demais autorias que integravam
a pesquisa, e o convite para novas autorias que trouxeram suas memórias de
escola para compor esse tempo do passado-presente. Nesses encontros
temporais atravessados pelos limites conceituais em Spolin, Johnstone, e
Foucault, das questões enunciativas em Bakhtin e Ubersfeld, a partir de olhares
situados é que os sentidos de escola se revelam, na dimensão singular de cada
sujeito, em um processo investigativo na perspectiva da Análise Dialógica do
Discurso (ADD).
Jean Carlos Gonçalves, em sua trajetória de pesquisa tanto na educação,
quanto no teatro, está vinculado aos estudos da linguagem pelo prisma dos
estudos de Bakhtin e o Círculo. É professor associado do Departamento de Teoria
e Prática de Ensino do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), também do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE), linha de
pesquisa LiCorEs: Linguagem, Corpo e Estética na Educação; e do Programa de
Pós-graduação em Letras. Ele é doutor em Educação pela Universidade Federal
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
5
do Paraná, mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau e
bolsista da Capes na mesma instituição (Prosup/Capes). É bacharel e licenciado
em Teatro-Interpretação. Também é líder do Laboratório de estudos em educação,
linguagem e teatralidades (Labelit/UFPR/CNPq) e da Diálogos: rede internacional
de pesquisa. Além disso, é diretor, na Hucitec Editora, da Coleção desEducar, da
Coleção LiCorEs - Linguagem, Corpo, Estética (com Beth Brait) e da Coleção
Estações (com Sônia Machado de Azevedo). Tem experiência em Linguagem,
Corpo e Educação, atuando principalmente em projetos sustentados teoricamente
pelos estudos de Bakhtin e o Círculo. Por fim, é pesquisador do CNPq,
Produtividade em Pesquisa PQ-1D.
O autor chama a atenção para os caminhos que o levaram à escrita da sua
dissertação até chegar na produção do livro, um percurso de encontros com
sujeitos e suas enunciações. Portanto, esses encontros retratados por ele, falam
também de uma busca curiosa, rigorosa e sistemática pela compreensão do que
é/são o(s) sentido(s) de escola. Assim, o texto abre caminhos reflexivos para
pensar e viver os sentidos de escola em uma lumiar, a partir da linguagem, da
inter-relação entre o sujeito que pesquisa, o sujeito que é pesquisado, os conceitos
e as práticas. Por compreender que o sujeito se constitui em um processo de
linguagem a partir da palavra do outro, o autor aborda os sentidos atribuídos à
escola pelo viés da ADD em Bakhtin e o Círculo, a dupla enunciação em Ubersfeld
(2005), no entendimento de um olhar para a escola a partir do teatro. O aporte
teórico a seguir, se refere às relações de poder expressas na escola, sob a
perspectiva de Foucault. as teorias teatrais sobre a improvisação, têm como
base os conceitos de Viola Spolin (2000) e Keith Johnstone (1990).
Uma pesquisa realizada em 2008 (em um panorama histórico, político e social
específico), encontra-se, em 2023, não só em outro tempo histórico e social, mas
no encontro com um outro autor da pesquisa. Nesse espaço-tempo do passado e
do presente, ou de um passado presente, os dizeres dos sujeitos diversos que
compõem o livro, solicitam à escola, não mais respostas sobre seus sentidos, mas
quais são as perguntas (hoje) sobre os sentidos de escola?
Para uma melhor compreensão do trajeto de pesquisa do autor, o livro foi
organizado em um
prólogo
que traz a justificativa, o tema e a intenção da pesquisa.
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
6
O Ato, aborda o percurso da pesquisa e suas subjetividades, bem como os
objetivos o aporte teórico e seus procedimentos metodológicos. No
Ato
, os
conceitos que envolvem a improvisação teatral, o discurso e a dupla enunciação,
aproximam o teatro do campo da linguagem. Para o
Ato
, o autor aborda os
sentidos de escola, ou a própria escola, na dimensão do exercício cênico, a reflexão
sobre a estrutura (social-simbólica) da escola é compreendida a partir da análise
dos dados sobre os lugares sociais de onde falam as personagens no exercício de
cena. No
epílogo
, a leitora e o leitor encontrarão as considerações finais e os
caminhos da pesquisa.
Os estudos bakhtinianos se entremeiam nos dizeres do livro, nas escritas do
passado e do presente que se expressam no prefácio, na apresentação, na nota
introdutória, no prólogo, nos atos, no epílogo e nas memórias de escola.
É a orientadora de mestrado do autor que assina o “Prefácio: sobre a escola
que faz sentido e os sentidos que a escola leva a construir”, a professora Otília
Lizete de Oliveira Martins Heinig, docente aposentada da FURB. O texto entrecruza
o olhar da professora sobre os sentidos que ela atribuiu à escola durante sua
infância, e questiona: o que significa escola no contexto da constituição do sujeito
que fala, que se expressa, que se encontra na impertinência, na desobediência dos
ritos escolares? Fala, em sua descrição imaginativa, de um primeiro contato com
a escola na dimensão do sagrado. Passada essa primeira ideia de escola (fantasia),
se depara com a organização escolar, desde os processos de alfabetização (hoje
letramento), com a cartilha
Caminho Suave
, o condicionamento e o silenciamento
do corpo, das suas vozes/dizeres, até a dúvida sobre o que sabia e ou o que poderia
manifestar em sala de aula através do seu corpo-criança. Uma professora que, a
partir da sua curiosidade pelos sentidos de escola, desenvolveu um projeto que
possibilitou ao texto do livro,
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um
olhar para a escola a partir do teatro, se colocar na escuta daquelas e daqueles
que estão na escola, no propósito de compreender o que significa escola e o
impacto nos corpos que a habitam. E alerta a quem ler a obra: “você irá ler sobre
os sentidos de escola em um exercício de improvisação teatral” (Heinig, 2023, p.15).
“Uma responsividade atemporal” é o título da apresentação do livro, escrita
pelo professor aposentado da FURB e da Univali, Osmar de Souza, que foi um dos
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
7
docentes que acompanhou o autor em sua trajetória de estudos no mestrado. Em
seu relato sobre como conheceu o Jean, fala do encontro entre os dois,
inicialmente dentro de um ônibus e, logo depois, coincidentemente ou não, o
segundo encontro se deu na entrevista que Jean participou como uma das etapas
para a admissão ao mestrado. Dado o encontro, o professor Osmar identificou
nele um estudante leitor, capaz de leituras profundas e considerações pertinentes
sobre os estudos bakhtinianos, sem abandonar os estudos do teatro. E ao
conhecer mais sobre essa perspectiva, seguiu seu percurso rumo ao doutorado e
à aprovação para ocupar uma cadeira como docente na UFPR. Para o professor
Osmar, Jean é, antes de tudo, um leitor, dentro do rigor e da extensão acadêmica
e social, nos quais se construiu também como escritor, autor e pesquisador.
Esse autor, que se revela entre conversas, assina a “Nota introdutória: um
livro sobre a escola, 15 anos depois”. Nessa parte, a conversa se situa em seu
percurso de pesquisa no mestrado, com a defesa de sua dissertação realizada em
2008, no Programa de Pós-graduação em Educação da FURB, na linha de pesquisa
Discurso e Práticas Educativas.
Para além do olhar descritivo da sua trajetória inicial como pesquisador, Jean
não se aparta da conversa, e suas memórias pontuam cada palavra escrita. Uma
escrita que revela o seu reconhecimento pelos caminhos percorridos
academicamente. Entre suas palavras, transparecem memórias sobre a escola,
que o fez insistir nos livros, no diálogo, e na compreensão de seus interlocutores.
Os desdobramentos da pesquisa de mestrado até a transformação em livro
também retratam os momentos que compõem o hiato entre um manuscrito
desenvolvido para uma defesa de mestrado, e outro em formato de livro. O autor
manteve a estrutura que remete às suas origens teatrais: um livro entre atos, que
revelam suas personagens (reais e fictícias), seus cenários (concretos e
simbólicos), e suas atuações entrelaçadas pelos aspectos (a)temporais e
socioculturais. Jean abre a quarta parte do livro como um prólogo, que se refere
a um escrito preliminar ou uma introdução sobre o assunto e os caminhos que
irão se desenvolver no desenrolar da obra. É nessa seção que se manifesta a
gênese do trabalho, permitindo a sua compreensão, firmada pelo autor como uma
escrita entre conversas. Aqui se expressam os aspectos conceituais em outro
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
8
âmbito: o da reflexão e da subjetividade. A seção traz mais três momentos: o início
da pesquisa, o interesse do autor pelos processos em improvisação teatral, e a
chegada até o Mestrado em Educação. A compreensão da linguagem pela
constituição do que fala o outro, levou o autor à escolha da perspectiva teórica,
da Análise Dialógica do Discurso (ADD) em Bakhtin e o Círculo.
No
Ato
, intitulado “A pesquisa”, de chofre nos deparamos com a visão
dialógica impressa pelo autor ao se referir à delimitação do tema da pesquisa, a
compreensão das possibilidades educativas e expressivas da improvisação teatral,
tratada, em um primeiro momento, como uma possibilidade de pesquisa. A
improvisação como instrumento didático e, a partir dessa ideia inicial, os sentidos
de escola se apresentam como objetivo geral do trabalho, com o propósito de
compreender os sentidos produzidos por estudantes de teatro em exercícios de
improvisação, os quais possibilitaram revelar as esferas que circulam esses
sentidos quando se relacionam ao ambiente da escola. O autor considerou que
um processo de improvisação se sem a previdade de uma encenação teatral,
a improvisação no teatro se no espaço da imprevisibilidade e da ação do agente.
A despeito do campo de pesquisa, este se deu em um projeto de aulas de teatro
para o ensino fundamental II, mais especificamente estudantes do 7º e ano, em
uma escola da cidade de Camboriú, no estado de Santa Catarina.
“Improvisação teatral e discurso” abre a introdução do Ato, espaço da
discussão teórica do trabalho, a fim de estabelecer a inter-relação dialógica entre
discurso e teatro. Essa parte apresenta a delimitação conceitual de improvisação
instituída no estudo, a historização situada do aspecto cênico, a justificativa de
Foucault como partícipe da pesquisa. Esse capítulo é composto por quatro seções:
“Limites conceituais: Spolin e Johnstone”, apresenta a perspectiva adotada pelo
autor sobre a improvisação em Johnstone (1990) e Spolin (2000). Nessa visão, a
improvisação é vista no âmbito do teatro como um processo social, o qual reflete
os status das relações humanas. Dada essa demarcação conceitual sobre a
improvisação teatral, a segunda seção, “Teatro e dupla enunciação: Bakhtin e
Ubersfeld”, aponta os caminhos dos enunciados refletidos nos exercícios de
improvisação, os quais revelam, na ação ficcional, os aspectos da vida real. Nessa
perspectiva, a partir do que o autor denominou como jogos cênicos, e na
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
9
improvisação decorrente do tema escola é que os sentidos dessa temática são
expressos pelo grupo de estudantes. Na dupla enunciação que trata Ubersfeld
(2005), o enunciado nunca é isolado do seu contexto, portanto, este comporta ao
menos duas vozes. Quem está em improvisação, ao se depararem com a
personagem (composta por suas vozes), também imprimem sua voz (social) ao
improvisarem, seus sentidos de escola vão sendo pontuados a partir da ação em
cena e das trocas discursivas entre pares. A seção 3, “A(u)tor convidado: Foucault”,
apresenta uma nota de rodapé contendo a escolha do autor, ao convidar Foucault
para falar das relações de poder no ambiente escolar. Situada a escolha, o autor
se debruça nas aproximações entre os estudos bakhtinianos, e as relações de
poder em Foucault (1998).
Na última seção desse ato, “A materialidade enunciativo-discursiva”, o autor
trata da constituição da pesquisa, que é composta por transcrição (jogos cênicos),
descrição (ação), e registro em um diário de campo (escritos do pesquisador).
Aponta para a análise dos dados em capítulo posterior, faz observações a respeito
da questão da transcrição da fala em uma pesquisa e, para isso, articula três
perspectivas: Marcuschi (2001), que trata dos cuidados na transcrição por parte do
pesquisador em não direcionar conforme seus interesses, pois a transcrição é
uma primeira interpretação. Em Faraco (2003), os aspectos socioculturais se
entrecruzam com os dizeres dos sujeitos e, nessa multiplicidade, produzem novas
discursividades. A multiplicidade de vozes (heteroglossia) que trata Bakhtin (2004).
Ao se direcionar para o 3º Ato, “Exercício cênico: a escola”, o autor aborda os
aspectos discursivos decorrentes dos dados. Os dados foram transcritos e suas
análises realizadas a partir da ADD em Bakhtin (2003, 2004), bem como em
Foucault (1998, 2003). É ressaltada a importância do diário de campo na
compreensão do percurso da pesquisa. A identificação dos sujeitos da pesquisa
foi feita segundo as personagens da obra
Aurora da minha vida
, de Naum Alves de
Souza (2003). Na sequência, o capítulo é dividido em três seções, sendo a terceira
seção composta por quatro subseções. Na primeira seção, “O corpus da pesquisa”,
o autor recorreu à perspectiva dialógica em Bakhtin (2003), para ressaltar a inter-
relação discursiva das materialidades analisadas. O autor apresenta as situações
provenientes dos jogos cênicos em formato de episódios (cinco episódios), o que
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
10
permite um panorama de como essa produção de dados ocorreu nos exercícios
de improvisação. O Episódio I, retrata a cena entre bobo (estudante), e o professor.
Nesse episódio, o que se revela são as relações de hierarquia entre as personagens
e as relações de poder. O Episódio II, mantém o mesmo
status
das personagens
expressas no retrato anterior. Nos episódios seguintes, existe o aprofundamento
dos elementos de poder exercidos pela figura do professor e da diretora. Para a
seção “Espaço: uma questão de status”, vemos a identificação do autor com
relação à constituição do que é o espaço escolar aos olhos dos sujeitos da
pesquisa, um espaço cristalizado em seu formato (formação em fileiras).
Considerando que a coleta de dados foi realizada a partir da ação improvisada do
grupo de estudantes, estes, ao entrarem em ação, não demonstraram a escola em
outros ambientes, como o espaço externo e ou os outros setores que também
compõem a escola. O que o autor tratou como um silêncio, exercido pelos fatores
punitivos com relação ao corpo que se expressa em algum grau como
indisciplinado. A análise desse fator é realizada por um excerto do Episódio V, no
qual o grupo de estudantes retrata o nível de posse sobre os objetos da sala por
parte do professor. O que se segue em “Distribuição de papéis: os lugares sociais”,
na retomada do silêncio dos corpos em situações de poder e as revelações do
sujeito. Portanto, os sujeitos da improvisação teatral se colocam de um único lugar
possível: o lugar que ocupam na esfera social. As subseções seguintes refletem os
dizeres das personagens e seus posicionamentos diante das circunstâncias
apresentadas em improviso. Tais momentos estão divididos em: “Mais respeito, eu
sou professor”, retrata tanto a imposição do silenciamento dos corpos, quanto o
seu controle através da expressão “Quietinhos e escrevendo”. Em “Eu sou a
diretora, eu sou a soberana”, se revela a posição de poder dos corpos que habitam
o ambiente escolar, o do professor com relação ao bobo, o da diretora em
detrimento da posição do professor, esse lugar social é identificado pelo autor na
análise dos elementos adverbiais, pronominais e verbais proferidos pelas
personagens. A resistência retratada em improvisação pelo grupo de estudantes,
se revela na subseção “Bobo: lugar de resistência”. Para fechar as análises, o autor
traz o discurso das personagens gêmeas, retratado em “Gêmeas: a
homogeneização do sujeito”. O discurso de homogeneização que se revela na
escola, se faz através do discurso autoritário, o autor analisa diferentes trechos de
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
11
falas das personagens, os quais evidenciam como circulam os dizeres e seus níveis
de posição social.
No Epílogo trata-se da autoria dos discursos expressos pelas personagens
durante a improvisação, bem como a autoria da construção do discurso durante
o processo de jogo cênico. Assim como a dimensão dialógica do discurso e sua
colaboração na compreensão de que os dizeres são constituídos na multiplicidade
de vozes e suas reverberações na esfera social. “Qualquer semelhança não é mera
coincidência” é a proposição que o autor faz à leitora e leitor, no sentido de
reconfiguração desse enunciado.
“Palavras ao vento: memórias de escola”, é um chamado do autor para que a
dissertação de outrora, agora livro, também fosse composta por outras vozes, e
são essas outras vozes que se colocam a conversar através das suas memórias
de escola. São seis ensaios que retratam a escola em tempos diferentes, mas de
um lugar social: o olhar de estudante. “Escola: imagens nas dobras da memória”,
de Beth Brait (2023), retrata de modo descritivo o deslumbre que uma criança
pode ter em seu primeiro dia na escola, as lembranças da figura da professora, da
organização e da disposição dos elementos da sala de aula. Megg Rayara Gomes
de Oliveira (2023), se revela como a criança da resistência, “Aprendendo o que é
racismo, homo-transfobia e classismo com minha professora do primeiro ano!”
Esse é o título do seu ensaio, com memórias de um tempo de escola cristalizado
por aquelas crianças identificadas como adiantadas nos estudos, e as classificadas
como atrasadas. Megg, segundo a escola, estava atrasada, portanto, seu lugar era
o mais distante na sala, o fundo. Na escola, conheceu e reconheceu que a cor da
pele, a classe social e as questões de gênero são marcadores de exclusão. “Nossa
Senhora do Patrocínio”, de Sonia Machado de Azevedo (2023), são lembranças
poéticas de tudo o que toca o corpo, a chuva, os sons… Conta que aos 11 anos
estudou como interna, em um colégio fundado em 1859, diz que a memória do
lugar ainda lhe causa deslumbre, uma espécie de coisa de outro mundo. No ensaio
“Faz de conta que eu te conto”, de Adriana Teles de Souza (2023), o primeiro dia
de aula, foi um misto de curiosidade e assombro, o medo de ser deixada para
sempre na escola, a dificuldade para compreender que seu corpo criança
precisava ficar quatro horas sentado em uma cadeira, quase um desespero. Foi na
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
12
primeira série que ela aprendeu que na escola não se pode mostrar tudo que se
sabe. Crianças que fazem muitas perguntas desorganizam a professora. “Sem
Título”, é assinado por Agnan Siqueira (2023), que aos doze anos teve seu primeiro
contato com um professor de teatro. Ela descreve sua trajetória nas aulas de
teatro e se demora na lembrança do monólogo, “Caixa de Pandora”, que
apresentou no refeitório do colégio onde estudava. Sua concentração em cena, os
olhos do pai cheios de lágrimas a aplaudindo, e dezessete anos depois, uma
encenadora e dramaturga. Andrio Robert Lecheta (2023), em “Fragmentos,
desabafos e poeiras de memórias escolares de um viadinho”, na entrada
pergunta, “O que um corpo viado pode lembrar sobre a escola?” Ao responder,
coloca suas memórias na rota de fuga, para então criar. Suas memórias relembram
a homofobia, o
bullying
, o medo da rejeição, a solidão e os espaços que teve que
forjar para existir e resistir à escola.
Em síntese, a obra
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar
para a escola a partir do teatro, faz um chamado urgente e esperançoso de
pesquisas consistentes que investiguem os corpos e seus lugares sociais na
escola, para além do que está subscrito sobre a escola como espaço social, e
suas afirmações, do que devem ou o que podem os corpos escolares. A presente
publicação é uma provocação de quem enxerga a escola a partir do teatro. Não
responde o que faz o corpo na escola, mas do horizonte dialógico diz, o que é
escola?
Referências
AZEVEDO, Sonia Machado. Nossa Senhora do Patrocínio. In: GONÇALVES, Jean
Carlos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola a
partir do teatro: 1. São Paulo: Hucitec, 2023. [p. 99 - 102].
BAKHTIN, Mikhail.
Marxismo e filosofia da linguagem
: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Sahud e Yara Frateschi
Vieira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
BAKHTIN, Mikhail.
Estética da criação verbal
. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
13
BRAIT, Beth. Escola: imagens nas dobras da memória. In: GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola a partir do
teatro: 1. São Paulo: Hucitec, 2023. [p.93 - 98] .
FARACO, Carlos Alberto.
Linguagem e diálogo
: as ideias do círculo de Bakhtin.
Curitiba: Criar Edições, 2003.
FOUCAULT, Michel.
Vigiar e punir
. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
FOUCAULT, Michel.
A ordem do discurso
. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1998.
HEINIG, Otilia Lizete de Oliveira Martins. Prefácio: sobre a escola que faz sentido e
os sentidos que a escola leva a construir. In: GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer
semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola a partir do teatro: 1.
São Paulo: Hucitec, 2023. [p.11 - 19].
JOHNSTONE, Keith.
Impro
: improvisação y el teatro. Trad. Elena Olivos e Francisco
Huneeus. Santiago (Chile): Editorial Cuatro Vientos, 1990.
LECHETA, Andrio Robert. Fragmentos, desabafos e poeiras de memórias escolares
de um viadinho. In: GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer semelhança não é mera
coincidência
: um olhar para a escola a partir do teatro: 1. São Paulo: Hucitec, 2024.
[p. 109-111] .
MACHADO FILHO, Américo Venâncio Lopes. Marcuschi, Luíz Antônio. (2001) Da fala
para a escrita: atividades de retextualização. 2. ed. São Paulo: Cortez. 133p.
Revista
Da Anpoll
, v.1, n.15, p.223-229, 2003. Disponível em:
https://doi.org/10.18309/anp.v1i15.431. Acesso em: 08 nov. 2024.
MARCUSCHI, Luíz Antônio.
Da fala para a escrita
: atividades de retextualização. 2.
ed. São Paulo: Cortez, 2001.
OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Aprendendo o que é racismo, homo-transfobia
e classismo com minha professora do primeiro ano! In: GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola a partir do
teatro: 1. São Paulo: Hucitec, 2023. [p.95-98].
SPOLIN, Viola.
Improvisação para o teatro
. Trad. Ingrid Koudela e Eduardo Amos.
São Paulo: Perspectiva, 2000.
SIQUEIRA, Agnan. Sem título. In: GONÇALVES, Jean Carlos.
Qualquer semelhança
não é mera coincidência
: um olhar para a escola a partir do teatro: 1. São Paulo:
Hucitec, 2024. [p.107 - 108].
SOUZA, Adriana Teles de. Faz de Conta que eu Te Conto. In: GONÇALVES, Jean
Carlos.
Qualquer semelhança não é mera coincidência
: um olhar para a escola a
partir do teatro: 1. São Paulo: Hucitec, 2023. [p.103 - 105].
Quais os sentidos de escola? Olhares reais e fictícios sobre as (des) obediências na escolarização
Adriana Teles
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
14
SOUZA, Naum Alves de.
Aurora da minha vida
. 5. ed. São Paulo: Salamandra, 2003.
UBERSFELD, Anne.
Para ler o teatro
. Trad. José Simões (coord.). São Paulo:
Perspectiva, 2005.
Recebido em: 20/09/2024
Aprovado em: 23/11/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br