
Arquivos suados - treinando a escrita de corpos no espaço virtual
Adriana Parente La Selva | Pieter-Jan Maes
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-27, abr. 2025
verificação mais desafiadoras. Consequentemente, conceitos como precisão
histórica, autenticidade, autoria, propriedade intelectual — e o que dizer da
propriedade embodied? —, expertise, valor cultural e até mesmo um ethos,
dependem do arquivo como uma fonte legitimadora.
Este sistema epistemológico circular de legitimação reafirma novamente
a centralidade do lugar. O arquivo passa a funcionar não apenas como o
espaço de enunciação, o lugar de onde se fala, mas também (e
principalmente), como Foucault observou, como "a lei do que pode ser
dito" ([1969] 1972:129). Lugar/objeto/prática existem em uma conexão
estreita em que cada um depende do outro para sua autoridade. Cada
um possui uma lógica e política distintas de tornar o conhecimento visível
(Taylor, 2024, p.26)13.
Além disso, ao acompanhar a história que começou com a criação do
ciberespaço, estamos testemunhando mudanças poderosas nas formas como
organizamos a vida neste mundo. Muitas dessas mudanças nos fazem olhar com
medo e ceticismo, pois o que uma vez foi proposto como um novo mundo
libertador tem, continuamente, nos aprisionado. Em 1996, John Perry Barlow
declarou o ciberespaço como um espaço livre e independente, onde os governos
não têm poder e "todos podem entrar sem privilégios ou preconceitos atribuídos
por raça, poder econômico, força militar ou posição de nascimento" (Barlow, 2016,
online)14. Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation, publicou a
declaração enquanto o governo dos EUA tentava aprovar uma nova Lei de
Telecomunicações, que desregulamentava a propriedade da internet: “Seus
conceitos legais de propriedade, expressão, identidade, movimento e contexto não
se aplicam a nós. Todos eles são baseados na matéria, e aqui não há matéria”
(Barlow, 2016, online)15.
Como sabemos, após algumas décadas, as coisas acabaram sendo
13 This circular legitimating epistemic system again affirms the centrality of place. The archive comes to
function not simply as the space of enunciation, the place from which one speaks, but also (and primarily),
Foucault noted, as “the law of what can be said” ([1969] 1972:129). Place/thing/practice exist in a tightly bound
connection in which each relies on the other for its authority. Each has a different logic and politics of making
visible. (Taylor, 2024, p.26) (Tradução nossa).
14 all may enter without privilege or prejudice accorded by race, economic power, military force, or station of
birth (Barlow, 2016, online). (Tradução nossa).
15 Your legal concepts of property, expression, identity, movement, and context do not apply to us. They are
all based on matter, and there is no matter here. (Tradução nossa).