
Os estados alterados de consciência no processo de criação do ator angolano
Leônidas Oliveira Neto | Robson Carlos Haderchpek
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-21, abr. 2025
Dentro do laboratório, essas ações eram repetidas inúmeras vezes e
decorriam de um estado alterado de consciência. Como num ritual a ação
conecta o participante a uma atmosfera onírica e o transporta para uma
dimensão liminar7 no tempo presente. O ator/performer/bailarino está na
sala de ensaio jogando, mas é como se estivesse em outro lugar, num
espaço mágico-ficcional que lhe permite ser quem ele/ela quiser ser: um
anjo, um demônio, um animal, um ancestral desconhecido, um herói, um
vilão, um guerreiro, uma guerreira, uma bruxa, uma mãe, um avô, ou uma
força da natureza (Oliveira Neto; Haderchpek, 2021, p. 16-17).
Apoiados em investigações psicofísicas, que se dão em decorrência dos
estados alterados de consciência, os atores/bailarinos/performers acordam mitos8
e dão vazão a uma prática de criação diretamente imbricada com as suas
mitologias pessoais
.
As práticas laboratoriais e os estados alterados de consciência
O encontro com os estados alterados de consciência faz parte das práticas
laboratoriais como forma heterodoxa da criação artística do
Grupo Arkhétypos
e
foram exploradas no
Otyoto Internacional do Bimphadi: Encontro de
Sensibilidades
, realizado em Luanda (Angola), no período de 17 a 25 de outubro de
2022. Buscamos, durante esse processo, uma transmutação do espaço-tempo
que desse liberdade ao ator para falar sobre suas dores, vivências e percepções
que fazem eclodir, de maneira inovadora, histórias e personagens que serão
trabalhados sob a perspectiva do
Teatro Ritual
(Haderchpek, 2018; 2021). Esse fazer
artístico utiliza como base a possibilidade de criação de histórias a partir das
vivências do próprio ator. No momento em que atingimos esse
estado alterado de
consciência
, conseguimos ter acesso às histórias vividas e não-vividas, que passam
a fazer parte deste universo simbólico que está em criação.
7 O termo
liminar
está ancorado no pensamento do antropólogo Victor Turner que discorre sobre a
liminaridade
nos processos rituais. Segundo Turner (2013, p. 98): “As entidades liminares não se situam aqui
nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e
cerimonial”. No processo
ritual ocorre uma dilatação do espaço-tempo, e quem adentra ao espaço-tempo
liminar
atua numa região “entre”, uma região que suspende a apreensão da realidade como ela é e transporta
o indivíduo para um espaço-tempo ritualístico, onde as regras sociais são suprimidas e o indivíduo age a
partir de uma nova ótica, sem julgamentos ou predefinições.
8 Segundo David Feinstein e Stanley Krippner: “Os mitos, no sentido que damos ao termo, não são lendas ou
falsidades, mas modelos através dos quais os seres humanos organizam e codificam suas percepções,
sentimentos, pensamentos e atitudes. Sua mitologia pessoal origina-se dos fundamentos do seu ser, sendo
também o reflexo da mitologia produzida pela cultura na qual você
! vive. Todos criamos mitos baseados em
fontes que se encontram dentro e fora de nós e nós vivemos segundo esses mitos”. (Feinstein, Krippner,
1992, p.16).