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MONSTRA! -
Dramaturgia, corpo e performance
Lara Duarte
Para citar este artigo:
DUARTE, Lara. MONSTRA! Dramaturgia, corpo e
performance.
Urdimento
– Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e115
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MONSTRA! - Dramaturgia, corpo e performance
Lara Duarte
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-25, dez. 2024
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MONSTRA1! - Dramaturgia, corpo e performance2
Lara Duarte3
Resumo
O artigo propõe a noção de Dramaturgia Monstra estabelecendo um paralelo com a
dramaturgia performativa, explorando como ambos os conceitos se inter-relacionam a partir
de uma perspectiva em que o corpo é o elemento central do acontecimento. Além disso, o
monstro e o performativo tensionam a definição de significado e representação. Em paralelo,
o artigo aborda a figura do monstro e a monstruosidade em diversos campos do saber,
relacionando-os às práticas de criação dramatúrgica. Autoras como Erika Fischer-Lichte e
Della Pollock são as interlocutoras principais. A pesquisa analisa também o procedimento
“texto-acúmulo”, prática sintetizada pela artista Kenia Dias.
Palavras-chave
: Dramaturgia. Monstro. Performativo. Corpo. Escrita.
MONSTER! - Dramaturgy, Body, and Performance
Abstract
The article proposes the notion of Monster Dramaturgy by establishing a parallel with
performative dramaturgy, exploring how both concepts interrelate from a perspective in
which the body is the central element of the event. In addition, the monster and the
performative tension the definition of meaning and representation. In parallel, the article
addresses the figure of the monster and monstrosity in various fields of knowledge, relating
them to the practices of dramaturgical creation. Authors such as Erika Fischer-Lichte and
Della Pollock are the main interlocutors. The research also analyses the “text-accumulation”
procedure, a practice synthesized by the artist Kenia Dias.
Keywords:
Dramaturgy. Monster. Performative. Body. Writing.
¡ MONSTRA! Dramaturgia, cuerpo y performance!
Resumen
El artículo propone la noción de Dramaturgia del Monstruo estableciendo un paralelismo con
la dramaturgia performativa, explorando cómo ambos conceptos se interrelacionan desde
una perspectiva en la que el cuerpo es el elemento central del acontecimiento. Además, lo
monstruoso y lo performativo tensionan la definición de significado y representación.
Paralelamente, el artículo aborda la figura del monstruo y la monstruosidad en diversos
campos del saber, relacionándolos con las prácticas de la creación dramatúrgica. Autores
como Erika Fischer-Lichte y Della Pollock son los principales interlocutores. La investigación
analiza también el procedimiento de «acumulación de textos», práctica sintetizada por la
artista Kenia Dias.
Palabras clave
: Dramaturgia. Monstruo. Performativo. Cuerpo. Escritura.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por João Mostazo. Doutor em Letras pela
Universidade de São Paulo (USP).
2 Este artigo resulta em 90% de minha dissertação denominada “Compêndio de decomposições
dramatúrgicas: Por uma dramaturgia monstra!”. Defendida no Programa de pós-graduação em Artes da Cena
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob orientação de Matteo Bonfitto Júnior, em 2023.
3 Doutoranda em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestrado em Artes da
Cena pela UNICAMP. Graduação Bacharelado em Interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). laraduart@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/3353287253706815 https://orcid.org/0000-0002-8519-7951
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Figura 1 - Desenho feito por Érica Natalente em que o estudo é registrar
a imagem da maneira mais rápida possível. Fonte: Arquivo pessoal, 2024.
Breve panorama monstro
Monstruosa. Desviante. Perversa. Anormal. Deformada. Cheia de cicatrizes.
Noto a cabeça inumana, ou é o corpo animalizado que me assusta? As cicatrizes
são na verdade feridas abertas costuradas às pressas. O sangue que escorre não
é vermelho. Olho-me no espelho e a vejo através do reflexo, viro para trás e não
ninguém. Observo dentes pontudos, garras, o corpo coberto por pelos. Ela deixa
uma grande pegada num caminho deserto, força bruta, muita força, encontro a
pegada quando estou perdida. Ela surge do vão embaixo da cama, vem se
rastejando, ela surge da fresta da porta e bloqueia a entrada da luz, surge de um
lugar inesperado. Escuto um barulho, mas são as roupas disformes no
mancebo... O mesmo vão embaixo da cama em plena luz do dia não significa nada.
Mas agora é noite. Terror noturno. Ela sempre vem à noite. Sinto medo e deito seu
cadáver na mesa de dissecação. Admiro e ela me abocanha a jugular.
Quando o monstro surge uma cena se inaugura4. O monstro precisa de um
contexto que o torne monstruoso, e constela os sentidos trazendo em seu próprio
corpo vetores opostos e em contradição. A curta narrativa acima pode ser a
materialização de uma figura monstruosa genérica elaborada por um imaginário
4 Informação verbal proferida pela pesquisadora da APPH Anelise de Carli no curso “Monstros nas imagens e
na literatura”, em 2022.
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infantil não muito criativo, ou também se configurar enquanto uma relação
estabelecida com a dramaturgia mais especificamente com a dramaturgia
performativa. Performativo e monstruoso dialogam no universo da pesquisa em
questão, pois ambos trazem no corpo e fazem do corpo um elemento central.
Etimologicamente a palavra monstro deriva do latim
monstrum
, cuja origem
remonta também aos verbos mostrar, demonstrar. Seu significado primeiro é
“apontar, indicar com o olhar, indicar o caminho que deve ser seguido”. Além disso,
outra concepção possível para
monstrum
é “marca divina”5. Nessa etimologia da
palavra é possível perceber que o monstro, em sua concepção primitiva, é uma
espécie de guia, de escolhido que aponta uma possibilidade de caminho. O
monstro aponta um caminho desviante, podendo ser lido
a priori
como um
caminho de transgressão à norma, mas será que em elaborações mais complexas,
é possível estabelecer uma espécie de “ética monstra”? Não mais criando
dicotomias entre o monstro e o “não-monstro”, essa ética poderia estabelecer
relações não mais pautadas na cisão “nós vs. eles” ou “eu vs. outro”. O monstro-
do-monstro não estabeleceria necessariamente uma dicotomia moral, mas um
diálogo através das oposições. E a oposição está engendrada no corpo. Ainda sobre
sua concepção etimológica é possível constatar que:
Recorrendo ao linguista Émile Benveniste, José Gil afirma que,
etimologicamente,
monstrare
significa muito menos mostrar do que
“ensinar um determinado comportamento, prescrever a via a seguir”
(Benveniste, citado por Gil, 2006, p. 74). Só que, apesar dessa etimologia,
o monstro mostra mais do que tudo o que é visto, pois mostra o irreal
verdadeiro (Peixoto Júnior, 2010, 180).
No campo dos estudos literários o monstro é considerado uma presença
encantada; tem- se a noção de
Lupus in fabula
”, a materialização manifestada
daquilo que foi dito. Por exemplo, nenhuma criança dos anos 90 se atreveu a dizer
“loira do banheiro” três vezes seguidas enquanto lavava as mãos. O monstro surge
e a sua presença tem a capacidade alterar o status da realidade. Vale também
recobrar a ação compartilhada por muitos, mas em especial pelas crianças, de
tapar os olhos com as mãos quando se está diante do monstro. Porém, pelas
5 Monster. In
Online Etymology Dictionary.
Disponível em: https://www.etymonline.com/search?q=MONSTER.
Acesso em: 22 jun. 2023.
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frestas dos dedos, deixamos que nos invada um misto de horror e fascínio.
Na coletânea
Monster Theory
(1996), o organizador Jeffery Jeremy Cohen
sugere que as culturas sejam lidas através dos monstros que engendram. Cohen
confere ao monstro, assim, um valor de
Zeitgeist
– que pode ser traduzido como
“espírito ou fantasma do tempo” –, conceito que traz em seu núcleo a crença no
monstro enquanto um mentor do caminho ou do tempo, que fantasmas e
espíritos, manifestam em seu corpo a contradição entre matéria e não matéria,
morte e vida. Cohen ainda propõem uma politização da presença monstruosa,
exemplificada no trecho a seguir:
O filme de maior bilheteria em 1993 foi
Jurassic Park
de Steven Spielberg.
O enredo do filme/colosso de marketing envolve o retorno da morte dos
monstros primordiais, os dinossauros, que ameaçam a integridade da
família americana por tentar devorar suas crianças.
Jurassic Park
poderia
ter sido uma obra cinematográfica muito superior se os velociraptors
computadorizados tivessem de fato devorado as crianças e não apenas
tentado, pois esses monstros primordiais chegaram em uma época em
que as famílias nucleares precisavam se incomodar6 (Cohen, 1996).
O monstro é sempre o Outro. Assumir para si a monstruosidade tem a ver
também com admitir uma série de comportamentos e contradições. Maíra
Marcondes Moreira (2021), no artigo “As vozes das mulheres e o indizível da
mulher”, aponta, entre outras observações, que em diversas produções
audiovisuais o monstro ou o vilão costuma ter uma “aparência
queer
”. Mesmo que
seja difícil definir do que se trata de fato uma “aparência
queer
”, compreendo que
estamos no campo dos desvios da norma e da dissidência de gênero. Retomando
a presença do corpo do monstro que evoca o seu contrário, seria possível dizer
então que o herói tem uma “aparência heterossexual” ou uma “aparência
normativa”? Ainda, vale o questionamento do que se trata uma aparência
heterossexual, que, por se definir como uma identidade sexual dentro da norma,
esta é muito pouco avaliada por seus fatores singulares. Então, nesse cenário, o
monstro descolore as sobrancelhas e abusa dos piercings e tatuagens; na
6 The highest-grossing film of 1993indeed, of all timeis Steven Spielberg's Jurassic Park. The plot of this
movie-cum-marketing jugger naut involves the technology-assisted return from the dead of primordial
monsters who menace the integrity of the American family by threatening to devour its children. That
Jurassic Park would have been a far superior piece of cinema if its computer-animated velociraptors had in
fact ingested the kids they merely threaten suggests that these monsters arrive at a time when traditional
nuclear families perhaps need to be troubled. (Tradução nossa).
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contraface, o herói traja seu uniforme de sapatênis e camisa Polo. Logo, é mais
simples defender o monstro, mesmo que por vezes seja cansativo ou violento,
porque, nessa cena, o monstro se opõe a uma norma
a priori
já combatida. Nesse
sentido assumir a monstruosidade numa perspectiva construtiva pode ser
entendido como, por exemplo, refazer o sentido pejorativo das palavras “sapatão”,
“viado” ou “bicha”, que são transformadas pela comunidade LGBTQIAP+ em
simples vocativos ou palavras afetuosas. Mas para além do caráter construtivo,
assumir a monstruosidade se relaciona também a um caráter contraditório, que
“o monstro sempre desestabiliza a representação e a identidade em suas diversas
formas de expressão” (Peixoto Júnior, 2010, p. 180). Desestabilizar as fronteiras da
representação também se relaciona aos aspectos performativos da pesquisa que
serão abordados mais adiante.
Não acredito que seja possível traçar apenas uma defesa do monstro, por
mais tentador que seja acreditar que
la história me absolverá
7, ao passo que
assumir as contradições, o fragmento e as forças opostas enquanto uma estrutura,
seja dramatúrgica, seja identitária, pode trazer, sim, um caráter desmobilizador e
de difícil decifração. Delegar a monstruosidade ao Outro foi e segue sendo uma
estratégia de manutenção de paradigmas coloniais8, bem como de relações de
poder desiguais.
O monstro é a diferença feita de carne; ele mora no nosso meio. Em sua
função como o Outro dialético ou suplemento que funciona como
terceiro termo, o monstro é uma incorporação do Fora, do Além de
todos aqueles locos que são retoricamente colocados como distantes e
distintos, mas que se originam no Dentro. Qualquer tipo de alteridade
pode ser inscrito através (construído através) do corpo monstruoso, mas,
em sua maior parte, a diferença monstruosa tende a ser cultural, política,
racial, econômica, sexual. O processo pelo qual a exageração da diferença
7 Frase proferida por Fidel Castro, líder da revolução cubana, no contexto de seu julgamento pelo assalto ao
quartel de Moncada em 1953.
8 Quijano (2010) conceitua a ideia de colonialidade do poder para dar nome ao que entende como um padrão
de dominação global, uma espécie de face oculta das chamadas civilizações modernas, que tem origens na
conquista da América em conformidade com a constituição do modo de produção capitalista. É possível notar
que essa virada epistemológica outro centro às origens da modernidade, tirando-a do eixo Iluminismo-
Revolução Industrial e colocando-a na linha conflituosa que se estabeleceu no controle do Atlântico pela
Europa, entre o final do século XV e o início do XVI. Conjuntamente a esses fatores, pode ser elencada como
substantiva desse tipo de colonialidade a sua estruturação por meio de uma dinâmica de acumulação e de
exploração econômica, assim como pela assimetria de suas relações de poder em escala global. Esse
desnivelamento, por sua vez, constituiu-se como base da subalternização dos povos dominados
estabelecido a partir de eixos distintos, como de controle do trabalho, da subjetividade, do gênero, das
práticas culturais, da natureza etc.” (Baliana, 2020).
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cultural se transforma em aberração monstruosa é bastante familiar. A
distorção mais famosa ocorre na Bíblia, onde os habitantes aborígenes
de Canaã, a fim de justificar a colonização hebraica da Terra Prometida,
são imaginados como gigantes ameaçadores (Números, 13). Representar
uma cultura prévia como monstruosa justifica seu deslocamento ou
extermínio, fazendo com que o ato de extermínio apareça como heroico
(Cohen, 2000, p. 32).
Seguindo essa linha, a monstruosidade enquanto uma perspectiva acusatória,
ou seja, delegar ao Outro a figuração monstruosa, é uma ação com grande
potencial fascista e discriminatório. Cohen (2000) ao ser indagado se os monstros
de fato existem, responde que obviamente eles existem, se não existissem, como
nós existiríamos? Portanto, por mais angustiante e também, por vezes, sedutor
que seja habitar a fronteira turva proposta pelo monstro, é fundamental
reconhecer a sua potência, compreendendo-o enquanto um embaralhador de
dicotomias e binarismos.
A divisão de significado em polos opostos é um artifício da linguística que
denota um conceito a partir de sua oposição: claro/escuro; dia/noite; sim/não;
fraco/forte etc. É mais fácil decidir qual caminho trilhar se a bifurcação é em
apenas dois sentidos. Mas o monstro habita uma “encruzilhada metafórica”
(Cohen, 2000), e traz em seu corpo a ambivalência dos contrários, sem apaziguar
a tensão gerada pelos dois polos. Não à toa, as criaturas monstruosas costumam
apresentar uma “cabeça inesperada9”, seja pelo seu aspecto antropomorfo dotado
de uma razão humana, ou sua aparência humana com uma razão animal.
Novamente, o corpo do monstro sintetiza a contradição dos binarismos, sejam
corpo vs. mente ou humano vs. animal. Além disso, a cabeça enquanto expressão
dessa pretensa superioridade da razão se apresenta no monstro como inesperada,
inapreensível, sendo impossível prever o que virá de uma cabeça monstruosa,
levando-a, portanto, a também representar perigo, que o monstro está na
fronteira do humano e do inumano, seja lá o que inumano signifique.
O monstro é, dessa forma, a corporificação viva do fenômeno que Derrida
(1974) rotulou de “o suplemento” (
ce dangereux supplément
): ele
desintegra a lógica silogística e bifurcante do “isto ou aquilo”, por meio de
um raciocínio mais próximo do “isto e/ou aquilo”, introduzindo o que
9 Informação verbal proferida pela pesquisadora da APPH Anelise de Carli no curso “Monstros nas imagens e
na literatura” em 2022.
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Barbara Johnson (1981, p. xiii) chamou de “uma revolução na própria lógica
do significado” (Cohen, 2000, p. 32).
A experiência religiosa ligada à mitologia judaico-cristã costuma associar o
monstruoso ao diabólico. Deus representa o campo das ideias, do sublime, da
alma, e o Diabo representa o corpo, os instintos, o pecado. Mas,
contraditoriamente, é através do sacrifício que monstrifica o corpo que se atinge
uma experiência sagrada. O corpo que une baixo e alto ventre, é uma espécie de
monstro, ou figura-se enquanto monstruoso através de sacrifícios e punições das
práticas religiosas, na medida em que aponta o caminho que deve ser seguido em
direção a Deus. Elisabeth Roudinesco (2008), no livro
A parte obscura em nós: a
história dos perversos
, discute largamente a questão citada:
Nessa perspectiva, a salvação do homem reside na aceitação de um
sofrimento incondicional. E esta é a razão de a experiência de Jó ter sido
capaz de abrir caminho para as práticas dos mártires cristãos e das
santas mais ainda que farão da destruição do corpo carnal uma arte
de viver e das práticas mais degradantes a expressão do mais
consumado heroísmo. [...] Assim, quando foram adotados por
determinados místicos, os grandes rituais sacrificiais da flagelação à
devoração de excrementos tornaram-se a prova de uma santa
exaltação. Aniquilar o corpo físico ou expor-se aos suplícios da carne: eis
a regra dessa estranha vontade de metamorfose, única capaz, diziam, de
efetuar a passagem do abjeto ao sublime (Roudinesco, 2008, p. 16).
O monstro é uma criatura em metamorfose que recusa uma fácil rotulação,
funcionando assim como um conceito aberto, fronteiriço, um “signo delirante”, na
medida em que traz à cena um “corpo não codificado que se prolifera num
processo de absorção de signos” (cf. Peixoto Junior, 2010, p.180). Os
impressionantes relatos de práticas sacrificiais relacionadas a Cristo no período da
Idade Média poderiam ser facilmente confundidos com descrições detalhadas de
cenas de horror corporal. Linda Williams (1991) define os três “gêneros de excesso”
ou “gêneros do corpo” do audiovisual, sendo eles, horror corporal, melodrama e
pornografia. Não à toa o excesso desses gêneros relaciona-se a materialidades do
corpo, seus excrementos, secreções e vísceras, compondo a tríade: sangue,
lágrima e gozo, figurando, respectivamente, cada um dos gêneros citados.
Retomando as práticas sacrificiais, vale notar que é através de um encontro com
o monstro no próprio corpo que se atinge uma certa expectativa sublime. Mais
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uma vez o monstruoso é sinônimo de contrários, aqui entre grotesco e sublime,
unidos na mesma superfície, exemplificado no trecho a seguir:
Marguerite-Marie Alacoque dizia-se tão suscetível que a visão da menor
impureza sobressaltava-lhe o coração. Porém, quando Jesus chamou-a
à ordem, ela conseguiu limpar o vômito de uma doente
transformando-o em sua comida. Mais tarde, sorveu as matérias fecais
de uma disentérica declarando que aquele contato bucal suscitava nela
uma visão de Cristo mantendo-a com a boca colada em sua chaga: “Se
eu tivesse mil corpos, mil amores, mil vidas, os imolaria para lhe ser
submissa.” Catarina de Siena afirmou um dia não ter comido nada tão
delicioso quanto o pus dos seios de uma cancerosa. E ouviu então Jesus
lhe falar: “Minha bem-amada, travaste por mim grandes combates e, com
a minha ajuda, saíste vitoriosa. Nunca me foste mais querida e mais
agradável... Não apenas desprezaste os prazeres sensuais, como venceste
a natureza bebendo com alegria, por amor a mim, uma horrível
beberagem. Pois bem, uma vez que praticaste uma ação acima da
natureza, quero oferecer-te um licor acima da natureza” (Roudinesco,
2008, p. 20).
Embasada pelo pensamento focaultiano, Roudinesco discute também as
perspectivas do perverso no contexto da sexualidade e do crime. No âmbito da
sexualidade, a autora dedica-se a pesquisar as práticas da medicina mental do
século XIX e a obsessão pela “criança masturbadora”, “o homossexual”, e “a mulher
histérica”, que poderiam ser considerados monstros de seu tempo, confirmando
que as práticas perversas, assim como os monstros, são contextuais, e se
transmutam ao longo da história. É possível notar que o ato de perverter é
absolutamente condicionado a uma ação de transgressão, e envolve uma
mudança de rota em relação ao dito “natural”: trata-se da ação deliberada de
tomar um caminho desviante. Mas qual a medida? Quando o antagonista do
monstro é o herói heterossexual, a transgressão é bem-vinda, mas e quando o
antagonista do monstro é algo caro à sua própria ética? No caso do antagonismo
em relação à lei, por exemplo, como fazer a defesa? Ao sermos confrontados com
a violência acabamos por apaziguar, recalcar, ou expressar o próprio impulso
monstro. A lei está sempre atrasada em relação às demandas da sociedade, sendo
muitas vezes confundida com o “certo”, “o justo” e o “ético”, quando na verdade
se trata de uma intrincada e hermética linguagem que almeja construir um certo
senso de convívio coletivo, a qual, contudo, em muito reforça lógicas opressivas e
sustenta a manutenção de relações desiguais. Sorte que temos os monstros nos
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apontando uma outra possibilidade de caminho. Sorte?
É possível também observar os monstros a partir de uma perspectiva
teratológica, a rigor considerada atualmente uma vertente da medicina que estuda
malformações genéticas ou anomalias embrionárias. Definir o “doente” invoca seu
contrário, o “saudável”, e como a sociedade lida com suas doenças, mortes e curas
também é situacional. Ou seja, independente do contexto, o monstro continua
inaugurando uma cena que orquestra os sentidos. O que é lido como doente é
alvo de diversos estigmas, sendo muitas vezes apartado do convívio social,
principalmente quando a classificação se no âmbito da saúde mental. Por outro
lado, a definição possibilita avanços medicinais no que tange a descoberta da
erradicação doenças, a exemplo das vacinas, que foram extremamente
aguardadas e festejadas no período pandêmico recente. Mas teratologia também
significa o estudo dos monstros, sendo etimologicamente derivada do grego, das
palavras
terato
(monstro) e
logos
(estudo/razão/ciência), o que demarca um
período em que o pensamento científico era condicionado a um viés teológico e
mítico. Inclusive a nomenclatura dessas doenças congênitas e a relação com as
criaturas fantásticas é evidente: “A deformação em que a criança nasce com
apenas um olho, por exemplo, é conhecida como ciclopia, lembrando o Ciclope,
gigante caolho que o aventureiro Ulisses derrota na
Odisseia
, poema épico de
Homero”10, e ainda: “A síndrome de Hurler que foi chamada de gargulismo. As
deformações faciais típicas desta doença supostamente tornariam suas vítimas
parecidas com as gárgulas, aqueles monstros de pedra que adornam catedrais
góticas.” Seja pela ira ou bondade dos deuses, presságios benéficos ou mal
agourados, a teratologia já estabeleceu uma relação mais encantada e fantasiosa
com o objeto de seu estudo. Mas a relação de encanto mistura-se muito
facilmente a uma observação perversa do monstro denominado a partir da
diferença.
A história cultural da deficiência física é marcada pelo preconceito, pelo
medo da diferença [...] Também um elemento de fascínio perverso
pela suposta “aberração”, que se revela na exibição de deficiências raras
em espetáculos de circo ou, atualmente, em programas de televisão. [...]
A arte pré-histórica traz registros de seres humanos com
malformações; na Austrália, foram encontrados desenhos e esculturas
10 Revista
Super interessante
, 2016.
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primitivas, datando provavelmente de 5000 a 4000 a.C., retratando
bicéfalos conjugados (isto é, gêmeos siameses com duas cabeças num
mesmo corpo). Na Antiguidade, a norma geral parece ter sido a
condenação à morte para recém-nascidos defeituosos. Um texto chinês
do período Qu’in (200 a.C.) estabelecia punições para infanticidas, mas
ressalvava que matar crianças deformadas não constituiria crime. [...] O
cirurgião-barbeiro Ambroise Paré lançaria em 1573 um livro que se
tornaria uma espécie de clássico da teratologia: De Monstros e Prodígios.
Essa obra, que hoje poderia ser lida como peça de literatura fantástica,
sintetizava muitas das convicções correntes entre os médicos. O texto
era ricamente ilustrado com gravuras de sereias aladas, meninos com
rabo de cachorro, crianças com cara de rã, mulheres com duas cabeças,
potros com cabeça humana. Paré listava causas variadas para a criação
de “monstros”: intervenção divina; ação de bruxos e demônios; excesso,
falta ou corrupção do sêmen. A impressão materna destacava-se nessa
etiologia fantástica. Paré dizia, citando autoridades antigas (inclusive
Hipócrates), que uma gestante de imaginação ardente poderia imprimir
marcas no filho. Recomendava, pois, que as mulheres não olhassem nem
pensassem em coisas monstruosas no momento da concepção e nos
primeiros meses de gestação (Super Interessante, 2016).
Numa perspectiva psicanalítica, o monstro e o conceito Freudiano do
unheimliche
se relacionam intimamente, na medida em que ambos
“desenvolvem o seu significado na direção da ambiguidade até coincidirem com
seu oposto” (Freud, 2010, p. 340) Por se tratar de um conceito bastante complexo,
diferentes traduções do termo alemão foram feitas. Em espanhol, “
lo sinistro
”,
lo ominoso
”; em italiano, “
il perturbante
”; em francês, “
l’inquietant étrangeté
”; em
inglês,
the uncanny
”; e em português, “o inquietante” e o “infamiliar”. A palavra
unheimliche
” tem o prefixo
un
” de negação, então seria o oposto de
heimliche
que significa “doméstico, autóctone, familiar”; logo o
unheimliche
seria a angústia
causada pelo desconhecido. Mas nem tudo o que é desconhecido é capaz de
promover angústia; é preciso habitar o mesmo mundo que o monstro para que se
possa vê-lo e se inquietar com a presença. Freud defende que a sensação do
inquietante tem a ver com o reconhecimento daquilo que deveria ser
desconhecido, o que implica o retorno de algo que ficou recalcado pelo
inconsciente, desde pulsões da infância a perspectivas que incluem os saberes de
outros tempos, como se testássemos se o mundo é mesmo mágico ou não. Ainda
na acepção da palavra, o “
heimliche
” representa a casa, a confiança, a intimidade,
a vida, e o seu oposto representa o estrangeiro, o medo, a morte.
Mas
heimliche
significa também “oculto, velado”, então é possível
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estabelecer uma oposição entre aquilo que é “privado, escondido, recalcado” e
aquilo que é “púbico e revelado para todos”. Ou seja, o monstro deveria continuar
oculto, mas ele apareceu e desestabilizou as representações.
E agora, o que fazer diante dessa criatura? Posso fugir, atacar, me fingir de
morta, mas a sensação que o monstro promove é o reconhecimento daquilo que
se conhece. Diante do monstro não tenho escapatória. Posso me envolver na
coberta que amparou por muitos anos o medo do escuro, mesmo numa noite
quente quanto mais pesado fosse o cobertor menos tortuoso seria o processo do
sono. Posso descobrir o antídoto, um elixir de cor vibrante guardado em uma
garrafinha de vidro, e durante um beijo de língua, desses beijos lentos e com sons
de saliva, despejar através da minha boca todo o liquido na boca monstruosa.
Posso cravar uma estaca no seu coração gigante, e enterrar fundo, até que parte
da minha mão é tragada, começando pela ponta dos dedos, mas rapidamente
envolvendo toda a mão. Penetro esse corpo desconhecido e sinto um estranho
prazer no contato com a carne fria, as vísceras e a viscosidade do sangue. Mas,
num descuido, eu vacilo com a pressão da estaca, o monstro segura meu pulso
com força e me olha com serenidade.
“Durma bem”
E a dramaturgia?
Enterre o cadáver onde a estrada se bifurca, de modo que quando ele se
erguer do túmulo não saberá que caminho tomar. Crave uma estaca em
seu coração: ele ficará pregado ao chão no ponto de bifurcação, ele
assombrará aquele lugar que leva a muitos outros lugares, aquele ponto
de indecisão. Decapite o cadáver, de forma que, acéfalo, ele não se
reconheça como sujeito, mas apenas como puro corpo. [...] O corpo
monstruoso é pura cultura (Cohen, 2000. p.26).
A relação tecida aqui entre monstro, monstruosidade, monstra (dramaturgia)
e performance tem como elemento catalisador o corpo. Todos os conceitos se
retroalimentam de uma relação poderosa com o corpo e exigem para si uma
pluralidade de significados abertos, bifurcantes, de difícil rotulação, em constante
criação. Existe algo de inapreensível que aproxima o monstro e a performance.
Pode-se tangenciar os sentidos, mas é de extrema importância que algo escape.
MONSTRA! - Dramaturgia, corpo e performance
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O monstro sempre escapa, seja às definições, seja aos utilitarismos, seja às
estruturas engessadas, seja à lógica capitalista de consumo.
Comumente associa-se a prática dramatúrgica ao domínio das palavras.
Como se o texto fosse unicamente produzido por palavras, como se a dramaturgia
fosse apenas o que está sendo dito a partir do que foi previamente escrito. E,
ainda, como se as palavras fossem palavras, e não essas monstras delirantes
que se organizam no tempo e no espaço. Em sua noção expandida, a dramaturgia
abrange todo o orquestramento de sentidos do ato teatral. Por outro lado, a
dramaturgia tem na palavra a sua “primeira casa”, e as estruturas dramáticas são,
apesar da sua salutar crise, uma inesgotável fonte criativa que também sustentam
a potência do ato teatral. Jean Pierre Sarrazac (2012), no seu
Léxico do drama
moderno e contemporâneo
, estrutura em verbetes diversas definições do âmbito
dramatúrgico e teatral. Sarrazac parte do trabalho de Peter Szondi (2001), em
especial das formulações deste em
Teoria do drama moderno
(2001) e
Teoria do
drama burguês
(2004), para negar a forma épica como superação do drama, tal
como Szondi conceitua. Ele reconhece que “a tradição aristotélico-hegeliana de
um conflito interpessoal resolvendo-se com uma catástrofe começa a rachar em
toda parte” (Sarrazac, 2012, p.23), mas também aponta que o drama, já declarado
morto tantas vezes, inclusive após a perspectiva do pós-dramático (cf. Lehmann,
2007), segue em sua “salutar crise”, sendo essa espécie de “morto-vivo”
contemporâneo, mas ainda assim com um inegável potencial criador.
Dessa maneira, uma trajetória possível para a pesquisa em questão seria a
análise de autores como Brecht, Pirandello ou Beckett, depois seguir analisando
autores mais contemporâneos que, após a virada performativa dos anos 1960 na
Europa, também abrangeram em seus textos essa fagulha da performance arte.
Mas o caminho aqui é mais monstruoso. Optar pelo campo da performance em
fricção com a dramaturgia é optar por uma perspectiva não necessariamente
cronológica, histórica e causal. A performance e o monstro, que trazem o corpo
ao centro da cena ou do acontecimento, são um viés perceptivo para analisar e
criar dramaturgias, em seu amplo sentido. A pesquisa estabelece também uma
aproximação com o gesto investigativo de Sarrazac que não nega a estrutura do
drama, ou a estrutura da linguagem, e seus infinitos modos de composição, ao
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passo que a palavra aqui não precisa e não será “jogada fora pela janela da
história”. No
Léxico
, também há o verbete “Belo animal (morte do)”, retomando o
conceito aristotélico que fundamentava a construção das tragédias, em que a
“boa” obra trágica tem uma espécie de organicidade interna e a “beleza reside na
extensão e na ordenação”, no “começo, no meio e no fim” (Sarrazac, 2012, p. 41).
Logo, toda a obra que perpassa aspectos mais fragmentários, decompostos,
performativos, ou em múltiplas linguagens, seria considerada “inferior” “terrível”
“monstruosa”. O monstro aqui também é a recusa do belo animal aristotélico.
A palavra
performance
pertence à língua inglesa, e significa, a rigor,
“apresentar11”, mas também define algo como “executar, exibir, mostrar”. Mostrar
é uma das etimologias da palavra monstro. Performance deriva do latim,
parformance
, de
parformer
accomplir
(fazer, cumprir, conseguir, concluir)
podendo significar ainda levar alguma tarefa ao seu sucesso. Palavra formada pelo
prefixo
per
mais
formáre
(formar, dar forma, estabelecer)”12. A forma pode ser
entendida aqui como uma mirada para o corpo. Algo que engaja e tem o corpo
como meio ou fim. O dicionário Aurélio analisa o prefixo “per” como
movimento através
,
proximidade
,
intensidade
ou
totalidade
(Dicionário, 2010), a
exemplo de percorrer, perdurar, perpassar. Ou denota ainda a função de ênfase,
como em perambulante. o substantivo “forma” possui 23 definições no
dicionário; vale destacar os seguintes verbetes: “Os limites exteriores da matéria
de que é constituído um corpo”; “Ser ou objeto confusamente percebido, e cuja
natureza não se pode precisar”; “estrutura” (definição atrelada ao campo da
linguística que, no dicionário, vem seguida do seguinte exemplo: “Segundo
Saussure a língua é forma e não substância”.) Numa livre associação de sentidos
e extracampo particular de saber, pode-se compreender performance a partir das
seguintes sentenças:
A intensidade da forma.
O movimento através da matéria.
Proximidade com confusamente
11 PERFORMANCE. In.
Online Etymology Dictionary
, 2023. Disponível em:
https://www.etymonline.com/search?q=performance Acesso em: 22 jun. 2023.
12 PERFORMANCE. In.
Online Etymology Dictionary
, 2023. Disponível em:
https://www.etymonline.com/search?q=performance Acesso em: 22 jun. 2023.
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percebido.
Totalidade do que é constituído um
corpo.
O movimento através dos limites.
o significado de “forma” enquanto estrutura, através do prisma da
linguística, revela uma certa aproximação de forma (língua) com dramaturgia,
que ambas se apresentam enquanto estrutura onde se organizam as linguagens,
as expressões e a comunicação. A palavra, mesmo não sendo a única detentora
dos significados, pode ser uma poderosa força centrípeta que renova e refaz os
sentidos, tanto das línguas faladas no mundo quanto das estruturas
dramatúrgicas, bem como das múltiplas linguagens estéticas que fazem uso
explícito, ou não, da palavra. Existe na intrincada malha gramatical de cada língua,
e também no sentido de cada palavra, uma fonte abundante de estruturas
dramatúrgicas se pensadas através do corpo e da performance, e não da rigidez
da própria estrutura.
A noção de estrutura pode ser compreendida como uma forma que amplie
as formas. Esse retorno aos primeiros usos da palavra performance, ou seja, seu
significado etimológico, intui diversos conceitos muito mais complexos
abordados no campo dos estudos da performance, a exemplo de Richard
Schechner (2006), que aborda o “ser”, “fazer”, “mostrar fazendo”, e “explicar
mostrar fazendo”. Nas suas palavras: “’Sendo’ é a existência por ela mesma.
‘Fazendo’ é a atividade de todos que existem, dos quarks até seres conscientes e
cordas supergaláticas. ‘Mostrar fazendo’ é desempenhar: apontar, sobrelinhar, e
exibir fazendo. E ‘Explicar mostrar fazendo’ são os estudos performáticos”
(Schechner, 2006, p. 28-51.).
A definição dos conceitos é muito próxima dos diversos significados
etimológicos da palavra
monstro
, chegando a coincidir, a nível de palavra, entre
significado etimológico e o desdobramento conceitual organizado a partir de
diferentes finalidades propostas por Schechner, como, por exemplo, o caráter de
indicação, exibição. Mostrar e apontar são palavras que também definem o
monstro. Podemos exemplificar também a noção de performance atrelada ao seu
potencial transformador e ritualístico, apontando para a definição etimológica de
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movimento e intensidade, através dos conceitos elaborados por Victor Turner, em
especial, a noção do caráter “liminoide/liminal”, em que as performances
“produzem situações que estão fora (ou entre) posições sociais determinadas, o
que destaca sua potencialidade transformadora, seu poder de gerar tensões e
reformulações em ordens estabelecidas” (Borges, 2019).
Tais exemplos elucidam que mesmo se tratando de diferentes campos de
estudos, a palavra
performance
também é capaz de aglutinar e expandir sentidos,
ao invés de gerar um significado único, fechado e limitante.
Existe na Dramaturgia Monstra a tentativa fracassada de um equilíbrio entre
fazer um outro uso das palavras, admirando a potência das estruturas,
versus
ampliar a noção de dramaturgia para a ampla construção de sentido, que agrega
diversos elementos. Cabe desdobrar, aqui, algumas das reflexões feitas por Erika
Fischer-Lichte em
A estética do performativo
(2019), e também os conceitos
propostos por Della Pollock (1998) em
Performing writing
, que tensionam ainda
mais os pratos dessa balança.
Em
A estética do performativo
, a autora alemã traça uma profunda análise
sobre diferentes aspectos da performance arte e do teatro performativo, apontado
para a necessidade de se pensar/analisar/criar as obras a partir de bases próprias
do âmbito da performance. Segundo Fischer-Lichte, o contexto alemão não
diferencia a performance do teatro, se contrapondo a uma lógica inglesa em que
teatro equivale ao texto dramatúrgico. É possível também analisar o potencial
performativo das palavras, dentro e fora do campo das artes, a partir do
entendimento de que a performance é “autorreferente” e “instauradora de
realidades”, a exemplo de duas pessoas em uma união civil que, imediatamente
após a sentença “Eu os declaro casados”, estão, de fato, experienciando uma nova
realidade instaurada a partir do ato de fala. Embasada pelas propostas de John L.
Austin, a autora afirma que “Poder-se-ia acrescentar, como característica do
performativo, a sua capacidade de desestabilizar pares de estruturas conceptuais
dicotômicas ao ponto de as fazer fracassar” (Fischer-Lichte, 2019, p. 42). Além
disso, vale destacar que Fischer-Lichte (2019) discute amplamente a necessidade
de compreensão do “acontecimento” no campo das artes, tendo suas raízes nas
práticas ritualísticas e seu potencial transformador e gerador de comunidades (p.
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388). Ela discorre sobre a criação de copresença, e coparticipação entre artistas e
plateia, abolindo inclusive essa diferenciação, onde todos os presentes são
cosujeitos do acontecimento. O corpo também tem, para a autora, um papel
fundamental na estética do performativo, não sendo necessária a sua “anulação”
ou “neutralidade” em nome da representação (p. 65). O corpo de todos os
participantes é por onde o acontecimento será experienciado. A autora também
aponta para possíveis estratégias de encenação que visem a “retroalimentação do
circuito autopoético performativo”, e descreve, por exemplo, a noção de ritmo,
tendo também o corpo como elemento central.
O ritmo é um princípio físico e biológico que regula a nossa respiração e
o nosso batimento cardíaco. O corpo humano está ritmicamente
sintonizado e, como tal, consegue sentir o ritmo, seja como princípio
interno, seja como princípio externo. Vemos determinados movimentos,
ouvimos determinadas palavras, sons e sequências de tons que
captamos como rítmicos. O ritmo como princípio energético, contudo,
exerce o seu efeito quando o sentimos à semelhança do que acontece
com os ritmos do nosso próprio corpo fisicamente (Fischer-Lichte,
2019, p. 129).
a autora Della Pollock aborda a escrita enquanto um ato performativo que
pode ser uma maneira de presentificar ou representificar experiências através das
palavras. Ela aponta também para uma escrita “encarnada” (
embodiment
),
aprofundando a ideia de que “o corpo escreve”.
Embodiment
é um conceito
importante também para Fischer-Lichte, que assume novamente o corpo como
uma questão central. A escrita enquanto ato performativo é, para Pollock,
relacional, que visa uma espécie de “audiência de leitores” e a possível
transformação gerada em quem entra em contato com as palavras. Para a autora,
relacional é o “difícil equilíbrio entre a necessidade de complexidade e a
necessidade de simplicidade, pois a escrita performativa é o oferecimento de
palavras ao Outro”13 (Polock, 1998, p. 196).
Além disso, ela define a escrita performativa em vários outros complexos
termos, os quais vale mencionar brevemente, selecionando, aqui, os fios que
interessam à pesquisa. Para Pollock, a escrita performativa é evocativa (já que
13 Relational writing means that you find the very difficult balance between the necessity for simplicity and
the necessity of complexity because you are offering words to Others. (Tradução nossa).
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tem a capacidade de agir inaugurando “novos mundos” e evocar diferentes
tempos, memórias e sensações); metonímica (devido ao reuso das palavras em
diferentes contextos, borrando a dicotomia entre sujeito/objeto, fazendo com que
o autor e o texto se fundam); subjetiva (pois evidencia um
self
, um lugar de onde
parte a escrita, um sujeito, mesmo que fundido nas palavras); nervosa (devido à
sua intensa exploração de múltiplas linguagens e forças opostas); citacional
(reatualiza uma experiência vivida, presentificando, como uma citação, a própria
experiência); e consequencial (opera uma transformação através da palavras). A
escrita performativa não prevê um resultado específico de escrita, não é possível
identificar um gênero ou forma a partir de seus princípios, mas se trata de uma
maneira, um olhar, uma postura perante as palavras. Esse sobrevoo de alguns dos
conceitos abordados por Pollock e Fischer-Lichte, visa tratar tais conceitos como
disparadores e dispositivos criativos. Em consonância com tais questões, tem-se
a prática do “texto-acúmulo” e da “boca- ação” proposta pela diretora, professora,
e performer Kenia Dias, que será analisada a seguir.
Texto-acúmulo
Figura 2 - Espetáculo
Cordial é a caravela que te pariu
, realizado com a turma 67 da
Escola de artes dramáticas da USP, com direção de Kenia Dias. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.
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Kenia Dias é uma artista absolutamente comprometida com a gravidade. A
lei da gravidade. Nos termos da física, a gravidade é uma das quatro forças
fundamentais da natureza, que através da deformação do espaço-tempo, gerada
por corpos supermassivos, regula o movimento de corpos inertes. Para Kenia, é
insuficiente que os pés permaneçam fincados ao chão, e que a coluna ereta
sustente uma cabeça. A percepção do volume e da lateralidade do corpo são
estruturais na poética dessa artista, que flui na contramão dos corpos hiperfrontais
e da supremacia do rosto, fatores tão comuns nas produções videográficas das
redes sociais. Além do compromisso com a gravidade enquanto força, existe
também uma gravidade atrelada a um senso de urgência que é possível notar em
toda sua obra e em sua pedagogia.
O meu encontro com Kenia se deu através do Núcleo Experimental de Artes
Cênicas do SESI-SP, no ano de 2018. Ela foi convidada para dirigir a montagem
cênica realizada após um ano de aprofundamento técnico com um grupo de
jovens atores; eu integrava esse grupo como atriz. Desse encontro estabelecemos
uma parceria criativa em diversas ocasiões. Me alinhando ao vocabulário da
pesquisa, cabe dizer que foi uma experiência de caráter “liminal”, uma linha
traçada que marca um antes e um depois. Foi uma experiência verdadeiramente
transformadora conhecer as metodologias de trabalho desenvolvidas por Kenia.
No meu diário de bordo, em que relato minúcias do processo de criação da peça,
vale compartilhar os seguintes registros:
04/01/2018 Primeiro dia de ensaio. Muita energia e muita vontade.
Desses momentos que fazem sentido estar em São Paulo, caso contrário,
o que que eu estou fazendo aqui? Kenia conduziu um exercício de
movimentação a partir da relação do corpo com a gravidade. Os
enunciados eram de derretimento de partes do corpo, por exemplo,
derreter os ossos, derreter os músculos, derreter o próprio peso. Na
movimentação era importante compreender uma linha de força sempre
oposta a direção do movimento, daí o trato com a gravidade. Quais
diferentes qualidades de movimento são possíveis a partir de diferentes
estímulos? Como um estímulo abstrato reverbera em movimento no
corpo? Depois deitamos no chão e ouvimos de olhos fechados a
“máquina sonora” proposta por Ricardo Garcia (diretor musical). Ouvir
gerava imagem..
11/01/2018 Experimentamos uma prática cênica, depois de um longo
momento de improviso de movimento pelo espaço, em que duas pessoas
falavam ao mesmo tempo no ouvido de uma terceira. A primeira vez que
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fiquei no centro foi bem doido, me senti nervosa e não consegui escutar
a minha própria voz. Aos poucos fui compreendo uma embocadura
necessária e uma postura em relação às palavras que tinha mais a ver
com não compreender exatamente o seu sentido e o porquê da escolha,
mas sim, deixar que elas, as palavras, se reorganizem através de mim.
(Duarte, 2018, arquivo pessoal).
O procedimento do texto-acúmulo descrito no relato do dia 11 de janeiro pode
ser compreendido como uma metodologia que se aproxima do que Dela Pollock
descreve como uma “escrita performativa”, no que tange o caráter relacional e
evocativo de uma experiência. O procedimento exige que os participantes tenham
passado por algum tipo de aquecimento ou trabalho corporal prévio para que seu
senso perceptivo e atenção estejam preparados para o trabalho. A priori dois
textos são eleitos (texto A e texto B), e de preferência decorados para que os
performers estejam sem o auxílio de papéis ou outros suportes durante a prática.
O texto A corresponde a algum recorte temático relacionado ao campo de
pesquisa do trabalho que está sendo realizado; o texto B pode ser algo
completamente sem relação temática com o texto A, mas que disponha de um
vocabulário muito próprio, como por exemplo, textos de receitas de comida,
manuais, passo a passo, bulas etc. Os textos A e B serão simultaneamente
sussurrados no ouvido de um participante, que, num exercício muito refinado de
escuta e edição, irá falar o texto C, selecionando os diferentes conteúdos que lhe
estão sendo empurrados ouvido adentro. Após essa prática o participante que
verbalizou o texto C toma um tempo de “escrita em fluxo”, reexperienciando o
acúmulo vivenciado. Dias depois esse texto em fluxo necessita ser revisitado e
reescrito. É possível dividir o procedimento do texto-acúmulo em duas etapas, as
quais estabelecem com a palavra relações muito distintas. Denominarei a etapa 1
e etapa 2.
Na primeira etapa, em que o texto A e texto B são selecionados, e na qual
surge de fato o primeiro esboço do texto-acúmulo, existe uma certa aproximação
com uma lógica dadaísta de composição textual: aleatoriedade, imprevisibilidade,
um senso de ludicidade e liberdade com a palavra são aproximações possíveis.
Como se os textos A e B fossem misturados num recipiente qualquer e, a partir
do embaralhamento de seus significados e reestruturação de seus significantes,
surgisse o texto-acúmulo. O recipiente, que na prática textual dadaísta era um
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saco de pão ou vasilha, passa a ser, no texto-acúmulo, o corpo e a subjetividade
do performer. A reordenação das palavras a nível gramatical e a sua reorganização
num excesso de vocábulos e ritmos acabam por proporcionar sentidos até então
impossíveis ao texto. Não se trata simplesmente de uma desconexão sintática ou
uma verborragia; algo se revela do performer que edita os textos ao vivo, algo
muito significativo vaza através do texto-acúmulo.
As palavras não se comportam mais como portadoras de significados
partilhados, mas explodem seus significantes através de novos usos, realmente
borrando o binarismo da relação significado/significante. Dessa maneira, o texto-
acúmulo é capaz de proporcionar um signo monstruoso formado por palavra,
gramática, língua e corpo. O significante é no procedimento do texto-acúmulo toda
a prática que envolve texto A, texto B, texto C e todos os corpos em cena
partilhando essa experiência. Logo, realizar apenas a leitura de um texto-acúmulo
é como ter acesso a apenas parte de seu significado/significante. na segunda
etapa inaugura-se uma elaboração mais propositiva e intencional do texto.
A experiência de ler um texto-acúmulo ainda não reescrito evoca a recém
memória do procedimento em si, bem como a familiaridade com aquelas
sentenças escritas, ao passo que na lógica sintática elas estão estranhadas,
embaralhadas. Esse segundo processo de edição consiste em selecionar e
direcionar a pluralidade de assuntos e temas que estão apontados no esboço. Não
é necessário que elas estejam em perfeita ordem gramatical, mas muitas vezes
acrescentar preposições, artigos, conectivos ou mudar os tempos verbais é uma
estratégia bem-vinda no momento de reedição de um texto-acúmulo. Isso porque
o acúmulo em primeira instância trata- se do acúmulo de palavras, uma
verborragia inicial de um texto que carrega em seu esqueleto outros dois textos –
acúmulo por expor um excesso de informações a princípio não relacionadas, mas
reorganizadas em um único texto e em um único corpo. Porém o acúmulo também
expressa um certo lugar comum nos significados das palavras que, através desse
rearranjo, podem ressignificar, sendo selecionadas de uma maneira que, em
princípio, não seriam. Com isso, surge a necessidade do que Kenia denominou de
“boca-ação”, que pode ser considerada uma prática que representifica a
experiência do texto-acúmulo.
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A maneira de performar um texto-acúmulo é parte fundamental de seu
significado, demandando um ritmo e uma lógica corporal específica. No processo
de criação do espetáculo
Cordial é a caravela que te pariu
, por exemplo, em que
colaborei na dramaturgia, cabe citar o texto-acúmulo criado pelo ator Welington
Landin, que consistia num texto A: uma notícia sobre crimes de homofobia,
somado a um texto B: receita de picanha para um churrasco. Durante o processo
de boca-ação em que o ator experimentava aquele texto no corpo surgiu ainda
mais uma camada de significação: uma enunciação relacionada a quem narra uma
partida de futebol
velocidade das palavras, alongamento das vogais simulando um gol,
prosódia de um jogo em desenvolvimento etc. A boca-ação consiste em
compreender novamente a palavra enquanto matéria emitida pelo corpo. Matéria
indissociável do corpo. Essa prática está profundamente atrelada à noção de
“encarnação” ou “
embodiment
” já mencionada anteriormente.
Ainda no processo de
Cordial é a caravela que te pariu
, vale compartilhar
algumas outras possibilidades do texto-acúmulo. Ele foi materializado a nível de
cena enquanto procedimento (em referência à fotografia acima) em que cada um
dos atores tinha um texto base que ia sendo modificado pelo texto do outro, numa
espécie de telefone sem fio polifônico. O texto-acúmulo aconteceu também numa
versão dialógica, em que os procedimentos foram realizados ao mesmo tempo;
em seguida, a dupla de atores Ediana Souza e Lucas Wickhaus dividiram a cena
não necessariamente numa lógica de diálogo, de fato, mas numa justaposição de
texto-acúmulo, que os textos também existiam de maneira independente.
Abaixo cito o texto criado por Ediana Souza:
Meu gerente é um canibal neoliberal que se acha euro-americano. Já são
500 anos de senhas roubadas, racismo no débito ou no crédito?
É preciso avaliar as estatísticas do saldo da eugenia, pra efetuar os
empréstimos do século XVI Porque as transferências do século XIX só em
horário comercial, eu
sinto muito. Muito. Chega de caravela consignada exigindo atendimento
especial.
Hoje eu não vou sorrir pra você. Eu não passei para paquita, não
tenho investidores. Hoje não, hoje não, Parente. Meu contracheque são
30 dias de expectativas frustradas. Mil nações avaliaram a minha cara,
não se engane ela não é.
Eu não tenho contra-cheque-branco e nem expectativas. O desejo
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é prata, a necessidade é urgente. Eu atravesso a braçadas um oceano de
contas não pagas Insatisfação social a prazo, quem tem um trabalho 7
vezes maior que a renda média de um americano? Naquele trabalho de
sobreviver, testemunho.
Foi pra isso que vocês atravessaram o atlântico? Foi pra isso?
Fronteira derrubada. Todos os dias eu falsifico a minha assinatura.
Assino a carta inaugural do meu desespero, globalizada em língua
colonial. É preciso regar um solo racista pra nascer Europa, mas se
molhar a Europa mofa. Mofa. Hoje você não vai levar nada. Eu quero meu
dinheiro de volta. Seria isso uma compensação histórica? Histérica?
Eufórica? Histotérica!
Mas desejar não me faz rica. Como anda seu inglês?
Ah, Sarah todos vão dizer que sempre fui uma louca, uma
romântica, uma anarquista, uma América Latina em convulsão. Seria um
elogio se não fosse a pressão. Mas meu direito ao corpo é o mesmo do
mico-leão-dourado. Perigoso é permanecer vivo. Hoje não parente, hoje
não. Pedro você não é da minha família. Cadê meu lugar no paraíso dessa
periferia do mundo? Mas afinal, foi pra isso que vocês deram o golpe? Foi
pra isso? (Souza, 2019, arquivo pessoal).
O compartilhamento da metodologia do texto-acúmulo sistematizado por
Kenia Dias não tem como propósito apenas exemplificar os conceitos discutidos
por Pollock ou Fischer-Lichte, mas possibilitar também a reperformance do
procedimento a quem possa interessar, ampliando as possibilidades criativas
entre palavra e corpo, dramaturgia e movimento, e convidando a monstra para o
centro do acontecimento.
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Recebido em: 19/09/2024
Aprovado em: 23/11/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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