
Da ação à cena : um caminho criativo na tradição do Odin Teatret
Marilyn Clara Nunes
Florianópolis, v.2, n.55, p.1-25, ago. 2025
de Mia Couto, atraída pelo título de um dos capítulos: Mulher. Escolhi passagens
do livro, modificando-as ligeiramente, e coloquei-as entre uma cena e outra. No
final da primeira cena, a da cadeira vazia com a canção cantada por Juçara Marçal,
dizia “Esta cadeira me traz lembranças da minha falecida mãe”, e para dar sentido
à frase, continuava: “Ontem sonhei com ela. O sonho é uma conversa com os
mortos, uma viagem ao país das almas” (Couto, 2009). E assim foram sendo
anexados trechos de texto.
Para a esquete, que seria apresentada na “Mostra de cenas curtas ObsCENAS:
encontro de mulheres artistas
”
, decidi usar salto alto, vestido, unhas e batom
vermelhos, como algo que permanecia em mim de Frida Kahlo, com suas cores
vibrantes. Os cabelos escovados reforçariam esse visual de extrema "feminilidade",
abusando dos clichês sociais sobre a figura feminina. Esse material pode ser
descrito sinteticamente do seguinte modo:
La prima volta (a primeira vez)
Uma mulher caminha pelo palco ao som de Canção para ninar Oxum, em
direção a uma cadeira vazia, e diz: “Esta cadeira me traz lembranças da
minha falecida mãe. Ontem sonhei com ela. O sonho é uma conversa
com os mortos, uma viagem ao país das almas”. Na cadeira, ela chora
desesperadamente, pedindo: “só um pouquinho...”. Bate o pé com força
e pede silêncio: “Shiii... Dizem que a minha mãe morreu. Ao contrário, fui
eu que morri. Do outro lado minha mãe me espreita. Ela me virá pescar”.
Faz uma ação de pescar a si mesma, franzindo a testa, e encolhe os
braços e pernas enquanto emite o choro de um bebê que descobre pela
primeira vez o mundo. Surge então, um bebê, que ela nina e para o qual
fala: “Existem dois mundos, o dos vivos e o dos mortos, quando a gente
nasce, começamos a morrer”. Brinca com o bebê e se senta na cadeira
de modo relaxado, como se estivesse quase dormindo: “Estamos mortos
e os vivos estão vivos. Nenhuma memória pode ser visitada. Mais grave:
“há lembranças que apenas na morte se encontram”. Quando relaxa
totalmente o corpo, num sono profundo, inicia a música Gnossienne No.
1, fazendo-a despertar (ou deixando ver o que se passa dentro de si, do
seu sonho): brinca como se fosse uma criança no meio de um jardim:
arranca uma flor e a coloca no cabelo, toma uma fruta e a morde, brinca
no balanço e deixa o corpo cair como se tivesse saído dele, imita os
peixinhos, até que toma o bebê novamente: “Quando a gente nasce,
começamos a morrer”. Segura as mãos de alguém imaginário que,
empurra-a para a cadeira. Canta Malagueña Salerosa, como uma
despedida, morrendo na sequência.
Ao som de Hey You, lança algo, abraça sutilmente o ser imaginário, depois
lança algo novamente e abraça fortemente, com raiva e desespero. No
final da música, empurra a cadeira, levando o seu encosto ao chão, e diz
chutando, de frente para cadeira: “idiota, era só uma fantasia!”. Então,