
Movências de corpos, espaços e tempos no processo da escrita dramatúrgica por meio da adaptação
Cristiane Santos Barreto
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-26, abr. 2025
onde decorria uma refeição. Interferências criavam-se entre texto do
romance e a atividade dos atores que utilizavam o desenrolar da refeição
para se entregarem à representação.
De acordo com Maria Helena Werneck (2009), esse tipo de transposição
cênica foi utilizado pelo encenador carioca Aderbal Freire-Filho no espetáculo O
púcaro e o búlgaro, do romance do mesmo título, do escritor Campos de Carvalho.
Esta seria a “terceira encenação que o diretor atribui a denominação ‘romance em
cena’, o principal personagem-narrador se apresenta como autor de um livro, o
diário de uma expedição imaginária em busca do objeto que dá nome ao texto”
(Werneck, 2009, p. 67).
Já Luiz Arthur Nunes (2000) trata a adaptação como se fosse algo
ultrapassado, assim como o texto dramático. O autor defende a teatralização de
obras literárias narrativas sem a transposição de gênero:
Sua premissa básica é levar ao palco, ao invés de uma peça dramatúrgica,
uma obra de pura épica literária: relato ficcional, romance, conto, novela,
fábula, epopeia, crônica, memórias ou qualquer outra forma que o gênero
(para usar uma terminologia obsoleta) tenha assumido ao longo da
história, preservando sua expressão original. É importante dissociar esta
proposta da tradicional “adaptação para o teatro”, onde se efetua o
transporte total do modo narrativo para o dramático. Trata-se aí de uma
transposição de gênero que acarreta necessariamente o sacrifício de uma
linguagem em favor da outra, ainda que se busquem salvar, nesta
operação, os conteúdos imaginários e ideológicos do texto-matriz. Desse
modo, a voz do narrador desaparece, transmuda nas vozes dialogadas
dos personagens. Em contraposição, nossa proposta faz questão de
conservar o discurso autoral (narração, descrição, comentário, reflexão,
etc.), fundada na crença de que é possível descobrir nele uma
teatralidade inerente e específica, capaz de render instigantes soluções
de linguagem cênica (Nunes, 2000, p. 39-40).
J. Guinsburg, João Roberto Farias e Mariângela Alves de Lima (2006), ao
analisarem a história do teatro brasileiro, observam que as adaptações de textos
narrativos para o teatro apareceram no século XIX, mas de maneira bem reduzida.
Sabe-se que A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo; O Guarani, de
José de Alencar; O Mulato, de Aluísio de Azevedo, chegaram ao palco,
mas não se formou uma tradição para tornar esse tipo de atividade algo
comum. Na verdade, a recorrência às adaptações é um fenômeno do
nosso tempo (Guinsburg; Faria; Lima, 2006, p. 16).
Nas últimas décadas, observou-se a presença de textos de caráter narrativo
em importantes encenações profissionais, no Brasil e fora dele. No caso de nosso