Um exercício de escrita autoetnográfica em “Como (des)construir um macho?”
André Bizerra
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-14, dez. 2024
instituições sociais e os meios artísticos são formatados pela cultura que intervém
em nossos pensamentos, ações e modos de se expressar esteticamente.
Nessa direção, é possível associar a proposta interdisciplinar da Somaestética
com a Autoetnografia da Performance, pois, segundo Spry (2009), para um
autoetnógrafo performativo, a postura crítica do corpo executor constitui uma
práxis de evidência e análise, oferecendo nosso corpo performático como dados
brutos de uma história que também é cultural e crítica, portanto “o autoetnógrafo
performático trabalha nesses espaços dialógicos onde corpos, eus e emoções
interagem” (Denzin, 2018a, p. 32).
Observar essa peça que performa masculinidades dentro da cisheteronorma,
é tentar problematizar o quanto todos e todas nós somos vítimas de uma cultura
predominantemente machista. Se eu me declarar homem, branco, cis, artista da
dança e casado com uma mulher, mesmo sem que me conheçam, ainda prevê,
de acordo com Goffman (1988), uma “identidade social” formada por categorias e
atributos que dizem respeito a gênero, etnia, profissão e, talvez, sexualidade. No
conjunto dessas categorias, algumas pessoas, como já fizeram, classificariam-me
também como machista, estigmatizando-me.
O termo estigma, para Goffman (1988), é frequentemente usado para
referenciar um atributo depreciativo em relação à pessoa. Algumas plateias no fim
do espetáculo se manifestaram: - como vocês, com todo o lugar de privilégio que
ocupam numa sociedade como a nossa, ainda querem propor uma peça de dança
que trata da opressão do machismo também aos homens?
Ao escutar esse questionamento, percebi o incômodo de algumas pessoas
com relação à temática do espetáculo, principalmente vindo de artistas homens.
Estigma? O processo criativo, que possibilitou espaços para tematizar as nossas
subjetividades e expressá-las, tanto nos debates ao longo do processo de criação,
como nas apresentações e nos nossos contextos sociais, não foi bem recebido
por algumas pessoas que assistiram à peça. Acredito que a função da arte seja
exatamente essa (o incômodo, a dúvida, o espanto), na esperança de confrontar
as plateias para que pudessem se tornar críticas ao sistema opressor machista
também aos homens, por isso, talvez a peça tenha cumprido o seu papel.