
Por uma estética do corpo esgotado
Angela Guida | Daniel Almeida Machado
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-28, abr. 2025
naquilo que se pode pensar como as ondas feministas. Conforme discutido
anteriormente (Machado; Guida, 2021), a primeira onda corresponde à luta pelos
direitos civis, no final do século XIX e início do XX; a segunda, na esteira do
movimento estudantil da década de 60, reivindicava o direito ao corpo e a
liberdade sexual; e em seguida, com a terceira onda, há o direito ao pensamento
e a consolidação de um feminismo mais sedimentado em termos acadêmicos e
enquanto produção de discurso científico. Por fim, a quarta onda, concernente ao
século XXI e com o advento da internet, traz à tona a necessidade de que a mulher
seja ouvida, em um contexto de escuta dos diversos femininos plurais, em recortes
de raça, classe e gênero, e o corpo cede lugar de objeto de pesquisa para
instrumento de comunicação e plataforma de denúncia. Chega-se, enfim, a um
corpo que, esgotado de séculos de opressão, não se cala e vai à luta. É um corpo-
movimento, corpo-ação, corpo-praça, corpo-performance, “corpo-bandeira”,
conforme Bila Sorj e Carla Gomes analisam em movimentos como a Marcha das
vadias:
O corpo tem um importante e duplo papel [...] objeto de reivindicação
(autonomia das mulheres sobre seus corpos) e é também o principal
instrumento de protesto, suporte de comunicação. É um corpo-bandeira.
[...] Palavras de ordem são escritas em seus corpos, como “meu corpo,
minhas regras”, “meu corpo não é um convite”, “puta livre”, “útero laico”,
“sem padrão”. Pelo artifício da provocação, o corpo é usado para
questionar as normas de gênero, em especial as regras de apresentação
do corpo feminino no espaço público. Ao mesmo tempo, o corpo é um
artefato no qual cada participante procura expressar alguma mensagem
que o particulariza (Sorj; Gomes, 2014, p. 437-438).
Pode-se considerar que o corpo, na arte da performance, encena esses
movimentos de levante e gritos de ordem que são entoados na coletividade,
quando muitas mulheres se unem, numa poética bastante especial em que um
único corpo, da artista, quer extravasar a si próprio, não gritando por uma, mas
várias. Coincide com essa ideia o fato de que, desde as primeiras manifestações
de performances como linguagem artística, no início do século XX, conforme
aponta RoseLee Goldberg em
A arte da performance
(2015), seu caráter visual e
efêmero, que prioriza as ruas e espaços públicos, e não os tradicionais museus,
acessados por poucos, fez dela uma arte de subversão, que conseguiria esquivar
dos governos e de suas censuras. É, portanto, “uma forma que os artistas usam