1
A cena moçambicana:
o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Para citar este artigo:
RHORMENS, Mariana Conde Lopes. A cena
moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 4, n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e123
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
2
A cena1 moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo2
Mariana Conde Rhormens Lopes3
Resumo
O presente artigo apresenta um breve panorama histórico do teatro moçambicano,
explorando sua trajetória, desenvolvimento, momento atual e perspectivas futuras. Aborda a
efervescência cultural em Maputo, capital de Moçambique, com o objetivo de aumentar a
visibilidade das produções de teatro e dança da cidade e gerar referências primárias sobre o
tema. Oferece um panorama da cena artística local e busca preencher a lacuna nos estudos
e referências sobre essas manifestações culturais. A pesquisa, realizada no doutorado da
autora, foi conduzida com base em entrevistas com artistas locais4 e acervos pessoais, dada
a escassez de materiais bibliográficos sobre o tema.
Palavras-chave
: Teatro moçambicano. Dança moçambicana. Maputo. Teatro africano.
The Mozambican scene: theater and dance in the city of Maputo
Abstract
This article provides a brief historical overview of Mozambican theater, exploring its trajectory,
development, current moment, and future perspectives. It addresses the cultural
effervescence of Maputo, the capital of Mozambique, with the aim of increasing the visibility
of the city's theater and dance productions and generating primary references on the subject.
It offers an overview of the local artistic scene and seeks to fill the gap in studies and
references regarding these cultural manifestations. The research, conducted as part of the
author's doctoral work, was based on interviews with local artists and personal archives,
given the scarcity of bibliographic materials on the topic.
Keywords
: Mozambican theater. Mozambican dance. Maputo. African theater.
La escena mozambicana: el teatro y la danza en la ciudad de Maputo
Resumen
El presente artículo presenta un breve panorama histórico del teatro mozambicano,
explorando su trayectoria, desarrollo, momento actual y perspectivas futuras. Aborda la
efervescencia cultural en Maputo, la capital de Mozambique, con el objetivo de aumentar la
visibilidad de las producciones de teatro y danza de la ciudad y generar referencias primarias
sobre el tema. Ofrece un panorama de la escena artística local y busca llenar el vacío en los
estudios y referencias sobre estas manifestaciones culturales. La investigación, realizada
como parte del doctorado de la autora, se llevó a cabo a partir de entrevistas con artistas
locales y archivos personales, dada la escasez de materiales bibliográficos sobre el tema.
Palabras clave
: Teatro mozambicano. Danza mozambicana. Maputo. Teatro africano.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Luiza Bueno Lopes, bacharel em Letras
Tradução pelo IBILCE Universidade Estadual Paulista (UNESP).
2 Este artigo é resultado de pesquisa financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo)
3 Doutorado e Mestrado em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduação
em Artes Cênicas pela UNICAMP. mariana.rhormens1@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6328741658362694 https://orcid.org/0000-0001-9970-6377
4 Os entrevistados são de distintos grupos de teatro e dança da cidade entre eles Mutumbela Gogo, Gungu,
Grupo Massacre de Mueda, Associação Cultural Wuchene, Companhia Nacional de Canto e Dança, Escola de
Arte da Universidade Eduardo Mondlane, Associação Cultural Hodi, Grupo de Teatro Girassol, Centro do
Teatro do Oprimido Maputo, Teatro em Casa e Fundação Fernando Leite Couto.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
3
Conhecer a história é ser capaz de construir uma conexão entre a
sociedade de hoje e as sociedades que a precederam, e que diretamente
preocupe-o; é ser capaz de preencher o vácuo que existe entre nós e
nossos antepassados. [...] tornando possível que o povo se reconheça
como sujeito histórico5 (Para uma história de Moçambique,1975 apud
Bortolot, 2007, p.180).
A cidade de Maputo, capital do país, depois da guerra de libertação recebeu
e continua a receber moçambicanos de todas as regiões do país, de diferentes
povos e etnias, concentrando a mistura de culturas que refletem no teatro e dança
atualmente. Maputo tem como características a interação intensa de diferentes
grupos étnicos.
Para que possamos melhor discutir alguns aspectos da efervescência cultural
vivida atualmente na cidade de Maputo e do desenvolvimento do Teatro
Moçambicano, faremos um breve resumo da história política do país. A intenção é
apresentar um simples panorama histórico para localizar e contextualizar as
correntes e estruturas apresentadas.
A região onde hoje está localizada Moçambique passou por muitas
transformações políticas que reestruturaram o país social e culturalmente. O país
tornou-se colônia de Portugal e depois de uma guerra de libertação, com uma
configuração livre em 1975, atravessou um regime socialista e chegou ao
pluripartidarismo (situação atual).
Período pré-colonial
Com a descoberta do fogo, quando a horda se reúne, as sombras
facilitam o mistério, o movimento das chamas convidam o corpo a
dançar, enquanto sobre as faces os reflexos modelam uma máscara, o
homem serve-se então do corpo para comunicar com o grupo e viver
emoções colectivas, e os seus movimentos criam a primeira linguagem
(Vaz, 1978, p. 16).
Segundo Lopes (2023), as manifestações tradicionais pertencem a um
coletivo no que se diz respeito à autoria ou pertencimento. Existem, de fato,
5 To know history is to be capable of constructing a connection between the society of today and the societies
that preceded it, and that directly concern it; it is to be capable of filling the vacuum that exists between us
and our ancestors. [...] making it possible for the people to know itself as an historical subject. (Para uma
História de Moçambique apud Bortolot, 2007, p. 180). (Tradução nossa)
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
4
algumas criações individuais que são respeitadas e reverenciadas como alguns
artesãos que fazem determinadas máscaras, ou dançarinos que criam alguns
passos específicos, músicos que compõe canções. Entretanto o tema, o objetivo
e os assuntos discutidos são coletivos e a manifestação como um todo pertence
a todo o coletivo. Tais manifestações trazem o sentimento de pertencimento ao
coletivo, e todos que participam são co-autores, todos cantam, dançam e criam
juntos, fazendo com que tal manifestação aconteça e possa compartilhar e
preservar ensinamentos, histórias e valores. As manifestações culturais abrangem
expressões religiosas, plásticas, poéticas, dramáticas, rítmicas e orais. Carlos Vaz,
em
Para um conhecimento de teatro africano
, destaca que o “teatro” realizado
desde épocas remotas possui características mimético-mágico-religiosas.
Segundo ele, essas práticas eram comuns no território hoje conhecido como
Moçambique, no período pré-colonial e têm raízes no animismo e na magia, dando
origem a ritos e cerimônias “[...] de início constituído pela ritmatização de gestos
de animais, e de movimentos imitados de determinado indivíduo, real ou
imaginário, cujo espírito se pretendia captar” (Vaz, 1978, p. 15).
David Abílio - São designações feitas por outros, pelo ocidente e que
procuramos estudarmos e incorporarmos, mas que na verdade, é para a
população não, não diz nem teatro, não diz nem música, não diz nem
dança. Eu vou ver
Mapiko
hoje, vou ver
Mapiko
e
Mapiko
é que é festa,
mas esse
Mapiko
exatamente ele é “dança”, músicae “teatro”. [...] Na
comunidade essa que é a designação que eles usam, não é não fazer
esse tipo de separações que nós fazemos, porque nós sabemos o que é
teatro, o que é música o que o sei quê etc., etc. Mas na comunidade
essas coisas estão interligadas (Abílio, 2018).
Lopes (2020) questiona a visão colonialista de Carlos Vaz ao associar tais
manifestações ao termo teatro. Segundo Lopes (2020), é necessário que as
práticas culturais sejam vistas como são de forma completa, e colocá-las em
termos de teatro e dança pode diminuí-las. O presente artigo segue tal
questionamento proposto e as categorias de Teatro e Dança, quando
referenciadas, devem ser lidas como práticas que podem ir além dos limites de
conceitos e categorias, mas que são utilizadas principalmente por artistas
contemporâneos que seguem adaptando e atualizando tradições.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
5
Marcial Macome - Teatro, quando a gente vai dizer “teatro” pode-se dizer
que, como já feito no passado, que África não tinha teatro. Mas uma das
coisas que está por trás disso é a tradução direta do dicionário de todas
a línguas colônias. O que que elas fazem? Elas enquadram, elas chegam
e perguntam, “o que é isso”? Se você não tem nome pra aquilo então
significa que você não tem conhecimento sobre aquela área. E se você
não tem conhecimento sobre aquela área, ela sente na liberdade de te
dar um conceito. E a partir daquele momento você adota aquele conceito
como se fosse teu. Mas se não olharmos para essa tradução direta, olhar
para o contexto, o contexto e a produção da toda coisa, eles tem várias,
várias formas de que nós poderíamos até ter nomeado porque tem suas
designações locais, que têm a mesma aplicação e mesma função de
teatro, ainda que sejam estruturas diferentes, do ponto de vista espacial,
do ponto de vista conceitual e que não precisam ser iguais, mas existem
estruturas. Existem um contexto de produção que se aproxima
aquilo que poderia se chamado de teatro? (Macome, 2018).
Período Colonial
Paralelo às práticas culturais moçambicanas que resistiram, se adaptaram e
sobreviveram durante o período colonial (
Mapiko
e diversas outras ao longo de
todo o território moçambicano), os portugueses que habitavam sobretudo a
segunda capital, a então Lourenço Marques (atual Maputo), construíram diversos
espaços teatrais onde realizavam encenações elitizadas, segregando os negros e
os que não pertenciam à elite colonial. “E nada mais se passa com o teatro
colonial, que era feito por colonos e para colonos, pois nunca nenhum preto tomou
parte em qualquer representação, devido a uma segregação racial” (Vaz, 1978, p.
59).
Diferente do que aconteceu com as colônias francesas, onde houve mais
liberdade para criação de um Teatro Africano, o teatro nas colônias portuguesas
(Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique) era
prioritariamente feito pelos colonos para os próprios colonos, importando padrões
culturais e formas teatrais da Europa e desvalorizando as teatralidades africanas.
Em 1856, o teatro do Príncipe Real, localizado na Ilha de Moçambique, recebeu
no dia 31 de março a encenação de
Dona Filipa de Viena
, de Visconde Almeida
Gasset. Em 1898, a capital do país foi transferida da Ilha de Moçambique para
Lourenço Marques, futura Maputo. Carlos Vaz (1978) indica o ano de 1898 como o
início do teatro colonial “à maneira do ocidente” (termo utilizado pelo autor).
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
6
Entretanto, anteriormente a essa data, existiam grupos de teatro na Ilha de
Moçambique, como citado anteriormente, e na então Lourenço Marques. O grupo
Sociedade Recreio Dramático existia desde 1889 realizando suas apresentações,
em sua maioria comédias, na simples sala de teatro chamada Teatro Recreio
Dramático.
Carlos da Silva, que escreveu as peças
Crime Anica
,
As aventuras de um herói
,
Sua Alteza O criador
e as operetas
Os cavaleiros do Arcabuz
e
Era Eu
, teve
espaço para suas encenações no Teatro Vasco da Gama, “um barracão de madeira
e zinco, onde segundo os colonialistas cabia toda a população branca do burgo”
(Vaz, 1978, p. 57). Tal teatro havia sido fundado a pedido do próprio dramaturgo
Carlos da Silva, que em 1889 foi secretário do conselho da Cidade de Lourenço
Marques.
Fernando Baldaque, dramaturgo encenado na época, juntamente com Carlos
Queirós da Fonseca, escreveu em 1928 -
Polaina Azul
e
7 de Março
. Em 1931 e 1932
a parceria de Fernando Baldaque e Arnaldo Silva se faz e escrevem juntos Ponta
Vermelha. Em 1932, os dois dramaturgos junto com António Alonso Moreira
escreveram
Ice cream to-day
. Ambas as peças foram encenadas no teatro
Varietá
.
Nessa época, as peças tinham o objetivo de divertir o público e eram em sua
maioria comédias e teatro de revista com piadas do ponto de vista colonial.
Entretanto, dramas também eram escritos e encenados, como
Renúncia
de
Alexandre Sobral Campos, encenado pela Companhia Teatral Berta Bivar em 1932.
Foi em 1936 que Fernando Baldaque e Arnaldo Silva escreveram a revista
Império das laurentinas
e tiveram grande sucesso. Diante da receptividade da obra,
os autores escreveram, em 1939, uma revista baseada em um tema moçambicano,
Palhota de Moçambique
, que depois recebeu o nome de
Palhota Maticada
. Em
1941, os dois ainda escreveram
Zona perigosa
.
Ao fim de 1941 aquele teatro mais cômico, teatro ligeiro, muitas vezes
operetas e teatro de revista, que buscava o divertimento dos espectadores, foi
colocado em questão e outra tendência ganha espaço nos palcos coloniais de
Moçambique, o teatro dito “teatro sério”. Este termo surge como resposta ao
teatro cômico. Percebe-se que há um público potencial para o teatro que emerge.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
7
Por um período extenso, as duas formas de teatro coexistiram.
Em 1941 são escritas as peças
África, menina e moça
do Brito e Nascimento;
Latitude Sul
de Luna de Oliveira; a opereta
Amor à vista
de José Mendonça e
Fausto Ritto;
Infortúnio
de Felisberto Ferreirinha; e o drama
O mato
de Caetano
Montêz.
Ambas as formas teatrais são elitizadas e o desenvolvimento do teatro
moçambicano é atrasado pelo rigor dos estatutos que colonizaram também as
salas de espetáculos, segregando os negros e os que não pertenciam à elite
colonial. “Aliás, a opinião dos colonos era a de que o teatro colonial poderia ser
feito, mesmo sem a intromissão do indígena” (Vaz, 1978, p. 59).
Como resposta à segregação, em 1959, o neorrealista Afonso Ribeiro denuncia
em sua obra:
Três setas apontadas para o futuro
a ordem racial estabelecida pelo
colonialismo português.
[...] uma geração de artistas que se afirmou ou começou a afirmar-se
num contexto de polaridade entre o colonizador e o colonizado mas
também produto de um contexto inseparável das relações que, entre um
e outro, se estabeleceram. Uma geração, a primeira geração de artistas
modernos moçambicanos, moçambicanos “não-brancos” [...] que
influenciou profundamente os artistas e o ambiente artístico do pós-
Independência (Costa, 2014, p. 7-9).
Na década de 60 surgem grupos de suma importância na transformação do
cenário cultural moçambicano: O Teatro dos estudantes universitários de
Moçambique (1965) e o Teatro de amadores de Lourenço Marques (1962). O
movimento não se limita ao teatro, podendo citar referências importantes para o
momento, tais como o pintor Malangatana, o poeta José Craverinha e o conjunto
musical
Os Monstros
. Segundo David Abílio (2018) “Embora houvesse um grande
controle para que as pessoas estivessem alheias a tudo isso, havia pequenos
núcleos que [...] encontravam as suas próprias formas de se manifestar”. Esses
grupos e artistas citados e muitos outros no mesmo período influenciaram
gerações futuras com posicionamentos artísticos com os quais criavam e
firmavam uma identidade moçambicana em um contexto colonial.
É em abril de 1972 que chega à cena a peça escrita pelo primeiro dramaturgo
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
8
negro moçambicano, Lindo Lhongo,
Os noivos ou uma Conferência dramática
sobre o Lobolo
6. O advento de uma dramaturgia negra moçambicana promove a
raiz do teatro de um povo para um povo, refletindo sobre sua situação e contexto.
Surge o teatro moçambicano. “Era importante usar o teatro como arma educativa.
Aliás não posso esquecer, ainda em 1970, o quão importante foram as peças
: O
Lobolo
e
Trinta mulheres de Mezeleni
, de Lindo Lhongo” (Couto, Malangatana,
Mankell, 2006, p. 5).
Falar de Lobolo é falar dos nossos casamentos, muito antes de se
pensar no Registro Civil e no sacramento que se receberá na Igreja. O
Lobolo também é um sacramento que os nossos antepassados nos
deixaram (Lhongo apud Vaz, 1978, p. 60).
Segundo Vaz, a encenação de
Os Noivos
foi a experiência mais notável do
teatro colonial. Tal encenação antecedeu outras peças teatrais com temáticas de
debates entre África e Europa, como é o caso de
As trinta mulheres de Muzeeni
,
escrita também por Lindo Lhongo, que debate a influência da civilização ocidental
no mundo africano, e a peça
Feitiço e a Religião
, em 1973, de João Fumane, cujo
tema é a resistência do homem africano ao cristianismo. Lindo Lhongo é visto por
muitos como o maior dramaturgo moçambicano pela qualidade do seu trabalho e
por conseguir exibir uma peça teatral em plena era colonial, sendo precursor de
diversas temáticas africanas no teatro.
A colonização não atingiu somente a instância política, mas também a
social e a cultural. Fazer teatro era um ato revolucionário em busca da
identidade nacional. Com resistência e adaptabilidade, as manifestações
culturais também cultivavam sua sobrevivência no período colonial. Um
povo buscando vencer os limites impostos através da arte (Lopes, 2020,
p. 362).
Guerra de libertação (1964 1974)
A opressão colonial portuguesa, que durou aproximadamente cinco séculos,
levou o povo moçambicano a pegar em armas e lutar pela independência.
Moçambique travou uma guerra pela libertação em 1964 que só teria fim em 1974.
Durante o período em que a luta armada pela libertação se intensificou e
atingiu todo o território moçambicano, o teatro também assumiu um caráter
6 LoboloDote entregue pelo noivo à família da mulher pretendida.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
9
político e de mobilização com a finalidade de esclarecer a necessidade da luta e
fazer campanhas de conscientização e de alfabetização. O teatro corroborou a
expansão da guerrilha, ultrapassando o campo da arte e tornando-se um
instrumento de comunicação de um povo com sua linguagem direta, imediata e
acessível. Teatro denunciava a vida em todos os seus âmbitos.
O teatro caminha lado a lado com a literatura moçambicana nesse momento,
onde grandes autores surgem combatendo o colonialismo português em suas
obras, como Rui Nogar, Marcelino dos Santos, Orlando Mendes, Virgílio Lemos e o
já citado José Craveirinha.
Tendo a arte atuando junto ao povo na luta pela independência, Moçambique
torna-se independente de Portugal em 1975.
FRELIMO - A Cultura é uma arma poderosa para a mobilização e
organização do Povo numa ideologia revolucionária, enquanto interpreta
aquilo que nós fomos, somos e o que queremos ser e ao mesmo tempo
constitui uma ameaça ao inimigo. A Dança, o Drama, a Poesia, a Escultura,
a Música, desempenham um papel muito importante na luta. Estes
elementos no seu conjunto compõem a cultura Nacional e tem a tarefa
de destruir o velho e de construir o novo (FRELIMO. Fundo: Departamento
de Educação e Cultura, Resoluções da Conferência do Departamento de
Educação e Cultura setembro de 1970 apud Bortolot, 2007).
Independência de Moçambique
Lopes (2020) conta que, com a independência, Moçambique iniciou um
processo de resgate e valorização da cultura nacional, essencial para consolidar a
identidade do novo país. As manifestações artísticas tornaram-se um espaço fértil
para expressar a liberdade recém-adquirida. Durante o período colonial, a cultura
africana havia sido desestimulada e até proibida, mas com a independência, foi
redescoberta e retomada como parte fundamental da construção do país. Como
afirma Ki-Zerbo “A atitude histórica africana não será então uma atitude vingativa
nem de auto-satisfação, mas um exercício vital da memória coletiva que varre o
campo do passado para reconhecer suas próprias raízes” (Ki-Zerbo, 2010, p. – LIII).
A arte produzida em Moçambique voltou-se então para sua própria
história, a fim de pensar a identidade cultural do país como nação
independente, com autonomia política, econômica, cultural e religiosa. As
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
10
manifestações tradicionais eram valorizadas, revisitadas e
compartilhadas, com intuito de criação e afirmação de uma identidade
moçambicana (Lopes, 2023, p. 54).
O governo incentivava nessa altura a união dos distintos povos que existiam
no território moçambicano e apostava nas manifestações culturais como ligações
entre eles para a construção do que nomeava “povo moçambicano”. Segundo a
FRELIMO, “se o colonialismo não tivesse imposto a separação geográfica forçada,
[...] teria visto a fusão dos diferentes grupos étnicos em um único povo7(FRELIMO,
1968, apud Bortolot, 2007, p.168). Neste período, a capital Maputo recebeu
moçambicanos de distintas regiões.
Lopes (2020) afirma que as artes pós-coloniais desempenharam um papel
fundamental na construção da identidade moçambicana após a independência,
partindo do rompimento com a condição colonial. Nesse contexto geopolítico, o
teatro e a dança assumem um papel importante ao resgatar suas raízes e
promover uma fusão de tradições culturais. Artistas como atores, atrizes e
dançarinos começaram a incorporar elementos de suas próprias heranças
culturais em suas criações, o que resultou em um diálogo entre diferentes
tradições. Assim, o teatro moçambicano desenvolveu uma identidade própria,
marcada pela combinação de múltiplas línguas, danças e músicas, criando uma
estética única, com ritmo, dinâmica e atmosfera próprios.
A unidade do povo deveria eclipsar e neutralizar toda e qualquer tentativa
particularista, localista, tribalista, tal como afirma Samora em um
discurso pronunciado na cidade de Beira, em janeiro de 1980: ‘nós
matamos a tribo para fazer nascer a nação’ (apud Musnslow, 1985, p.77).
De certa forma, Samora fala em nome do ‘povo’ e ao mesmo tempo o
cria. [...] o heterogêneo se transforma em homogêneo. Um povo, uma
só nação, uma só cultura ‘de Rovuma a Maputo’8”(Macagno, 2014, p. 252-
253).
Lopes (2023) desenvolve seu pensamento sobre o processo de construção
7 if colonialism had not imposed forced geographical separation,(...) would have seen the fusion of the different
ethnic groups into a single people. (FRELIMO, Dept. of Information, “Mozambican Tribes and Ethnic Groups:
Their Significance in the Struggle for National Liberation,” Mozambique Revolution 36 (1968): 21. apud Bortolot:
2007, p. 168). (Tradução nossa).
8 De Rovuma a Maputo referência geográfica da unidade nacional, sendo Rovuma o ponto mais ao norte e
Maputo o ponto mais ao sul do país.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
11
da identidade artística em Moçambique, destacando a busca pela
"moçambicanidade" no teatro, baseada em crenças, histórias e memórias
coletivas. Aponta que o contexto geopolítico global, especialmente após a queda
do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, favoreceu intercâmbios culturais que
impulsionaram o crescimento do movimento artístico e de companhias teatrais.
Segundo Lopes, “Enaltecidas, resgatadas e preservadas as teatralidades
tradicionais que haviam sido subjugadas no período colonial” (Lopes, 2023, p. 55)
passaram a dialogar com uma autoria contemporânea. Assim, artistas de diversas
áreas uniram o tradicional ao moderno em suas criações autorais.
Companhia Nacional de Canto e Dança de Moçambique (CNCD)
A Companhia Nacional de Canto e Dança de Moçambique (CNCD), fundada
em 1979, surge quatro anos após a independência do país com o objetivo de
promover a identidade nacional, reunindo artistas de diversas áreas para valorizar
as tradições e as artes moçambicanas. Seu lema era “recolher, preservar e
valorizar diversas formas de arte de Moçambique”.
Em 1983, o governo a profissionalizou, e a companhia passou a pesquisar
expressões culturais das diferentes regiões do país. Como explica Sofia
Soromenho, “o poder em Moçambique apostava na cultura, como meio de
promover a autoconsciência de uma nação” (Soromenho, 2013, p. 15).
A CNCD, inicialmente voltada à reprodução das tradições populares, expandiu
sua atuação coreográfica em 1984, criando espetáculos a partir de suas pesquisas
e incorporando técnicas universais da dança contemporânea. David Abílio, o
primeiro diretor da Cia, menciona que, além de preservar as danças tradicionais, a
companhia passou a “contar histórias dançadas” como uma maneira de superar
as barreiras de comunicação, especialmente com uma população
majoritariamente analfabeta (Abílio, 2018).
A companhia enfrentou uma divisão entre manter sua proposta original de
preservação cultural ou se abrir a novas influências e estilos de dança. Cândida
Mata, diretora em 2011, defendeu a abertura a diferentes coreógrafos para ampliar
a visão artística dos dançarinos: “Temos realmente esta abertura de trabalhar com
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
12
diferentes coreógrafos” (Mata, 2011, apud Soromenho, 2013, p. 99).
Segundo o coreógrafo Rui Lopes Graça, o repertório da CNCD inclui tanto a
“dança etnográfica” quanto incursões na dança contemporânea, equilibrando
preservação e transformação. Espetáculos como
N’tsay
(1986), de David Abílio, e
Em Moçambique o sol nasceu
(1985) são exemplos de sucessos da Cia., que se
apresentou em diversos festivais internacionais e foi premiada em festivais como
o
Kizomba
, no Brasil.
A preservação das tradições culturais, além de fomentar o turismo, possibilita
a reelaboração de valores e a reflexão sobre a sociedade. Como aponta
Soromenho, as peças de dança contemporânea da CNCD refletem a “evolução do
mundo, ao qual a companhia resiste, persistindo no seu intuito de proteger um
património coreográfico” (Soromenho, 2013, p. 62). A CNCD, ao mesmo tempo que
preserva a identidade cultural, contribui para o desenvolvimento da arte
contemporânea africana.
Figura 1 - Dançarinos da Cia Nacional de Canto e Dança de Moçambique em Catálogo
comemorativo de 20 anos de CNCD. Banco de imagem CFF (CNCD. 20 anos - Companhia
Nacional de Canto e Dança. Concepção, design e Produção: JBdeB, Imagem & comunicação.
Maputo, 2000)
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
13
Guerra Civil (1977 1992)
Lopes (2020) conta que a guerra civil em Moçambique (1977–1992), teve um
impacto profundo na cultura, com a destruição de cinemas e estações de rádio
devido aos conflitos internos. Nesse cenário, o teatro assumiu um papel ainda mais
relevante como um importante meio de comunicação, preenchendo as lacunas
deixadas pelo abalo nas outras formas de expressão cultural.
Em entrevista concedida ao jornal
O País
, o ator moçambicano Alex Elliot diz
que com o fim da guerra civil em Moçambique, a comunicação estava devastada,
os mediadores (TV e rádio) não propagavam informação. Nessa época, o teatro
assumiu papel de comunicação.
Não havia tanta mídia no nosso país. Os caminhos que deviam levar certa
informação aos cantos mais recônditos desta nação não eram da TV nem
da rádio, mas do teatro. Nós fomos à última fronteira deste país para
buscar o cidadão moçambicano que estava refugiado mesmo fora de
Moçambique para lhe dizer que a guerra havia terminado, e que podia
voltar para o seu local de origem (Alex, 2015).
Lopes (2020) aponta que, nesse contexto, o teatro moçambicano incorporou
influências significativas do teatro do oprimido, do teatro de campanha e do teatro
fórum. “As peças passam a ser encomendadas e desenvolvidas a partir de
temáticas específicas” tratadas de maneira cuidadosa para não serem agressivas
ou ofensivas. Assim, as encenações abriram espaço para abordar questões como
sexualidade e doenças, promovendo diálogo em diferentes comunidades.
Companhia Mutumbela Gogo
Manoela Soeiro
- O moçambicano é teatral. Sempre tem público. É um
contador de estórias, é contador de tudo. Tem uma flexibilidade corporal
incrível (Soeiro. Entrevista concedida a Literatas Moçambique).
Em 1986, funda-se a Companhia Mutumbela Gogo que se tornou referência
nas artes cênicas em Moçambique. Com o objetivo de resgatar as raízes africanas
e reinterpretar tradições, em consonância com a visão de Amilcar Cabral, nascido
em Guiné-Bissau e grande nome na luta contra o colonialismo português, que
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
14
afirmava que o povo africano deveria reinterpretar suas tradições levando em
consideração a herança colonial e, com base nisso, recriá-la.
Apesar das dificuldades, a companhia resistiu às adversidades da Guerra Civil
e desempenhou um papel importante na comunicação, inclusive avisando
refugiados sobre o fim da guerra. Manoela Soeiro, uma das fundadoras, recorda
que, durante esse período, “não havia cinema, não havia nada [...] Eu punha o farol
do meu carro para iluminar o palco porque interrompiam a luz” (Soeiro, entrevista
concedida a Literatas Moçambique).
A Cia assume importante função na comunicação ao possibilitar o contato
com a literatura de difícil acesso, seja pelo alto custo dos livros ou pelo
analfabetismo. A Cia mergulha em textos de autores moçambicanos como Luís
Bernardo Honwana, José Craverinha, Paulina Chiziane, Ungulani Baka Kossa e Mia
Couto, que participou ativamente do grupo por um período. Soeiro comenta:
“Abrimo-nos ao mundo” ao referir-se às influências de textos e artistas
internacionais como Henrik Ibsen, Peter Oskarson e Henning Mankell.
A companhia representa diversos estilos do teatro clássico ocidental e
explora o estilo moçambicano com criações coletivas e textos de autores do
próprio país. Suas peças enaltecem pontes que permitem diálogo entre as
tradições e técnicas nacionais e as do teatro ocidental, como
Os pilares da
sociedade
, de Ibsen, e adaptações de obras moçambicanas, como
Os meninos de
ninguém
, de Mia Couto. Para aumentar a acessibilidade, muitas vezes as peças são
traduzidas para línguas locais e apresentadas nas províncias. Mankell destaca:
“Desde o início buscamos criar um diálogo com nosso público. Nunca quisemos
ser um teatro para uma elite exclusiva” (Couto, Malangatana, Mankell, 2006, p. 6).
O grupo alcançou profissionalismo e respeito ao longo dos anos, com Soeiro
afirmando que era necessário criar um grupo de teatro profissional para inspirar
novos grupos: “Tinha que criar um grupo de teatro profissional para que aquela
actividade não morresse e desse inspiração a outros para formarem novos grupos”
(Couto, Malangatana, Mankell, 2006, p. 3). Mia Couto descreve a importância da
companhia: “Para mim o Mutumbela é uma escola que frequentei (e ainda
frequento) para aprender mais da minha própria arte” (Couto, Malangatana,
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
15
Mankell, 2006, p. 8). Pelo reconhecimento da Cia e seus caminhos que vêm sendo
trilhados desde os anos 80, Manoela Soeiro é por muitos chamada de “mãe do
teatro moçambicano”.
Apesar de hoje ser considerada por alguns como um teatro “mais clássico” e
“de elite”, em comparação com a Companhia Gungu, o Mutumbela Gogo é
reconhecido como um marco no teatro moçambicano pela profissionalização
desta arte. Mia Couto afirma: “Quando se escrever a história do teatro
moçambicano haverá que demarcar dois momentos: antes e depois do
Mutumbela Gogo” (Couto, Malangatana, Mankell, 2006, p. 8).
Figuras 2, 3 e 4 - Imagens de divulgação do Catálogo Comemorativo Mutumbela Gogo.
Maputo, 2006.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
16
Figura 5 - Espetáculo Os meninos de ninguém9
Atualidade
Em 1994, Moçambique realizou suas primeiras eleições multipartidárias.
Entretanto, a situação política atual apresenta tumultos e guerras civis,
principalmente em anos de eleições presidenciais.
Lopes (2020), realizando uma análise do contexto histórico em diálogo com
os fazeres artísticos, explica que, no período da independência, o teatro
moçambicano voltou-se para suas raízes, resgatando tradições culturais pré-
coloniais. No entanto, em um pensamento alinhado às correntes descoloniais
contemporâneas, reconhece-se que a identidade cultural de Moçambique reflete
toda a sua história, incluindo a colonização e a guerra civil. Essa identidade surge
de uma relação dialética que articula estéticas ocidentais e não ocidentais, bem
9 Disponível em https://www.e-cultura.pt/evento/4270
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
17
como elementos tradicionais e contemporâneos. “A identidade cultural
moçambicana é gerada a partir da relação dialética entre suas tradições e as
influências impostas pelos europeus.” (Lopes, 2020, p. 365)
Venâncio - A necessidade de nós começarmos a explorar, hãm, as
nossas, a nossa cultura tais a ver? A necessidade de nós termos uma
abordagem, na encenação e na dramaturgia que transforma o que nós já
temos de potencialidade cultural. Então nós temos um país muito rico,
então temos muitos tipos de danças, muitos tipos de máscaras, então
são coisas que nós podemos usar para nosso teatro e enriquecer nosso
teatro. Depois a ideia de não largar o conhecimento que nós temos do
ocidente, mas fazer dialogar esse conhecimento que nós temos, com a
nossa potencialidade cultural, então criar algo sincrético (Calisto, 2018).
A cidade de Maputo depois da guerra de libertação recebeu e continua a
receber moçambicanos de todas as regiões do país, de diferentes povos e etnias,
concentrando a mistura de culturas que refletem no teatro e dança atualmente.
Em Maputo está o que Bhabha chama de “sociedades complexas moderno-
contemporâneas” (Bhabha, 1990, apud Reis, 2011, p. 27). Tais sociedades têm como
característica a interação intensa de diferentes grupos étnicos.
Através da urbanização crescente, as sociedades africanas de hoje
convivem com a globalização associada à economia transnacional, às
novas tecnologia e às trocas culturais proporcionadas pelos meios de
comunicação de massa e pelas migrações internas e externas ao
continente (Reis, 2011, p. 27).
Nesse contexto, florescem manifestações artísticas moçambicanas a partir
da reinterpretação de suas tradições, considerando sua herança colonial e
carregando em si a face multicultural e multiétnica do moçambicano; se
expressando através de uma estética que expõe a tensão de ser múltiplo.
Mesmo nas mudanças aparentemente mais incisivas de identidade
individual, permanecem as experiências e vivências anteriores, embora
reinterpretadas com outros significados. Entre um self fixo e imutável,
por detrás das aparências, e uma plasticidade total, procuro captar o jogo
da permanência e da mudança. (Reis, 2011, p. 27).
Dentre os muitos grupos que emergiram nesse período, citaremos na atual
pesquisa: Centro do Teatro do Oprimido Moçambique, Companhia de Teatro
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
18
Gungu, Associação Cultural Hodi, Associação Cultural Wuchene, Grupo de Teatro
Girassol, Teatro em Casa e Mbeu Grupo de Teatro.
Tantos grupos coabitam em uma Maputo movimentada e presenciam
questões semelhantes como a falta de espaços teatrais, a dificuldade de chegar
ao público ou de fazer com que ele chegue até os espetáculos, os obstáculos para
sobreviver de arte no contexto atual, e a falta de políticas públicas de incentivo e
defesa ao teatro. Abordaremos tais questões ao discorrer sobre tais grupos citados
anteriormente.
CTO - Centro de Teatro do Oprimido
O Centro de Teatro do Oprimido (CTO) em Moçambique trabalha com o
“Teatro na Comunidade”, uma vertente importante do teatro local, focada na
criação de grupos em áreas descentralizadas de Maputo. Essa metodologia,
influenciada pelo brasileiro Augusto Boal, busca alcançar populações fora do
centro urbano e utilizar o teatro como ferramenta de conscientização social.
Abílio - Quando independência, calha que o Brasil também existia
uma ditadura, havia lá uma companhia que chamava Teatro de Arena de
Augusto Boal, e que eram perseguidos e tiveram que fugir para se exilar
em vários países. Incluindo Augusto Boal, uma das atrizes de Augusto
Boal fugiu para Moçambique. Então ela introduz-me na espécie de Teatro
do Oprimido. Naquela altura tinha tudo a ver com teatro popular, quer
dizer, teatro e mobilização social, teatro de conscientização, teatro que
envolvesse a participação da comunidade para ganhar consciência (Abílio,
2018).
Alvim Cossa, fundador do CTO em Moçambique, também foi influenciado por
Boal, após participar de oficinas no Brasil. Ele destaca que, devido à diversidade
linguística e cultural de Moçambique, o CTO forma grupos locais que criam peças
em suas línguas e contextos. “O grupo de lá faz a apresentação de lá, na língua de
lá, com rosto de e discute os problemas de lá”, explica Alvim. Embora o CTO
tenha uma sede em Maputo onde realiza suas atividades formativas, oficinas e
eventos culturais, o trabalho principal acontece nas comunidades. Eles formam
grupos locais para atuar dentro de seus próprios contextos sociais e culturais,
reforçando a relevância e o impacto local do teatro.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
19
O CTO ainda mantém projetos de formação e parcerias, promovendo
apresentações, debates, e gravando CDs de “rádio novela” com temas locais,
distribuídos em transportes comunitários, gerando debates sobre questões sociais
como o HIV, sempre adaptadas à realidade das comunidades rurais.
Figura 6 e 7 - Sede do CTO - Maputo. Foto da autora. Moçambique 2018.
Teatro em Casa
Seguindo os pensamentos de Lopes (2020) sobre o panorama histórico de
Moçambique, é possível observar que, durante o período colonial, houve um
crescimento significativo na construção de instituições teatrais. No entanto, muitos
desses espaços eram destinados exclusivamente a grupos e espetáculos voltados
para os colonizadores. A atividade teatral propriamente moçambicana começou a
ganhar força com o processo de libertação nacional. Após a independência, esses
edifícios passaram a ser propriedade do Estado e foram reaproveitados para
atender às necessidades culturais e sociais do povo moçambicano. Assim,
estruturas antes restritas ao domínio colonial foram redistribuídas pelo governo,
beneficiando diferentes setores, incluindo órgãos públicos, militares e grupos de
teatro e dança. Surge o Cine África, por exemplo, espaço sede da Cia Nacional de
Canto e Dança de Moçambique. “Nos últimos anos muitos destes prédios foram
privatizados, o que acarretou na perda de espaços para tais manifestações
artísticas. Como resultado, a menor parte de tais construções é direcionada a
grupos e companhias teatrais” (Lopes, 2020, p. 365). Hoje, os grupos de teatro
buscam sobreviver à escassez de salas de teatro para ensaios e apresentações e
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
20
a falta de financiamento para tal arte.
Outras formas alternativas para ensaios e apresentações teatrais são criadas
por novos grupos na cidade de Maputo. Diante das barreiras determinadas pelo
teatro atual elitizado, um grupo de estudantes universitários busca ultrapassar os
limites impostos dando espaço para novas possibilidades. Criam, então, o projeto
“Teatro em Casa”, que tem como primordial objetivo levar o teatro aos subúrbios
expandindo a perspectiva do que é o teatro moçambicano. Desse modo,
oportunidades para novos talentos.
O Teatro em Casa leva peças de gêneros variados às casas nas zonas
periféricas de Maputo. Uma pessoa pode disponibilizar um espaço de sua casa
(interno ou externo) para que o grupo apresente para toda a comunidade vizinha.
Tal ação, além de gerar mais espaços tanto para ensaio como para apresentações,
acaba por deslocar as produções artísticas antes centralizadas no centro de
Maputo para outros bairros.
Assane Cassimo, fundador do projeto, afirma que o público que vive fora do
centro de Maputo muitas vezes não tem acesso ao teatro, pois a arte é feita de
maneira mais centralizada, apresentada predominantemente no bairro central.
Comenta também que os próprios fazedores de teatro e dança normalmente
vivem nos bairros periféricos, mesmo estudando no centro, e diz que essa é uma
forma de trazer o seu trabalho à sua própria comunidade. Conta que sua mãe, por
exemplo, não o havia visto em cena antes da iniciativa do “Teatro em Casa”.
Companhia de Teatro Gungu
A Companhia de Teatro Gungu foi criada em 1992 por Gilberto Mendes, ex-
integrante do Mutumbela Gogo, que adquiriu os cinemas Matchedje (1000 lugares)
e Estúdio 222 (222 lugares) e criou sua própria Companhia onde escrevia, atuava e
encenava suas peças criando também uma escola de atores.
As peças encenadas pelo grupo profissional são baseadas em contos
africanos ou em fatos reais e retratam questões do dia a dia. Suas peças são, em
sua maioria, cômicas e de natureza política, especialmente no que diz respeito às
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
21
críticas a políticos, corrupção e assuntos sociais. A Companhia de Teatro Gungu
trouxe uma nova dimensão ao teatro moçambicano, trazendo a crítica por meio
do riso e trabalhando com humor, conquistou o público moçambicano. Hoje em
dia é muito popular, lotando as salas com um repertório que sempre se renova.
Atualmente a Companhia conta com o que chama de Afiliados, que são
grupos de jovens do teatro Gungu: Gungulinho 1 (semi-profissional), Gungulinho 2
(amador), Gungulito (juvenil) e Gungulinhozinho (infantil). A Companhia de Teatro
Gungu participou de inúmeros festivais em diversos países, como Portugal, Ilhas
Canárias, Espanha, França, Argentina e Brasil.
Por sua característica mais cômica e improvisada e extremamente popular
(casa cheia de sexta a domingo), a Cia. é vista como um “teatro de entretenimento”
ou “teatro para se divertir.”
Associação Grupo Cultural Wuchene
Associação Grupo Cultural Wuchene10 foi fundada em 2000 com o objetivo
de preservar o patrimônio cultural do país, divulgar danças e ritmos de diferentes
tradições moçambicanas, defender e representar os jovens com atividades
culturais e educativas nas linguagens artísticas de dança, teatro e música.
Mário Macuvele - Foi uma junção de jovens, iniciativa de ocupar os jovens,
nós tivemos mesmo uma ideia de nos encontramos uns, termos um
movimento que pudermos terminar com a bandidagem, e com as
epidemias [...]. Então, primeiramente nós fazíamos o teatro, a primeira
atividade que nós tivemos no grupo, foi o teatro. Andamos, andamos,
andamos, andamos e por questões de acompanhamento, acabamos
entrando na dança tradicional, onde também buscamos nas artes a sua
origem toda (Macuvele, 2018).
A associação trabalha em duas vertentes: a formação em dança, teatro e
música e a Companhia das Artes Wuchene. Com vasto repertório de danças
tradicionais, Wuchene representa o país e seu amplo território em diversos
festivais e mostras nacionais e internacionais. A sede da associação fica no bairro
de Maxaquene, trabalha com muitos jovens e é berço de muitos artistas que hoje
10 Wuchene significa nascente em língua ronga
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
22
ocupam renomados grupos de teatro e dança da cidade, inspiração para
associações semelhantes, como a Associação Cultural Hodi.
Associação Cultural Hodi
Eugênio Macuvel- Hodi (em changana) significa o “pedir permissão”,
quando tu vais para a casa de alguém tem esse
nock
, que dá. Então é
pedido de permissão aos mais velhos para que possamos continuar com
essa arte de dançar (Macuvel, 2018).
Fundada pelos irmãos Elias e Augusto Manhiça e por Eugénio Macuvel em
2012 e reconhecida juridicamente em 2018, a Associação Cultural Hodi Maputo Afro
Swing teve origem no Bairro Polana Caniço com o intuito de proporcionar o
“resgate” de crianças por meio da cultura e da arte.
Polana Caniço é um bairro com alto grau de violência, portanto a associação
teve tal iniciativa de trabalho com jovens que desenvolvem o segmento chamado
Hodi Júnior, por meio de atividades educativas artísticas recreativas com dança e
música.
Entretanto, esse não é o único foco do Grupo. Adentrando nos campos de
pesquisa, preservação e divulgação da cultura moçambicana, Hodi desenvolve
com músicos e dançarinos pesquisa e espetáculos explorando dança,
instrumentos e ritmos tradicionais. A associação conta com a Companhia Sénior,
a Banda Hodi e o grupo Makwaela Hodi. Segundo Eugênio, “É um grupo que faz
múltiplas, aliás, muitos estilos de dança e o nosso lema é: “divulgação e valorização
de ritmos, diferentes ritmos das danças tradicionais” (Macuvel, 2018).
O segmento musical explora a fusão de instrumentos tradicionais de
Moçambique com instrumentos não moçambicanos, como timbila, nhatiti, mbira,
toges, viola baixo, guitarra, congas ou bateria. O grupo de dança iniciou a pesquisa
e trabalho com danças moçambicanas, aprofundando a pesquisa em Makwaela.
Depois se abriram para criações contemporâneas e se aprofundaram no Afro
Swing e em outras criações livres.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
23
Grupo de Teatro Girassol
O Grupo de Teatro Girassol foi criado em 1897, inicialmente como um Grupo
Infantil de Teatro. Em 2004, transformou-se em Associação Cultural Girassol. Hoje,
conta com o grupo de seniores e o de jovens. O grupo vai “se autoalimentando”,
pois a formação dos mais jovens é dada pelos atores seniores. Com o passar dos
anos, aqueles que continuam passam a integrar o grupo sênior e a formar outros
jovens.
Figura 8 - Máscara inspirada em Mapiko - Mar me quer do Grupo de Teatro Girassol.
Foto: Autora. Moçambique, 2018.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
24
Figura 9 - Divulgação do espetáculo Mar me quer do Grupo de Teatro Girassol.
Além das peças que desenvolve e da formação de jovens, o grupo busca um
trabalho para o desenvolvimento cultural com ações como a organização do FITI
– Festival Internacional Teatro de Inverno.
Festivais de teatro
Os Festivais de teatro que acontecem na cidade de Maputo vêm dando
espaço para novos grupos de teatro, pois contam com uma programação não
somente de grupos tradicionais de teatro de Maputo, como Mutumbela Gogo e o
Gungu, mas também abre espaço para grupos mais jovens, de outras províncias e
de outros países.
FITI - Festival Internacional de Teatro de Inverno
O Festival Internacional de Teatro de Inverno (FITI), organizado pelo Grupo de
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
25
Teatro Girassol, teve início em 2004 com o objetivo de suprir a falta de espaços
para apresentações, promover a interação entre grupos e fornecer formação para
atores. Joaquim Matavel, um dos organizadores, explica que o festival começou
para preencher a lacuna deixada pelo Festival de Agosto, que era voltado apenas
para companhias profissionais e encerrou em 2005. Como ele menciona, “o teatro
ficou órfão e nós ficamos como os tutores”, descrevendo o papel que o FITI
assumiu ao ser o único festival de caráter internacional ativo na cidade.
Inicialmente focado no teatro amador, o FITI cresceu ao longo dos anos e
passou a incluir companhias internacionais em 2009, sendo nomeado festival
internacional em 2015. Nos últimos anos, os organizadores têm buscado
descentralizar os espetáculos para outras áreas da cidade, além de oferecer
convites para alunos de escolas primárias e secundárias, com o objetivo de formar
público. Embora não receba apoio financeiro direto do governo, o festival se
mantém com o apoio de parcerias internacionais, empresas, e espaços culturais,
como o Teatro Avenida.
Maputo tem visto o surgimento de novas formas de arte, como o teatro de
rua, marionetes, e performances com pernas-de-pau, muitas vezes impulsionadas
por iniciativas do Centro Cultural Franco-Moçambicano. Um exemplo foi a
apresentação de
Munhama
, do grupo Macueiro, no FITI de 2018, que trouxe uma
proposta inovadora ao realizar um espetáculo de rua em frente ao Teatro Avenida,
algo raro na cidade. O grupo também organiza o Festival de Teatro de Rua no bairro
de Mavalane, fortalecendo a diversidade artística local.
Festival de Teatro de Rua
Outros eventos para além dos festivais acontecem por iniciativa própria
como, por exemplo, nos conta Estreanty (Ernesto Langa) das “Tardes de teatro”,
que organizou com seu grupo de teatro Macueiro em Mavalane, nos últimos
domingos de cada mês. “Temos como objetivo levar o teatro para a comunidade”
e formar um público. Preparam cenas para apresentar e também convidam grupos
de outros lugares. A partir dessa iniciativa surge a ideia “que tal fazermos uma
semana de teatro? Um festival de teatro? Então foi daí que surgiu a ideia do
Festival de Teatro de Rua.”
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
26
Em 2007, convidaram grupos e fizeram o I Festival de Teatro de Rua no
próprio bairro. Conseguiram muito público, pois como conta Estreanty, “lá no gueto
tem poucas luzes, poucos postes. Então quando coloca luz as pessoas
aparecem o que está a acontecer? o que está a acontecer? Então viam: era
teatro. Então ficavam assim concentrados e prestavam atenção na história”
(Estreanty, 2018).
Hoje o festival tem o objetivo de trazer outros artistas que tenham
experiências em teatro de rua para fazerem trocas, e com isso, vem alcançando
parcerias ao longo desses últimos anos.
Políticas públicas
A falta de políticas públicas adequadas em Moçambique dificulta a
sobrevivência de grupos artísticos. O dançarino maconde Moisés Bilai afirma que
“o mercado de arte e cultura não está fácil. Mesmo a Companhia Nacional de
Canto e Dança não sobrevive dos espetáculos” (Bilai, 2018), e que muitos artistas
têm outros trabalhos fora da arte. Esse cenário leva a carreiras curtas, que
jovens artistas se dispersam com o tempo, como observado por Alvim: “Os jovens
tão aqui mas terminam lá... desaparecem” (Cossa, 2018). Para combater essa
dificuldade, foram criados projetos de formação de público, como espetáculos em
escolas seguidos de debates, mas essas iniciativas, segundo David Abílio, “não são
normalmente institucionalizadas”. Ele também observa que “o governo tem que
promover e criar acesso do público ao teatro” (Abílio, 2018).
Outro problema apontado é o reconhecimento. Judith Novela, dançarina da
Associação Cultural Hodi, comenta que os artistas não são valorizados: “Dizem que
estamos a brincar. É o nosso trabalho, mas eles não valorizam, gostam de ver,
mas não valorizam” (Novela, 2018). Em resposta, artistas se uniram no Dia do
Trabalho para reivindicar seus direitos, com o lema “arte é trabalho e o artista é
trabalhador”. Venâncio Calisto aponta que existem apenas dois grupos
profissionais de teatro no país, o que ele atribui à falta de políticas de apoio,
resultando em condições precárias de trabalho. Ele ressalta que, devido à falta de
recursos, “uma peça que deveria ter um tempo mais longo de ensaios... será
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
27
montada em 3 semanas” (Calisto, 2018).
Venâncio também reforça o papel político dos artistas: “A nossa arte é uma
forma de fazer política. Não existe uma forma mais profunda e mais forte de fazer
política do que a partir da arte”. Ele defende que os artistas devem lutar por seus
direitos e influenciar as decisões políticas para garantir melhores condições para
a arte: “Vamos fazer política. Vamos defender o futuro dos artistas e o futuro da
arte” (Calisto, 2018).
A cena moçambicana
A cena teatral e artística de Moçambique, apesar de ainda enfrentar
dificuldades estruturais, especialmente em termos de políticas públicas, reflete
um movimento dinâmico de resistência e recriação cultural. A produção artística
moçambicana busca romper com as narrativas centralizadoras impostas por
décadas de dominação colonial, reivindicando um espaço de autonomia e
visibilidade no cenário global.
Se perguntarmos a alguém se viu produções artísticas e
cinematográficas norte-americanas, a resposta será provavelmente sim.
O mesmo acontece se a questão for colocada sobre obras francesas,
inglesas ou espanholas. Se o foco estiver nas produções moçambicanas,
é bem provável que as respostas sejam diferentes. Quais são os alcances
internacionais das produções moçambicanas de teatro, dança e cinema?
Mesmo na literatura e nas pesquisas acadêmicas sobre essas produções
existe uma defasagem nas referências sobre tais temáticas. Entretanto,
a cena cultural moçambicana é ativa e dinâmica. Percebe-se uma
desigualdade nos estudos, nas referências e nas visibilidades nesses
eixos. Estruturas centralizadoras são bases de pensamentos e alicerces
até então de nossa formação, formas metodológicas, formas de
ensinamentos. (Macome, Rhormens, 2023, p.52).
Esse contraste evidencia a urgência de uma mudança de perspectiva: é
necessário que se valorize e se amplie o reconhecimento das expressões artísticas
de Moçambique e outros países historicamente silenciados. Segundo Feierman,
“Se os contornos da história mundial foram determinados pelos silêncios de
nossas fontes, e não pela forma dos objetos históricos, então precisamos
encontrar novas fontes” (Feierman, 1993, p. 170).
Festivais, editais, políticas públicas e o avanço dos estudos decoloniais
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
28
corroboram para o rompimento de barreiras que mantinham a arte moçambicana
à margem. O pensamento decolonial emerge como uma ferramenta essencial
nesse processo de transformação, desafiando metodologias e epistemologias
herdadas do colonialismo, abrindo espaço para novas formas de pensar e produzir
arte.
Referências
ABÍLIO, David. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo. Moçambique
2018.
ALEX, Elliot. Teatro.
Jornal O País
. Mar. 2015. Disponível em: Acesso em: 23 fev.
2016.
BILAI, Moisés. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo. Moçambique
2018.
BORTOLOT, Alexander.
A Language for Change
: Creativity and Power. In:
Mozambican Makonde Masked Performance, circa 1900-2004. PhD Dissertation,
Colombia University, 2007.
CALISTO, Venâncio. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo.
Moçambique 2018.
CNCD. 20 anos de Companhia Nacional de Canto e Dança - Catálogo. Maputo,
2000.
COSSA, Alvim. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo. Moçambique
2018.
COSTA, Alda.
A arte e artistas em Moçambique
: diferentes gerações e
modernidades. Maputo: Marimbique, 2014
COUTO, Mia; MALANGATANA, Valente; MANKELL, Henning; SOEIRO, Manoela.
Catálogo Comemorativo Mutumbela Gogo
. Maputo, 2006.
ESTREANTY. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo. Moçambique
2018.
FEIERMAN, Steven. African histories and the dissolution of world history [Histórias
africanas e a dissolução da história mundial]. In: BATES, R. H.; MUDIMBR, V. Y.;
O’BARR, J. (Ed.).
Africa and the disciplines
: the contribuitions of research in Africa
to the Social Sciences and Humanities. Chicago: University of Chicago Press, 1993,
p.167 - 212.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
29
KI-ZERBO, Joseph (Org.).
História Geral da África I
: Metodologia e pré-história da
África. 2ª ed. Brasília: UNESCO, 2010.
LOPES, Mariana Conde Rhormens. Máscara Mapiko de Moçambique: da terra ao
palco.
Móin-Móin
- Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas,
Florianópolis, v. 1, n. 28, p. 47–63, 2023. DOI: 10.5965/2595034701282023047.
Disponível em: https://revistas.udesc.br/index.php/moin/article/view/24015.
Acesso em: 25 nov. 2024.
LOPES, Mariana Conde Rhormens Lopes. O Mapiko de Moçambique : Diálogo entre
tradição e contemporaneidade. In:
As ciências sociais aplicadas e a competência
no desenvolvimento humano 1
[recurso eletrônico] / Org. Luciana Pavowski Franco
Silvestre. – Ponta Grossa, PR: Atena Editora, 2020. p.359 - 368.
MACAGNO, Lorenzo.
O Dilema Multicultural
. Curitiba: Editora UFPR, 2014.
MACOME, Marcial. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo.
Moçambique 2018.
MACOME, Marcial; RHORMENS, Mariana. O registro documental de Ka Mimbangu: a
cena moçambicana entre tradição e contemporaneidade.
Trama Interdisciplinar
,
São Paulo, v. 14, n. 1, p. 49-61, jan./jun. 2023 https://doi.org/10.5935/2177-
5672/trama.v14n1p49-61.
MACUVEL, Eugênio. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo.
Moçambique 2018.
MACUVELE, Mário. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo.
Moçambique 2018.
NOVELA, Judith. Entrevista concedida à autora em pesquisa de campo.
Moçambique 2018.
REIS, Eliana Lourenço de Lima.
Pós-colonialismo, identidade e mestiçagem
cultural
: a literatura de Wole Soyinka. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
SOEIRO, Manoela. Entrevista concedida a Literatas Moçambique. Disponível em:
https://literatasmz.org/post-detail/154.
SOROMENHO, Sofia.
Danças as vicissitudes de uma nação
- Tradição e
Contemporaneidade na Companhia Nacional de Canto e Dança de Moçambique:
transacções criativas e debates identitários em Gold, de Rui Lopes Graça.
Dissertação (Mestrado em Performance Artística/ Dança) - Universidade Técnica
de Lisboa, Lisboa, 2013.
A cena moçambicana: o teatro e a dança na cidade de Maputo
Mariana Conde Rhormens Lopes
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-30, dez. 2024
30
VAZ, Carlos.
Para um conhecimento de teatro africano
. Lisboa: Ulmeiro,1978.
Recebido em: 19/09/2024
Aprovado em: 21/11/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br