Corpos em deriva: os labirintos e narrativas da internet em
O sol desapareceu
Lucas Miyazaki Brancucci | Lívia Machado
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-16, dez. 2024
com esse objeto, na cabeça do senhor. O senhor fica meio apagado. Eles
arrastam o senhor para dentro da mata que está ao redor daquela
estrada. E eles não levam ele muito pra dentro. Levam o senhor para um
lugar relativamente próximo da estrada. E ali eles começam a bater com
aquela sacola amarela, com o objeto que tá dentro da sacola amarela, na
cabeça do senhor. Aquele senhor era só um homem que estava voltando
pra casa. Isso a gente acabou sabendo posteriormente. E eles começam
a bater no rosto do senhor com um martelo. Não demora muito para o
rosto do senhor ficar totalmente desfigurado e quando você olha assim,
fica só aquela massa vermelha de carne e sangue totalmente triturado
onde você não consegue identificar nada. Você só vê ali um buraco e
onde ficava aparentemente a boca do senhor. Ele não reage muito. Os
meninos batem nele. E eu só imagino o quanto o senhor ali estava
confuso porque foi absolutamente do nada. Os meninos riem, se
divertem, e filmam o senhor e filmam a si mesmos como se fossem uma
selfie, como se fosse uma coisa muito divertida. Eles batem no rosto do
senhor e a pior coisa é que você fica ouvindo a respiração do homem
meio, uma respiração meio molhada, como se ele estivesse afogando no
próprio sangue. É o som mais horrível que existe. É um som muito horrível
e esse som perdurou o tempo todo da gravação. Os meninos riem, andam
em volta do homem, filmam e ele tá com o corpo sobre um material de
mato e tem muito lixo por perto. E ele tá com os botões da camisa
abertos. Depois de bater tanto na cabeça do homem e ele tá tão
desfigurado, eles pegam um objeto pontiagudo que parece um picador
de gelo ou uma chave de fenda, eles começam a perfurar o abdômen do
homem. E eles vão furando, furando e vai fazendo um barulho horrível e
dá pra sentir os órgãos sendo perfurados e eles vão misturando, assim…
dá pra sentir as coisas misturando lá dentro e faz um barulho e o barulho
é a pior coisa. E ao fundo, assim, você ouve os carros passando e parece
que o mundo tá tão perto, as pessoas estão tão perto e as pessoas não
sabem o que tá acontecendo ali. E o barulho continua e os meninos rindo,
rindo, e o homem tentando respirar e aquela respiração sufocando ele,
ao mesmo tempo, com sangue. Então eles pegam o objeto pontiagudo e
começam a perfurar onde estavam os olhos do homem e eles perfuram
os olhos do homem e enfiam no crânio dele, como se não tivesse já
causado tanto dor nele. O homem tenta se defender com os braços, mas
ele tá tão fraco e a respiração dele é forte e o abdômen sobe e desce. Aí,
por fim, um dos meninos sobe em cima do tórax dele, da barriga dele e
dá pra ouvir as costelas dele se quebrando. E pra terminar, ele pega o
martelo, que já não está mais dentro da sacola e bate com força na
cabeça dele. Dá pra ouvir a cabeça dele se quebrando. Eles, os meninos,
correm para fora da floresta e tem um carro parado. Eles estão dando
muita risada, se filmando, como se fosse uma coisa muito divertida. E
eles pegam um galão de água no porta-malas do carro, lavam o martelo,
colocam dentro da sacola amarela, colocam tudo embaixo do porta-
malas, fecham o carro. E aí o vídeo termina. Ele só termina.12
Com a narração dos crimes, cria-se um duplo sobre as questões éticas da
estética das redes: enquanto o ARG
O sol desapareceu
referencia uma narrativa
12 Trecho de dramaturgia não publicada, concedida pela atriz Thais Della Costa.