A poética dos cacos
Maciej Rozalski
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-25, dez. 2024
emigração nas Américas Atlânticas. Quando lemos os testemunhos de Witold
Gombrowicz, Julian Tuwim, Sławomir Mrożek e muitos outros, ficamos surpresos
ao encontrar questões semelhantes e dilemas semelhantes, que estão
claramente desligados do discurso romântico do desejo de emigração. A terra
dos ancestrais parece cada vez mais irreal, distante e bidimensional. Permanece
como uma figura de saudade, mas é meio secundária. Há frustração, incerteza,
perda de identidade, mas também caos, intoxicação e intensidade de
experiência. As memórias viram as formas grotescas, superficiais e
desordenadas. Trago essa experiência de Gombrowicz como uma das mais
significativas, alguma forma explicando para mim mesmo meu estado de
desintegração e busca de nova ordem. Como lembrar? Como não se desintegrar
no balbucio de caos de oceano?
...Cozinho meu corpo. Meu corpo está esquentando. Memória crua se
diluí em algas de maré. Somente ao atingir uma temperatura certa, as
qualidades e os significados começam a se manifestar. Começam a
conversar e a responder. O treinamento físico aumenta o calor do meu
corpo. Experimento imagens, formas e as palavras. Na improvisação,
rasgo e uno fragmentos de algo estranho, brutal e disforme. Um
monstro de se esquecer. Às vezes, sinto que, se algo não tomar forma,
eu mesmo estarei devorado. Encontro um sentimento de medo, mas
também de prazer e lascívia nesse risco. Para evitar ser comido, apego-
me ao método. Eu sigo o ritual de repetição para continuar a ouvir as
vozes escondidas sob a superfície da pele. Na carne crua.
Às vezes, acredito que o trabalho na sala de treinamento seja uma
forma de lutar contra o avanço do tempo e o caos das narrativas.
Procuro maneiras de manter os temas, inspirações e memórias que vivi
por mais tempo. Pode ser que, com o decorrer do tempo, eles tenham
se tornado companheiros em uma jornada criativa. O treinamento físico
requer pausas. O corpo tem seus limites. Além disso, em determinados
momentos, os exercícios que você realiza deixam de ser atuais. Nesses
períodos de transição, surgem possíveis micro-crises no trabalho.
Tornam-se possíveis momentos de perda de contato com o material de
treinamento. Em tempos de crise, eu volto a usar a estratégia de
circular e reescrever. Tudo para não esquecer. Este é um momento de
diálogo e de síntese da experiência. Há reflexão, mas também
possibilidade de sintetizar esses encontros afetivos, dando-lhes o
devido tempo e buscando conexões com outros elementos do trabalho.
Para mim, circular é uma forma ética de encontro entre o sensível e as
formas de se transcrever...