
Corpo-invólucro na escrita e crítica contemporâneas
Alexandre Lindo
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-27, abr. 2025
mesclam documentos e ficção” (Soler, 2008, p.39). Aponta que o verbo
documentar trata de reunir documentos para provar algo, mas isso não basta, pois
há a atividade de mães que reúnem vários documentos dos filhos como forma de
preservação da memória. Os primeiros documentários no cinema também faziam
isso com a ideia de preservar tradições e culturas em desaparecimento. O foco do
pesquisador é o ato de documentar em arte para quem documentário é um
discurso artístico, um projeto estético particular, distinto da ficção. Soler aponta
que com os irmãos Lumière ainda não havia um projeto estético fundado no
trabalho formal com a linguagem, os irmãos apenas colocavam a câmera para
gravar. Para ele, documentar assemelha-se ao próprio mecanismo da memória:
A memória, assim, não é o que passou, mas a reescrita e a consequente
significação dada ao passado. Conclui-se que a narrativa documental, em
meio a “lembranças e esquecimentos”, daquilo que se deseja explicitar,
segundo determinados interesses, reescreve o passado, construindo um
memorial possível daquilo que se documenta (Soler, 2015, p.58).
A notória expansão do campo documental como espaço para a construção
da memória de algo, de alguém, de algum lugar ou de uma época é evidente nas
produções cênicas contemporâneas, como aponta o pesquisador:
A encenação de Luís Antônio – Gabriela (2011) além de exemplificar o
crescente interesse do público pela presença da memória pessoal em
cena, permite observar que a necessidade de organização simbólica do
passado está diretamente relacionada ao querer documentar. [...] Em
propostas nas quais a construção do passado como discurso tem por
base a memória pessoal de pelo menos um dos envolvidos, como é o
caso de Luís Antônio – Gabriela, os criadores além de trabalharem a partir
de arquivos pessoais, tendem a ter a cena como espaço para a
organização simbólica da experiência vivida. [...] No caso de Baskerville, a
opção foi propor ao coletivo de atores que construísse a partir dos
documentos levantados (cartas, vídeos familiares, entrevistas gravadas,
fotos e o próprio relato do diretor) as cenas que dariam conta de
teatralizar parte da história de Luiz Antônio, especialmente no que se
refere a sua transformação em Gabriela (Soler, 2015, p.61-63-64, grifos
nossos).
Para o pesquisador a realidade é sempre uma construção. Documentar para
Piscator (1968) é reconstruir o passado de algo, há um ponto de vista: uma ética.
Essa reconstrução pode ser a autobiografia, fatos históricos, a memória do outro
etc. O documento reconstrói o passado, registro de algo. Para o autor existem
alguns fundamentos sobre o uso do documento: 1) intencionalidade de construir