Narrativas contra-hegemônicas: das conferências-concerto às peças-palestra
Marcos Nogueira Gomes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-24, dez. 2024
teatro, como apontam os historiadores Angela Alonso (2012), Eduardo Sil (2006) e
João Roberto Faria (2022).
Alonso e Sil informam que as conferências abolicionistas eram organizadas
desde 1879 em edições esparsas, e que a partir de 1880, sob o nome de
Conferências Emancipadoras — nome dado por Rebouças —, uma série de
quarenta e três sessões se sucedeu em um ano, passando por diferentes
teatros, que relutavam em manter as pautas7 (Alonso, 2012; Sil, 2006). Havia,
como estratégia de propaganda, a combinação de discurso político e entrega de
cartas de alforria em uma mistura de espetáculo e comício. Segundo Faria
(2022), o modelo ganha popularidade com a aderência da classe artística: em
primeiro lugar, com os músicos, que contribuem com apresentações de
repertório erudito e popular; e pouco depois, em 1882, com os artistas de teatro,
que popularizam de vez o formato.
Os nomes mais assíduos, entre tantos outros, são os dos dramaturgos e
atores Xisto Bahia e Francisco Correia Vasques. Segundo Faria, Vasques estava
presente em quase todas as matinês até pelo menos 1887, declamando poemas,
interpretando cenas cômicas ou fazendo discursos. Segundo Sil (2006), Vasques
costumava fazer discursos abolicionistas pelas ruas à noite em pontos culturais
e boêmios da cidade de forma quase invisível, a partir de conversas casuais com
amigos, como Patrocínio, que se ampliavam e se transformavam em discursos
nos quais o ator acabava rodeado por uma pequena multidão de ouvintes que,
com o tempo, já esperava por suas performances. Em essência, a ação de
Vasques remete ao “teatro invisível”
8
proposto por Augusto Boal.
Essa militância performativa é relatada por Procópio Ferreira na biografia
sobre Vasques, escrita a partir de depoimentos orais de atores que conviveram
com o artista abolicionista, coletados por Ferreira em tempos de espera nas
7 Segundo Eduardo Sil, “as pressões foram de tal monta, que, por mais que pudessem simpatizar com as
ideias ali defendidas, as administrações dos teatros nem sempre conseguiam manter o compromisso e
garantir espaço para o movimento, obrigando os abolicionistas à constante troca de teatro. Para se ter
uma ideia, as conferências que começaram, em sua primeira fase, no Teatro São Luís, como acabamos de
ver, passam para o Teatro Dom Pedro II, depois, para o Teatro Ginásio, para o Teatro Santana, para o
Teatro Recreio Dramático e, por fim, voltam, novamente, ao São Luiz”. (Sil, 2006, p. 296)
8 Segundo o “Dicionário do teatro brasileiro”, teatro invisível é “uma das técnicas do teatro do oprimido, que
consiste na representação de uma cena em um ambiente que não seja o teatro, e diante de pessoas que
não sejam espectadores” (Boal apud Guinsburg; Faria; Lima, 2009). Foi idealizado por Augusto Boal entre
1973 e 1974.