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Teatralidades negras
Conrado Dess
Para citar este artigo:
DESS, Conrado. Teatralidades negras.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 4,
n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e119
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Teatralidades1 negras2
Conrado Dess3
Resumo
Partindo de uma breve revisão da noção de teatralidade, o artigo propõe uma
conceitualização das "teatralidades negras", cruzando perspectivas históricas, filosóficas e
sociais. Ao explorar interações entre corpo, memória e história, o texto analisa, a partir de
uma perspectiva crítica e multidisciplinar, de que maneira as produções cênicas negras
atuam como formas de resistência. Por fim, são discutidas duas práticas artísticas e culturais
contemporâneas que produzem formas de teatralidade que podem ser concebidas como
negras: o
voguing
e a cultura
ballroom
, considerando especialmente o modo como essas
expressões se manifestam no espetáculo sul-africano
Nkoli
-
The Vogue Opera
.
Palavras-chave
: Teatralidades negras. Teatro negro. Cultura ballroom. Vogue. Nkoli - The
Vogue Opera.
Black theatricalities
Abstract
Beginning with a brief review of the concept of theatricality, the article proposes a
conceptualization of "Black theatricalities" through intersecting historical, philosophical, and
social perspectives. By examining the interactions between body, memory, and history, the
text offers a critical, multidisciplinary analysis of how Black scenic productions serve as forms
of resistance. Finally, it discusses two contemporary artistic and cultural practices voguing
and ballroom culture that generate forms of theatricality which can be understood as
Black, with particular attention to how these expressions are embodied in the South African
production
Nkoli
-
The Vogue Opera
.
Keywords
: Black theatricalities. Black theater. Ballroom culture. Vogue. Nkoli - The Vogue
Opera.
Teatralidades negras
Resumen
Basándose en una breve revisión del concepto de teatralidad, el artículo propone una
conceptualización de las "teatralidades negras", integrando perspectivas históricas, filosóficas
y sociales. A través del examen de las interacciones entre cuerpo, memoria e historia, se
desarrolla un análisis crítico y multidisciplinario que evidencia cómo las producciones
escénicas negras actúan como formas de resistencia. Por último, se analizan dos prácticas
artísticas y culturales contemporáneas que configuran manifestaciones de teatralidad
concebibles como negras: el
voguing
y la
cultura ballroom
, con un enfoque particular en su
expresión dentro del espectáculo sudafricano
Nkoli - The Vogue Opera
.
Palabras clave
: Teatralidades negras. Teatro negro. Cultura ballroom. Vogue. Nkoli - The
Vogue Opera.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual realizada por Ana Valéria Lessa, jornalista e tradutora graduada
em Comunicação pela UFF, bacharel em Língua e Literaturas francesas pela Université de Paris 3 Sorbonne
Nouvelle.
2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), Brasil. Processos nº 2021/13665-7, nº 2023/00214-2 e nº 2024/06296-3.
3 Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), com bolsa FAPESP, sob orientação de
Sílvia Fernandes, com período sanduíche na University of the Witwatersrand (Orientador: Achille Mbembe).
Doutorando em Estudos de Teatro e Performance na Universidade de Lisboa/Portugal, sob orientação de
José Maria Vieira Mendes. Mestrado em Artes Cênicas pela USP, com período sanduíche em Consejo
Superior de Investigaciones Científicas (Orientador: Óscar Cornago). Graduação em Artes Cênicas com
Habilitação em Teoria do Teatro pela USP. conradodess@usp.br
http://lattes.cnpq.br/1487255687395914 https://orcid.org/0000-0001-9360-306X
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Às vezes, quando estou no teatro, gosto de realizar o que considero um
pequeno experimento de quebra da teatralidade. No meio de um espetáculo, em
um momento em que me desconecto da cena, olho para os lados para observar
o que acontece ao meu redor. Então, deparo-me com a imagem de dezenas de
pessoas em uma sala escura, sem janelas, sentadas voluntariamente em poltronas
unidirecionadas e olhando fixamente para outras que realizam ações deslocadas
do cotidiano em cima de um palco. Por alguns segundos, sou tomado pela
estranheza provocada por essa cena da qual me tornei um espectador solitário,
para que, pouco depois, essa estranheza se dissipe com a mesma fugacidade com
que brotou, conduzindo-me de volta para “dentro” do acontecimento teatral.
Considero esse um experimento de quebra da teatralidade, pois ele é capaz
de me subtrair do
espaço-outro
que o teatro instaura para me arremessar de volta
ao cotidiano, evidenciando que, sem o fenômeno da teatralidade, o que resta ali
são apenas pessoas confinadas em uma sala. A partir desse pequeno exemplo,
fica perceptível que podemos notar com facilidade quando a teatralidade está
presente ou quando ela deixa de existir. No entanto, no que esse fenômeno
consiste exatamente? Josette Féral (2015) concebe a teatralidade convocando a
noção de “conceito tácito” delineada por Michael Polanyi (1967), isto é, como uma
ideia concreta e manipulável, mas que só pode ser descrita indiretamente, a partir
de relações estabelecidas entre essa ideia e uma outra entidade, que, neste caso,
é o teatro. Para a autora, trata-se de um processo que decorre de uma série de
clivagens que o espectador executa, visando uma reorganização dos sistemas de
significação.
Nessa perspectiva, como espectadores, observamos algo um ator, um
objeto, um evento e, a partir disso, projetamos um espaço-outro, fora do
cotidiano. Durante tal processo, esse algo que é observado passa a semiotizar o
que está ao seu redor, transformando o entorno em signos que podem ou não ser
significantes. Imbricam-se, assim, a materialidade dos corpos ou objetos vistos e
uma dimensão ficcional que nunca se completa, mas que, em fricção com o real,
produz um espaço deslocado. Esse processo, que é o que Féral define como
teatralidade, não é concebido, contudo, como uma operação exclusiva do
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espectador, mas resulta de uma dupla polarização que pode partir tanto do
observador quanto daquele que é observado, colocando esses sujeitos em
situação e promovendo uma experiência de alteridade.
A exploração do conceito elaborada pela autora pode ser compreendida
como parte de uma longa linha de investigação teórica, da qual a canônica
conceitualização elaborada por Roland Barthes é um marco inicial. Para o ensaísta,
a teatralidade é “o teatro sem o texto”, sendo uma construção de signos e
sensações que emerge na cena a partir do argumento escrito, “essa espécie de
percepção ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias,
luzes, que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior” (Barthes,
2003 [1954], p. 54). A noção de teatralidade, entretanto, é ainda mais antiga,
podendo ser encontrada nos primeiros escritos do diretor russo Nikolai Evréinov
(1930). Para o diretor, conforme detalhado por Féral (2015), a teatralidade
(
teatralnost
) é um instinto humano, um impulso irresistível, uma vontade quase
universal dos homens de transformar as aparências da natureza através do ato de
criar ilusões, elaborar simulacros, propondo uma transformação da vida cotidiana.
Nessa interpretação, a teatralidade é tomada como algo que se constrói a partir
do corpo como uma experiência física ou lúdica, antes mesmo de que seja
convocado qualquer tecido intelectual, sendo, portanto, um fenômeno pré-
estético. Indicando uma certa ideia de transcendentalidade, a teatralidade é
concebida como algo que extrapola o teatro e atravessa todas as esferas da vida,
o que torna a teatralidade cênica apenas uma de suas expressões (Féral, 2015;
Sasse, 2022).
Durante a segunda metade do século XX, sobretudo, o conceito passou a ser
frequentemente associado a uma conotação negativa impregnada pela ideia de
inautenticidade, especialmente em certas formas de arte formalizadas,
estruturadas e vistas como contrárias aos impulsos mais autênticos da vida
(Carlson, 2002). No campo das ciências sociais, por exemplo, Elizabeth Burns (1972)
define a teatralidade como o fenômeno que se manifesta quando um
comportamento é deliberadamente estruturado segundo convenções, deixando
de parecer natural ou espontâneo, de modo a provocar um efeito específico nos
observadores. Nas artes visuais, o crítico e historiador da arte Michael Fried (2002
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[1967], 1980) formulou uma célebre crítica à teatralidade no contexto do
minimalismo, argumentando que, ao envolver o espectador como parte ativa de
uma obra, a teatralidade retira a autonomia da arte. Para Fried, isso transforma a
obra em um evento, aproximando-a de um espetáculo, em vez de manter sua
essência como objeto autônomo.
Durante esse período, a noção de teatralidade passou ainda pelo escrutínio
de inúmeros outros pensadores, que analisaram seus mais diversos modos de
atuação sob diferentes contextos, relacionando-a com noções como textualidade,
mimesis
, texto cênico e encenação, conforme detalha Sílvia Fernandes em
Teatralidades Contemporâneas
(2013). Embora o conceito tenha permanecido
quase irremediavelmente atrelado a uma ideia de artificialidade ou à qualidade
daquilo que é especificamente teatral por algumas décadas, a virada do século
marcou um giro no campo da teoria do teatro, que parece ter proposto uma
reconciliação com o termo, atribuindo-lhe significações e operacionalizações
consideravelmente mais produtivas.
Fernandes identifica no ensaio
La Théâtralité en Avignon
(2000), de Patrice
Pavis, um esforço inovador nesse sentido. Ao analisar as obras da edição de 1998
do Festival de Teatro de Avignon, Pavis propõe um entendimento polissêmico da
teatralidade, afastando-a de uma definição abstrata, universalizante e idealista, e
aproximando-a da multiplicidade de formalizações, enunciações e temáticas que
caracteriza as criações cênicas do início do século XXI, o que revela diferentes
sentidos, materializações e formas de construção do conceito. Nesse contexto,
inicia-se uma nova etapa da exploração do termo dentro da teoria teatral, que
abandona a busca por uma compreensão da teatralidade per se e investe na
exploração das características específicas que esse fenômeno pode adquirir nos
contextos situados de emergência das práticas cênicas contemporâneas.
Exemplos desse movimento são as conceitualizações de “teatralidades liminares”
elaboradas por lleana Diéguez Caballero (2016) e as explorações de “teatralidades
dissidentes” realizadas por Sílvia Fernandes (2024).
Neste texto, o interesse recai sobre uma concepção de teatralidade que
combina as ideias de Evréinov e Féral, entendendo-a como um fenômeno que
atravessa todas as esferas da vida e que, ao ser acionado pelo teatro, adquire
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"características propriamente teatrais, valorizadas coletivamente e socialmente
profundas" (Féral, 2015, p. 90). A teatralidade, nesse sentido, pode ser
compreendida como um processo que nasce de um desejo de ficcionalidade ou
estilização, que não se concretiza completamente em um tecido ficcional, mas
que, em fricção com o real, produz um espaço-outro, fora do cotidiano, a partir da
materialidade de corpos, objetos, eventos e situações. Além de investigar as
características constitutivas desse fenômeno sob uma condição específica, o texto
explora o que a produção desse espaço pode gerar em termos estéticos, culturais,
políticos e sociais, especialmente quando a condição da negridade é atrelada,
constituindo as chamadas "teatralidades negras".
Teatralidades Negras
Pensar a possibilidade de teatralidades que possam ser caracterizadas como
negras implica reconhecer as especificidades históricas e culturais que moldam a
existência desse grupo. Embora seja hoje evidente que, além de laços ancestrais
o que não é pouca coisa —, são limitados os elementos que poderiam sustentar
a ideia de uma universalidade negra, o que desmistifica a noção de negridade como
uma essência totalizante, podemos, por outro lado, considerar certas conexões
históricas que emergem da experiência compartilhada do negro na modernidade
(Mbembe, 2018; Mungana, 2019).
Ainda que diferentes formas de distinção entre grupos humanos tenham sido
mobilizadas ao longo da história, é apenas na Europa pós-iluminista do século XVIII
que raça e preto se sobrepõem, a partir da articulação da diferença racial na
construção do pensamento moderno, o que consolidou o homem branco, europeu
e anglo-saxão como
o
ser humano universal e plenamente autodeterminado,
aquele a partir do qual todos os outros foram constituídos como desvios ou
deformações. Em contraste, a construção desse projeto muito específico de
humanidade foi possível com o engolfamento do seu outro ideal: aquele que,
considerado desprovido de qualquer consciência ou autodeterminação, passa a
ser denominado como “negro” (Silva, 2022). É nesse momento da história que foi
imposta ao africano preto e a seus descendentes a condição patológica que os
posicionou no horizonte da morte. Despojado de sua interioridade e reconstituído
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como um esqueleto cujas carnes são fantasmagorias e a pele, interdição, o negro
se tornou
corpo
percebido como
ser
, convertendo-se no “único de todos os seres
humanos cuja carne foi transformada em coisa e o espírito em mercadoria”, na
própria “manifestação por excelência da existência objetificada” (Mbembe, 2018, p.
21 - 29).
Embora a perspectiva de uma existência objetificada pareça implicar uma
condenação eterna à imanência da materialidade — como expressa Frantz Fanon
ao afirmar: “Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas,
minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro
objeto em meio a outros objetos” (Fanon, 2008 [1952], p. 104) —, o que a história
da negridade revela é que a experiência do negro na modernidade pode ser melhor
capturada pelo enunciado de que “os objetos podem e, de fato, resistem” (Moten,
2023, p. 27). Se eventos raciais como o tráfico transatlântico, a escravidão e o
apartheid
, além de outras formas mais contemporâneas de subjugação racial,
operam e operaram buscando confinar o negro em uma objetidade opaca e
incapacitante, o que não previram é que esses “objetos” falassem, gritassem,
vibrassem e se insurgissem, exercendo uma força despossessiva perturbadora.
Como uma energia persistente que desafia tentativas de subjugação, essa
força alimentou tanto atos cotidianos de objeção quanto eventos históricos de
resistência, como a fundação do Quilombo dos Palmares, a Revolução Haitiana, a
Revolta dos Malês, as descolonizações africanas do século XX, o surgimento do
Movimento da Consciência Negra na África do Sul, do Movimento dos Direitos Civis
nos Estados Unidos, do Movimento Negro Unificado no Brasil e, mais
recentemente, do
Black Lives Matter
como mobilização global. Atos da mesma
ordem também emergiram com o florescimento de manifestações artísticas e
culturais situadas, como o Renascimento do Harlem4, nos Estados Unidos; o
Movimento da Négritude5, em países africanos e caribenhos; e o Teatro Negro
4 A Renascença do Harlem foi um movimento cultural que surgiu na década de 1920, no bairro do Harlem, em
Nova York, impulsionado pela migração afro-americana do sul para o norte dos Estados Unidos no início do
século XX. Caracterizado por uma explosão na produção artística e intelectual afro-americana, o movimento
abrangeu literatura, música, teatro, dança e artes visuais, além de debates políticos e filosóficos,
influenciando gerações posteriores de artistas e intelectuais negros.
5 A
Négritude
foi um movimento literário, político e cultural que surgiu na década de 1930 entre intelectuais e
escritores negros das colônias francesas na África e no Caribe. Capitaneado por figuras como Aimé Césaire,
Léopold Senghor e Léon Damas, seu objetivo era valorizar a identidade e a cultura negra em resposta ao
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brasileiro, que se estrutura como movimento artístico na virada do século XXI.
Tais atos e mobilizações, longe de representarem acontecimentos isolados,
inserem-se em um contínuo histórico que Cedric Robinson nomeia como Tradição
Radical Negra. Para o autor, trata-se de uma consciência revolucionária que
emerge da experiência histórica de opressão dos povos negros e de uma
continuidade das práticas e formas de pensamento que precedem e desafiam a
dominação colonial e capitalista, resultando em um conjunto de dinâmicas
culturais, intelectuais, artísticas e ativistas que buscam romper e transformar
estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais hegemônicas. Essa tradição,
no entanto, não se limita a desafiar eventos raciais, mas também constrói e
preserva ontologias negras dinâmicas e diversas, enraizadas em tradições
filosóficas africanas, que são retransmitidas como cultura, de modo a organizar os
valores, ideias e concepções que fundamentam essa ideologia de luta (Robinson,
2023).
Fred Moten (2023), por sua vez, chama a atenção para o fato de que essa
tradição possui uma estética específica, que ele denomina como "estética radical
negra" e que se manifesta na ruptura das normas vigentes, na
quebra
do tecido
hegemônico, por meio da improvisação. Central a esse processo, a improvisação
é compreendida como uma manifestação não planejada que brota de um
impulso intuitivo derivado de uma anterioridade negra uma condição que
escapa às categorias temporais e epistemológicas hegemônicas e que não se
refere a um conhecimento formal, mas a uma forma complexa de sensibilidade
intuitiva e corporal, profundamente enraizada na experiência histórica e cultural
da diáspora africana. Ao operar enquanto forma de resistência e construção de
identidades, a improvisação se configura, nesse contexto, como uma
epistemologia.
Tendo em vista que esse ato de improvisar sem saber previamente ou
conscientemente o que será feito, mas com a capacidade de criar algo potente,
coerente e pleno de sentido implica um “colocar-se em cena” não apenas no
racismo e à opressão colonial. Além de sua relevância literária, o movimento desempenhou um papel
importante nas lutas anticoloniais, influenciando processos de independência africanos e a formação do
pensamento pós-colonial.
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teatro, mas em diversos contextos sociais, é possível vislumbrar uma teatralidade
específica que emerge dessa estética, originada a partir da relação entre o corpo
negro e aquele que o observa, ou, de forma ainda mais significativa, do modo como
esse corpo desafia o olhar de um espectador que tende a objetificá-lo.
Para Moten, é precisamente a complexidade dessa experiência estética que
escapa à crítica de Michael Fried à teatralidade. Ao apontar uma relação de
dependência entre o objeto e o espectador, Fried concebe a teatralidade como
um processo que compromete a autonomia da obra. Moten, no entanto,
argumenta que essa relação não se limita a uma falha ou perda de autonomia.
Pelo contrário, ela pode ser uma interação produtiva, especialmente no contexto
da negridade. Se considerarmos o corpo negro um objeto um exercício
meramente teórico —, a relação espectador-objeto se inverte: ao colocar-se em
cena, o corpo negro propõe uma interação que subverte a separação entre sujeito
e objeto que Fried buscava preservar, promovendo uma situação de alteridade.
Nessa perspectiva, a teatralidade que se manifesta não enfraquece a “obra”, mas
atua como um processo que permite ao corpo negro exercer sua agência,
recusando a objetificação. Ao afastar-se de uma relação de dependência, essa
concepção da teatralidade gera uma interação que obriga o espectador a reavaliar
sua posição de sujeito e sua relação com o objeto — um objeto que resiste. Nesse
sentido, o que pode ser compreendido enquanto teatralidade (negra) se constitui
como uma espécie de substrato estético e político da resistência, em que o corpo
negro, através da performance, desestabiliza as estruturas de poder que o
confinam.
Atos de objeção como os citados anteriormente, impregnados por uma
estética negra que irrompe densa e vivamente, mostram como a resistência do
objeto acontece por meio da performance. Através dela, o corpo negro se desloca
de uma condição de hipervisibilidade6, revelando a “corporeidade negra como
subsídio teórico, conceitual, performático, como episteme” que “fecunda as cenas,
6 Saidiya Hartman (2022) define a hipervisibilidade como uma condição em que corpos negros são
excessivamente expostos e visíveis na sociedade, sem que essa visibilidade se traduza em reconhecimento
ou agência. Em vez de garantir direitos ou uma presença legitimada, a hipervisibilidade reforça estereótipos
e vulnerabilidades, submetendo esses corpos à vigilância constante e à violência, sem conferir-lhes
autonomia. Essa forma de visibilidade, paradoxalmente, transforma o corpo negro em objeto de controle e
subjugação.
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expandindo os escopos do corpo como lugar e ambiente de produção e inscrição
de conhecimento, memória, de afetos e de ações” (Martins, 2021, p. 162). Em vez
de buscar uma "visibilidade plena" nos moldes tradicionais, o corpo negro assume,
dessa maneira, uma condição que Leda Maria Martins descreve como “corpo-tela”:
Um corpo pensamento. O corpo, assim instituído e constituído, faz-se
como um corpo-tela, um corpo-imagem, acervo de um complexo de
alusões e repertório de estímulos e de argumentos, traduzindo certa
geopolítica do corpo: o corpo pólis, o corpo das temporalidades:
espacialidades, o corpo gentrificado, o corpo testemunha e de registros.
Um corpo historicamente conotado, que personaliza as vozes que
denunciam e nomeiam o itinerário de violências de nossa rotina cotidiana,
mas que, sem tréguas, escavam vias alternas para uma outra existência,
mais plena e cidadã. Um corpo voz/inventário que limpa, restabelece,
restitui, reivindica, respira e inspira, em perene processo de cura,
escavando vias alternas de outros devires possíveis, sempre desejoso de
transformações do corpus social (Martins, 2021, p. 162).
É, assim, através do performar — seja no campo artístico, nas ações políticas
ou no cotidiano —, que esse corpo não apenas desafia os regimes de visibilidade
hegemônicos, mas também (re)afirma sua subjetividade e agência, em um
confronto que reconfigura o espaço-tempo. A performance, nesse sentido, torna-
se mais do que expressão: ela é uma prática ontológica de realização e produção
de saberes, um gesto que reivindica a memória e a plenitude do sujeito7:
O corpo em performance restaura, expressa e, simultaneamente, produz
esse conhecimento, grafado na memória do gesto. Performar, nesse
sentido, significa inscrever, repetir transcriando, revisando, e representa
"uma forma de conhecimento potencialmente alternativa e
contestatória". A memória dos saberes dissemina-se por inúmeros atos
de performance, um mais-além do registro gravado pela letra alfabética;
por via da performance corporal movimentos, gestos, danças, mímica,
dramatizações, cerimônias de celebração, rituais etc. (Martins, 2021, p.
130).
7 Falar sobre o corpo negro em performance é um exercício que também evoca a noção de
performatividade
.
Fernandes (2011), ao discutir as conceituações de performatividade e teatralidade trazidas por Josette Féral,
ressalta que o teatro se organiza em torno de uma narrativa e de representações que utilizam códigos para
registrar simbolicamente o que está sendo tratado. Já a performance se configura como uma expressão de
desejos e energias em movimento, buscando desconstruir essas mesmas estruturas. Embora Féral
proponha a teatralidade e a performatividade como conceitos antagônicos, sua abordagem sugere que a
teatralidade emerge justamente desse confronto entre as estruturas simbólicas e estáveis do teatro e os
fluxos dinâmicos gestuais, vocais e emocionais da performance. Esses fluxos, sempre em construção,
criam espaços de expressão cênica mais fluidos e instáveis. Apesar da relevância dessa discussão, este
artigo opta por focar especificamente na ideia de teatralidade, abordando a performatividade apenas de
maneira tangencial e tomando-a como algo que nasce a partir do corpo do performer e precede o fenômeno
da teatralidade.
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Em seu clássico ensaio
The Characteristics of Negro Expression
(2000 [1934]),
a antropóloga e escritora Zora Neale Hurston8 destaca a performance como algo
intrinsecamente ligado à vida cotidiana dos negros, sendo expressa através de
gestos expansivos, ritmo e criatividade linguística, o que torna a teatralidade
(
mimicry
) uma característica central da expressão cultural afro-americana.
Alinhando-se com as conceituações de Nicolai Evréinov sobre a teatralidade,
Hurston também enxerga esse fenômeno além dos palcos, identificando-o em
diversos tecidos da vida social: nos comportamentos diários, na linguagem
inventiva, na ênfase emocional que permeia a comunicação. Para ela, essa
“vontade de teatro”, esse instinto de “transformação das aparências da natureza”,
dos quais Evréinov também fala, são as qualidades que tornam a expressão negra
algo vibrante, dinâmico e marcado por uma inventividade que transcende as
limitações impostas pela sociedade racista, revelando a possibilidade de uma
existência que extrapola o tecido brutal da realidade.
Considerando a teatralidade como o processo que instaura esse espaço-
outro, é possível inferir que, quando falamos de teatralidades negras, não estamos
apenas nos referindo a uma condição em que a ficção pode surgir, como sugere
Josette Féral, mas também a um campo onde uma estética negra pode brotar.
Nesse sentido, as teatralidades negras resultam mais de um desejo de estilização,
menos de um desejo de ficcionalização, mas definitivamente “de uma vontade
deliberada de transformar as coisas” (Féral, 2015, p. 112). Se, como propõe Hurston,
esse desejo de transformação é uma característica central da existência negra, o
impulso inicial desse movimento parece emanar daquela anterioridade negra
descrita por Moten, que se desdobra em uma performance que encontra na
estética um meio possível para lidar com a densidade da existência negra.
Martins exemplifica esse processo de estilização ao destacar que o uso de
vestimentas, adereços, pinturas, arranjos cromáticos e enfeites, entre outros
elementos, agrega valor à performance, à vida, traduzindo conceitos e hábitos,
transmitindo mensagens e compondo códigos estéticos carregados de força e
8 Zora Neale Hurston (18911960) foi uma escritora, antropóloga e cineasta afro-americana. Reconhecida por
seu papel central na Renascença do Harlem, destacou-se por suas contribuições à literatura e pelo estudo
das tradições afro-americanas do sul dos Estados Unidos e do Caribe. Além de uma vasta produção literária,
Hurston realizou pesquisas antropológicas sobre o folclore afro-americano e caribenho, documentando suas
tradições orais e práticas religiosas.
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simbolismo. Para a autora, esses elementos operam como processos de
"deslocamento, substituição e ressemantização", que têm a função de suturar "os
vazios e as cavidades originadas pelas perdas", enfatizando também que a
"instituição desse saber alterno, que ainda hoje fermenta várias comunidades
negras, modula as estratégias de resistência cultural e social que pulsionaram as
revoltas dos escravos, a atuação efetiva dos quilombolas e de várias outras
organizações negras contra o sistema escravocrata" (Martins, 2021, p. 106).
Profundamente ligado à produção de estratégias de sobrevivência, objeção e
reconfiguração de poder, esse processo de estilização é um dos elementos que
retira tanto a pessoa negra que performa quanto aquela que a observa da esfera
cotidiana, lançando-as ao espaço-tempo da teatralidade negra, onde memória,
história, ancestralidade e afeto convergem, criando um vórtex de energia capaz de
distorcer o tecido da realidade e sinalizar novos mundos possíveis.
A partir do exercício proposto aqui de atribuir uma qualidade primária a essa
teatralidade específica, é possível vislumbrar como tal fenômeno se manifesta em
práticas artísticas e culturais contemporâneas. Convocando aquela consciência
revolucionária da qual fala Robinson, formas de teatralidade negra podem ser
identificadas em práticas como o hip-hop, com suas falas incisivas, ritmos
marcantes e movimentos estilizados; nas escolas de samba, com suas fantasias
grandiosas, desfiles coreografados e percussões intensas; nas religiões de matriz
africana, com seus rituais simbólicos, vestimentas ricas e batidas ancestrais. No
teatro, essas teatralidades também são identificadas nas obras de diversos
artistas e companhias brasileiras que, pelo menos desde o início do século
passado, têm trabalhado para desenvolver formas teatrais centradas na negridade,
que brotam da cena, entrelaçando tecidos históricos, sociais, políticos e culturais.
Desde os grupos pioneiros nessa exploração, como a Companhia Negra de
Revistas, o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Teatro Popular Solano Trindade,
o Balé Brasiliana, até os coletivos contemporâneos de teatro negro, como o Bando
de Teatro Olodum, a Cia. dos Comuns, o grupo Caixa Preta, a Cia. Burlantins, o
Grupo NATA, o Coletivo Legítima Defesa, o Coletivo Negro, a Capulanas Cia. de Arte
Negra, a Cabeça Feita - Cia. de Arte Negra, o Grupo Emú, o Bambarê Arte e Cultura
Negra, entre muitos outros, além dos artistas que participam dessa cena
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individualmente ou em projetos pontuais, o que se nota é uma exploração estética
da negridade em suas mais diversas formas, como detalha Salloma Salomão (2018,
p. 16):
O que se tem assistido e estimado é uma teatralidade negra múltipla e
carregada de conteúdos políticos sobre relações de classe, raça e gênero
e, ao mesmo tempo, atravessada por valores civilizatórios africanos
ressignificados e atualizados, imaginários modernos afrodiaspóricos
reconfigurados para textos e corpos. São também micro-histórias e
ficções fragmentárias e quase sempre incompletas, constructos abstratos
inacabados, erguidos para solapar e interditar as narrativas rotas, mas
ainda válidas e saturadas da centralidade, superioridade e unicidade da
visão ocidental, cristã, branca, heteronormativa e masculina. São,
sobretudo, elaborações diversas em torno da autoconstrução de mulheres
negras, o genocídio da juventude negra, as microfissuras do racismo
interpessoal e estrutural, os efeitos causados por subjetividades adoecidas
pela desigualdade racial e pela misoginia. O que se pode ver, além da luta
por existir em um espaço tradicionalmente branco e privilegiado, é a
constante busca por sofisticadas simbologias sonoras, visuais, gráficas,
imagéticas, coreográficas, poéticas e corporais de origem negro-africana.
Ao tensionarem o tecido histórico da negridade, colocando em questão tanto
as ontologias forjadas na diáspora quanto aquelas originárias da África pré-
colonial, as teatralidades negras propõem uma nova possibilidade de relação entre
o sujeito histórico negro e aquele que o observa. Nesse sentido, o entendimento
de Josette Féral, que argumenta que a teatralidade não é uma propriedade
inerente ao corpo, espaço, sujeito ou objeto, mas um fenômeno processual que
se manifesta na interação entre eles, dialoga diretamente com as práticas
cênicas negras. Se, como a autora sugere, a teatralidade se por meio de
clivagens que “impõem ao olhar do espectador um jogo de disjunção-unificação
permanente” (2015, p. 112), esse jogo, no caso das teatralidades negras, é inundado
pelas dinâmicas da ancestralidade, da memória, da história e da estética radical
negra, provocando uma espécie de vibração que (re)estrutura a ética no olhar do
observador e na relação que pode se estabelecer entre espectador e atuante. Para
Moten, esse processo é justamente a “teatralidade essencial da pretitude, da
mercadoria que objeta materialmente além de qualquer discurso subjetivamente
postulado”, isto é, “uma teatralidade que reconstitui e redobra o domínio da ética”
(Moten, 2023, p. 336).
Embora a ideia de uma “teatralidade essencial da pretitude” possa parecer
problemática, é inegável que, ao instaurar a teatralidade como um campo ético,
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as práticas cênicas negras contemporâneas evocam processos capazes de ressoar
amplamente com a diversidade da experiência desse grupo, dialogando de
maneira profunda e plural com os múltiplos sujeitos que o compõem. Como
produções desse movimento, as teatralidades negras reformulam as ontologias do
sujeito negro na vida e na cena, reconfigurando as interações possíveis entre corpo,
memória e história, ao mesmo tempo em que (re)inventam os termos pelos quais
a negridade se apresenta e é percebida pelo olhar externo. Com efeito, essas
teatralidades negras não apenas evocam a negridade, mas também a produzem
ativamente, instaurando, a partir da subjetividade do sujeito negro e de sua
experiência histórica, uma condição de alteridade radical na qual a diferença racial
pode ser, ao menos, problematizada.
Dentre as inúmeras criações cênicas que operam nesse sentido, este texto
examina, a seguir, o espetáculo sul-africano
Nkoli - The Vogue Opera
(2023),
considerando especialmente a teatralidade das duas práticas artísticas e culturais
que fundamentam a obra e cujas raízes estão profundamente ligadas à experiência
e estética negras: o
voguing
e a
cultura ballroom
.
Da Passarela ao Palco
Na cena inicial do icônico documentário
Paris is Burning
(1990), vê-se uma
figura feminina entrando em um salão de baile como se ocupasse a passarela de
um desfile de moda. Com um grande chapéu de plumas, longas luvas pretas e um
pomposo traje dourado com babados brilhantes e gigantescas mangas bufantes,
ela caminha pelo espaço, sob gritos e aplausos de uma plateia entusiasmada. Seus
passos são rápidos, porém curtos, o que a faz progredir, no ritmo da música, de
maneira estilizada. Seu rosto, intensamente maquiado, permanece impassível,
como o de uma supermodelo que estampa a capa de uma revista de moda.
Conforme avança, ela alterna poses e gestos elegantes. Seus braços fazem
movimentos precisos, girando sobre a cabeça de forma tão rápida que suas mãos
mal podem ser vistas. Então, ela começa a desprender partes do vestido,
provocando uma reação ainda mais inflamada da plateia. Trata-se de Pepper
LaBeija, uma das figuras mais emblemáticas da cena
ballroom
e da comunidade
LGBTQIAPN+ da Nova York dos anos 1980.
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Como marco inicial do documentário, essa cena captura com precisão a
intensidade visual e a importância social dos
drag balls
para as comunidades nova-
iorquinas marginalizadas da época, formadas majoritariamente por pessoas
LGBTQIAPN+ negras e latinas. Esses eventos, que fazem parte do que hoje se
conhece como cultura
ballroom
, tiveram sua semente plantada no final do século
XIX, em Nova York, em bailes de máscaras onde homens e mulheres do mesmo
sexo dançavam em pares e participavam de competições de fantasias. Nas
décadas seguintes ao seu surgimento, tais bailes ganharam ampla popularidade
na cidade, atraindo milhares de participantes, até que essa crescente visibilidade
também levou a uma intensificação da repressão policial, particularmente no
período pós-Segunda Guerra Mundial, quando passaram a ser marginalizados e
associados aos guetos urbanos. Apesar de serem inicialmente frequentadas por
pessoas de todas as raças e etnias, as competições foram se tornando
progressivamente mais injustas com as participantes negras, o que culminou no
surgimento de fronteiras raciais que levaram à criação de bailes exclusivamente
negros na década de 1960 (Lawrence, 2011).
É nesse momento que a cena
ballroom
adquire os contornos pelos quais é
conhecida hoje. Nos
balls
, marcados por uma teatralidade exagerada e por uma
extravagância visual exuberante, os participantes desfilam por uma passarela
imaginária, competindo por troféus simbólicos e prêmios em dinheiro. As
categorias variam, incluindo o rosto mais bonito, o corpo mais curvilíneo, o traje
mais opulento, a melhor imitação de estrelas de Hollywood, entre muitas outras.
Enquanto um mestre de cerimônias narra cada apresentação, improvisando e
estimulando o clima festivo com um linguajar característico da cena, um painel de
juízes avalia as performances, decidindo quem serão os vencedores de cada noite.
Grande parte dos participantes das competições que aconteciam nos anos
1980 pertencia a
houses
, que se constituíam como agrupamentos afetivos que
ofereciam apoio emocional e social a seus membros, frequentemente jovens
negros e latinos excluídos de suas famílias por sua identidade
queer
. Cada um
desses grupos era liderado por uma
house mother
ou
house father
, que atuava
como uma espécie de figura materna ou paterna, protegendo, acolhendo e
orientando seus "filhos". Mais importante do que os prêmios em dinheiro
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concedidos aos vencedores era a aceitação e o senso de realização que a vitória
em um
ball
trazia, algo que essas pessoas dificilmente conseguiam alcançar em
outros espaços sociais. Ao proporcionarem status aos seus vencedores, as
competições garantiam poder e fama local tanto ao indivíduo quanto à sua
house
,
gerando um profundo sentimento de reconhecimento dentro da comunidade.
Em meio a intensidade que caracterizava as disputas, a rivalidade entre as
houses
adquiriu caráter formal, manifestando-se através do
shade
, um tipo de
crítica espirituosa e sutil que permitia aos competidores menosprezarem uns aos
outros sem ofensas diretas. Na passarela, o
shade
se transformou em movimentos
como quedas abruptas, caminhadas exageradas, giros e gestos rápidos com as
mãos, que se moviam como lâminas afiadas, desafiando o oponente. Com o
tempo, esses movimentos se tornaram mais elaborados, incorporando ritmo,
precisão e teatralidade, o que culminou no surgimento do
voguing
, uma
modalidade de dança estilizada que integra poses de supermodelos e movimentos
ágeis e calculados, inundados por uma dramaticidade intensa, e que se
estabeleceu como a essência dos
balls
a partir da década de 1980.
Nas competições, diversas categorias se concentravam na habilidade dos
participantes de performar papéis de gênero, ora se aproximando, ora se
distanciando dos padrões binários do masculino e feminino, o que permitia que as
dissidências sexuais e de gênero ali presentes fossem expressas de diferentes
formas. Para os participantes negros, especialmente, a capacidade de se aproximar
dos padrões hegemônicos de gênero e sexualidade representava uma estratégia
crucial para reduzir sua vulnerabilidade diante da violência que existia nos grandes
centros, já que a forma como esses corpos eram "lidos" pela sociedade dependia
diretamente de como o gênero e a raça eram por eles performados (Bailey, 2011).
Outras categorias se concentravam na capacidade dos participantes de mimetizar
papéis sociais específicos. Um exemplo disso é a categoria
executive realness
, na
qual os concorrentes precisavam convencer o júri de sua capacidade de encarnar
a imagem de um alto executivo com precisão e elegância, o que lhes permitia
experienciar momentaneamente uma outra realidade, como detalha a
drag queen
Dorian Corey:
Na vida real, você não consegue um emprego como executivo a menos
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que tenha um certo vel educacional e oportunidades. Agora, o fato de
você não ser um executivo se deve meramente à posição social que você
ocupa na vida. Essa é a verdade. Pessoas negras têm dificuldade em
chegar a qualquer lugar. E aquelas que conseguem geralmente são
heterossexuais. No
ballroom
, você pode ser o que quiser. Você não é
realmente um executivo, mas está parecendo um executivo. Portanto,
você está mostrando ao mundo hétero: "Eu posso ser um executivo. Se
eu tivesse a oportunidade, eu poderia ser um, porque posso parecer um".
E isso já é uma realização (Paris is Burning, 00:15:00).9
Nesse sentido, o espaço-outro instaurado pela teatralidade que ali se
manifestava constituía uma estratégia dupla de sobrevivência. Em primeiro lugar,
no âmbito social, visto que os
balls
proporcionavam um ambiente seguro, no qual
os participantes podiam testar as performances de gênero que os tornariam
menos visíveis diante da violência urbana, além de funcionarem como refúgios
onde os negros podiam se expressar livremente sem o temor de represálias. Em
segundo lugar, esses eventos desempenhavam um papel crucial na sobrevivência
subjetiva e emocional dos participantes, que, através da performance e do
processo de ficcionalização que era realizado na passarela, essas pessoas
conseguiam, por algumas horas, emular uma condição social apenas imaginada,
que lhes proporcionava a força emocional necessária para continuar enfrentando
as dificuldades da vida cotidiana. Como pontua Pepper LaBeija, os
balls
ofereciam
a esses grupos uma razão para continuar vivendo ao operarem como uma válvula
de escape frente às opressões impostas pela realidade:
Esses bailes são mais ou menos nossa fantasia de ser uma superestrela,
como o Oscar, algo assim. Ou estar em uma passarela como modelo.
Muitas dessas crianças que estão nos
balls
não têm nada. Algumas delas
nem comem. Elas vêm para os bailes morrendo de fome. Dormem em
associações de menores, no píer ou em qualquer outro lugar. Elas não
têm uma casa para onde ir, mas saem, roubam algo, arrumam-se, vêm
para o baile e vivem aquela fantasia por uma noite. (Paris is Burning, 1990,
00:06:43).10
9 In real life, you can’t get a job as an executive unless you have the educational background and the
opportunity. Now the fact that you are not an executive is merely because of the social standing of life. That
is just a pure thing. Black people have a hard time getting anywhere. And those that do are usually straight.
In a ballroom, you can be anything you want. You’re not really an executive, but you’re looking like an
executive. And therefore, you’re showing the straight world: I can be an executive. If I had the opportunity, I
could be one, because I can look like one. And that is like a fulfillment. (Tradução nossa)
10 Those balls are more or less like our fantasy of being a superstar, like the Oscars or whatever... or being on
a runway as a model. A lot of those kids that are in the balls, they don’t have two of nothing. Some of them
don’t even eat. They come to balls starving. They sleep in under-21 or on the pier or wherever. They don’t
have a home to go to, but they’ll go out and they’ll steal something and get dressed up and come to a ball
for that one night and live the fantasy. (Tradução nossa)
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Nos depoimentos de Corey e LaBeija, é possível identificar como os
balls
configuraram e configuram uma estratégia de resistência caracterizada pela
irrupção da mesma consciência revolucionária que fundamenta a Tradição Radical
Negra. Enquanto, em outros contextos, essa consciência assume formas como
ativismo ou luta política, nessa comunidade específica, ela se manifesta como
performance, forma na qual a improvisação que origina cada gesto, ritmo ou
movimento brota daquela anterioridade de onde emerge a estética radical negra.
O desejo de estilizar, ficcionalizar ou simplesmente transformar a realidade é,
nesse processo, a força motriz que permite que essa performatividade negra
produza uma teatralidade igualmente negra, advinda justamente da capacidade
desses “objetos” de resistir.
A força política e social de tais discursos foi, por sua vez, um dos fatores que
impulsionou o sucesso do documentário
Paris is Burning
, o que aumentou
significativamente a visibilidade dos
balls
e possibilitou que a cultura
ballroom
ganhasse maior projeção no
mainstream
a partir dos anos 1990. O
voguing
, por
exemplo, tornou-se um elemento central da cultura pop, influenciando
coreografias e performances de grandes estrelas da música, sendo o exemplo
mais emblemático o videoclipe
Vogue
(1990), de Madonna. Ao oferecer um espaço
seguro, onde uma população marginalizada por opressões interseccionais
baseadas em classe, gênero, raça e/ou sexualidade podia se expressar livremente,
a cultura
ballroom
se enraizou nas comunidades LGBTQIAPN+ de todo o planeta,
deixando um impacto cultural profundo que se reflete, hoje, até em programas
televisivos de grande audiência, como a franquia global
RuPaul’s Drag Race
. Ao se
expandirem pelo mundo, os
balls
incorporaram ainda as características culturais
específicas de cada região aonde chegaram, como no Brasil, onde o número de
houses
e
balls
cresceu consideravelmente nos últimos anos (Santos, 2018).
É essa forma de teatralidade, juntamente com todo o tecido histórico a ela
atrelado, que o espetáculo
Nkoli - The Vogue Opera
incorpora como linguagem
cênica. Criada pelo compositor sul-africano Philip Miller e dirigida em sua
montagem original pelo britânico Rikki Beadle-Blair, a ópera estreou em novembro
de 2023, em Joanesburgo, e conta a trajetória do ativista Simon Nkoli (1957 - 1998).
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Figura central na luta pelos direitos LGBTQIAPN+ dentro dos movimentos
anti-
apartheid
da África do Sul, Nkoli foi preso na década de 1980 ao lado de outros
líderes do movimento, passando quatro anos encarcerado sob a ameaça de pena
de morte. Sua prisão não apenas ressaltou sua relevância na luta contra a
opressão racial, como também ajudou a conectar as causas raciais e LGBTQIAPN+,
tanto em seu país quanto no mundo. Ao se tornar um dos primeiros homens
negros sul-africanos a declarar publicamente que vivia com HIV, Nkoli
desempenhou, ainda, um papel crucial na conscientização sobre o HIV/AIDS,
consolidando-se como uma voz fundamental na construção de uma sociedade
mais inclusiva na África do Sul pós-
apartheid
.
Para contar a vida do ativista desde a juventude até sua morte precoce, o
espetáculo se estrutura como uma competição de
voguing
no estilo dos
ballrooms
11. Cantado em inglês, com partes em zulu, tsuana e soto, o trabalho
combina canções líricas originais,
raps
, canções tradicionais de protesto sul-
africanas e
spoken word
12, que são apresentadas em uma longa passarela, onde o
elenco de vinte e seis pessoas, composto por atores, cantores, dançarinos e
orquestra, quase todos negros, apresenta uma variedade de estilos de
performance, incluindo
voguing
e dublagem, de modo a conduzir o público pela
jornada do ativista.
Elemento central na construção visual da obra, a projeção combina materiais
documentais, como registros em foto e vídeo da vida de Simon, de protestos anti-
apartheid
e da violenta repressão policial que eles sofriam, com elementos visuais
da cultura pop, como fontes coloridas e brilhantes, além de imagens gráficas
compostas por purpurina, glitter, plumas e paetês. Tais materiais são ainda
entrelaçados com elementos gráficos africanos, como as estampas das
tradicionais capulanas, resultando em uma narrativa visual que fricciona o passado
histórico de luta, a tradição sul-africana e a contemporaneidade dos
balls
.
Também navegando por essa amálgama, os figurinos combinam as perucas
coloridas, botas de salto, vestidos brilhantes e maquiagem exagerada da cultura
11 Para imagens do espetáculo, ver: https://vimeo.com/930151723.
12
Spoken word
é uma forma de performance oral em que poesias e textos são declamados de maneira
expressiva, destacando o ritmo, a emoção e a presença de palco dos artistas. Os temas abordados
frequentemente envolvem injustiças sociais, contracultura e questões de identidade.
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ballroom
com tecidos, vestimentas e acessórios tradicionais africanos. Enquanto
alguns personagens, como os sangomas, feiticeiros tradicionais da região, são
representados em trajes quase totalmente realistas, outros, como os policiais,
juízes e líderes religiosos cristãos, aparecem em roupas altamente estilizadas,
incorporando elementos pop e fetichistas.
Essa intensidade visual que caracteriza o trabalho pode ser tomada como
uma representação daquele desejo de estilização que Hurston sugere permear a
existência negra. A materialidade das vestimentas, objetos, grafias e imagens
apresentadas constitui o eixo simbólico que confere densidade à performance,
impregnando-a de elementos que aprofundam o caráter histórico, político e social
da encenação. Como meio de expressão central da obra, o
voguing
, por sua vez,
engendra um processo no qual a força dos gestos empregados revela que a
corporeidade negra, além de constituir um elemento estético significativo, atua
como um meio de expressão, produção e agência capaz de atravessar tanto o
espaço cênico quanto o social. Dessa maneira, ao integrar os movimentos precisos
e estilizados dos dançarinos, o espetáculo não apenas celebra a cultura
ballroom
,
mas também transforma o corpo negro em
locus
de poder e beleza,
ressignificando percepções enviesadas sustentadas por sistemas de subjugação
racial ainda operantes.
A fusão entre
voguing
e ópera é também um elemento que articula a
complexidade da experiência negra contemporânea ao mesclar referências
culturais tradicionais e expressões modernas. Essa combinação desestabiliza as
expectativas habituais do espectador em relação a ambas as formas artísticas, o
que estrutura uma linguagem cênica capaz de reconfigurar signos e
representações cristalizados. Ao sugerir novas inscrições gestuais e visuais, o
trabalho busca, portanto, romper com padrões pré-estabelecidos, criando espaço
para representações que desafiam as convenções estéticas e culturais
dominantes.
Tal hibridismo de linguagens é ainda central à forma como a obra apresenta
a trajetória de Simon Nkoli. Ao mesclar elementos históricos e visuais da cultura
ballroom
e do
voguing
com as marcas coloniais que ainda atravessam o teatro e
a ópera, o espetáculo reinscreve a identidade LGBTQIAPN+ de Nkoli e a situa
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dentro dos sistemas de opressão que moldaram sua existência, o que estabelece
um diálogo direto com as lutas das comunidades
queer
negras atuais. O palco se
transforma, assim, em um espaço onde temporalidades distintas se entrelaçam e
onde as teatralidades (re)traçam um contínuo (a)temporal espiralar, através do
qual a luta dos africanos escravizados ecoa nas lutas de Simon Nkoli, nas dos
participantes dos
balls
dos anos 1980 e de hoje, até se entrelaçar às lutas dos
artistas negros contemporâneos, que encontram na cena um território fértil para
a resistência.
Nesse processo, os corpos negros em performance instauram as
teatralidades que se manifestam no trabalho. Desde os narradores, que conectam
as cenas com a singularidade dos mestres de cerimônia dos
balls
, passando pelos
dançarinos, que formam um verdadeiro coro de competidores de
voguing
, até os
atores-cantores, que fundem a canção operística à dramaticidade corporal do
ballroom
, o que emerge são formas de teatralidade profundamente impregnadas
pela negridade.
Teatralidades como essas, também presentes em contextos como a
militância política, as religiões de matriz africana, as práticas culturais populares,
entre diversos outros meios, permitem tanto às pessoas negras que performam
quanto àquelas que as observam imaginar uma outra possibilidade de existência.
Uma existência na qual a vida negra pode se manifestar em toda sua plenitude e
complexidade. Não se restringindo a contestar ou interromper a estrutura do
mundo que conhecemos, essas teatralidades negras reafirmam a presença de algo
que está além dessa estrutura, atuando nas margens e fissuras de uma
realidade que insiste em se desintegrar.
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UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
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