Máscaras e mímicas no teatro brasileiro: uma decolonização da prática artística?
Erico José Souza de Oliveira
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-21, dez. 2024
Étienne Decroux e Jacques Lecoq: os cânones das mímicas e
das máscaras no Brasil
Para Alain Rey (1987, p. 10), a mímica é o corpo em estado de signo e
espetacularidade. A expressão da mímica se manifestou em francês em pleno
Renascimento, por volta de 1560, a partir do grego
mimos
e do latim
mimus
, isto
é, no início da colonização das Américas. Já no século XVIII, se enriquece com o
sentido moderno do termo: “[...] sua unidade se ancora em profundeza numa
experiência, aquela da expressão corporal, da gestualidade e dentro de uma
corrente de reflexão que nos conduz de Aristóteles aos semiólogos modernos”.9
Rey (1987, p. 11) procura sintetizar tal pensamento sobre a mímica:
Dessa forma, este corpo à mostra que se inscreve no calmo espaço, este
caminhar, este rosto nu ou mascarado, esta carne viva, são produzidos
para se apresentar, para significar, para suscitar em quem os veem os
“movimentos da alma” e as paixões, para estimular o imaginário. O
mímico é o sujeito de um ato-signo que mostra o invisível se
presentificando, transforma um espaço em ambiente, um tempo de
relógio em duração humana. Um ato de início físico, de movimentos, de
gestos que apresentam, sobretudo, o que eles não re-presentam.10
Na perspectiva desse autor, a mímica é uma experiência humana inerente ao
corpo, independentemente do contexto cultural em que se encontra. Dito isso,
cada lugar produziria sua própria corporeidade e, por consequência, suas formas
de traduzir o mundo em mímica, o que significa não somente a prática de imitação
acadêmica do pensamento europeu sobre a mímica e/ou a máscara, como se vê
habitualmente no Brasil: heranças gregas, de arlequinadas, de pantomimas
inglesas, de circos europeus, de
clowns
, de Augustos e Brancos, de bufões, de
personagens da
commedia dell’arte
etc. E, como uma filiação, os ensinamentos
de Decroux e de Lecoq. Evidente e felizmente, essa não é uma única prática
generalizada, pois há artistas que fogem de uma tradição severamente codificada
9 [...] leur unité s’ancre en profondeur dans une expérience, celle de l’expression corporelle, de la gestuelle, et
dans un courant de réflexion qui nous conduit d’Aristote aux sémiologues modernes. (Tradução nossa).
10 Ainsi, ce corps montré, qui s’inscrit dans le calme espace, cette démarche, ce visage nu ou masqué, cette
chair vive sont produits pour présenter, pour signifier, pour susciter chez ceux qui les regardent les
‘mouvements de l’âme’ et les passions, pour stimuler l’imaginaire. Le mime est le sujet d’un acte-signe qui
montre l’invisible en se montrant, transforme un espace en milieu, un temps d’horloge en durée humaine.
Un acte d’abord physique, des mouvements, des gestes qui présentent plutôt qu’ils ne re-présentent.
(Tradução nossa).