A escrita do corpo na cena pedagógica: a teatralidade da docência
Eduardo Pereira Batista
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-16, dez. 2024
da cultura e da história (Rodrigues, 1999), que marcam profundamente, desde
nossa chegada ao mundo, nossa relação com as pessoas e com as coisas que nos
cercam. Antes mesmo de habitar a linguagem, ainda que não tenhamos nenhuma
lembrança desse tempo, nosso corpo foi marcado pelo olhar, pela voz e pelos
gestos das pessoas que assumiram a responsabilidade por nosso cuidado e nossa
educação, antes mesmo de nosso nascimento. Somos falados antes de sermos
tocados, ou ainda, somos tocadas pelas palavras antes mesmo de sermos tocados
com as mãos. Se é verdade que, antes mesmo da nossa chegada ao mundo,
somos marcados no corpo pela palavra, quando assumimos a tarefa de educar os
mais novos também deixamos marcas no corpo de quem cuidamos e educamos.
Na cena pedagógica, nossa voz, nossos gestos e olhares se escrevem
subjetivamente no corpo das crianças e dos/as alunos/as com os/as quais
convivemos cotidianamente na escola. Paulo Freire (1996) chama nossa atenção
para a importância de "um simples gesto do professor" e do que isso pode
representar na vida de um aluno. Segundo Freire (1996), um gesto aparentemente
insignificante do educador pode conter em si um efeito formativo que marca
simbólica e significativamente a formação do educando. Embora a citação seja um
pouco longa, pela beleza e valor elucidativo que ela nos oferece, vejamos na íntegra
a lembrança de Paulo Freire (1996, p. 42-43), na qual ele se recorda de como um
simples gesto de seu professor marcou profundamente sua formação e
experiência escolar:
Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses
gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja
significação profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o
professor, e que teve importante influência sobre mim. Estava sendo,
então, um adolescente inseguro, vendo-me como um corpo anguloso e
feio, percebendo-me menos capaz do que os outros, fortemente incerto
de minhas possibilidades. Era muito mais mal-humorado que apaziguado
com a vida. Facilmente me eriçava. Qualquer consideração feita por um
colega rico da classe já me parecia o chamamento à atenção de minhas
fragilidades, de minha insegurança.
O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e,
chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em certo
momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer
palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de
consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez
que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma