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O que nos conta, hoje,
o Teatro Experimental de Cali?
Entrevista com Jacqueline Vidal
Concedida a Leonardo Cesar Ertel Engel
Para citar esta entrevista:
VIDAL, Jacqueline. O que nos conta, hoje, o Teatro
Experimental de Cali?.[Entrevista concedida a] Leonardo
Cesar Ertel Engel.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 52, set. 2021.
DOI: 10.5965/1414573103522024e0502
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Entrevista com Jacqueline Vidal - Concedida a Leonardo Cesar Ertel Engel
Florianópolis, v.3, n.52, p.1-15, set. 2024
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O que nos conta, hoje, o Teatro Experimental de Cali?1
Entrevista com Jacqueline Vidal
Concedida a Leonardo Cesar Ertel Engel2
Resumo
Nesta entrevista com Jacqueline Vidal, diretora do Teatro Experimental de Cali,
conversamos sobre as atuais inclinações deste grupo de teatro colombiano no cenário
teatral latino-americano. A entrevista é parte de um projeto maior, uma tentativa de
buscar uma aproximação à metodologia de criação coletiva do grupo, a fim de difundi-
la aqui no Brasil e minimizar a lacuna bibliográfica que temos sobre o relevante trabalho
teatral e pedagógico desenvolvido pelo Teatro Experimental de Cali (TEC) desde 1955 na
cidade de Cali na Colômbia.
Palavras-chave
: Criação coletiva. Teatro latino-americano. Enrique Buenaventura,
Jacqueline Vidal.
What does the Teatro Experimental de Cali tell us today?
Abstract
In this interview with Jacqueline Vidal, director of Teatro Experimental de Cali, we talk
about the current inclinations of this Colombian theater group in the Latin American
theater scene. The interview is part of a larger project, an attempt to seek an
approximation to the group's collective creation methodology, in order to disseminate it
here in Brazil and minimize the bibliographic gap we have on the relevant theatrical and
pedagogical work developed by Teatro Experimental de Cali (TEC) since 1955 in the city
of Cali in Colombia.
Keywords:
Collective creation. Latin American theater. Enrique Buenaventura. Jacqueline
Vidal.
¿Qué nos dice hoy el Teatro Experimental de Cali?
Resumen
En esta entrevista con Jacqueline Vidal, directora del Teatro Experimental de Cali,
hablamos de las inclinaciones actuales de este grupo de teatro colombiano en la escena
teatral latinoamericana. La entrevista es parte de un proyecto más amplio, un intento de
buscar una aproximación a la metodología de creación colectiva del grupo, con el fin de
difundirla aquí en Brasil y minimizar el vacío bibliográfico que tenemos sobre el relevante
trabajo teatral y pedagógico desarrollado por el Teatro Experimental de Cali. (TEC) desde
1955 en la ciudad de Cali en Colombia.
Palabras clave
: Creación colectiva. Teatro latinoamericano. Enrique Buenaventura.
Jacqueline Vidal.
1 Entrevista viabilizada por subsídios do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), através do programa de bolsas PROMOP e de auxílio para viagem de
pesquisa.
2 Mestrando em Artes Cênicas (PPGAC) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharelado
em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). leonardoc.engel@outlook.com
https://lattes.cnpq.br/5886539043784716 https://orcid.org/0009-0004-6268-4628
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Introdução
Esta entrevista é parte da coleta de materiais, documentos e relatos que
constroem o corpo de uma pesquisa muito maior, sobre a metodologia de criação
coletiva do Teatro Experimental de Cali – Colômbia, citado ao longo do texto e da
entrevista sempre como TEC. O TEC surge em 1955, na Colômbia, fundado por
Enrique Buenaventura (1925-2003) e um grupo de estudantes da
Escuela
Departamental del Instituto de Artes Escénicas
da
Universidad del Valle
e é um
dos grupos que deu impulso à modernização do teatro colombiano e latino-
americano.
Entre os anos 1950 e 1970 na Colômbia, desenvolveu-se um movimento
chamado
Nuevo Teatro
(Maria Mercedes de Velasco, 1986), que investia na
modernização das práticas teatrais vigentes através da incorporação das teses
vanguardistas norte-americanas e europeias, em um esforço de reelaborá-las a
partir da materialidade latino-americana. Este é o contexto de surgimento do TEC,
que em seu princípio buscou na montagem de textos clássicos, ainda no contexto
universitário, uma absorção dessa modernidade teatral importada. Mas, logo
iniciou um grandioso projeto que tinha como centro a criação de dramaturgias
próprias, que fossem capazes de construir, em cena, a realidade e materialidade
histórica do sul global e dos países latino-americanos, com enfoque na Colômbia.
Nesse processo, destaca-se a obra do fundador do grupo, Enrique
Buenaventura, diretor, dramaturgo, encenador, ator, pintor e poeta. Buenaventura
produziu mais de 70 textos dramáticos e cerca de 90 ensaios teóricos sobre a arte
teatral. Uma obra gigantesca e extremamente rica que, infelizmente, ainda tem
pouquíssimas traduções e uma difusão ainda mais precária em nosso país.
Para além de uma dramaturgia própria que fosse capaz de tratar sobre as
experiências do próprio povo, construindo suas obras a partir de lentes locais, os
grupos que se formaram e perseveraram neste momento, como parte do
movimento do Novo Teatro, tinham outras características em comum que
definiam a natureza de seus trabalhos e identidades até hoje: uma rejeição ao
drama burguês somada à incorporação dos ideais de Bertold Brecht (1898 - 1956)
e, posteriormente, de Antoine Artaud (1896 – 1948), o que resultou em obras com
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inclinações épicas e uma importante valorização da comunhão com o público;
uma intensa atuação política, muitas vezes partidária; a organização política do
trabalho em formato de teatro de grupo, rejeitando o sistema produtora-artistas;
a adoção da criação coletiva como principal metodologia de trabalho3.
Este último é o foco da pesquisa de mestrado que tenho desenvolvido na
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), que viabilizou um intercambio
para pesquisa de campo junto ao grupo durante os meses de julho e agosto de
2024 na Colômbia. Durante este breve período pude acompanhar o trabalho do
coletivo e ter um contato um pouco mais profundo com sua obra e sua
metodologia de criação. O Método de Criação Coletiva do TEC chama atenção,
dentre inúmeros outros grupos que também trabalham com criação coletiva, por
uma importante particularidade: seu nível de sistematização.
Sempre muito atento à necessidade e à importância de registrar e refletir
sobre seu trabalho, Buenaventura e o grupo do TEC documentaram todo o seu
processo de trabalho, durante anos, experimentando diferentes dinâmicas de
criação coletiva, até chegarem a uma sistematização metodológica muito
específica e única. O Método do TEC estabelece como pressuposto que cada
pessoa mantenha sua função dentro de um processo de criação teatral, ou seja,
os atores e atrizes continuam como tal, o dramaturgo e o diretor também. Músicos
e pintores são costumeiramente convidados para tratar da sonorização e cenário,
assim cada pessoa constrói o processo em uma função específica, mas nenhuma
dessas funções se sobressai sobre a outra, e o mais importante, na criação coletiva
do TEC o sentido das obras é criado coletivamente.
O Método do TEC estabelece uma série de etapas que começam pela análise
do material de base, seja ele um texto dramático ou algum outro material literário,
uma pintura, um acontecimento histórico, uma narrativa oral ou uma temática
com a qual o grupo queira trabalhar. A partir desta análise encontra-se um
esquema central, expresso por forças sociais que estão em conflito em prol de
uma motivação. Este esquema geral de conflito dará origem ao sentido da obra, e
3 Neste mesmo ímpeto surgiram vários outros grupos em toda a América Latina, dos quais cito
o
Teatro do
Estudante (Pernambuco, 1945), Teatro del Pueblo (Argentina, 1930) El Galpón
(Uruguai, 1949), Teatro de Arena
(São Paulo, 1953), La Candelária (Bogotá, 1966), e o Teatro Experimental de Cali.
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é construído coletivamente pelo grupo. Depois disso, este conflito é levado à cena
através de improvisações via analogia4, que por sua vez provocam um
distanciamento entre o trabalho cênico de improvisação e o material de base, com
o intuito de criticá-lo. Essas improvisações são encaradas tanto como uma
ferramenta de criação quanto uma ferramenta de análise, serão feitas pelos atores
e atrizes, em diferentes grupos, para que todos possam propor cenicamente e
construir leituras sobre o trabalho dos colegas.
Depois que este conflito central - que vai determinar o sentido da obra, é
testado e analisado via improvisações, este é subdividido nas situações e nas
ações, depois todas as situações e ações são improvisadas, novamente via
analogia. Essa é a “primeira volta” que o grupo faz ao redor do seu material de
base. A “segunda volta” consiste na etapa de montagem, em si, onde o grupo
começa a realizar improvisações de aproximação ao material de base, buscando
aproximar as analogias das suas estruturas “originais”, presentes nesse material.
Esse momento é de intenso trabalho entre os atores e atrizes, porque essa
aproximação é feita através de improvisações. Mas também é um momento de
forte trabalho na instância de encenação, que faz suas leituras a partir da
observação externa à cena. Esse é o momento em que são integradas músicas,
propostas de cenário, de figurino e de estruturas de cena. Depois disso, os
elementos são polidos e organizados, mas sempre em prol da obra, que foi criada
coletivamente.
Assim o Método do TEC cria um sistema extremamente complexo e
detalhado que determina as bordas de uma criação coletiva, de forma que, mesmo
que cada pessoa do grupo mantenha sua função dentro do processo criativo, estas
interagem entre si de maneira não hierárquica, e principalmente, de forma que a
centralidade do processo seja sempre ocupada pela obra, que converge todos os
esforços e instâncias criativas para si.
4 A analogia é uma ferramenta muito usada pelo grupo. Consiste no ato de criar um conflito com forças e
motivações parecidas com o conflito original” (o conflito retirado do material base), que preservem mais
ou menos a sua estrutura e improvisar esta analogia, ao invés do conflito original. A analogia serve para
manter o distanciamento que o grupo busca em suas obras, com uma clara inspiração no distanciamento
brechtiano. A analogia para o TEC é uma ferramenta que evita que os conflitos que estão sendo analisados
e postos em cena sejam sugados pelo desenvolvimento da montagem, que tenha seu potencial épico
castrado.
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Esta contribuição do grupo colombiano está hoje acessível em uma série de
documentos, com destaque para o texto
Esquema General del Método de Trabajo
Colectivo”
, publicado em 1975 pela Comissão de Publicações do TEC. Esta é a
versão mais atualizada que documenta de forma detalhada a metodologia do
grupo, com pretensões declaradas de que esta seja reproduzida por outros
coletivos em criação. Entretanto, aqui no Brasil temos uma séria lacuna
bibliográfica acerca da experiência do TEC. Sobre a sua metodologia temos apenas
um texto traduzido, uma versão do Método de 1971, publicada na
Revista Camarim
com o título “Notas Para um Método de Criação Coletiva”, que expõe o arcabouço
técnico das propostas metodológicas do grupo, mas sem as atualizações e ensaios
que complementam a versão mais atual, de 1975. Além disso, somente uma
parcela muito pequena da obra de Buenaventura, tanto ensaística quanto
dramática, está traduzida para o português e publicada no Brasil, e as pesquisas
sobre Buenaventura e sobre o grupo colombiano ainda são extremamente
escassas em nosso país; e, as que existem, são voltadas em sua grande maioria
para a dramaturgia e as inclinações políticas e épicas\dialéticas do teatro
produzido pelo grupo5.
Esta falta é o que propulsiona minha pesquisa de mestrado, que busca
construir uma arqueologia da metodologia do grupo e analisá-la de maneira
teórico-prática6, buscando entender como ela está sendo aplicada, para que esta
possa vir a se aproximar das experiências dos meus pares a classe teatral
brasileira, e servir como uma referência acessível, visto que constitui um aporte
metodológico. Considerando, então, a lacuna que temos no Brasil sobre o trabalho
do grupo e sobre Buenaventura, grande parte do material coletado para a pesquisa
se deu durante a minha estadia em Cali, quando pude acompanhar o grupo de
5 Destes trabalhos destaco a tese de doutoramento de Juliana Caetano, intitulada “Enrique Buenaventura e o
Teatro Experimental de Cáli: Estilhaçar e Remontar a Históriae os trabalhos de Marília Carbonari, intitulados
“A direção teatral e o método de criação coletiva de Enrique Buenaventura no TEC (Teatro Experimental de
Cali)” e “Uma experiência de teatro político na américa latina: estudo da criação coletiva no teatro
experimental de Cali (TEC - colômbia) durante O processo de elaboração da peça ‘A denúncia’, de enrique
Buenaventura, em 1971”.
6 O único trabalho brasileiro do qual tenho conhecimento que analisa a aplicação da metodologia do TEC na
montagem de uma obra teatral é a meu próprio trabalho de conclusão de curso, intitulado “Uma Experiência
de Aplicação do Método de Criação Coletiva do TEC (Teatro Experimental de Cali 1972) na Montagem da
Peça ‘O Espectador Condenado à Morte’ de Matéi Visniec”, finalizado e entregue em 2022 como requisito
para a conclusão do Bacharelado em Artes Cênicas pela UFSC.