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Da ação à cena:
um caminho criativo na tradição do Odin Teatret
Marilyn Clara Nunes
Para citar este artigo:
NUNES, Marilyn Clara. Da ação à cena: um caminho
criativo na tradição do Odin Teatret.
Urdimento
Revista
de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 55,
ago. 2025.
DOI: 10.5965/1414573102552025e0202
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Florianópolis, v.2, n.55, p.1-25, ago. 2025
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Da ação à cena1: um caminho criativo na tradição do Odin Teatret2
Marilyn Clara Nunes3
Resumo
Através do compartilhamento dos expedientes do processo de montagem de
La
prima volt
a, que foi a primeira fase do espetáculo solo
O pesadelo da borboleta
,
criado por esta autora e dirigido por Julia Varley (Odin Teatret), aborda-se os
desdobramentos da tradição teatral pautada nos pressupostos da Antropologia
Teatral e na pedagogia do grupo Odin Teatret, destacando a criação a partir da
dramaturgia da atriz e do ator.
Palavras-chave
: Dramaturgia da atriz e do ator. Ação sica. Processo criativo. Odin
Teatret. Antropologia teatral.
From action to scene: a creative path in the Odin Teatret tradition
Abstract
By sharing the experiences of the process of putting together
La prima volta
, which
was the first phase of the solo performance
The Nightmare of the Butterfly
, created
by this author and directed by Julia Varley (Odin Teatret), we discuss the unfolding
of the theatrical tradition based on the assumptions of Theater Anthropology and in
the Odin Teatret's pedagogy, highlighting creation based on actress and actor’s
dramaturgy.
Keywords:
Dramaturgy of the actress and the actor. Physical action. Creative
process. Odin Teatret. Theatrical anthropology.
De la acción a la escena: un camino creativo en la tradición del Odin Teatret
Resumen
Al compartir las experiencias del proceso de puesta en escena de
La prima volta
,
que fue la primera fase del espectáculo unipersonal
La pesadilla de la mariposa
,
creado por este autor y dirigido por Julia Varley (Odin Teatret), abordamos el
despliegue de la tradición teatral basada en los presupuestos de la Antropología
Teatral y en la pedagogía del grupo Odin Teatret, destacando la creación basada en
la dramaturgia de la actriz y del actor.
Palabras clave
: Dramaturgia de la actriz y del actor. Acción física. Proceso creativo.
Odin Teatret. Antropología teatral.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual realizada por Aurélio Costa Rodrigues. É mestre em Letras
Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica SP (PUC-SP), especialista em Linguística
e Análise do Discurso, graduado em Letras Licenciatura em Língua Portuguesa e Inglesa, técnico em Teatro
e, é docente do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza CEETEPS SP.
aurelioeponto@gmail.com http://lattes.cnpq.br/5564004057803186.
2 Este artigo resulta em 90% de partes de minha tese de doutorado de denominada: Expedientes da
dramaturgia de uma atriz: princípios da Antropologia Teatral num espetáculo solo sob direção de Julia Varley.
Defendida no Programa de pós-graduação em Artes, do Instituto de Artes, da Universidade Estadual de São
Paulo, sob orientação da Prof. Dra. Lúcia Regina Vieira Romano, em 2022.
3 Doutorado e Mestrado em Artes da Cena pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Docente do curso de Licenciatura em Teatro do Instituto de ensino superior de Porto Velho, Rondônia (UNIR).
Atriz, professora e pesquisadora de teatro, fundadora do Oposto Teatro Laboratório.
marilyn.nunes@unir.br
http://lattes.cnpq.br/0403309640342246 https://orcid.org/0000-0002-6395-8043
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Introdução
O Odin Teatret e a Antropologia teatral estão ligados à minha formação
teatral, desde seu primórdio. Com os membros desse consolidado grupo de
pesquisa teatral sediado na Dinamarca alicercei minha profissão e, de uma relação
artística-pedagógica que compartilhamos, emergiram vários espetáculos, num
decorrer de dez anos de colaboração. Nos expedientes das obras teatrais alicercei
meu conhecimento sobre elementos que compõem a dramaturgia da atriz e do
ator. Assim, busco neste artigo compartilhar seu conceito por meio de expedientes
que elucidem o seu significado e aplicabilidade. Retorno a uma passagem de Barba
(2010, p.57):
No decorrer dos anos, eu tinha me acostumado a definir o trabalho do
ator como “dramaturgia do ator”. Com esse termo eu me referia tanto à
sua contribuição criativa no crescimento de um espetáculo quanto à
capacidade de enraizar o que contava numa estrutura de ações orgânicas.
Nos expedientes do início da criação de
O pesadelo da borboleta4
solo que
criei com a direção de Julia Varley e o terceiro espetáculo que fizemos em
colaboração,
encontrei um modo de dar materialidade ao conceito de dramaturgia da
atriz e do ator, do momento que antecede a criação da obra até sua
estreia. Persegui as perguntas: De onde a atriz/o ator parte? Por onde
ela(e) caminha? Onde é possível chegar usando esse modo de criação?
Por meio dessas três perguntas, desenhei um roteiro que procurou dar
coerência ao caótico trabalho criativo que cerca o fazer teatral na
perspectiva da dramaturgia da atriz e do ator. Se essa dramaturgia não
segue uma linha dramatúrgica estabelecida, nunca se saberá,
previamente, qual será a resultante, apenas que se dará no formato de
um espetáculo (Nunes, 2022).
Em janeiro de 2013, ao estrearmos o solo
Estrelas
, Julia Varley me propôs:
Agora você deve criar outro espetáculo
.
Então indaguei: Tem algo em mente?
Ela
indicou: Você deve fazer o oposto de
Estrelas
.
A oposição é um importante princípio da Antropologia Teatral, sendo
encontrado em várias culturas teatrais e empregado para indicar as qualidades de
4 Espetáculo cuja criação iniciou-se em julho de 2014, estreado em setembro de 2018, na sede do Odin Teatret,
Dinamarca. Ele foi precedido pelo espetáculo solo
Estrelas
, cuja estreia deu-se e janeiro de 2013, e da
demonstração de trabalho O oposto, em 2016, todos estes criados por Marilyn Nunes e dirigido por Julia
Varley, numa relação pedagógica e artística aprofundada.
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energia das ações, no amplo jogo de tensões corpóreas e nas dinâmicas cênicas.
Com os demais princípios, forma o que Barba e Savarese (2012) nomeiam de
bios
cênico
, corroborando no desenvolvimento da presença da atriz e do ator.
A oposição aparece, ainda, conectada à criação de cenas e espetáculos, como
exemplifica o "princípio chinês" de Jerzy Grotowski. Na perspectiva de Barba (2006,
p. 48): “Ele [Grotowski] tinha reparado que o ator chinês começa uma ação
dirigindo-se para a direção oposta ao lugar para onde deve ir. Se quer ir para
esquerda, um passo para direita antes de ir em direção ao seu objetivo, à
esquerda”. Grotowski (2010, p.59) completa: “[...] atuar com os opostos: expor
coisas sublimes de modo bufonesco e, ao contrário, coisas vulgares de modo
elevado”, ou seja, o princípio da oposição opera na modulação de uma ação, na
movimentação espacial da atriz e do ator e na sequenciação de cenas. No meu
caso, a oposição ganhava outra funcionalidade: era um ponto de partida.
Começar uma criação frequentemente acompanha questões amplas:
Como
fazer? Sobre
o que
será a nova obra? De
qual modo
se dará o processo? O
emprego do princípio, sugerido por Varley, foi mais um desafio do que uma
resposta. A proposta me parecia direcionadora, porém ampla, figurando como um
enigma que exigia respostas criativas, levando-me a reagir a ela com algum
material cênico5, mesmo que também enigmático, para ter o que compartilhar
com a minha primeira espectadora.
O roteiro do espetáculo anterior,
Estrelas,
seguiu a estrutura da novela
A hora
da Estrela
(1998), de Clarice Lispector. No processo de montagem do espetáculo,
facilmente eu era transportada a eventos que fizeram parte da minha cultura e
biografia, como a passagem da infância da protagonista, permeada pela cantiga
“Eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré...” (Lispector, 1988), uma
música que também pertence à minha infância. O contrário da cultura brasileira
seria a estrangeira - refleti durante as primeiras tentativas de dimensionar o que
seria o oposto solicitado pela diretora.
5 Utilizo a definição da atriz Julia Varley (2010, p. 93) para apresentar o termo "materiais", aqui utilizado: “[...] o
termo 'material' descreve a atividade autônoma de uma atriz antes da intervenção do diretor ou da
montagem definitiva no curso dos ensaios. O material da atriz, para mim, consiste em uma sequência de
ações, cena, caminhadas, passos de dança, maneiras de sentar, de olhar e de usar os braços, com vistas à
realização de um comportamento particular que, frequentemente, é o personagem”.
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Lembrei-me da biografia e pinturas de Frida Kahlo e, sozinha em casa, vesti
uma sobreposição de saias, xales e adereços coloridos, trancei meus cabelos,
enfeitei-me com flores e, no rosto, passei uma maquiagem forte. Passadas
algumas semanas, planejei uma pesquisa de 30 dias no México, pois intuía que a
pesquisa de campo (uma ferramenta de criação que guardo como referência) seria
um bom caminho.
Durante a viagem, visitei lugares diversos; busquei por objetos e instrumentos
musicais; procurei canções, danças típicas e livros com histórias pessoais de Kahlo;
fui a vários museus nacionais e estúdios. Durante as noites, passei horas sozinha
me revirando, sem descanso, buscando por uma imagem qualquer, um som ou
mesmo uma ação, qualquer coisa que pudesse me ajudar a iniciar uma cena. Mas,
a resposta era o silêncio.
Em conversa com Varley, por telefone, ela sentenciou: esqueça, o tema
está por demais explorado. Inicialmente, me mantive em silêncio, perplexa com o
que me parecia ser um fracasso inicial, um gesto dispendioso financeiramente e
do ponto de vista da "coleta de materiais". Depois do tempo do silêncio, tentei
argumentar, lutando para não perder o sentido de estar ali, no México. O que você
pode fazer é escondê-la na estrutura - a diretora indicou, emendando - você pode
ter a Frida, mas sem evidenciá-la. Seguindo essa indicação, eu deveria deixar meu
único material palpável, o ponto de partida, que foi a caracterização que fiz de
Frida, com seus cabelos trançados e flores, voltando ao nada. Ao desligar o
telefone, senti um grande vazio.
A diretora sugeriu, indiretamente, a aplicação do "princípio do oculto", que não
aparece na escritura de Barba, apesar de ser recorrente nas montagens do Odin
Teatret. Reconheço-o pelo modo como quase todas as obras são iniciadas, isto é,
por um vasto levantamento de materiais realizado pelas atrizes e atores, e do qual
o diretor toma uma parte ínfima. Depois, o material se mantém no espetáculo pela
sua transfiguração. Um exemplo prático é a personagem que Julia Varley criou
para o espetáculo
A vida Crônica
(2011), iniciada com uma caracterização
masculina, com paletó, chapéu, sapatos masculinos e bigode. O diretor negou a
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forma masculina, e Varley a recriou como Nikita, uma mulher imigrante, vestida de
xales coloridos. A caracterização foi modificada totalmente, mas o modo de mover
os braços, de caminhar e o ritmo das ações se mantiveram (Varley, 2016).
De modo semelhante, Kahlo tornava-se minha camada submersa, pois
enquanto a caracterização desaparecia, outros elementos oriundos dela seriam
fixados na obra, como quadros, tintas e pincéis, contribuindo para a definição da
protagonista como uma pintora.
Após o período de viagem, sucedeu-se uma fase de criação individual na qual
esquadrinhava modos e ferramentas para avançar no levantamento de materiais,
apoiada nos treinamentos formativos realizados anteriormente junto ao Odin,
pretendendo a criação de um esquete.
Cri-Ação
Os princípios elencados pela Antropologia Teatral, aplicados nas montagens
de solos, organizavam, de modo prático, o significado de “dramaturgia [da atriz e]
do ator” (Barba, 2012), sendo que numa montagem teatral, é evidente a sua
organização ao redor da ação:
a segmentação
auxilia na separação da ação em
suas partes;
a pontuação
retém uma ação por um tempo distinto do fluxo no qual
se insere; o
princípio da omissão
nos ajuda a retirarmos ou a escondermos uma
parte da ação; o da
equivalência
permite fazermos uma ação semelhante a outra,
de natureza diversa;
a resistência
impõe a necessidade de maior tônus muscular
a cada ação;
a dilatação
faz a ação tomar ou percorrer um lugar maior no espaço,
ao passo que o seu contrário é
a redução
; e
a tridimensionalidade
considera as
“linhas de fuga” da ação para direções distintas.
A ação origina-se na atriz e no ator, ao mesmo tempo que age sobre ela(e)
Quando no treinamento ou durante os ensaios eu subdividia uma
situação qualquer (escrever uma carta e colocá-la no envelope, dar um
pulo, cortar uma maçã, pegar uma moeda do chão) em segmentos
sempre menores, chegava a um ponto indivisível, um átomo
minimamente perceptível: uma minúscula forma dinâmica que, ainda
assim, tinha consequências na tonicidade do corpo. Essa minúscula
forma dinâmica era aquilo que eu e meus atores chamávamos de uma
ação real. Podia ser realmente microscópica, apenas um impulso, mas
ela se irradiava por todo o organismo e era imediatamente percebida pelo
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sistema nervoso do espectador (Barba, 2010, p. 60).
Portanto, a configuração própria da ação atua sobre a constituição da
presença cênica que, por sua vez, influencia a ação. A atriz/o ator está presente
em cena, com toda a potência expressiva, quando está em ação, o que Barba
chamou de
corpo-em-vida
(Barba, 2010). O encenador acrescenta: “No Odin
Teatret, a dramaturgia do ator não era um modo de representar, mas uma técnica
para realizar
ações reais
na ficção da cena” (Barba, 2010, p. 60). Partindo desse
princípio, chego ao seguinte entendimento sobre o que é uma ação:
A ação é um elemento central e complexo no estudo da atuação. Partem
desse tema várias problemáticas como a verdade cênica, a organicidade,
o visível e o invisível, a energia, o exterior e o interior da atriz e do ator
(ações físicas ou psicológicas emocionais). Mas, o que é uma ação?
Como ela é criada? A que está relacionada ou o que sugere/evoca? Como
se materializa no corpo da atriz ou do ator? Como afeta a(o)
espectador(a)? (Nunes, 2022).
Para o início do meu trabalho, improvisei ações pensando em verbos ativos,
tal qual indica Stanislavski (Kusnet, 1985) em seu método das ações físicas: puxar,
empurrar, levantar, sentar, deitar, pular e afastar foram alguns deles. Depois,
investiguei diferentes maneiras de realizar as ações em relação à cadeira: sentar-
me ou deitar-me na cadeira, arrastá-la, embalá-la, repousar nela minha cabeça,
subir nela, trazer seu encosto ao chão, olhar através de seu encosto, fazê-la andar,
tomá-la nos braços. Então, mergulhei nas pequenas variações a partir dos verbos.
No exemplo do
puxar
: puxo a cadeira com a mão, envolvendo todos os dedos;
puxo apenas com um dedo; puxo com o cotovelo; com o e com o queixo. Ainda:
Utilizo o contrário do verbo, isto é, empurrar: empurro tocando as minhas
costas nas costas da cadeira; empurro tocando os meus pés nos seus
pés; com as mãos; com a barriga; ou com a lateral do corpo. Depois penso
em modos de subir: subo nela apoiando as minhas mãos; depois sem
apoiar; subo com um pé; em seguida, com os dois; subo sem olhar;
subo olhando cada parte; subo fazendo-a balançar. E os modos de
descer? Desço saltando; dando um passo para trás com um pé, para
depois apoiar o outro; desço pela lateral, cruzando as pernas; pela frente,
causando um desequilíbrio na cadeira, que lentamente vai ao chão.
(Nunes, 2022).
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Figura 1 - Ações com a cadeira 1 - Acervo: Autora, 2014. Foto: Laís Taufic.
Figura 2 - Ações com a cadeira 1 - Acervo: Autora, 2014. Foto: Laís Taufic.
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Lembro-me de ter aprendido com o Odin Teatret que a ação não precisa
estar conectada a um contexto ficcional, mas ser capaz de convencer o(a)
espectador(a) de sua verdade e força cênicas. Isso significa que, para realizar as
minhas ações, não pensei em “quem sou”, “onde estou” ou “o que eu quero”, foquei
na simples realização das ações.
Nesse exercício com a cadeira, reconheço um princípio que a Antropologia
Teatral apresenta como
tridimensionalidade
, que está correlacionado à
dança das
oposições
e ao
não-paralelismo
. Esse é um princípio que ajuda a encontrar muitas
variações pela composição relacional, fazendo-se numa relação de tensão pela
contraposição que envolve duas partes do corpo, como braços e cabeça, joelhos
e ombros, torso e pé. Produz-se o que Julia Varley (2010) chama de “torsos de
Rodin
. Para Varley (2010), é nessa torção que vive o "coração" da ação, essencial
para potencializar a presença cênica. Ela é evidenciada com o destaque da
profundidade e da dimensão, numa composição corpórea em que se explora as
diversas possibilidades de disposição ao olhar externo: estar de costas para a
plateia, deitada no palco ou saltando, por exemplo. Pode-se experimentar um
levantado, adiante, enquanto a mão está recuada; ou uma mão que toca o chão à
direita, enquanto a outra é esticada para o alto. A criação cênica vai se fazendo
durante o exercício de composição corpórea, sendo necessário uma estratégia
para memorizá-la. Lembro-me que
Um dos hábitos criativos que aprendi foi nomear cada uma das ações e
registrá-las no meu diário de trabalho. Isso se tornou uma importante
ferramenta, especialmente para a recuperação de uma cena criada
meses, quando há a elaboração de muitos materiais cênicos, ou ainda,
quando após modificar todas as ações, deseja-se retomar o trabalho
primário. O registro mostra-se, assim, um procedimento também
pedagógico (Nunes, 2022).
Anotava uma ação após a outra para definir um vocabulário. Depois, explorei
possibilidades de sequências: primeiro puxo, então me sento; depois, subo na
cadeira e me deito; ou, começo deitada, em seguida, me sento; puxo a cadeira e,
então, subo nela; outra possibilidade: estou sentada, logo me deito na cadeira,
subo nela, a puxo para mim. Ao final, escolhi algumas dessas ações e as fixei.
A sequenciação de ações é parte fundamental da construção de uma
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partitura. Formada de ações, a partitura revela um sentido, num plano físico e
associativo, de produção de imagens internas e sensações. Barba (2010) explica
que:
O ator e o diretor podiam tratar uma partitura física:
- como uma forma, um desenho dinâmico no espaço e no tempo que era
o resultado de uma improvisação ou de uma composição;
- como ritmo, escansão e alternância de tempos, acentos, velocidades,
acelerações;
- como cores e qualidades de energia (macia ou vigorosa);
- como um dique que continha o fluir orgânico das energias (Barba, 2010,
p. 69).
Ainda com o exercício com a cadeira, experimentei manipular o tempo:
realizo uma ação veloz, depois uma lenta, outra rápida, outra moderada... Após um
momento de exploração rítmica, escolhi fixá-los, guiando-me por uma lógica. Essa
cadeira vazia me traz lembranças de alguém... - pensei. Referi-me,
imaginariamente, ao objeto como um lugar onde alguém costumasse se sentar.
Morreu? - indagava a mim mesma. Esse alguém poderia estar muito próximo,
como a mãe ou o pai... Afloravam, assim, minhas primeiras associações, isto é, a
subpartitura.
Barba (2012, p. 122) apresenta a subpartitura como “o invisível que dá vida ao
que o espectador vê”, mas que está interno à atriz/ao ator, fazendo parte do seu
mundo pessoal e existindo, por meio dela(e), no espetáculo. A subpartitura dialoga
com o subtexto, de Stanislavski, mas encontrando um campo maior de
possibilidades. Nas palavras do diretor do Odin:
O subtexto como chamava Stanislavski é uma forma particular de
subpartitura. Na verdade, a subpartitura não consiste necessariamente
nas intenções ou nos pensamentos não expressos de um personagem,
na interpretação de seus “porquês”. A subpartitura pode ser constituída
de um ritmo, de um canto, de um modo particular de respirar ou de uma
ação que não deve ser executada em suas dimensões originais, mas que
é absorvida e miniaturizada pelo ator, que, mesmo sem mostrá-la, deixa-
se conduzir por seu dinamismo, ainda que na quase imobilidade (Barba,
2012, p. 122).
Portanto, a subpartitura é o sentido interno à ação e, para Barba (2012), as
associações da atriz e do ator são um campo que lhes pertence, de modo que sua
interferência como diretor se dá apenas na partitura, a parte tangível da ação.
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Enquanto repassava minhas composições com a cadeira, a subpartitura
emergia: eu sorri enquanto meus olhos brilhavam ao embalar o objeto, como se
eu visse ali um bebezinho; em seguida, me afastei. Depois, mirei a cadeira vazia,
com nostalgia. Com braços pesados e olhar vago, me perdi dentro daquela
ausência. Corri para a cadeira, meus braços fizeram o desenho da silhueta de uma
pessoa, então, repousei a cabeça naquele assento. Mãe - sussurrei, numa espécie
de lembrança.
Como em um exercício de treinamento, repetia a sequência sem julgar os
materiais como bons ou ruins e sem saber se seriam mantidos na montagem.
Considero essa postura fundamental para não abandonarmos algo que nasce, erro
frequente no início de uma criação. Assim, repetia os materiais como uma
trabalhadora que executa suas ações, sem julgar o que é mais valioso, mas
executando tudo o que é criado. Contudo,
Na retomada dos materiais para seu desenvolvimento, paulatinamente,
as imagens tornavam-se mais fortes e vívidas. Respirava diferentemente
da minha respiração cotidiana, caminhava de modos diversos e era
preenchida por uma história que ainda não saberia descrever. Quanto
mais repetia, mais imersa ficava nesse mundo ficcional, até o momento
em que não pensava no ritmo, no tamanho das ações, ou nas direções
que tomava pelo espaço; apenas me deixava preencher pela sequência
(Nunes, 2022).
Vejo a repetição como uma das tarefas mais essenciais de uma atriz ou um
ator de teatro, almejando o frescor da primeira e, a cada experienciação,
aprofunda-se o nível de apropriação dos elementos da cena, incluindo a partitura
psicofísica
.
Chamei a sequência de “cadeira vazia”, constituída de ações simples
concatenadas, em que uma sutil indicação de “ausência”. Senti, nessa cena, a
mesma ausência experienciada nas ruínas mexicanas e na Casa Azul, o museu de
Frida Kahlo em que há a sua cadeira vazia em frente ao cavalete de pintura. Essa
conexão é indicativa de que os primeiros passos, mesmo que erraticamente,
influenciaram o decorrer de um caminho.
Das ações para a constituição de cenas
No espetáculo
Estrelas
, eu estive sozinha em cena. Pensei, então, em como
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fazer o oposto. Fascinada com a imagem de
As duas Fridas
(quadro pintado em
1939 por Frida Kahlo), indagava-me como poderia me multiplicar em duas. Como
criar outra de mim? Lembrei-me da cama de Kahlo, na qual repousava uma cabeça
de manequim
envolta num lenço, remetendo a presença de alguém. Talvez
pudesse construir uma boneca parecida comigo, colocá-la ao meu lado para
darmo-nos as mãos, ou para jantarmos, dançarmos... tantas coisas passavam pela
minha imaginação. E, recordo-me que
Pela praticidade, encontrei uma manequim simples, constituída apenas
de tronco e cabeça, faltando-lhe braços, pernas e rosto. Não seria
possível dar as mãos para ela, como no quadro de Kahlo, mas poderia
colocá-la na minha frente e emprestar meus braços para serem os seus.
E as pernas? Talvez um vestido que as cobrissem, deixando ver meus pés
por trás. Comprei uma manequim numa loja de roupas usadas e descobri
nela uma leveza que fazia aquele duplo de mim parecer voar. Era
divertido tê-la como parceira de cena. Ela estava linda por fora, mas
dentro faltava-lhe tudo, exatamente como Frida! (Nunes, 2022).
Figura 1 -
As duas Fridas
- Fonte
:
Kahlo
,
19396
6 Frida Kahlo. The Two Fridas. Frida Kahlo: Paintings, Biography, Quotes. Óleo sobre tela, 1,74m x 1,73m.
Disponível em:< https://www.fridakahlo.org>. Acesso em: 26 fev. 2022.
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Tive vontade, ainda, de dar voz à minha manequim, introduzindo nela uma
escaleta (instrumento musical), ideia inspirada nas “figuras” que o Odin possui,
como a
Andrógena
, figura em perna de pau com uma máscara branca e cabelos
negros, criada pela atriz Else Marie Laukvik; Mr. Peanut, que tem uma cabeça de
caveira e veste fraque, atuada por Julia Varley em vários espetáculos, ou
Dog
, de
Jan Ferslev, ator e músico, composto por um crânio de um cachorro e uma
guitarra7.
Pensei que, se havia música, também poderia haver dança. Então, inventei
passos que me deslocavam pelo espaço enquanto tocava a escaleta dentro da
manequim. Precisei treinar muito. Primeiro, aprender as teclas e tocá-las sem ver,
pois estavam dentro da manequim; como a cabeça da boneca tapava a minha,
deveria aprender a me deslocar pelo espaço com os olhos fechados e, igualmente
importante, necessitaria aprender a tocar o instrumento e a executar uma melodia.
Nos diversos momentos que acompanhei palestras do grupo, observei uma
questão recorrente: vocês ainda realizam o treinamento? A resposta se repetia em
forma de pergunta: agora que estavam sempre viajando para apresentações,
dividindo ainda o tempo entre a sala de ensaio e
workshops
, o que seria um
treinamento? Conforme relatam as atrizes e os atores, exercícios, criação de
espetáculos e apresentações fazem parte da rotina do grupo desde sua fundação,
constituindo as 12 horas de seu treinamento. Realçando essa práxis, Julia Varley
(2010) compartilha:
Nos primeiros anos do Odin Teatret, o
training
, a improvisação e o
espetáculo eram para mim mundos separados. Foi depois de longo e
paciente trabalho de Eugenio sobre uma improvisação minha, durante o
qual deslocava cada movimento em alguns milímetros, que me dei conta
de que o mesmo “eu” que aprendia a estar presente em cena, a modular
as próprias energias e a tornar reais as ações pelos exercícios do
training
era o mesmo “eu” que devia dar formas às minhas imagens interiores em
uma improvisação e adaptá-las às condições do espetáculo (Varley, 2010,
p. 125).
Esses três campos (
training
, improvisação e espetáculo) também estão
presentes, de certa forma, no trabalho para uma montagem teatral, que exige a
7 Todas as atrizes e atores do grupo possuem figuras, que não personagens, que podem deslocar-se de
contextos cênicos, sendo utilizadas em intervenções e espetáculos diversos. Ode ao Progresso (1997) é um
espetáculo do grupo em que cada um(a) está com sua figura como personagem.
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conquista de certas habilidades, a dilatação da presença cênica e o extenso
trabalho de composição. Nos períodos em que estive no Odin Teatret,
frequentemente participava dos
workshops
realizando exercícios de treinamento.
Contudo, notei que a maior parte do tempo dos atores e das atrizes do grupo era
dedicada à criação de cenas para espetáculos, o que me pareceu ser o trabalho
mais exigente e, pedagogicamente, o mais significativo.
Figura 3 -
La Prima Volta
- Fonte: Mostra Rubro Obscenas, 2014.
Foto: Gustavo Souza
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Configuração e apresentação do esquete La Prima Volta
Fiquei tomada por esse universo criativo, que não se limitava aos dias e
horários marcados no espaço de trabalho, estendendo-se para quando eu estava
no quarto, na sala de casa ou tomando banho. Passava roupas escutando músicas
mexicanas. Nos momentos vagos, passava horas tomando emprestado objetos
que estavam pela casa, assistia filmes, ia às livrarias e lia de tudo, buscando me
imbuir de imagens, histórias e sensações.
O estado criativo da atriz e do ator, exposto aqui, está conectado com
seu total engajamento ao processo. Nas minhas estadias no Odin, passei
por períodos de imersão em que sequer me dei conta do mundo exterior,
sempre permeada da obra em processo, pois ali depositava toda minha
energia. No Brasil, ampliei esse estado para outros momentos, abraçando
meus afazeres cotidianos. De qualquer modo, as músicas, livros e filmes
que consumia relacionavam-se com a criação. Esse estado, para mim, é
um estado de êxtase em relação ao anterior, no qual me obrigo a ir para
a sala de trabalho (Nunes, 2022).
Cantando
Malagueña Salerosa
,
a favorita de Kahlo8, lembro-me da cena da
morte de Selma, personagem interpretada por Bjork Guðmundsdóttir no filme
Dançando no escuro
9. Misturei as duas referências, fazendo uma cena de
enforcamento em que cantava essa música. A cena foi desenvolvida pela lógica
das ações e associações, do modo que se segue:
Com braços abertos, cerro meus punhos, imaginando que duas pessoas me
seguram, cada uma de um lado. Depois, elas me lançam para frente, em direção
à cadeira, que está virada para mim. Apoio-me nela enquanto me ajoelho sobre o
seu assento. Começo a cantar “qué bonito ojos tienes”. Faço com a mão um sinal
positivo e continuo: “Debajo de esas dos cejas...”, olho para o outro lado e aceno
como uma despedida. Canto “Debajo de esas dos cejas, qué bonito ojos tienes”,
ao tapar os olhos com as mãos. “Ellos me quierem mirar”, canto, abaixando as
mãos lentamente. Na frase seguinte, “pero si no los dejas”, estico as mãos
como pedindo clemência ou um abraço. A próxima frase cantada, “pero si no
los dejas”, é interrompida com um barulho que realizo com a mão contra o encosto
8 Segundo relatos de Zamora (2014) num livro sobre a biografia e obra de Frida Kahlo.
9 Título original:
Dancer
I
Morket
, dirigido por Lars von Trier, estreado no Brasil em 2000.
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da cadeira. Imagino que é uma guilhotina que acabou de descer, provocando um
relaxamento no corpo.
Introduzindo nos materiais a música que Kahlo gostava, desejei também
recorrer ao meu álbum favorito,
The Wall
, de Pink Floyd10. Do álbum, ouvi várias
músicas, dançando-as numa reação aos ritmos e letras. Trabalhei por mais tempo
na música
Hey you
e, para reagir de modo objetivo, decidi fazer ações simples
como apontar, lançar, chutar, encontrar, abraçar, desequilibrar e saltar. Obtive,
assim, uma sequência que correspondia a um trecho da música e, como ele se
repetia com maior intensidade, deixei minhas ações também se repetirem, mais
intensamente, utilizando os princípios da resistência e da dilatação para fins de
modulações diversas das mesmas ações.
Continuando a criação referenciada em princípios, criei uma cena constituída
por quedas, para levar ao extremo o
equilíbrio precário
, explorando diversificados
modos de ir ao chão e de me levantar. Pensava em termos de energia: um corpo
sem nenhuma resistência, que se derrete devagar até chegar ao chão, depois
modos de subir com muita resistência, prontidão e velocidade. Tentava me
surpreender na transição entre um estado e outro, para torná-la orgânica. Ouvindo
a música, a voz e o som distorcido da guitarra, associava o impulso sonoro a um
estado de loucura ou alucinação. Um trecho de
Hey you
dizia:
But it was only fantasy
(mas foi só fantasia)
The wall was too high
(a parede era alta demais)
As you can see
(como você pode ver)
No matter how he tried
(Não importa o quanto ele tentasse)
He could not break free
(ele não podia se libertar)
And the worms ate into his brain
(os vermes comeram seu cérebro)
(Pink Floyd, 1979, [s.p.], transcrição e tradução nossa)
Cada vez que passava por esse trecho da música, interagia e encontrava
associações, fazia improvisações e fixava-as. Para
fantasia
, encontrei uma
associação com alucinógenos; então fiz a ação como se injetasse uma seringa no
braço, olhando e apertando meus músculos como se tivesse em estado de
alucinação, até paralisar-me completamente como se morresse de
overdose
.
10 Pink Floyd.
The Wall
. [s.l.]: Columbia Records, 1979. Disco de vinil, 33 rpm, estéreo.
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Como a música trata de uma pessoa falando sobre outra, após minha paralisação
eu me levantava e, como observadora, dirigia à cadeira chutes e gritos raivosos:
“era só uma fantasia, seu idiota, idiota!”.
Como recebi o convite para apresentar um esquete de 20 minutos na “Mostra
de cenas curtas ObsCENAS: encontro de mulheres artistas”11, aceitei o desafio para
me forçar a criar. Então, prosseguindo na feitura dos meus materiais com mais
afinco, recorri ao diário publicado de Kahlo, no qual encontrei a seguinte passagem
de Platão: “El cuerpo es la tumba que nos aprisiona igual que la concha encierra a
la ostra”12, e me veio a imagem da dor de Frida, encoberta por sua beleza. Em
meus registros, encontro:
Como forma de materializar essa imagem, decidi comprar muitas pérolas
para compor uma cena. Fui à 25 de março, famosa rua de comércio de
São Paulo, onde encontrei um vendedor de bonecas cercado de pessoas
que assistiam a sua atuação com um bebê de plástico. O falso bebê
parecia mexer as mãos e a cabeça sozinho, como um ser vivo, e resolvi
comprar também esse bebê (Nunes, 2022).
Fiz uma cena com o bebê boneco, na qual o trazia para o meu corpo
encenando um nascimento, em que choro com o rosto franzido e abro os olhos
para ver o mundo pela primeira vez. Ao mostrá-la para duas atrizes, Flávia Coelho
e Laís Taufic, a primeira respondeu com uma proposição: experimentar ao fundo
a música
Canção pra ninar Oxum13 ,
de Douglas Germano, cantada por Juçara
Marçal, cuja temática me levou a introduzir as falas “mãe” e “pai”.
Como uma colega estava improvisando passos de dança com músicas de
Eric Satie, um compositor que aprecio, pedi de empréstimo uma das músicas do
pianista que ela não fosse utilizar, fazendo com que
Gnossienne No. 1
adentrasse
minha sala de ensaios. Criei uma ação para cada acorde ou nota musical: pegar,
nadar, colher uma flor, brincar no balanço, saltar... sempre escolhendo os
desenhos corporais de modo improvisado. Via os peixinhos, pegava as flores;
11 Evento realizado pelo Coletivo Rubro Obsceno (2012) originado a partir da reunião entre as participantes
paulistas do Vértice Brasil - Festival e Encontro de Teatro feito por Mulheres que integra o The Magdalena
Project - rede internacional de mulheres artistas.
12 Texto original extraído do prefácio do diário de Frida Kahlo. (Fuentes, 2012, p. 13)
13 Juçara Marçal. Encarnado. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2014. Álbum digital. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=18p5_PiPk8E. Acesso em: 14 mar. 2022.
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corria, pegava uma fruta e comia; brincava no balanço e saltava. A alegria e a
prontidão dessas ações foram motivadas diretamente pela qualidade da música,
que virou a minha parceira de cena, ajudando-me com a dinâmica, a qualidade de
energia, a pontuação das ações e a imaginação. Era divertido sincronizá-la com
minha partitura, especialmente, pelo ritmo pontuado das notas do piano, que me
levou a imaginar uma criança brincando no jardim. A
sincronização de ações
versa
sobre o diálogo entre, ao menos, dois elementos que podem ser partes do corpo,
como os olhos e as mãos, duas atrizes ou dois atores em cena, atriz/ator e objetos,
ou mesmo a música e a luz.
Fotografia 4 - Cena com a boneca Acervo: Autora, 2018. Foto: Tommy Bay.
Juntei meus materiais: as ações da cadeira, que levava agora a “Canção de
ninar Oxum”; a cena em que sou um bebê mesclado com o bebê boneca; a música
Gnossienne No. 1
com ações de uma criança num jardim; a música
Hey You
com
ações de quedas e chutes; as ações que antecedem a morte enquanto canto
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Malagueña Salerosa
; e as da manequim, com a qual toco escaleta e danço. Que
história seria essa? - Indagava-me. O público da mostra precisava de uma história
ou de um tema para seguir.
A busca por uma história é algo relevante no Odin Teatret, apesar de não se
pautar em um texto dramático. Lembro-me de Eugenio Barba, depois de
assistirmos
A vida Crônica
, em 2009, na sede do Odin Teatret, perguntar aos(às)
participantes que história era aquela, "para cada um(a) de vocês?" - ele dizia. As
respostas poderiam ser diversas, pois várias cenas ocorriam concomitantemente,
forçando cada espectador(a) a eleger seu foco de atenção diante da multiplicidade
de narrativas não-lineares que ofertava. Como uma espectadora-atriz, ative-me
aos processos técnicos da obra, esquecendo do mais importante, que era me
disponibilizar para a fruição. O que aquele espetáculo despertara em mim? A que
me remetia? Onde fui tocada, e por qual razão? Eugenio, com aquela pergunta, me
fez enxergar a potência criativa da(o) espectador(a) e entender que as cenas
funcionam como acessos para dentro de cada um e cada uma.
Outro episódio que reforçou esse entendimento sobre a importância da
história num espetáculo ocorreu quando estava com Julia Varley, no Brasil, e uma
atriz apresentou para a diretora uma cena de aproximadamente dez minutos de
duração, uma possível proposta inicial para uma futura montagem teatral. Naquela
época, como eu estava focada nos princípios da atuação, consegui notar na “cena”
apresentada algumas carências, como a falta de sincronia, a pouca relação com
os objetos, e o texto falado sem conexão com o expresso pelos gestos, posturas
e dinâmicas do corpo. Eram problemas normais para um material que estava em
seu início. Julia Varley, entretanto, não apontou nenhuma dessas deficiências, mas
indagou à atriz que história intentava contar e quais eram suas motivações
pessoais. Depois, sozinha com a diretora, perguntei o motivo de não haver
mencionado as “falhas” à atriz. Ela me explicou que até mesmo a falta de sincronia
podia ser usada em cena, se estivesse de acordo com a história contada.
Em busca da história que constituísse aquele esquete, procurei materiais
literários que me ajudassem na empreitada. Fui a uma livraria, na sessão de
literatura estrangeira (ainda tendo em mente a oposição ao primeiro espetáculo,
em que a escritora era brasileira), e escolhi o livro
Antes de nascer o mundo
(2009),
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de Mia Couto, atraída pelo título de um dos capítulos: Mulher. Escolhi passagens
do livro, modificando-as ligeiramente, e coloquei-as entre uma cena e outra. No
final da primeira cena, a da cadeira vazia com a canção cantada por Juçara Marçal,
dizia “Esta cadeira me traz lembranças da minha falecida mãe”, e para dar sentido
à frase, continuava: “Ontem sonhei com ela. O sonho é uma conversa com os
mortos, uma viagem ao país das almas” (Couto, 2009). E assim foram sendo
anexados trechos de texto.
Para a esquete, que seria apresentada na “Mostra de cenas curtas ObsCENAS:
encontro de mulheres artistas
, decidi usar salto alto, vestido, unhas e batom
vermelhos, como algo que permanecia em mim de Frida Kahlo, com suas cores
vibrantes. Os cabelos escovados reforçariam esse visual de extrema "feminilidade",
abusando dos clichês sociais sobre a figura feminina. Esse material pode ser
descrito sinteticamente do seguinte modo:
La prima volta (a primeira vez)
Uma mulher caminha pelo palco ao som de Canção para ninar Oxum, em
direção a uma cadeira vazia, e diz: “Esta cadeira me traz lembranças da
minha falecida mãe. Ontem sonhei com ela. O sonho é uma conversa
com os mortos, uma viagem ao país das almas”. Na cadeira, ela chora
desesperadamente, pedindo: “só um pouquinho...”. Bate o com força
e pede silêncio: “Shiii... Dizem que a minha mãe morreu. Ao contrário, fui
eu que morri. Do outro lado minha mãe me espreita. Ela me virá pescar”.
Faz uma ação de pescar a si mesma, franzindo a testa, e encolhe os
braços e pernas enquanto emite o choro de um bebê que descobre pela
primeira vez o mundo. Surge então, um bebê, que ela nina e para o qual
fala: “Existem dois mundos, o dos vivos e o dos mortos, quando a gente
nasce, começamos a morrer”. Brinca com o bebê e se senta na cadeira
de modo relaxado, como se estivesse quase dormindo: “Estamos mortos
e os vivos estão vivos. Nenhuma memória pode ser visitada. Mais grave:
“há lembranças que apenas na morte se encontram”. Quando relaxa
totalmente o corpo, num sono profundo, inicia a música Gnossienne No.
1, fazendo-a despertar (ou deixando ver o que se passa dentro de si, do
seu sonho): brinca como se fosse uma criança no meio de um jardim:
arranca uma flor e a coloca no cabelo, toma uma fruta e a morde, brinca
no balanço e deixa o corpo cair como se tivesse saído dele, imita os
peixinhos, até que toma o bebê novamente: “Quando a gente nasce,
começamos a morrer”. Segura as mãos de alguém imaginário que,
empurra-a para a cadeira. Canta Malagueña Salerosa, como uma
despedida, morrendo na sequência.
Ao som de Hey You, lança algo, abraça sutilmente o ser imaginário, depois
lança algo novamente e abraça fortemente, com raiva e desespero. No
final da música, empurra a cadeira, levando o seu encosto ao chão, e diz
chutando, de frente para cadeira: “idiota, era uma fantasia!”. Então,
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acalma-se e revela: “Eu estava no quintal da casa onde morava quando
vi meu pai cambaleando. Um par de mãos me sacaram de lá, me
impedindo de assistir a sua morte. Eu tinha três anos e essa foi a primeira
morte da minha vida.” Corre de um lado para o outro, com muita energia
e depois relaxa, indo ao chão. Repete essa ação inúmeras vezes,
alternando-a com chutes próximos à cadeira. Finaliza com a fala: “A
última vez que vi a minha mãe14 eu tinha três anos e me surpreendi
subitamente tão desarmada. O inteiro planeta estava despido de gente”.
Surge uma mulher (manequim) com quem dança e canta e com a qual
se senta na cadeira.
Nessa improvisação, passei a exercer o papel de "primeira diretora" do meu
próprio material, por meio da experimentação de diferentes possibilidades de
articulação dos elementos, fazendo escolhas para um esboço de estrutura. Utilizei
a improvisação como um recurso criativo para a composição dos materiais da
atriz, como explica Varley (2010, p. 93): “Improvisação, para mim, não designa uma
atividade única, mas pelo menos três, muito diferentes entre si: inventar a partir
de um tema, variar elementos conhecidos, mudar imperceptivelmente os
detalhes do interior de uma partitura já fixada.”
Figura 5 - Cena de La prima volta Acervo: Mostra Rubro Obscenas, 2014.
Foto: Gustavo Souza
14 Decidi utilizar o termo “mãe” para fazer referência à manequim, mas depois, durante o processo,
voltou a ser “pai”.
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Apresentei esse trabalho em processo no dia 30 de outubro de 2014, com
o nome de
La Prima Volta
. Alguns dias após a apresentação
,
mostrei a esquete
também à Julia Varley, que comentou:
Poderia ser como o solo de Roberta (referindo-se a Roberta Carreri, outra
atriz do Odin Teatret, e seu espetáculo solo
Judith
), que conta toda a
história e depois encena. Você pode cantar, dançar e ter um instrumento
pequeno. Pergunto-me: você é real ou um animal? Será que saiu de uma
pintura, ou é uma lembrança? Onde você está? Acho que tem que fazer
o oposto à mulher; estar num lugar que seria “masculino”, como uma
ruína, com caixas, madeiras, em meio a uma construção… (Varley, 2014,
informação oral)15.
Fiquei com essas indicações, mas senti um desafio misturado à frustração
por ter que abrir mão, mais uma vez, de uma parte do que acabara de criar.
A elaboração do esquete passou a ser minha proposta de montagem,
seguindo um procedimento familiar ao Odin Teatret, em que uma proposta não é
formatada como projeto escrito, nem oriunda de uma discussão de ideias
coletivas; tampouco, disparada pela leitura de um texto literário ou teatral. Antes,
seu início é marcado pela apresentação de uma cena ou de um conjunto de cenas,
como esse material que a atriz elaborou previamente. Esse material primário é
extremamente importante porque se torna a célula-mãe da obra a ser
desenvolvida, de modo a ser um campo de estímulos para os(as)
colaboradores(as) que se integrarão ao processo. Neste caso, esta foi a célula-mãe
para a criação do espetáculo
O pesadelo da borboleta
, cuja estreia deu-se em
setembro de 2018, após quatro anos de intenso trabalho, na sede do Odin Teatret.
Reflexões
Como atriz e pesquisadora, concluo
que a dramaturgia da atriz e do ator é o encontro entre aspectos objetivos
(técnicas ou princípios gerais de atuação) e subjetivos (que pertencem ao
campo individual de cada atriz e ator), empregando na obra as marcas de
seu fazedor ou sua fazedora e da cultura cênica à qual ele/ela pertence.
Do processo de criação, permeado por ambos os aspectos, emerge uma
obra teatral ímpar (Nunes, 2022).
15 Fala de Julia Varley durante a apresentação do esquete em São Paulo, Brasil.
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De tal modo, esse teatro não almeja ter uma escritura que funcione
independentemente da cena, como certas dramaturgias que podem ser apenas
"lidas", porque é na junção dos diversos elementos e textualidades que ela se
forma. Do mesmo modo, é da trama entre modos de atuação e as características
específicas da atriz criadora ou do ator criador que a obra se realiza.
Ao pontuar alguns elementos típicos dessa abordagem de criação cênica,
observo o seguinte: deve haver um ponto de partida, que não é apenas textual,
mas cênico, numa proposição formulada e capitaneada pela atriz ou ator,
sozinha(o) ou em grupo. Esse material é a célula-mãe que irá disparar associações,
indicando temas a serem desenvolvidos por meio de improvisações, para
levantamento dos materiais. Esses são compostos de todos os componentes da
"encenação", dentre eles, iluminação, figurinos, cenários, música, adereços, textos
etc. Além de passos, danças, cantos, olhares, respirações, posturas e composições
corpóreas, gritos, risos, chutes, quedas, imobilidade etc. Da exploração das
relações entre esses diversos elementos, surgirão novos materiais e, do seu trato,
muitas variações, formatadas em "cenas". O trabalho criativo entremeia a
exploração despojada e as escolhas criteriosas, sendo preciso reunir liberdade e
controle, bem como improvisação e fixação de elementos. Seu paradoxo, portanto,
nasce da tensão entre o frescor de uma improvisação e o desafio de mantê-la
durante a sua repetição. Como dar vida a uma composição tecnicamente
elaborada, mas sem renunciar à organicidade? A busca pela vida ficcional é crucial
para a potência cênica dos elementos propostos, requerendo constante
retrabalho.
Numa etapa avançada do levantamento dos materiais, as diversas camadas
expressivas se condensam, se sobrepõem e se sucedem16, fazendo aparecer o
texto cênico, isto é, o entrelaçamento dos vários materiais. Temas e enredo ficam
mais palpáveis graças às escolhas e ajustes que se seguem, modulando ainda
mais, e de modo mais refinado, os materiais que compõem a obra. O "fio da
história", que parte da atriz e do ator, deve lograr chegar à(o) espectador(a), num
caminho entre o particular e universal, entre o micro e o macro, entre o que se
16 Condensação, justaposição e concatenação de ações são elementos elencados pela Antropologia Teatral,
de Barba, para falar da escrita das textualidades pela cena.
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almeja expressar e o que é expresso. Nesse ponto, o trabalho da direção é crucial,
pois suas demandas e provocações agirão diretamente nas ações da atriz e do
ator, de modo dialógico. Assim:
A partir desses pressupostos, a criação teatral desprende-se do texto
dramático, mesmo quando esse texto é utilizado como um dos
elementos cênicos. Os materiais emergem das atrizes e dos atores, que
estruturam a história a ser contada. O trabalho sobre si mesmo(a) torna-
se, portanto, primordial, abrangendo desde exercícios de treinamento até
experiências pessoais mais amplas (viagens, por exemplo), com a
multiplicidade de aprendizados de novas habilidades que o espetáculo
requer. A atriz e o ator seguem em busca de novas vivências. À medida
que a obra vai se construindo, oferece experiências que contribuem para
o desenvolvimento profissional da atriz e do ator e marcam o caráter
artístico-pedagógico do processo criativo (Nunes, 2022).
A união entre partitura e subpartitura, bem como suas modulações, ocorre
em prol da história que se elegeu contar e do impacto dela na atriz/no ator, de tal
modo que atingir a organicidade (a etapa final do processo) sempre significa um
trabalho de aproximação entre as figuras imaginárias postas em cena e a atriz/o
ator. O que a atriz/ator quer contar? Qual o sentido desse processo de criação
para ela(e)? Por que elegeu determinados elementos? Essas perguntas, que, no
meu caso, foram instigadas pela diretora, "afinam" a consciência do engajamento.
As respostas encontradas pela atriz e pelo ator são determinantes para a obra
teatral em formação.
Referências
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Terra de cinzas e diamantes
: minha aprendizagem da Polônia: seguido
de 26 cartas de Jerzy Grotowski a Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva, 2006.
BARBA, E.
Queimar a Casa
: origens de um diretor. São Paulo: Perspectiva, 2010.
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. Brasília: Teatro Caleidoscópio; Dulcina, 2012.
BARBA, E.; SAVARESE, N.
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: um dicionário de Antropologia
Teatral. São Paulo: É Realizações, 2012.
COUTO, M.
Antes de nascer o Mundo
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GROTOWSKI, J.
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KUSNET, E.
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LISPECTOR, Clarice.
A hora da Estrela
. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
NUNES, N.
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Teatral num espetáculo solo sob direção de Julia Varley. 2022. Tese (Doutorado
em Artes) - Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2022. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/235101/nunes_mc_dr_ia.pdf. Acesso em: 17
ago. 2022.
VARLEY, J.
Pedras d’agua
: bloco de notas de uma atriz do Odin Teatret. Brasília:
Teatro Caleidoscópio, 2010.
VARLEY, J.
Entrevista concedida a Marilyn Nunes
. Holstebro, 2016. 1 arquivo mov.
25 min. Entrevista concedida para a pesquisa de mestrado desenvolvida no
Instituto de Artes da Unesp.
VARLEY, J.
Uma atriz e suas personagens
: histórias submersas do Odin Teatret.
São Paulo: É Realizações, 2016.
ZAMORA, Martha.
El Pincel de la Angustia
. México: La Herradura, 2014.
Recebido em: 20/09/2024
Aprovado em: 31/07/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br