
Qual corpo chega antes?
Luciana Eastwood Romagnolli
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-12, abr. 2025
matema da fantasia, em junção e disjunção com o sujeito ($) que leva essa barra
por efeito da castração simbólica, ou seja, de sua entrada na linguagem, que o
sujeita ao Simbólico, diferenciando-o dos outros animais ao inaugurar o
(des)encontro entre linguagem e corpo, entre $ e a. Esse a pode ser um modo de
representar o resto, que é o resto de gozo6 dessa operação de choque da
linguagem em um corpo, que instaura o pensamento e a fala, com consequente
perda de unidade, pois a linguagem não recobre toda a experiência corporal. Daí o
resto de gozo não simbolizado e, por isso, não socializável, um dejeto com o qual
o corpo falante há de se haver. “O gozo como tal, no entanto [...], não tem a
dignidade com que se recobrir. [...] Quando o gozo é elevado à dignidade de Coisa,
ou seja, quando ele não é rebaixado à indignidade do dejeto, ele é sublimado, ou
seja, socializado [...], integrado ao laço social, ao circuito das trocas” (Miller, 2010,
p.2).
Consideremos essa operação à vista do lugar no discurso do mestre de nossa
época, que os corpos encenados ocupam. Advertidos de que, se essas nomeações
que lhe são atribuídas capturam algo do gozo numa identidade, também o
aprisionam ao idêntico a si: mulher, negra, travesti, degenerada. Modos distintos
de significar um corpo como rejeito no discurso capitalista; por isso mesmo, é a
partir deles que se tem feito operações estéticas de subversão para dar-lhes lugar
digno na cena teatral contemporânea.
Com as ressonâncias da body art e da arte da performance desde os anos
1960-1970, o corpo atraiu as atenções como meio privilegiado de expressão e ação
artística, especialmente no trabalho de performers ditas mulheres, queer, não
brancas e demais significantes associados à subalternidade (lembremos da
pergunta de Spivak, 2010: “Pode o subalterno falar?”). Elas expressam implicações
de se ter um corpo e seus transbordamentos em performances feministas, “onde
a performer se constitui na sua própria materialidade de trabalho” e “o corpo é
abordado de forma ambivalente – criador e criatura, representação e
a/presentação, organizado e desorganizado” (Montagner, 2019, p. 316).
6 O gozo é um dos conceitos mais importantes do último ensino de Lacan. Trata-se do que perturba o corpo,
para além da satisfação (ou, em termos freudianos, para além do princípio do prazer).